Lesão de Exum não justifica retenção de Raulzinho em Utah
Giancarlo Giampietro
A foto acima diz muita coisa. A felicidade de alguns dos campeões pan-americanos. Olivinha comandando a selfie, como não poderia deixar de ser. Rafael Hettsheimeir quase tirando seu futuro companheiro de Bauru da foto. Duas pessoas que, como jornalista, admito não reconhecer. Mas o que mais chama a atenção, mesmo, até por destoar no amontado amarelo e verde, é a camisa branca erguida por Augusto Lima, numa menção a Raulzinho (Neto), que se desligou do time no meio do caminho.
Legal que Augusto tenha pensando no jogador que o acompanhou nas últimas duas temporadas em Murcia. Nota-se nesse gesto o coração grande do pivô, que, na preparação para sua primeira decisão com a camisa da seleção, não se esqueceu do chapa. Mas não seria melhor se o próprio armador estivesse ali no meio?
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Acho que vocês já sabem o que aconteceu. Raul abandonou os treinamentos em São Paulo para viajar a Salt Lake City e assinar com o Utah Jazz. É o tipo de decisão que pode mudar o rumo de uma carreira, atlética e financeiramente. Não é menosprezar a seleção, mas você não pode abrir mão de uma oportunidade dessas. Então tudo bem: que pegue o avião rumo às Montanhas Rochosas e assine a papelada. Ponto.
(Da parte da CBB, a cessão do armador talvez seja, voluntariamente ou não, uma boa tacada política, pensando numa Olimpíada que vem por aí e também em eventuais futuras convocações de um jogador jovem, que já faz parte do próximo núcleo da seleção. Por outro lado, assusta a falta de transparência da entidade mesmo no trato da liberação de um atleta. Se a decisão foi de não bater o pé para que Raul ficasse no time, qual o problema de divulgar isso com clareza, uma vez decidido que o atleta não iria para o Pan? Abre-se margem para especulações, e a boataria pode atingir o jogador em cheio se fugir de controle. Ainda mais quando o assunto é a relação de enebianos e a seleção. Basta perguntar para Nenê os efeitos. )
O que rolou na sequência, uma vez assinado o contrato, é que é difícil de entender. O armador já não seria reintegrado à equipe de Ruben Magnano, mas também não fez parte do elenco de verão da franquia de Utah. Então que raios estaria fazendo? Bem, aí chegou a informação da mídia local de que a diretoria havia pedido para que ele ficasse por lá, para treinar com alguns veteranos em Las Vegas, num ambiente totalmente informal. Não sabemos quem e quantos estiveram em quadra, que tipo de orientação estavam recebendo e por quanto tempo duraram as atividades. Se é que elas foram interrompidas.
Boa parte do time esteve por lá, segundo relatos, ok. Os técnicos e os cartolas ficaram satisfeitos com essa reunião, acreditando que o período em conjunto nas férias ajuda a desenvolver a química do elenco e facilita o entrosamento em quadra. Para Raulzinho, vindo de fora, esse período pode, mesmo, ter sido importante, já que o armador teve um contato mínimo com esses atletas desde o dia em que foi selecionado em 2013 — foi a liga de verão em Orlando com Gobert e Burke, e pouco mais que isso. Mas… Basta espiar a foto acima novamente e perguntar se, na construção do armador Raul Neto, para o futuro do Utah Jazz, os rachões e jantares em Las Vegas são realmente mais relevantes que a experiência de jogar em Toronto e ganhar uma medalha pela seleção?
Em termos de relevância internacional, sabemos que o Pan está em segundo ou terceiro plano. De qualquer forma, lá estava um Rick Pitino iniciando seu trabalho com Porto Rico, Anthony Bennett e Andrew Nicholson tentando mostrar algo pelo Canadá, Bobby Brown e Keith Langford, cestinhas de Euroliga com salários de sete dígitos lá fora, realizando um sonho americano etc. O torneio não teve a elite da modalidade, mas apresentou elementos muito interessantes e, nesse contexto, e os caras escalados por Magnano souberam aproveitar ao máximo a oportunidade dada. Não há como negar que todos os que estiveram em quadra voltaram engrandecidos no desembarque em São Paulo. E, de qualquer forma, a ausência de Raul acabou abrindo espaço na rotação para que Rafael Luz provasse que, sim, tem de ser discutido em qualquer convocação futura, independentemente de quem esteja disponível. Ricardo Fischer também ganhou mais espaço, como um complemento fundamental à bela temporada que fez pelo Bauru. Os dois foram muito bem na armação, em que pesem um ou outro tropeço com a bola, inerentes à função. Para Benite estourar a boca do balão, valeu a assessoria dessa dupla de ainda jovens — mas rodados — armadores.
