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Arquivo : Guilherme Santos

A Fiba Américas agora é da Venezuela e Néstor García. Ou quase isso
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Giancarlo Giampietro

A Fiba Américas agora é da Venezuela. Ou quase isso

Néstor García, o argentino que conquistou a Venezuela

Argentina, Brasil. Brasil, Argentina. Se bipolarização é o nosso esporte, o basquete sul-americano seguiu por muito tempo na mesma. Até que a Venezuela decidiu bagunçar um pouco essa história, com seu primeiro título continental desde o bicampeonato do Trotamundos de 1988-89. Isto é, também o primeiro título com este formato. Além disso, ao derrotar, em sequência, Mogi e Bauru, o Guaros de Lara garantiu ao país a unificação dos dois principais títulos regionais no mundo Fiba,  entre os rapazes. Primeiro haviam chocado a geração NBA do Canadá. Agora puseram fim a uma hegemonia brasileira na competição.

Os clubes brasileiro chegaram ao final four da liga com 75% de chances de título, já que o Flamengo também estava na luta contra os anfitriões. Mas dessa vez não deu, e não dá para dizer que tenha sido uma surpresa. Este Guaros fez de tudo para chegar lá. De gestão gastona, mas elogiada nos bastidores por saber para onde destinar seus investimentos, montou um grande elenco e ainda tinha um treinador competente para orientá-los.

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O detalhe é que o clube venezuelano conseguiu jogar sempre em casa, a cada etapa, se aproveitando de um regulamento que permite tudo e não valoriza critérios técnicos. Em vez de estipular prioridades com algum senso de justiça com com base em resultados, ranking, a Fiba Américas, seguindo o modelo da matriz, simplesmente abre concorrências pouco transparentes e altamente rentáveis. Daí chegamos à ridícula (ou, vá lá, questionável) decisão de, numa festa em que 75% dos representantes eram brasileiros, a minoria foi felicitada.

Quanto os venezuelanos pagaram para superar as candidaturas de Mogi e Rio (que, aparentemente, foi descartada de cara)? Vai saber. Mas deve ser algo substancioso, para se ignorar a possibilidade de reunir três torcidas distintas num mesmo ginásio, em vez somente de um — barulhento, é verdade — público do Guaros.

Alex não pára: Bauru conseguiu grande virada contra o Flamengo para jogar a final

Alex não pára: Bauru conseguiu grande virada contra o Flamengo para jogar a final

De novo: como o processo nunca é detalhado, qualquer observador tem a inclinação a dar asas à imaginação. E vem desse buraco a linha de raciocínio de que talvez fosse a hora de algum outro país levar o caneco. Vai saber. Também por conta de um regulamento esportivo esdrúxulo, tivemos um desfecho estranho no último quadrangular semifinal, no mesmo Domo Bolivariano, que resultou na queda de Brasília. O mesmo Brasília que ao menos havia, um dia antes, vencido o Guaros por conta própria — e que também os havia derrotado pela segunda fase. De todo jeito, o time do DF também tinha a chance de se classificar sem depender dos outros e, quiçá, compor um histórico Final 4 brasileiro, mas complicou ao perder de muito para o Flamengo.

O Guaros fez das suas, se intrometeu na fase decisiva e conseguiu um grande título, sem ser exatamente soberano. Pela semifinal, a equipe anfitriã penou contra Mogi (81 a 73), um adversário que provou que era pura bobagem o empurra-empurra com o Flamengo dias antes. Como consolação, o estreante superou os rubro-negros e garantiu mais que honroso lugar no pódio (73 a 71).

Depois, valendo o título, veio o último golpe de sorte a favor do Guaros. O Bauru teria de buscar o bicampeonato sem dois titulares – Fischer e Hettsheimeir, dois de seus três principais jogadores. Para piorar, o armador suplente, Paulinho, também estava fora. Ainda assim, Bauru fez um jogo duro até o final (84 a 79), com Demétrius dando 17 minutos a um pivô de 19 anos (Wesley Sena, que faz sua primeira temporada realmente efetiva na rotação) e um armador de 18 anos (Guilherme Santos, lançado aos poucos, com 35 minutos no total pelo NBB. Dá para conhecer um pouco mais sobre ele aqui, com scouts da NBA na plateia). Para esses garotos, aliás, estar em quadra com rivais tão experientes, num ambiente como aqueles, já vale como um mês inteiro de cancha.

O Bauru, como se esperava, não teve muita facilidade na articulação de suas jogadas. Especialmente no quarto período em que seus atletas se viam constantemente obrigados a atirar de muito longe, bem marcados e sem equilíbrio algum, antes que a posse de bola estourasse. O belo aproveitamento nos rebotes ofensivos ao menos evitou que seu oponente desgarrasse no placar um pouco antes.

(O ponto positivo é a recuperação de Murilo, se movimentando com confiança e leveza. Se havia um jogador que merecia o título, era o veterano pivô, que passou por muitas dificuldades nas últimas duas temporadas, dentro e fora de quadra, entre lesões graves. Entre a experiência para os garotos, a demonstração de força perante os desfalques e a virada para cima do Flamengo, pela semi, a equipe paulista ganha bons argumentos para voltar para casa de cabeça erguida.)

Wilkins vai curtindo o final de carreira no mundo Fiba

Wilkins vai curtindo o final de carreira no mundo Fiba

Nos minutos finais, porém, uma bola de três pontos de Tyshawn Taylor e uma cesta+falta em Damien Wilkins fizeram a diferença, em sequência. Justamente dois dos ótimos reforços que o clube foi buscar, ao lado de um terceiro americano também produtivo, o ala Zach Graham. Taylor e Wilkins são talentos de NBA, ou quase. O jovem armador foi draftado pelo Nets e dispensado muito cedo – e foi contratado durante o torneio, daqueles movimentos que a Fiba também permite sem o menor controle. O veterano ala tem longa passagem pela liga, teve seus momentos aqui e ali e hoje busca mais alguns trocados mundo afora.

MVP da fase final, Wilkins foi sempre um porto seguro para os venezuelanos como referência ofensiva, matando 6 em 11 lances livres e descolando ainda mais sete pontos em lances livres. Com vasta bagagem, altura, força, personalidade e fundamentos, é o tipo raro de jogador no mundo Fiba que vai conseguir aguentar o tranco e bater o incansável Alex Garcia. Esses gringos se juntaram a uma base bastante experiente, de jogadores que entram e saem da seleção nacional.

Sobre o caráter de Wilkins, falo sobre seu histórico na NBA. O ala tem um sobrenome de peso, mas se virou na liga sem a capacidade atlética que seu tio e seu pai ostentavam. Foi com suor e como boa companhia no vestiário. Se errou lances livres peopositais contra o Flamengo, foi por ordem de seu treinador. Poderia contestar a ordem, claro, mas não é o pedido fosse ilegal. Assim como faltas intencionais em péssimos arremessadores no segundo ou quarto período, está no regulamento e não há muito o que ser feito.

E aí chegamos a Néstor Garcia, que vai chegar ao Rio de Janeiro cheio de moral, como campeão continental em duas esferas. O sujeito se transformou na Venezuela. Se não taticamente, mas pessoalmente, com uma persona que mais parece a de um torcedor do que um técnico na lateral da quadra. Seus trejeitos exagerados, seu uniforme todo amassado e/ou esgarçado gera empatia impressionante com o torcedor (e certo estranhamento por parte de seus americanos, é verdade).

García, o personagem da vez no basquete sul-americano

García, o personagem da vez no basquete sul-americano

Da campanha surpreendente pela Copa América, “Che” é o ponto comum mais óbvio. Daquele elenco, apenas o intrigante e inconstante ala-pivô Windi Graterol foi campeão da Liga das Américas. Em ambas as conquistas, o campeão foi definido aos trancos e barrancos, em jogos apertados, emocionantes, nos quais suas equipes conseguiu se manter equilibrada, consistente em quadra, mas também empurrada pela torcida – tal como aconteceu no México, com os espectadores de público recorde abraçando.os venezuelanos. Será que no Brasil a torcida terá essa boa vontade? Há mais que uma simples conexão latina aqui, sabemos. Será uma nota curiosa entre tantos assuntos olímpicos.

