Cresce nos EUA movimento para limitar NBA em torneios Fiba
Giancarlo Giampietro
Em um texto nada celebratório sobre a conquista do bicampeonato mundial pelos Estados Unidos neste domingo, o jornalista Adrian Wojnarowski, do Yahoo! Sports, praticamente decretou o fim da farra que a USA Basketball vem fazendo nos últimos anos. Farra no bom sentido: ganhando ouro após ouro para restaurar a hegemonia na modalidade. Para ele, o mundo Fiba está prestes a passar por um processo drástico de reformulação, cujo ponto principal será o êxodo dos grandes talentos da NBA. Conforme escrito aqui ontem: a maior ameaça à soberania dos Estados Unidos em cenário global hoje é interna.
Para quem não está familiarizado com o escbriba, Wojnarowski é o repórter mais quente entre as centenas (milhares?) que acompanham o dia-a-dia da NBA nos Estados Unidos. No dia do Draft, por exemplo, está habituado a cantar pedra por pedra, escolha por escolha a noite toda, minutos antes de as seleções acontecerem. Em tempos de agente livre, virou praticamente canal obrigatório de veiculação de acordos – e ameaças – de agentes e/ou dirigentes. É um cara evidentemente bem conectado que, por conta do acúmulo de furos, ganhou uma credibilidade imensa. É como se tudo o que ele escreve seja fato, ou esteja em vias de se concretizar como tal.
Então, meus amigos, anotem aí algumas de suas frases do artigo:
– A distância (entre o Team USA) e o resto do mundo aumentou novamente, e o romance de Times dos Sonhos está lentamente, mas seguramente morrendo. Competições Sub-22 são o caminho, com os melhores jogadores jovens da NBA e uma ou outra superestrela universitária sendo introduzidos para o mercado global.
– O começo do fim para a USA Basketball aconteceu naquela noite de agosto, quando Paulo George tombou na quadra, e um osso explodiu de sua carne. Foi um momento cruel e de autoanálise, e os jogadores dos EUA ainda estavam falando sobre isso no domingo em Madri. Aquela imagem foi chocante, e vai ficar na cabeça das pessoas por um looongo tempo. Será um dos catalisadores para tirar as estrelas da NBA do basquete Fiba.
– George será o ímpeto para acabar com a participação das estrelas da NBA, mas longe de ser a única razão. Depois das Olimpíadas de 2016 no Rio, a Copa do Mundo de Basquete e os Jogos Olímpicos estão destinados a se tornar um torneio sub-22, de desenvolvimento.
– “Temos de tirar nossos veteranos de lá e colocar nossos jogadores mais jovens. Já existe apoio para esta mudança, e está ficando mais forte”, afirmou um gerente geral da liga ao repórter.
Bem, antes de mais nada, essas declarações não chegam a ser bombásticas para quem vem acompanhando gente como Mark Cuban, dono do Dallas Mavericks, chiando barbaridade a cada convocação das seleções internacionais nos últimos anos. A fratura exposta sofrida por George no jogo-treino interno da seleção ianque, televisionada para o mundo todo, apenas intensificou esse sentimento, por tudo o que a mídia americana tem publicado. Cada vez mais se discute e se especula sobre um limite de idade, da mesma forma que acontece com o futebol olímpico.
Em sua argumentação/exposição sobre a submergente relação entre os interesses da NBA com os da Fiba, Wojnarowski parte para um ataque frontal contra o celebrado Coach K, dizendo que seu envolvimento com a federação e a equipe nacional se deve muito mais pelos benefícios que tira disso para seu trabalho do dia-a-dia, em Duke, do que por qualquer noção patriótica. Estar envolvido com a nata do basquete norte-americano só vai lhe ajudar na hora de recrutar os melhores adolescentes do país. Mas é um tanto óbvio, não? Além do mais, fica a pergunta: um técnico que já está presente na TV o tempo todo, independentemente de uma medalha de ouro num Mundial, precisa disso? Dá vantagens, mas o quanto isso difere do que John Calipari vem fazendo em Kentucky, estocando talentos top 10, 20 do colegial, formando supertimes com talentos que vão dominar o Draft do ano seguinte? Exposição por exposição, influência por influência… O jogo de poder e marketing da NCAA é pesado e um tanto sujo há tempos.
Agora, se o treinador de Duke e da seleção americana tem seus próprios objetivos no trabalho com a seleção, quais são as intenções, então, das fontes anônimas por trás desse específico texto? Estão claras, né? Há muita gente querendo desvincular a NBA do mundo Fiba. Resta saber se Wojnarowski escreve em nome de uma maioria, ou se o artigo serve justamente como instrumento de… recrutamento para a “causa”.
A lógica por trás do argumento de limitar a idade dos atletas nos torneios é um tanto arrogante – parte do pressuposto que só a NBA importa no tabuleiro do basquete. “Tirando a seleção americana, há mais talento e interesse dos torcedores de basquete em jogos das ligas de verão do que neste evento”, disse um gerente geral, sem se identificar.
Ligas de verão são os torneios que acontecem logo após o Draft da NBA, em julho, para que os recém-escolhidos comecem seu processo de adaptação, enquanto dúzias e dúzias de atletas, jovens ou não, que estão fora da liga, tentam uma vez mais impressionar cartolas e treinadores em busca de um tão sonhado contrato. A maioria deles, porém, terá de se contentar com a D-League ou com uma viagem para a Europa. Não são competições oficiais: os clubes nem jogam com seus uniformes principais, deixando bem claro que uma coisa é uma coisa, e a outra, bem diferente.
