Jovem armador brasileiro se apresenta com sucesso a olheiros em NYC
Giancarlo Giampietro
Ao pisar em um dos ginásios do Baruch College, em Nova York, para ver as atividades do Basketball without Borders, tinha poucas referências sobre quem seria Yuri Sena, 17 anos. Sabido que se tratava do irmão mais novo de Wesley Sena, com quem foi do Palmeiras para o Bauru, com uma passagem abrupta para testes pelo Saski Baskonia, da Espanha, vulgo Laboral Kutxa, no meio.
De Guilherme Santos, também de 17, porém? Não havia ouvido falar nada e nem deu tempo de fazer uma pesquisa mais apropriada antes do embarque para os Estados Unidos. Quem eu consultei por aqui também não soube dizer muita coisa. O que tinha até, então, era que ele havia acabado de assinar com o mesmo Bauru, saindo de Barueri, o mesmo clube que trabalhou com Bruno Caboclo antes de este sair para o Pinheiros e, depois, para Toronto. Mais jovem e mal jogou com o ala do Raptors por lá.
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Então era a hora de saber quem era o garoto. Ao lado de muitos, mas muitos olheiros e dirigentes da NBA, como RC Buford, gerente geral do Spurs, David Griffin, gerente geral do Cleveland Cavaliers, Sam Hinkie, gerente geral do Philadelphia 76ers, e Masai Ujiri, homem reponsável pela seleção de Caboclo em Toronto. Sem contar Nikola Vujicic, diretor do Maccabi Tel Aviv, e outros cartolas europeus.
A impresssão foi positiva. “Ele foi uma grata surpresa”, afirmou ao VinteUm o chapa Jonathan Givony, o cara por trás do DraftExpress, o site mundial mais influente quando o assunto são as revelações do basquete. “Eu o desconhecia totalmente também. Ele fez um ótimo camp para mostrar seu talento. É um armador de jogo muito leve e que pode jogar em diferentes velocidades e vai especialmente bem quando em transição.”
Para apresentar seu cartão de visitas, Guilherme, de 1,92 m, teve a chance de jogar com três dos atletas mais renomados na lista geral: o croata Dragan Bender, MVP do camp e o mais perto de um grande craque garantido ali, o armador canadense Jamal Murray, com quem dividia a quadra nos momentos decisivos, e o pivô australiano Isaac Humphries, um legítimo pivô de 2,13 m, que deve causar bom impacto o momento que for jogar na NCAA. Os três devem, cedo ou tarde, aparecer na NBA. O que, naturalmente, resultou em maior atenção para sua equipe, que jogava em nome do Houston Rockets, dirigida por Matt Buser, um dos assistentes de Kevin McHale.
Dá para dizer que essa versão alternativa e fraldinha do Rockets venceu muito mais jogos do que perdeu no decorrer dos três dias do evento. Não que isso importe para muita coisa. O que todos estavam querendo ver ali era como cada garoto se comportava num ambiente desafiador por diversos sentidos, especialmente por estarem enfrentado a elite da categoria (embora alguns jogadores tenham sido proibidos por seus clubes de viajar), num ambiente de, sim, pressão.
“Digo a eles que já passei por isso, esse tipo de treino, com muita pressão. Falo para eles apenas irem para a quadra, fazerem o que sabem, para curtir o momento”, disse Tiago Splitter, que compareceu justamente ao terceiro dia de atividades, para contar algumas histórias para a garotada. “Sei que é difícil fazer isso, afinal, para muitos, o futuro está na mesa, precisando jogar bem. Mas ao se tornar um jogador profissional, essa pressão existe em cada jogo. Então pelo menos já se adaptam a isso. Gostaria de ter mais tempo para trabalhar com eles.”
Para alguém que disputava apenas seu segundo evento internacional e que pouco fala inglês, Guilherme se mostrou bastante confortável. Bastante, mesmo. Era como se estivesse no quintal de casa. Comunicativo – não me pergunte como – e com uma energia contagiante, evidenciada por seu empenho nos treinos de fundamento. Sempre saltitando e dando até um jeito de furar a fila quando um companheiro aparentava cansaço e hesitação, para receber a bola novamente e partir para o abraço.