Mas não sei se podemos tirar muitas conclusões aqui. As circunstâncias da Copa América para a Liga das Américas é bem diferente. Na primeira, a Venezuela era uma zebraça. Na segunda, a equipe venezuelana era uma das favoritas. Vale monitorar, mas não indica exatamente um problema para o basquete brasileiro, por exemplo. A mera possibilidade de reunir quatro times num Final 4 seria impensável cinco anos atrás, antes de as conquistas começarem.


Temporada brasileira começa com urgência no desenvolvimento de talentos
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Giancarlo Giampietro

Georginho já está de volta à LDB e agora ao time adulto do Pinheiros

Georginho já está de volta à LDB e agora ao time adulto do Pinheiros

Antes de embarcar para os Estados Unidos e iniciar seus treinamentos para os Estados Unidos, aquele veloz garoto estava impressionando a todos aqui no Brasil. Leandro Mateus Barbosa ralava de igual para igual com veteranos da seleção. Ralava? Esqueça: aos 20 anos, o armador já era um dos melhores jogadores do país, com média de 28,2 pontos por partida, abaixo apenas de um Mão Santa e acima de Charles Byrd, Rogério, Vanderlei e outros da velha guarda. Isso foi em 2003, ano em que o ligeirinho se candidatou ao Draft da NBA.

Era uma época diferente. Hoje, a partir do momento em que um jogador se declara para a liga americana, entra forçosamente no radar de todos os clubes (sérios). Ainda é possível que aconteça um caso como o de Bruno Caboclo, que foi tratado até mesmo com certo desdém no momento de sua inscrição no ano passado para, depois, a menos de um mês antes do evento, gerar um pandemônio na busca por informações. Acho que nunca telefonaram tanto para o Brasil. Há 12 anos, Leandrinho precisou usar o circuito de treinos privados com os clubes para fazer seu nome nos Estados Unidos, jogando duro para valer, a ponto de tirar Dwyane Wade do sério em um teste pelo Memphis Grizzlies, para deleite de Jerry West.

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Agora isso já é quase impossível. Estar no radar da NBA significa ser escrutinado pelos olheiros. Esses caras querem assistir ao garoto máximo que puderem, seja na ‘fita’, ou, de preferência, in loco. Neste ano, a revelação mais estudada foi o armador Georginho, do Pinheiros, que, sob muitos aspectos, remete a Caboclo como prospecto: muito jovem (nascido em 1996), atributos físicos impressionantes e o tanto de projeção que se pode fazer a partir daí. Os olheiros vieram para cá para conferi-lo de perto, para que não se repetisse a loucura do ano passado, para que seus clubes não fossem pegos desprevenidos. Foram pelo menos dez franquias na área. Desta forma, passaram a conviver com outras dezenas de garotos daqui e com a LDB como um todo. Os que não cruzaram a linha do Equador tiveram a oportunidade de ver George em quatro cenários diferentes: o Nike Hoop Summit, o Draft Combine, o adidas Eurocamp e workouts particulares. Lucas Dias, Humberto Gomes e Danilo Siqueira foram os outros que se inscreveram e também passaram pela lupa, mas com menos exposição lá fora.

O Leandrinho de 20 anos: segundo cestinha brasileiro e pouco avaliado pelos scouts

O Leandrinho de 20 anos: segundo cestinha brasileiro e pouco avaliado pelos scouts

Todos eles foram avaliados, no fim, mas preferiram adiar o sonho de encarar o Draft, retirando o nome da lista. Qual o veredicto? Bem, a opinião de um ou outro scout ouvidos pelo VinteUm varia em relação ao futuro dos jogadores. Natural. De qualquer forma, houve um tópico que era consenso entre as vozes divergentes: para os olhos da NBA, os garotos deveriam sair do Brasil o quanto antes em busca de melhor desenvolvimento.

“Não me parece um caminho muito bom”, diz o vice-presidente de um clube da Conferência Oeste ao blog, ao ser questionado sobre a decisão do quarteto de retornar ao país. “Deixar o Draft não é uma decisão ruim. George muito provavelmente seria selecionado. Mas não é essa a questão. Esperava que eles levassem a carreira adiante em outro cenário.”

Esse vice-presidente acreditava que o melhor caminho era tentar uma vaga em um clube na Europa. A opinião foi compartilhada por um scout de um time da Divisão Sudoeste, no que se refere ao armador. “Acho que o ajudaria ficar no Draft e deixar o Brasil. O time da NBA que o escolhesse encontraria para ele uma boa situação na Europa, onde ele pudesse dominar o inglês. Depois, teria a D-League. E aí a NBA.”

Pessoalmente, não acho que a transição para o basquete europeu fosse tão simples assim: na idade deles, os técnicos, sempre pressionados por resultados, já esperam contar com um atleta mais preparado para render em alto nível. A busca por um clube mais paciente não seria tão simples. Com o que concorda um olheiro de um time da Divisão Noroeste, em declaração já publicada aqui. “Jogar na Europa não faz sentido para ele. Afinal, precisa de um programa de desenvolvimento e de jogar aprendendo com seus erros. Os clubes na Europa têm a mentalidade de vencer para já. Seria uma perda de tempo para ele, na minha honesta opinião”, disse. “Em primeiro lugar, a prioridade geral, para mim, era sair do Brasil. O mais rápido possível.”

Quando você lê esse tipo de declaração, o que vai pensar? Pode bater um certo desespero, não?

Lucas vem novamente dominando a LDB: é o bastante?

Lucas vem novamente dominando a LDB: é o bastante?

Mas elas precisam ser relativizadas também: os scouts da NBA estão, na grande maioria, procurando produtos prontos ou semiprontos, para chegar aos Estados Unidos (ou Canadá) agora e já oferecer algo. O nível de exigência dos dirigentes e treinadores é, em geral, elevado. A aposta do Toronto Raptors em Caboclo no ano passado foi algo raro. O clube estava consciente de que, ao contratá-lo, cru toda a vida, deveria preparar um projeto de longo prazo, sem se importar em trabalhar com o caçula por um ano inteiro em que o principal objetivo era deixá-lo mais forte e fluente em inglês. Era este o tipo de comprometimento que os agentes Eduardo Resende e Alex Saratsis, que trabalhavam com o ala até este ano, esperavam para George ou Lucas, para que eles ficassem no Draft. Não aconteceu.

Por outro lado, os scouts internacionais assistem centenas de jogos de todos os países, algo cada vez mais fácil devido a softwares como o Synergy, hoje presente no cotidiano do NBB. Provavelmente não haja público mais bem informado do que essa classe na hora de falar sobre garotos mundo afora. Em suma, eles têm um ponto de vista que não pode ser ignorado.

Além do mais, a despeito de termos reunido duas seleções neste ano, cheias de jovens, para o Pan e a Universíade, não acho que seja necessário aparecer um empregado da liga americana para afirmar que a produção de base como um todo é duvidosa, especialmente quando se leva em conta o potencial atlético do país. Nas declarações dos olheiros, o que preocupa, mesmo, é o tom alarmista das respostas.

 O que acontece?

Uma chance
Existe, claro, um problema de origem macro. A massificação parece uma utopia, sem contribuição estratégica alguma da CBB e com o investimento federal imediatista. Gasta-se muito, hoje. São bilhões. Mas os programas são massivamente direcionados ao Rio 2016, com pouco impacto a longo prazo. Além disso, mesmo a grana que sai diretamente do Ministério do Esporte para a confederação acaba sendo aproveitada da forma mais bizarra possível. Seus convênios milagrosos recentes, como os R$ 7 milhões cedidos este ano, tinham como finalidade tão somente que uma ou outra seleção pudesse treinar para uma competição específica.