A parte sobre o talento? Pode até ser. O único paralelo possível para os basqueteiros americanos, em termos de quantidade, são os boleiros brasileiros. E isso nem precisa ser discutido, até porque, num Mundial de basquete, há muito mais paixão envolvida do que nas peladas de Las Vegas ou Orlando. Sabe essa coisa de se importar com algo? Acreditem: ainda existe no esporte.
Dentro dos Estados Unidos, o público em geral só parece valorizar o torneio olímpico. Por outro lado, a reação dos jogadores é bem diferente. Kevin Durant estava eufórico ao conquistar o título em 2010, assim como James Harden neste ano. Só não vale falar em empolgação do Kenneth Faried, contra o qual chinês algum gostaria de jogar nem mesmo uma partida de tênis de mesa. Periga ele devorar a tábua toda. (Outra discussão seria o que a dominância desses caras significa para o mundo Fiba. Tira a graça? Força naturalmente o crescimento dos rivais? Mas essa fica para outra ocasião.)
Mesmo que toda a empolgação dos rapazes de Colangelo fossem fake, daí a falar sobre a falta de apelo global é ir muito além da linha do razoável. Pau Gasol e a Espanha não me pareceram indiferentes depois da eliminação contra a França. Boris Diaw pode ter cara e jeito de indiferente, mas estava bem animado com seus companheiros na hora de receber a medalha de bronze no sábado. Os sérvios vararam madrugada adentro após a vitória sobre os franceses na semifinal. Claro que a NBA é a maior força financeira e técnica da modalidade, e de longe. Mas há vida aqui fora. Além do mais, se as competições fossem tão irrelevantes assim, por que Cuban clamaria publicamente para que seus comparsas dessem um golpe em Fiba/COI e assumissem eles a organização – e o faturamento – do torneio? Aí não teria problema, imaginem.
O que pega, mesmo, não é discussão sobre popularidade, e, sim, os interesses estratégicos de cada franquia e da liga como um todo. Para elas, dãr, o que conta é a temporada que vai de outubro a junho – para muitos. Além de dinheiro o, que os dirigentes uerem é que seus jogadores (leia-ses “investimentos”) sejam preservados, que não se avariem – ou melhor, eles até podem se lesionar numa tabela massacrante de 82 jogos, mas aí não tem problema, já que estão a serviço de quem assina cheque.
O Spurs simplesmente fez uso de uma cláusula acordada com a Fiba para vetar a participação de Manu Ginóbili na Copa: se o atleta não estiver 100%, se houver o risco de ele agravar uma condição médica nas competições internacionais, as franquias podem proibi-los de jogar. Se o narigudo e genial argentino não foi liberado, Gregg Popovich ao mesmo tempo deve ter ficado satisfeito com o Mundial de Diaw, que sempre pode usar uma competição ou outra para controlar o peso (foram 25,4 minutos para ele em média em nove partidas). O Phoenix Suns não iria contrariar Goran Dragic a uma temporada de o astro esloveno virar um agente livre: se Dragic quer jogar o Mundial, que vá. Num time em que era a principal referência, ele ficou em quadra por apenas 26,1 minutos, de 40 possíveis. O que poucos divulgaram: houve acordo entre a franquia do Arizona e a federação, para estabelecer esse limite.
No Brasil, Leandrinho foi quem mais jogou: 24 minutos, seguido por Anderson Varejão, com 23,6. Os irmãos Gasol não passaram de 27. E por aí vamos. Os jogos são intensos, sim. Há toda uma fase de preparação, de treinos duros e amistosos. Mas quem aí acredita que todos esses atletas ficariam o mês de agosto e setembro de pernas para o ar? Caso o fizessem, o departamento médico e físico de cada time da NBA teria sérios problemas na última semana do mês, quando os elencos se reúnem para a realização (já!!!) dos campos de treinamento. Aí, meus amigos, Diaw não seria mais a exceção.
Quando vão para quadra, os atletas estão sujeitos, mesmo, a contusões e lesões. Algo como o que aconteceu com Paul George, porém, é um baita acidente. Uma tristeza, mas um acidente. Assim como o que ocorreu com Monta Ellis em 2008, quando o armador se arrebentou todo… andando de mobilete. Nas férias, depois de ter assinado um contrato milionário. Ainda assim,
“Não há dúvida sobre o impacto (da lesão) em nosso time”, afirmou em comunicado o legendário Larry Bird, presidente do Pacers. “Mas mantemos nosso apoio à USA Basketball e acreditamos nas metas da NBA de dar uma exposição ao nosso jogo e nossos jogadores no mundo todo. Essa foi uma lesão extremamente infeliz que ocorreu num palco de grande visibilidade, mas que poderia ter acontecido em qualquer momento, em qualquer lugar.”
Na mesma noite de agosto, o comissário Adam Silver foi bem mais sucinto em seu pronunciamento. “Foi difícil assistir à lesão que Paul George sofreu nesta noite, enquanto representava seu país. Os pensamentos e as orações de todos nós da NBA estão com Paul e sua família”, disse. Resta saber e acompanhar se os pensamentos de Silver e de outros proprietários das franquias de lá também acompanham o das fontes de Wojnarowski nesse tópico e se eles vão realmente seguir em frente com essa ofensiva.