Essa eletricidade toda se traduziu para os jogos. Com envergadura, força física e muita agilidade no deslocamento lateral, pressionava demais o drible dos adversários em marcação adiantada, forçando turnovers seguidos ou ao menos desequilibrando qualquer orquestração ofensiva que o menino rival tivesse em mente. Isso aconteceu em especial no segundo dia. Foi impressionante. Quanto mais sucesso teve, mais Guilherme ganhava confiança e acelerava seu passo. “Dá para ver que ele é um cara dedicado nos dois lados da quadra e tem um nível de energia excelente”, disse Givony.
No ataque, deu para notar um jogador bastante tranquilo com a bola, com excelente drible e velocidade para atacar a cesta. No garrafão, quando corta pela esquerda, ainda foge da canhota na hora de finalizar. O arremesso dele ainda sai um pouco baixo e os braços se elevam um pouco inclinados demais para a frente, dando mais chance para que os oponentes o bloqueiem, ou atrapalhem. Não aconteceu nos momentos em que o observei.
(Durante o camp, na hora dos jogos, duas quadras paralelas ficavam ocupadas. Os jogadores são substituídos de cinco em cinco minutos, saindo praticamente todos de uma vez, para que cada inscrito tenha chances de mostrar serviço. Então o ritmo é frenético, com muitos jogadores para serem observados. Não dá para – e seria um desperdício – grudar os olhos num só atleta.)
Seu chute, ainda que com essa mecânica, até caiu com boa frequência. Mas, num nível mais alto de competição, pode ser um problema. Na avaliação dos scouts com quem conversei, é algo de fácil correção. No artigo, só dou aspas para Givony, pelo simples fato de os olheiros não poderem se pronunciar oficialmente sobre os chamados underclassmen, os jogadores que não estão na liga e nem passaram pela fase de Draft.
Agora, os cuidados devidos: foram só três dias de atividade, ainda que o fato de ele já ter sido o melhor jogador do All-Star do BwB das Américas do ano passado, no Canadá, seja outro ótimo sinal. Ele tem apenas 17 anos, como a grande maioria dos que ali se apresentaram. Todos cheios de inconsistências, longe de estarem formados tecnicamente.
Guilherme pode por vezes demorar para passar a bola. Quando tenta acalmar as coisas, como aconteceu na hora do primeiro jogo do domingo, teve uma partida praticamente nula. Estava num ritmo mais lento, apenas conduzindo a bola. Nesse contexto, isso dificilmente vai acontecer. A não ser que estejamos falando desse tipo raro de jogador que lê o jogo com uma fluência de veterano desde os anos de chupeta, como o Kendall Marshall de North Carolina. Não é o caso de Guilherme. Não é o caso de mais de 90% dos atletas na sua posição. Essas coisas se desenvolvem com o tempo.
No BwB, os meninos passam quase todo o tempo de treino em trabalhos específicos de fundamentos, para passe, finalização, defesa, cortes para a cesta e movimentação fora da bola/espaçamento. Os times mal treinam juntos, antes de a bola subir. Os técnicos têm tempo de passar uma ou outra jogada, que servem muito mais para se avaliar a capacidade de execução e improviso deles, do que para vencer uma partida. Além disso, cada quinteto assimila jogadores do mundo todo.
No segundo jogo do domingo, o jovem brasileiro já havia voltado ao modo turbo, agredindo desde o princípio. Obviamente havia tomado uma chamada do técnico. Depois, algo que fui descobrir por lá, em papos informais com o garoto e com gente da liga, é que ele, até o ano passado, jogava muito mais fora da bola – vá lá, como um “2” do que como um armador com mais responsabilidades com a bola. Uma informação valiosa para entender essas dificuldades e que torna o que ele mostrou em NYC algo mais interessante ainda. “Ele tem de continuar treinando seu arremesso e sua habilidade como criador de jogadas, mas ele nos mostrou alguns lampejos legais, no ataque e na defesa, que nos fazem acreditar que ele pode virar um bom jogador. Ele tem um futuro legal pela frente.”
Guilherme é um jogador que efetivamente entrou no radar da NBA. O que, de novo, não garante nada. “Quando tinha 17 anos, estava jogando na Espanha e as pessoas começaram a falar sobre mim como jogador de NBA. Já era profissional na Espanha, estava ciente disso, mas só fui entrar na liga aos 25 anos. Levou um bom tempo entre o momento que começaram a olhar para mim e a hora que cheguei para jogar aqui. Você tem de ser paciente”, diz Splitter, que, na verdade, não pode ser comparado com ninguém. Desde muito cedo, foi visto corretamente como um prodígio, alguém com uma maturidade e jogo muito evoluído para alguém de sua idade. Não é o caso de seu compatriota 13 anos mais jovem.