A LDB dá a um jogador como Arthur Pecos a chance de assumir maior protagonismo, é verdade

A LDB dá a um jogador como Arthur Pecos a chance de assumir maior protagonismo, é verdade

Para ser justo, também não dá para esquecer que a pasta também libera a grana da LDB, uma das poucas iniciativas realmente promissoras e consistentes que temos em termos de base no país, graças à administração da liga nacional. A competição, que já iniciou sua nova edição, tem boa repercussão. Em março, em viagem para Mogi das Cruzes para assistir a jogos da quarta etapa da LDB, tive a oportunidade de rever Lisandro Miranda, um argentino que trabalha para o Dallas Mavericks há mais de dez anos. Entre os que já tive contato, é hoje o único scout sul-americano oficial da liga e está mais que habituado a visitar as quadras brasileiras. Numa conversa informal, elogiou muito o progresso que nossa principal competição para jovens vinha apresentando. Em termos de estrutura, deixava claro, para que os garotos pudessem jogar e deslanchar.

Que o campeonato representa um avanço enorme, não há dúvidas. É uma competição que ajuda a dar rodagem aos atletas que estão na iminência de sair do juvenil, ou que já estouraram a categoria. Acontece que, em termos de evolução técnica, a liga não oferece tantos desafios aos talentos de ponta do país. Eles dominam nesse nível, mas a tradução desse rendimento para um nível maior de competitividade não é tão simples assim, até pelo desnível técnico que se testemunha entre algumas equipes da primeira fase.

Está claro que, tecnicamente, é preciso mais que a LDB para fomentar uma modalidade. Para sustentar todos os clubes, porém, não há verba do governo que dê conta. É preciso que o setor privado entre em quadra. Com crise ou estagnação econômica (como preferirem…), o dinheiro, que já não era tão volumoso assim, voltou a encurtar. Qualquer real investido tende a vir, então, com uma cobrança forte por vitórias, empurrando dirigentes e técnicos para estratégias conservadoras. Neste cenário, o desenvolvimento de jovens atletas fica bem complicado. Pode treinar o quanto e com quem for, mas nada substitui a experiência em quadra em jogos para valer. A questão não é exatamente de infraestrutura. Até porque, com um jovem jogador, o quanto mais é preciso do que uma bola, duas tabelas e uma boa cabeça para aplicar treinos? Com a palavra, Tiago Splitter, que saiu do país muito cedo e se formou como jogador na Espanha: “Tinha o preparador físico, nutrição, mas nada que não vá ter no Brasil num clube de ponta. A grande diferença foi a competição. Cheguei com 15 anos lá e já comecei a jogar adulto, na terceira divisão. Fui subindo, até a primeira. Foi essa competição que me ajudou a ser um bom jogador”.

Yuri Sena, Tiago Splitter e Guilherme Santos em NYC

Yuri Sena, Tiago Splitter e Guilherme Santos em NYC

No NBB 7, apenas dez atletas sub-22 (nascidos a partir de 1993) tiveram um mínimo de 20 partidas com média de minutos superior a 10 por jogo. Dez! Ou dois quintetos, entre 16 equipes inscritas. Se for para filtrar por 20 partidas e 20 minutos em média, apenas quatro passariam no corte: Danilo, Leo Meindl, Deryk Ramos e Henrique Coelho, todos, não por coincidência, convocados por Magnano ou Gustavo de Conti. Eles eram os únicos jogadores de fato preparados para encarar o NBB? Não jogam mais por que não estão preparados, ou não estão preparados por que não jogam mais? A resposta para essa pergunta seria a mais fácil: sim e não. Aí não tem como errar, né? Na verdade, a combinação de um assentimento e negativa indica que ela é bem mais complicada.

Fundamentalismo
Rumo ao Draft, Georginho, Lucas e Danilo saíram do país para passar por curtos períodos de treinamento nos Estados Unidos, em academias prestigiadas como a IMG, da Flórida, e a Impact, de Las Vegas. Mesmo que não tenham ficado na lista final de recrutamento da NBA, esse tipo de experiência foi valiosa para abrir os olhos dos garotos em relação ao tipo de preparação que existe lá fora. Os três rapazes foram uníssonos ao comentar os diferentes treinamentos que receberam: nunca haviam visto nada parecido.

Um ponto em comum atentava à “intensidade”. Que saíam esgotados de quadra e, quando achavam que havia acabado, eram chamados para mais uma sessão. E mais uma. E mais uma. O regime espartano, de todo modo, serve mais para prepará-los aeróbica e emocionalmente para os testes que os desgastantes treinos que eventualmente pudessem fazer pelos clubes americanos. Pensando longe, o legado maior está no refinamento de habilidades.

Em meio a treinos puxados, ainda pode rolar um mimo ou outro para George e Lucas

Em meio a treinos puxados, ainda pode rolar um mimo ou outro para George e Lucas

Quando estava em Vegas, Danilo disse o seguinte ao blog: “Estou treinando bem forte, para ver se consigo esse objetivo. É um treino muito mais puxado em termos de fundamento, algo que não fazemos muito no Brasil. Já sinto que melhorei em menos de uma semana. Só tive treinamento de contato, um contra um, uma vez só. O resto foi muito de fundamento, bandejas, floaters e outras, com intensidade”.

Na volta a São Paulo, Lucas afirmou em longa entrevista: “Foi pauleira. Você aprende umas coisas diferentes, uns detalhes que nunca percebe de movimento de perna, em seu arremesso, seu corte, bloqueio, tomar posição no pivô, jogar lá dentro etc. Uns detalhezinhos que você acha que já estão certos, mas que podem ser corrigidos. Ali aprendi muito. Que preciso melhorar demais, mas que posso chegar a um nível alto, que tenho capacidade, o talento e o físico. Você não pára nunca, é o tempo inteiro com eles cutucando. Na primeira noite nem consegui levantar da cama direito, algo que nunca havia sentido. A intensidade muito alta. Se treinar com aquela intensidade, sei que posso melhorar muito. Acho que minha cabeça voltou diferente nesse sentido: posso pegar o treino que aprendi lá e fazer aqui. Não preciso que alguém me coloque no colo e leve para treinar. Só preciso fazer”.

Os comentários coincidem, não? E estamos falando de dois jovens talentos brasileiros de ponta, que trabalharam nos últimos anos em dois clubes que realmente investiram no trabalho de base, com o Minas Tênis colhendo antes do Pinheiros os frutos por projeto, com um grupo que soube mesclar revelações e veteranos para fazer sucesso no NBB. Neste ano, por diversas circunstâncias, o clube de São Paulo tenta repetir essa trajetória. Vamos falar mais a respeito na semana que vem.

A Copa América Sub-16 pôs EUA, Canadá, Argentina, Rep. Dominicana e Porto Rico à frente do Brasil

A Copa América Sub-16 pôs EUA, Canadá, Argentina, República Dominicana e Porto Rico à frente do Brasil

Mas temos aí Lucas e Danilo maravilhados pelos exercícios de fundamentos básicos que fizeram em um curto período. O que tirar dessa avaliação? É por essas e outras que causa admiração geral o fato de o Brasil ainda encontrar um jeito de produzir mão-de-obra, mesmo que as estruturas do esporte no país não sejam das mais confiáveis. Como Splitter disse durante sua visita ao Basketball without Borders, camp conduzido pela NBA e pela Fiba, em sua edição global, realizada em fevereiro deste ano em Nova York: “Nós vemos jogadores surgindo, mas não por sermos bem organizados. Eles simplesmente aparecem”.