Em termos de trajetória internacional, Raulzinho está (ou estava) à frente. Ele teve mais minutos nas últimas temporadas de Liga ACB e ganhou rodagem bem mais extensa com a seleção, como uma presença constante nas listas de Magnano, com o ponto máximo sendo sua bela atuação contra a Argentina pelas oitavas de final da Copa do Mundo. Ainda assim, o Pan seria o primeiro torneio em que o jogador poderia pegar a chave do carro sem ter de pedir permissão a Marcelinho Huertas. Ainda vem a Copa América pela frente, pela qual a equipe nacional poderá jogar numa posição bastante interessante, sem pressão alguma, já que a vaga olímpica está no papo, para alívio dos competentíssimos gestores da CBB.
Então tem isso.
Foi uma tese convincente?
Talvez.
Para o gerente geral Dennis Lindsey e o técnico Quin Snyder, uma notícia que veio da Eslovênia, dez dias depois, talvez os tenha deixado seguros de que haviam tomado a decisão certa ao encorajar que Raulzinho ficasse fora do Pan. Foi quando souberam que o garoto Dante Exum havia muito provavelmente rompido o ligamento cruzado anterior de seu joelho esquerdo. O armador, de 20 anos recém-completos, estava jogando um amistoso pela Austrália. O clube ainda não informou quando ela será realizada, mas o caçulinha vai passar por uma cirurgia que muito provavelmente vai afastá-lo da próxima temporada.
O Utah Jazz tem um time em ascensão na NBA. Se fosse levado em conta apenas seu aproveitamento na segunda metade da temporada passada, teria entrado nos playoffs. Exum não teve números grandiosos, mas desempenhou um bom papel em quadra, especialmente por seus atributos defensivos. A lesão do australiano deixou angustadios os torcedores do time, aguardando com ansiedade uma nova grande equipe desde os tempos de Stockton e Malone, com todo o respeito ao grupo que teve Deron, Boozer, Okur, Kirilenko (e Baby). Não dá para saber o exato impacto dessa lesão. Quem sabe Raulzinho não dá um salto na pré-temporada e assuma a bronca? (Importante notar que essa não é a expectativa dos treinadores e diretores, com o brasileiro inicialmente cotado para a D-League e agora para disputar o posto de primeiro reserva com Bryce Cotton, que tem a mesma idade). Burke também pode encontrar, enfim, um ritmo consistente de jogo? Ou pode ser que chegue algum reforço que cuide da posição. Está cedo.
O que se lamenta mais é o ano perdido no desenvolvimento do australiano, que, no único jogo que fez neste verão (setentrional) pelo Jazz, foi muito bem, batendo os encardidos Marcus Smart e Terry Rozier para ganhar o garrafão diversas vezes. Até que… torceu o tornozelo e não conseguiu mais defender a equipe em Salt Lake City e Las Vegas. Quer dizer: contusões, lesões acontecem com atletas. Não tem jeito. De modo que qualquer movimento alarmista encampado nos bastidores da liga americana contra as competições internacionais tem de ser relativizado. Se as seleções estiverem comprometida em pagar um seguro pelos atletas, não há o que se fazer. Ainda existem jogadores que têm prazer em disputas internacionais. E muitos: basta ver que dezenas de atletas passaram por Las Vegas nos últimos dias para dizer a Jerry Colangelo e Coach K que têm interesse em fazer parte do grupo olímpico do Rio 2016.
O próprio Dennis Lindsey, gerente geral da franquia, sabe que não há muito o que se fazer a respeito. Ou a NBA causa ruptura total, ou as atividades seguem normalmente, com as devidas precauções tomadas. “Já vimos isso acontecer antes, infelizmente. Mas não há como embrulhar os jogadores em uma bolha. Você tem de deixá-los jogar”, afirmou. Isso, antes, de tomar mais um susto nesta quarta-feira, quando circulou por aí um papo de que Rudy Gobert havia deixado a quadra mancando, em amistoso contra a Sérvia. Aparentemente, porém, não é nada grave.
O próprio Gobert, de qualquer forma, é um grande exemplo de jogador jovem que usou uma passagem pela seleção nacional para se soltar e comprovar sua evolução. “Comprovar” porque ninguém dá um salto considerável de rendimento em apenas algumas semanas de treino com um time. O que Gobert fez pela França no ano passado foi o resultado de um ótimo trabalho com os treinadores do Utah durante seu primeiro campeonato. Foi na Copa do Mundo, porém, que o espigão recebeu bons minutos de jogo em alto nível, numa competição de alta visibilidade (e pressão), para ganhar confiança, sabendo que as coisas caminhavam bem, ainda mais quando veio uma medalha de bronze para uma equipe bastante desfalcada. Guardadas as devidas proporções, há um paralelo aqui com a seleção brasileira no Pan. E Raulzinho acabou perdendo essa.