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Sobre Yuri, é preciso dizer: se a vida de armador num camp destes não é fácil, para o pivô fica mais difícil ainda. Os grandões podem passar minutos e minutos sem nem mesmo ser acionados no ataque. Mais: esta foi a estreia internacional do garoto. Demorou um pouco para se aclimatar, como ele mesmo admitiu.No terceiro e último dia, estava bem mais solto no ataque e conseguiu se estabelecer como uma boa opção no jogo dentro da zona pintada, quando lhe passavam a bola.
De certa forma, Yuri, de 2,07 m, lembra, e muito, seu irmão. É comprido e magro. Tem um corpo que lhe permite jogar dentro e fora do garrafão. Sua predileção é ficar mais perto da cesta, mesmo. Tem um trabalho de pés ágil e consegue girar bem para os dois lados, finalizando também com a mesma eficiência com ambas as mãos, algo que, creiam, é uma raridade mesmo num seleto grupo desses.
A impressão que me passou é a de que o garoto ainda está tentando se sentir confortável com seu corpo em quadra, que talvez esteja em plena fase de crescimento. Impressão que também pode ter a ver com algo que o pivô contou: era para ele também ter jogado no ano passado, ao lado de Guilherme, na edição americana do BwB. Devido a uma lesão no pé, acabou não acontecendo. Ficou dois meses fora de ação.
Yuri tem as pernas bem compridas, o que é uma vantagem e salta aos olhos mesmo no jogo de transição. Mas sua base corporal ainda é fraca. O que dificulta o jogo de costas para a cesta contra adversários mais fortes, físicos.
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Como dito aqui, tanto Guilherme como Yuri estão no Bauru, o time do momento no basquete brasileiro. NBB, para eles, a gente pode esquecer. O curioso é saber como o clube vai se comportar com eles em relação à LDB. Nem mesmo isso parece garantido, já que há uma série de atletas mais velhos, que mal veem a quadra no conjunto de selecionáveis de Guerrinha, para serem aproveitados.
Na armação, o time pode usar, por exemplo, Rafael Carioca – que é muito mais explosivo e forte que Guilherme, sendo quatro anos mais velho. Já Yuri poderia jogar ao lado do irmão Wesley, o que seria bem interessante. Pelo fato de terem perdido os primeiros jogos desta quarta etapa disputada em Belo Horizonte, dificilmente serão aproveitados agora. Para a fase final? A expectativa é que sim. A ver.
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Outro talento meio-brasileiro chamou a atenção no BwB em Nova York: o ala-armador Ayán Nuñez Caravalho. Sim, Carvalho: seu pai é brasileiro, a mãe argentina. Ele foi inscrito como argentino. É um jogador de vigor físico intrigante, belo arremessador, boa impulsão e muita agilidade. Dos três vizinhos que estavam por lá, foi o que mais chamou a atenção. O ala-armador Maximo Fjellerup também tem prestígio e possui um jogo mais veterano do que a média, aproveitando ou criando brechas na defesa para pontuar e passar. Mas não fez um camp muito bom no geral, um pouco fora de sintonia, forçando muitas jogadas de efeito. Também jogou por lá o ala Agustín Mas Delfino, que é forte para burro, sólido, mas tem um basquete, digamos, terreno que limita suas opções profissionais por ora. Acho que ainda pode fazer algo na Europa, mas, hoje, é difícil imaginá-lo na NBA.
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Um consenso: o nível do BwB deste ano foi bastante elogiado. Foi uma safra muito generosa, claro que pelo fato de reunir talentos do mundo todo pela primeira vez. Além de Bender (que é um prospecto de fazer cair o queixo, gente, e sobre o qual se encontra informação por aí na rede já de monte, incluindo vídeos), Murray (idem), mais alguns nomes para se monitorar: Silvio de Sousa, Angola, 16 anos, 2,03 m – um ala muito forte e atlético, com bom drible; Thomas Wilson, Austrália, 17 anos, 1,92m – depois de Murray, o melhor armador natural do camp; Yanhao Zhao, China, 17 anos, 1,95 m – um ala-armador muito rápido, atrevido e talentos com a bola.