Nem sempre depende-se do acaso ou da sorte. Se Lucas e Danilo chegam a flertar com a NBA hoje, é porque seus clubes também lhes permitiram isso. Mas é inegável que, no processo atual de formação do basquete brasileiro, há uma lacuna muito grande entre projeções e realizações. Durante o mesmo camp nova-iorquino, em nota já dada aqui no blog, me lembro de ter sido questionado por um importante dirigente de um clube da Conferência Oeste, sobre a discrepância que se nota entre o nível de potencial atlético das revelações brasileiras e os seus fundamentos básicos. A mesma tecla. Se ela for batida muitas vezes, complica demais.

Peguem o fiasco da Copa América sub-16 deste ano. Mais um desastre: o Brasil agora terminou em quinto, ficando muito longe de brigar por uma vaga no Mundial sub-17 desta temporada. Na primeira fase, três derrotas em três jogos. Depois, pelo torneio de consolação, saíram dois triunfos para evitar a fossa geral da molecada. É complicado entender de longe o que aconteceu. Afinal, o técnico do time, Cristiano Grama, foi um personagem fundamental para a composição justamente do Minas, a jovial sensação do último NBB. É um cara antenado, bem conectado, envolvido com a base brasileira. Sem ter assistido aos jogos, fica difícil avaliar, mas os resultados estão aí para comprovar ques as coisas não saíram nada bem. Um dado que chamou a atenção, antes mesmo do torneio, era que, talvez pela primeira vez na história, a equipe brasileira tinha média de altura mais baixa que a da Argentina. Nossos vizinhos comemoravam isso, para se ter uma ideia. Conversando com agentes, creiam: no país de Nenê, Splitter, Augusto, Varejão, Bebê, Faverani, Felício, Morro, Caio, Mariano, Paulão, Murilo, Hettsheimeir, parece que anda realmente difícil de encontrar pirulões promissores nas competições de base vigentes. Ao que parece, a safra para daqui mais alguns anos não deve oferecer tantos “surgimentos”.

E aí o que fazer quando a fonte seca? O basquete feminino, infelizmente, está aí para contar essa história. É nessa hora que entra a autocrítica. E, nesse sentido, ao menos faz bem ler uma carta de Alexandre Póvoa, vice-presidente de esportes olímpicos do Flamengo, o tricampeão do NBB, na qual ele escreve: “Somos totalmente conscientes que estamos longe da plena satisfação acerca do que alcançamos até agora. Por exemplo, precisamos melhorar MUITO o nosso trabalho nas categorias de base, atualmente muito aquém da história do Flamengo formador de atletas (aliás, situação comum em todos os esportes olímpicos do clube e que estamos lutando dia-a-dia para ajustar)”. O rubro-negro foi vice-campeão da última LDB, mas é honesto ao assumir suas deficiências de formação. Até porque a principal figura do time, Felício, é produto da base do Minas.

Sem fazer muito alarde, em termos de mídia, uma potência nacional que tem investido muito na base é o Bauru, estruturando seu departamento e fazendo a rapa na coleta de talentos, até mesmo em países vizinhos. Diversos jogadores talentosos têm sido recrutados recentemente, como o ala-pivô Gabriel Galvanini, o pivô Michael Uchendu (brasileiro filho de nigerianos), o armador Guilherme Santos, entre outros.  Com um patrocinador forte, o clube montou um timaço que ganhou o Paulista, a Liga Sul-Americana e a Liga das Américas na temporada passada. Poderia se dar por satisfeito com esses resultados, mas, em tempos de vacas gordas, é melhor preparar o terreno para o que vem pela frente e de um modo muito mais razoável e sustentável. É um projeto para se monitorar de perto.

Curiosamente, é o mesmo Bauru que escalava Leandrinho nos idos de 2003, quando o Nacional ainda era organizado pela CBB, muito antes da grave crise com os clubes que quase levou tudo para o buraco. Não seria prudente esperar que, dos garotos garimpados pelo clube, alguém vá chegar em breve ao estágio de competir com David Jackson, Marquinhos ou Shamell pelo título de cestinha do NBB, como, lá atrás, fez o armador, um caso excepcional de quem que já fez mais de 18 pontos em média nos Estados Unidos. O que dá para cobrar, mesmo, é que ao menos tentem, ainda mais para um clube em que o dinheiro não é problema. Entre esses jovens atletas, é natural que o sonho seja a NBA. Pode ser que alguns deles até se veja com condições de, no futuro, inscrever no Draft, tentar a sorte. Se vai dar certo ou não, impossível dizer agora. Só esperemos que, em caso de retirada e retorno ao país, a resposta dos olheiros norte-americanos seja mais amena.


Pinheiros x Bauru: pela LDB, um jogo para ser gravado
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Giancarlo Giampietro

Foi legal ver Georginho, 18, duelando com Guilherme Santos, 17. Talentos que pedem toda a atenção possível

Foi legal ver Georginho, 18, duelando com Guilherme Santos, 17. Talentos que pedem toda a atenção possível

Pode não ter tido prorrogação, ou cesta de três para completar uma virada milagrosa no final, nem nada disso. Também não vi nem 85% das partidas do campeonato como um tudo. Mas me sinto confortável em escrever que é improvável demais que a edição atual da LDB, a liga de desenvolvimento nacional, tenha visto um jogo melhor, de nível superior ao de Pinheiros 83 x 73 Bauru, nesta segunda-feira, em São Paulo.

Tivemos um jogo bastante centrado, mas longe de ser supercontrolado. Houve correria, mas uma correria bem organizada, com os atletas executando com segurança. Em situações de meia quadra, a bola girou de um lado para o outro e foram poucos os chutes forçados, daqueles de tapar o olho. Ao todo, foram apenas 15 desperdícios de bola no terceiro jogo do dia. Se for para comparar, no jogo que fechou a noite, o caos imperou em quadra muitas vezes, e chegamos a 34. E esse nem foi o recorde do dia, que coube a Sport e Limeira, com 35, enquanto Brasília x Basquete Cearense teve 23 – dos quais apenas 8 ficaram na conta da equipe de Fortaleza, diga-se, que chegou ao 24º triunfo consecutivo, com 12 pontos, 8 assistências e 7 rebotes de Davi Rossetto, seu líder.

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Não há como não elogiar o trabalho dos dois técnicos nessa partida especificamente: César Guidetti pelo time da casa e Hudson Previdelo pelo Bauru. Afinal, a presença de jogadores de muito potencial em quadra obviamente não serve como garantia de um grande jogo por estas bandas – quanto mais em partidas de garotos. Os dois elencos estavam recheados de bons valores, mas ainda muito jovens, que precisam de uma condução. Nesta segunda, no “Ginásio Azul” do ECP, foi o que aconteceu, sem momentos de destempero, showzinho, nem mesmo num quarto período tenso, em que os visitantes encostaram no placar perigosamente. Apenas dois caras bem tranquilos concentrados em seus times – não adianta ficar berrando numa LDB.

cesar-guidetti-hudson-previdelo-ldb.jpgAuxiliar de Marcel de Souza no time de cima, César assumiu a equipe Sub-23 na reta final da LDB e não teve nem uma semana de treinos com a molecada. O posto foi aberto devido à saída de Brenno Blassioli, que dirigiu a equipe nas três primeiras etapas da temporada regular e se mudou para a Turquia, acompanhando a esposa Sheilla, estrela do vôlei nacional – na quarta etapa, Zé Luiz, o José Luiz Marcondes, figura importante da base, havia sido o comandante. Importante ressaltar que não estamos falando de modo algum de um técnico novato – César tem vasta experiência nas categorias de base, desde os tempos de Santo André, com clubes ou seleções.

Do outro lado, Hudson, mandou para quadra um quinteto titular para a quadra desfalcado de duas peças importantíssimas em sua campanha: o armador Carioca e o pivô Wesley Sena. A duplinha foi convocada para o jogo do adulto, pelo NBB, contra a Liga Sorocabana, em mais uma vitória arrasadora dos rapazes de Guerrinha. Se o nome deste duelo foi o ala Gui Deodato, que explodiu para 35 pontos numa jornada memorável, vale notar que o trator chamado Carioca saiu de quadra com 12 pontos em apenas seis minutos de ação – sendo que oito deles foram nos lances livres. Wesley jogou por 13 minutos e anotou 4 pontos, mas não apanhou sequer um rebote. Com a lesão de Jefferson William, afastado da temporada por conta de uma infeliz ruptura no tendão de Aquiles, o jovem pivô deve ganhar mais chances. Vamos ver como reage. Os dois desfalques, inclusive, foram mencionados por Guidetti num breve papo depois da partida.

Hudson, por sua vez, não hesitou em falar sobre a estrutura de que o Bauru dispõe – e está desenvolvendo – hoje. Vale uma visita, na certa. Sabemos também que o Pinheiros aposta bastante na formação de base. De modo que não parece coincidência que tenhamos visto um grande duelo entre suas equipes. Durante a temporada, não dá para dizer que esse tenha sido o padrão de ambas, é verdade. Mas, se mantiverem o curso atual nos bastidores, a tendência é que isso possa se replicar mais e mais.

Georginho assumiu a responsabilidade nos minutos finais

Georginho assumiu a responsabilidade nos minutos finais

Em meio a essa organização que deveria servir de exemplo, os lances bonitos por parte dos protagonistas, os atletas, ganharam ainda mais valor – não surgiram a partir de jogadas quebradas e sem defesa recomposta. Um contexto propício para que o talento pudesse entrar em prática. E talento de fato não faltava em quadra. São todos garotos que merecem todo o carinho possível nessa fase importantíssima de desenvolvimento.

Do lado pinheirense, temos Georginho, próximo alvo imediato da NBA no Brasil, atraindo já mais de um terço dos clubes da liga; Lucas Dias, 19 pontos, talvez o cestinha com maior potencial desta nova geração, com um arsenal em constante evolução (ainda falta matar mais bolas em flutuação), cada vez mais propenso a fazer o passe extra e também muito mais ativo na defesa e no ataque aos rebotes; Humberto, que ainda depende muito de sua confiança, de seu conforto em quadra – quando as coisas vão bem, saia da frente; Duval, com sua força física e energia descomunais. Vamos ficar de olho também no caçulinha Cauê, que, na verdade, de “inho” não tem nada – aos 16 anos, entrou na partida apenas no quarto período e ajudou a fechar o garrafão e frear o ataque do Bauru. Sua presença física congestionou a defesa e ajudou a limitar o ataque interior bauruense, que, desta forma, não conseguiu explorar o fato de haver carregado os adversários de faltas.

Biloca, 20 anos, um ala bastante rápido, com belo potencial para defender e atacar o aro

Biloca, 20 anos, um ala bastante rápido, com belo potencial para defender e atacar o aro

O time do interior contou com a estreia de Guilherme Santos, um dos destaques do último Basketball without Borders, camp promovido pela NBA e pela Fiba, em Nova York durante o All-Star Weekend. Ganhando bons minutos, já que Carioca estava longe dali, o novíssimo armador (em diversos sentidos, já que está fazendo a transição para a posição precisamente neste momento) teve pouco de convívio com os companheiros e não foi tão bem no ataque. Mas isso não o impediu de agredir na defesa, pressionando quem quer que estivesse com a bola, incluindo Georginho e Humberto – mais altos e mais velhos. Hoje essa é a principal virtude do garoto de 17 anos. Quem carregou o ataque da equipe foi o ala Gabriel de Oliveira, com 22 pontos. Já é um atleta de 22 anos, de basquete bastante agressivo, buscando as infiltrações – e fugindo um pouco da propensão bauruense para o tiro de fora, somando nove lances livres. Outro que chamou atenção foi o ala Biloca, que tem muita velocidade nos pés e boa capacidade atlética.

Georginho acabou sendo o nome da partida, com um desempenho decisivo muito mais relevante que seus 19 pontos e 12 rebotes. Cheio de confiança, o armador matou 7 pontos nos minutos finais do quarto período, todos eles em arremessos a partir do drible, o que não é um dos pontos mais fortes de seu jogo. Sinal de que vai ganhando confiança e transferindo o trabalho dos treinos para a prática.  Um desfecho apropriado para uma grande duelo, algo que esperamos ver mais e mais por aqui.


Jovem armador brasileiro se apresenta com sucesso a olheiros em NYC
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Giancarlo Giampietro

Guilherme Santos e Tiago Splitter: 13 anos de diferença

Guilherme Santos e Tiago Splitter: 13 anos de diferença

Ao pisar em um dos ginásios do Baruch College, em Nova York, para ver as atividades do Basketball without Borders, tinha poucas referências sobre quem seria Yuri Sena, 17 anos. Sabido que se tratava do irmão mais novo de Wesley Sena, com quem foi do Palmeiras para o Bauru, com uma passagem abrupta para testes pelo Saski Baskonia, da Espanha, vulgo Laboral Kutxa, no meio.

De Guilherme Santos, também de 17, porém? Não havia ouvido falar nada e nem deu tempo de fazer uma pesquisa mais apropriada antes do embarque para os Estados Unidos. Quem eu consultei por aqui também não soube dizer muita coisa. O que tinha até, então, era que ele havia acabado de assinar com o mesmo Bauru, saindo de Barueri, o mesmo clube que trabalhou com Bruno Caboclo antes de este sair para o Pinheiros e, depois, para Toronto. Mais jovem e mal jogou com o ala do Raptors por lá.

>> Leia também: Agora veterano, Splitter se admira com ‘surgimento’ de revelações no Brasil
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Então era a hora de saber quem era o garoto. Ao lado de muitos, mas muitos olheiros e dirigentes da NBA, como RC Buford, gerente geral do Spurs, David Griffin, gerente geral do Cleveland Cavaliers, Sam Hinkie, gerente geral do Philadelphia 76ers, e Masai Ujiri, homem reponsável pela seleção de Caboclo em Toronto. Sem contar Nikola Vujicic, diretor do Maccabi Tel Aviv, e outros cartolas europeus.

A impresssão foi positiva. “Ele foi uma grata surpresa”, afirmou ao VinteUm o chapa Jonathan Givony, o cara por trás do DraftExpress, o site mundial mais influente quando o assunto são as revelações do basquete. “Eu o desconhecia totalmente também. Ele fez um ótimo camp para mostrar seu talento. É um armador de jogo muito leve e que pode jogar em diferentes velocidades e vai especialmente bem quando em transição.”

Para apresentar seu cartão de visitas, Guilherme, de 1,92 m, teve a chance de jogar com três dos atletas mais renomados na lista geral: o croata Dragan Bender, MVP do camp e o mais perto de um grande craque garantido ali, o armador canadense Jamal Murray, com quem dividia a quadra nos momentos decisivos, e o pivô australiano Isaac Humphries, um legítimo pivô de 2,13 m, que deve causar bom impacto o momento que for jogar na NCAA. Os três devem, cedo ou tarde, aparecer na NBA. O que, naturalmente, resultou em maior atenção para sua equipe, que jogava em nome do Houston Rockets, dirigida por Matt Buser, um dos assistentes de Kevin McHale.

Dá para dizer que essa versão alternativa e fraldinha do Rockets venceu muito mais jogos do que perdeu no decorrer dos três dias do evento. Não que isso importe para muita coisa. O que todos estavam querendo ver ali era como cada garoto se comportava num ambiente desafiador por diversos sentidos, especialmente por estarem enfrentado a elite da categoria (embora alguns jogadores tenham sido proibidos por seus clubes de viajar), num ambiente de, sim, pressão.

“Digo a eles que já passei por isso, esse tipo de treino, com muita pressão. Falo para eles apenas irem para a quadra, fazerem o que sabem, para curtir o momento”, disse Tiago Splitter, que compareceu justamente ao terceiro dia de atividades, para contar algumas histórias para a garotada. “Sei que é difícil fazer isso, afinal, para muitos, o futuro está na mesa, precisando jogar bem. Mas ao se tornar um jogador profissional, essa pressão existe em cada jogo. Então pelo menos já se adaptam a isso. Gostaria de ter mais tempo para trabalhar com eles.”

Yuri Sena, Tiago Splitter e Guilherme Santos em NYC

Yuri Sena, Tiago Splitter e Guilherme Santos em NYC

Para alguém que disputava apenas seu segundo evento internacional e que pouco fala inglês, Guilherme se mostrou bastante confortável. Bastante, mesmo. Era como se estivesse no quintal de casa. Comunicativo – não me pergunte como – e com uma energia contagiante, evidenciada por seu empenho nos treinos de fundamento. Sempre saltitando e dando até um jeito de furar a fila quando um companheiro aparentava cansaço e hesitação, para receber a bola novamente e partir para o abraço.

Essa eletricidade toda se traduziu para os jogos. Com envergadura, força física e muita agilidade no deslocamento lateral, pressionava demais o drible dos adversários em marcação adiantada, forçando turnovers seguidos ou ao menos desequilibrando qualquer orquestração ofensiva que o menino rival tivesse em mente. Isso aconteceu em especial no segundo dia. Foi impressionante. Quanto mais sucesso teve, mais Guilherme ganhava confiança e acelerava seu passo. “Dá para ver que ele é um cara dedicado nos dois lados da quadra e tem um nível de energia excelente”, disse Givony.

No ataque, deu para notar um jogador bastante tranquilo com a bola, com excelente drible e velocidade para atacar a cesta. No garrafão, quando corta pela esquerda, ainda foge da canhota na hora de finalizar. O arremesso dele ainda sai um pouco baixo e os braços se elevam um pouco inclinados demais para a frente, dando mais chance para que os oponentes o bloqueiem, ou atrapalhem. Não aconteceu nos momentos em que o observei.

(Durante o camp, na hora dos jogos, duas quadras paralelas ficavam ocupadas. Os jogadores são substituídos de cinco em cinco minutos, saindo praticamente todos de uma vez, para que cada inscrito tenha chances de mostrar serviço. Então o ritmo é frenético, com muitos jogadores para serem observados. Não dá para – e seria um desperdício – grudar os olhos num só atleta.)

Seu chute, ainda que com essa mecânica, até caiu com boa frequência. Mas, num nível mais alto de competição, pode ser um problema. Na avaliação dos scouts com quem conversei, é algo de fácil correção. No artigo, só dou aspas para Givony, pelo simples fato de os olheiros não poderem se pronunciar oficialmente sobre os chamados underclassmen, os jogadores que não estão na liga e nem passaram pela fase de Draft.

Agora, os cuidados devidos: foram só três dias de atividade, ainda que o fato de ele já ter sido o melhor jogador do All-Star do BwB das Américas do ano passado, no Canadá, seja outro ótimo sinal. Ele tem apenas 17 anos, como a grande maioria dos que ali se apresentaram. Todos cheios de inconsistências, longe de estarem formados tecnicamente.

Guilherme pode por vezes demorar para passar a bola. Quando tenta acalmar as coisas, como aconteceu na hora do primeiro jogo do domingo, teve uma partida praticamente nula. Estava num ritmo mais lento, apenas conduzindo a bola. Nesse contexto, isso dificilmente vai acontecer. A não ser que estejamos falando desse tipo raro de jogador que lê o jogo com uma fluência de veterano desde os anos de chupeta, como o Kendall Marshall de North Carolina. Não é o caso de Guilherme. Não é o caso de mais de 90% dos atletas na sua posição. Essas coisas se desenvolvem com o tempo.

Yuri Sena ao centro. De vermelho, Matt Buser orienta seu time

Yuri Sena ao centro. De vermelho, Matt Buser orienta seu time

No BwB, os meninos passam quase todo o tempo de treino em trabalhos específicos de fundamentos, para passe, finalização, defesa, cortes para a cesta e movimentação fora da bola/espaçamento. Os times mal treinam juntos, antes de a bola subir. Os técnicos têm tempo de passar uma ou outra jogada, que servem muito mais para se avaliar a capacidade de execução e improviso deles, do que para vencer uma partida. Além disso, cada quinteto assimila jogadores do mundo todo.

No segundo jogo do domingo, o jovem brasileiro já havia voltado ao modo turbo, agredindo desde o princípio. Obviamente havia tomado uma chamada do técnico. Depois, algo que fui descobrir por lá, em papos informais com o garoto e com gente da liga, é que ele, até o ano passado, jogava muito mais fora da bola – vá lá, como um “2” do que como um armador com mais responsabilidades com a bola. Uma informação valiosa para entender essas dificuldades e que torna o que ele mostrou em NYC algo mais interessante ainda. “Ele tem de continuar treinando seu arremesso e sua habilidade como criador de jogadas, mas ele nos mostrou alguns lampejos legais, no ataque e na defesa, que nos fazem acreditar que ele pode virar um bom jogador. Ele tem um futuro legal pela frente.”

Guilherme é um jogador que efetivamente entrou no radar da NBA. O que, de novo, não garante nada. “Quando tinha 17 anos, estava jogando na Espanha e as pessoas começaram a falar sobre mim como jogador de NBA. Já era profissional na Espanha, estava ciente disso, mas só fui entrar na liga aos 25 anos. Levou um bom tempo entre o momento que começaram a olhar para mim e a hora que cheguei para jogar aqui. Você tem de ser paciente”, diz Splitter, que, na verdade, não pode ser comparado com ninguém. Desde muito cedo, foi visto corretamente como um prodígio, alguém com uma maturidade e jogo muito evoluído para alguém de sua idade. Não é o caso de seu compatriota 13 anos mais jovem.

* * *

Sobre Yuri, é preciso dizer: se a vida de armador num camp destes não é fácil, para o pivô fica mais difícil ainda. Os grandões podem passar minutos e minutos sem nem mesmo ser acionados no ataque. Mais: esta foi a estreia internacional do garoto. Demorou um pouco para se aclimatar, como ele mesmo admitiu.No terceiro e último dia, estava bem mais solto no ataque e conseguiu se estabelecer como uma boa opção no jogo dentro da zona pintada, quando lhe passavam a bola.

De certa forma, Yuri, de 2,07 m, lembra, e muito, seu irmão. É comprido e magro. Tem um corpo que lhe permite jogar dentro e fora do garrafão. Sua predileção é ficar mais perto da cesta, mesmo. Tem um trabalho de pés ágil e consegue girar bem para os dois lados, finalizando também com a mesma eficiência com ambas as mãos, algo que, creiam, é uma raridade mesmo num seleto grupo desses.

A impressão que me passou é a de que o garoto ainda está tentando se sentir confortável com seu corpo em quadra, que talvez esteja em plena fase de crescimento. Impressão que também pode ter a ver com algo que o pivô contou: era para ele também ter jogado no ano passado, ao lado de Guilherme, na edição americana do BwB. Devido a uma lesão no pé, acabou não acontecendo. Ficou dois meses fora de ação.

Yuri tem as pernas bem compridas, o que é uma vantagem e salta aos olhos mesmo no jogo de transição. Mas sua base corporal ainda é fraca. O que dificulta o jogo de costas para a cesta contra adversários mais fortes, físicos.

* * *

Como dito aqui, tanto Guilherme como Yuri estão no Bauru, o time do momento no basquete brasileiro. NBB, para eles, a gente pode esquecer. O curioso é saber como o clube vai se comportar com eles em relação à LDB. Nem mesmo isso parece garantido, já que há uma série de atletas mais velhos, que mal veem a quadra no conjunto de selecionáveis de Guerrinha, para serem aproveitados.

Na armação, o time pode usar, por exemplo, Rafael Carioca – que é muito mais explosivo e forte que Guilherme, sendo quatro anos mais velho. Já Yuri poderia jogar ao lado do irmão Wesley, o que seria bem interessante. Pelo fato de terem perdido os primeiros jogos desta quarta etapa disputada em Belo Horizonte, dificilmente serão aproveitados agora. Para a fase final? A expectativa é que sim. A ver.

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Ayán (d) e Maximo, promessas argentinas

Outro talento meio-brasileiro chamou a atenção no BwB em Nova York: o ala-armador Ayán Nuñez Caravalho. Sim, Carvalho: seu pai é brasileiro, a mãe argentina. Ele foi inscrito como argentino. É um jogador de vigor físico intrigante, belo arremessador, boa impulsão e muita agilidade. Dos três vizinhos que estavam por lá, foi o que mais chamou a atenção. O ala-armador Maximo Fjellerup também tem prestígio e possui um jogo mais veterano do que a média, aproveitando ou criando brechas na defesa para pontuar e passar. Mas não fez um camp muito bom no geral, um pouco fora de sintonia, forçando muitas jogadas de efeito. Também jogou por lá o ala Agustín Mas Delfino, que é forte para burro, sólido, mas tem um basquete, digamos, terreno que limita suas opções profissionais por ora. Acho que ainda pode fazer algo na Europa, mas, hoje, é difícil imaginá-lo na NBA.

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Um consenso: o nível do BwB deste ano foi bastante elogiado. Foi uma safra muito generosa, claro que pelo fato de reunir talentos do mundo todo pela primeira vez. Além de Bender (que é um prospecto de fazer cair o queixo, gente, e sobre o qual se encontra informação por aí na rede já de monte, incluindo vídeos), Murray (idem), mais alguns nomes para se monitorar: Silvio de Sousa, Angola, 16 anos, 2,03 m – um ala muito forte e atlético, com bom drible; Thomas Wilson, Austrália, 17 anos, 1,92m – depois de Murray, o melhor armador natural do camp; Yanhao Zhao, China, 17 anos, 1,95 m – um ala-armador muito rápido, atrevido e talentos com a bola.


Agora veterano, Splitter ainda se admira com revelações brasileiras
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Giancarlo Giampietro

Splitter, agora mentor, conversa com revelações do mundo todo

Splitter, agora mentor, conversa com revelações do mundo todo, ao lado de Ron Harper

Sabe quando você percebe que está ficando velho? Quando Tiago Splitter, com todo o respeito, também está passando pelo mesmo problema pela mesma experiência, tendo batido na casa dos 30 agora na virada de ano. ; )

Parece que foi ontem que ele se apresentou a Hélio Rubens aos 17 anos para fazer sua aguardadíssima estreia pela seleção brasileira adulta num Mundial de basquete. Hã… OK, 2002 nem foi tão ontem assim. Já se foram 12 anos desde aquele campeonato. E cá está o pivô catarinense, hoje uma referência para garotos não só do Brasil, como do mundo inteiro, campeão da NBA, escolhido pela organização do Basketball without Borders para fazer o discurso de encerramento da mais recente edição de um camp que vai crescendo em prestígio, em Nova York.

Sim, Splitter fala, hoje, como veterano, para garotos que em sua maioria tinham exatamente sua mesma idade naquele campeonato em Indianápolis, quando Sandro Varejão, Demétrius, Rogério  e Vanderlei eram as figuras de referência. Por isso perguntei ao catarinense quando foi o momento em que ele se deu conta de que o jogo havia virado para ele. Riu e respondeu ao VinteUm: “Foi ultimamente, mesmo. Já me sinto um dos mais velhos. Com certeza passou bastante tempo, mas é bom também, né? Mudando um pouco, passando um pouco da experiência, conversar com o pessoal mais novo. Agora mesmo tive a oportunidade de falar com o Lucas (Bebê) e o Bruno (Caboclo), que estão numa situação não tão boa, mas que é normal e que precisam estar com a cabeça no lugar, treinando, que é muito importante neste momento.”

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Depois de se encontrar com a dupla de compatriotas em Toronto durante a semana, o pivô agora cruzou em Manhattan com mais duas promessas nacionais, do Bauru: o armador Guilherme Santos e o pivô Yuri Sena, ambos de 17 anos. Com Guilherme, foi seu segundo encontro, depois de terem se conhecido em um evento de 3×3 da NBA realizado em Baureri, no ano passado. O pivô o elogiou, e posso confirmar que o jovem atleta – que jogava pelo Barueri até o ano passado, ressalte-se – deixou boa impressão entre os scouts que lotaram um pequeno, mas muito bem ajeitado ginásio do Baruch College.

Guilherme Santos e Tiago Splitter: 13 anos de diferença

Guilherme Santos e Tiago Splitter: 13 anos de diferença

O que causa admiração geral, não? O Brasil ainda encontra um jeito de produzir mão-de-obra, mesmo que as estruturas do esporte no país não sejam das mais confiáveis. Como Splitter disse a um jornalista canadense em sua interessante entrevista coletiva: “Bem, vemos jogadores surgindo, mas não por sermos bem organizados. Eles simplesmente aparecem”.

Em 2002, Nenê havia acabado de ser selecionado pelo Denver Nuggets na sétima posição do Draft. Ali, estava aberta uma porta para a molecada brasileira. Dois anos antes, porém, aos 15, quando deixou Blumenau para se estabelecer em Vitoria-Gastez, no País Basco, Tiago também havia apontado outra direção: a Europa, especialmente a Espanha. “No Baskonia, fui uma aposta que eles fizeram na época, junto com vários garotos. Lembro que na época eles levaram outro brasileiro – o Thiago da Luz, um grandão de 2,16 m –, um dominicano, dois espanhóis etc. Claro que não foram todos que se tornaram jogadores. Mas era uma boa estrutura. Tinha o preparador físico, nutrição, mas nada que não vá ter no Brasil num clube de ponta. A grande diferença foi a competição. Cheguei com 15 anos lá e já comecei a jogar adulto, na terceira divisão. Fui subindo, até a primeira. Foi essa competição que me fez ser um bom jogador.”

Yuri Sena, Tiago Splitter e Guilherme Santos em NYC

Yuri Sena, Tiago Splitter e Guilherme Santos em NYC

O sucesso que o pivô obteve por lá, todavia, resultou na migração de diversos talentos nacionais para a Espanha, apostando no amadurecimento e na construção de uma carreira por lá. Diversos jovens tentaram a sorte da mesma forma. Alguns vingaram, como vemos agora acontecendo com Augusto Lima e Rafael Luz. Outros ainda tiveram tempo de voltar para casa e prosperar (Luis Gruber, por exemplo). Mas muitos caíram no anonimato, no esquecimento.

E o problema, para Splitter, é justamente o fato de o país depender de um ou outro nome que desponte aqui e acolá, com a massificação da modalidade parecendo mais uma utopia – algo sobre o que já discutimos aqui após a eliminação para a Sérvia na Copa do Mundo passada. Ele só defende que as cobranças não se limitem apenas à CBB, mas que se estendam à política nacional para o esporte. Faz todo o sentido, claro – mas não exime a confederação de suas responsabilidades. “Para mim, a gente fala muito da confederação, e eu sei que vocês gostam de colar na confederação, mas para mim é uma questão de ministério da Educação. É de botar o basquete nas escolas”, diz. “Se não fizermos isso, não vamos ter quantidade. Se ficar só com clubes, beleza: vai ter 20 meninos aqui e ali, e só. Mas não é o suficiente. Realmente é uma coisa de política, mesmo. Se não mudar isso, não vai melhorar.”

Nem tudo são trevas na visão do pivô, de qualquer forma. Comparando com o cenário que viu há oito, nove anos, ele acredita que houve evolução. “Na minha época, se você não fosse juvenil ou adulto, estava fora. Agora tem uma liga (em referência à LDB) para esses garotos e muito mais investimento. Uma grande diferença. Quando era bem novo, a liga era decente. De repente, virou uma m… E agora vai crescendo e está bem. A gente sabe que tem coisa para melhorar, mas vejo no caminho certo. A liga privada foi um acerto. Temos jogos quase todos os dias na TV, um escritório da NBA no Brasil e um acordo com a liga. O que quer dizer que mais pessoas vão assistir ao basquete, o que é ótimo. Espero que, num futuro próximo, possamos ser um grande país para o basquete.”

Esse processo todo ainda pode soar muito vago, em estágio prematuro – ele pode mudar drasticamente, dependendo dos resultados da parceria LNB-NBA ou de qualquer conjuntura econômica mais sufocante. Por enquanto, é como ele mesmo diz: as coisas vão acontecendo meio ao acaso. Os jogadores vão surgindo, cheios de potencial, encantando a comunidade internacional. Durante o Basketball Without Borders, fui questionado por um importante dirigente de um clube da Conferência Oeste sobre a discrepância que se nota entre o nível de potencial atlético das revelações brasileiras e os seus fundamentos básicos. Só o passar do tempo vai nos dizer, mesmo, o que sairá de tudo isso. As respostas vão aparecer apenas quando Splitter já tiver se aposentado das quadras. Até lá, resta saber aonde estarão Guilherme e Yuri.


LaVine, as enterradas e a parte 2 de um fim de semana com as estrelas
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Giancarlo Giampietro

Zach LaVine salvou o torneio de enterradas.

(Ok… Podem discordar por um tempo. Momento de desabafo, simbora.)

O que o garoto do Minnesota Timberwolves fez neste sábado no Barclays Center é tudo o que se cobrava nos últimos anos malfadados da disputa, em teoria, mais nobre do fim de semana das estrelas da NBA. Conseguiu executar alguns movimentos inéditos, só não beijou o aro porque não quis, agitou o ginásio todo. E fez tudo isso com a pressão de favorito para o concurso, sem frustrar as expectativas.

O problema é que já são 31 anos de concurso. Chega uma hora que é difícil encontrar um meio de surpreender. Se a gente espera sempre o novo, aí tem de conviver com os erros de Victor Oladipo na etapa final – o cara tentou coisas impensáveis, improváveis e acabou pagando o preço por isso.

Paciência, e muito bem.

Agora LaVine tem um desafio pela frente: carregar o oba-oba pela conquista nas cravadas para a continuação de sua carreira. Algo que não acontece tão frequentemente assim, desde que a liga passou a ter dificuldade para convencer seus principais nomes ou apostas a participar da disputa, desde a virada dos anos 90 para a década passada – excluindo aqui Dwight Howard (já consagrado) e Blake Griffin (a verdadeira exceção, quando calouro).

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Além disso, Howard e Griffin já integram outro grupo, que é o dos grandalhões que triunfaram nas enterradas. Na lista os vencedores na história, a maioria esmagadora é de alas. Muitos deles capazes de lances mirabolantes com a quadra limpa, sem oposição do outro lado que não a pressão psicológica, mas que, num ambiente de cinco x cinco, se revelam limitados.

Terrence Ross ainda está nessa luta em Toronto. Jeremy Evans voltou a ser enterrado no banco de Utah. Gerald Green precisou rodar o mundo todo até reencontrar seu espaço, e nem dá para garantir que, terminado seu contrato com o Phoenix Suns, vá ter um grande emprego na próxima temporada. Fred Jones, Desmond Mason foram competentes no que lhes foi pedido, mas só. De 2000 e Vince Carter para cá, talvez só mesmo Jason Richardson se enquadre na categoria de atleta que foi além das dunks e fomentou uma reputação maior como jogador, para além de sua capacidade atlética – com bom chute de três pontos, boa defesa, mas um arsenal ofensivo um tanto reduzido. Ainda assim, ainda tem em suas cravadas de 2002 e 2003 como os melhores momentos de sua carreira.

LaVine, pelo pouco que vimos nesta temporada, tem muito potencial para derrubar essa suposta barreira, com bom controle de bola e arranque incrível. Mas ainda tem uma longa jornada pela frente, na qual nada é garantido. O ponto positivo para ele, nesse sentido, é que o presidente/técnico Flip Saunders, antes um rabugento com calouros, tem se esforçado para encontrar tempo de quadra para o adolescente de apenas 19 anos, independentemente da forma física de Ricky Rubio ou das estripulias de Mo Williams, que acabou trocado para Charlotte.

Se o seu desenvolvimento acontecer da forma esperada, o Wolves terá mais uma peça para compor um futuro brilhante – desde que, claro, na hora de chegar a hora de renovar os contratos de tantas promessas, consiga convencê-los a ficar em uma terra gélida e pacata.

Mais algumas notas, observações:

– É uma balança difícil, uma discussão que talvez não tenha fim, a procura pelo equilíbrio entre o que é “certo” e “puro” com o que seja “espetacular”, numa conotação que, para alguns, singifica “espalhafatoso”. Sempre que um jogador for encarar a cesta para tentar suas acrobacias, esse debate vai ser resgatado, para tentar entender o que poderia estar dando errado, ou certo, no basquete.  Uma coisa realmente exclui a outra? São poucos os que chiam, se é que eles existem, sobre o concurso de arremessos de três pontos. Afinal, o ato do chute seria algo legítimo da modalidade, sua finalidade. A glamorização das cravadas já significaria a corrupção. Por outro lado, é claro que também há quem só saiba valorizar acrobacias na quadra e ignore tantos outros elementos ricos e decisivos do jogo. A melhor solução não é tentar sempre conciliar as coisas, encontrar o meio termo nesse tipo de – sério, mesmo!? – polêmica? Hoje essa coisa de bola ao cesto já envolve muita gente, digamos, grandinha, em todos os sentidos. Enterrar faz hoje parte do jogo.

– Victor Oladipo, o vice-campeão de LaVine, acabou levando o prêmio de revelação artística da noite, com duas sacadas bacanas: primeiro cantou “New York, New York” em sua entrada na quadra, depois aproveitou as presenças ilustres de beira da quadra para autografar uma bola.  Quem diria: três anos atrás, o ala-armador era apenas mais um na Universidade de Indiana. Um prospecto bem cotado por sua defesa e nada muito além disso – supostamente, era para ele ser um jogador ‘sério’, gente…

– Na disputa dos chutes de três, a final esperada entre os Splash Brothers do Golden State. O problema foi a desconcentração de Klay Thompson na hora de tentar bater o companheiro Stephen Curry. A exibição do armador, tendo acertado 13 bolas em sequência, claro, contribuiu para tanto. Mas há também outro caminho que a gente pode seguir nessa, falando sobre a transmissão americana original. As interações de Reggie Miller, Kenny Smith, Charles Barkley etc.  passaram, em tempo real, também no telão e no sistema de som do ginásio do Nets. Fico imaginando se a matraca de Miller não acaba sendo um obstáculo ainda maior para os arremessadores hoje do que um Tony Allen ou Kawhi Leonard.

– James Harden  não foi nada bem nessa competição, mas não tem do que reclamar: tem sido, consistentemente, um dos mais aplaudidos durante todo o final de semana. O ala-armador, entendemos, já é uma estrela oficial da liga, e não só para os nerds. Missão cumprida: foi por um belo cheque, mas também por esse motivo que ele deixou OKC. Ele e sua barba merecem.

– Mais reverenciado que Harden só, mesmo, Paul McCartney, que estava perdido pelo Barclays Center, com cara de que não entendia nada quando flagrado no telão. O Beatle superou as candidatas a rainhas pop Rihanna, sua surpreendente companheira de gravação, e Nicki Minaj, a trinitina responsável por Anaconda, a música. Isso, no mesmo dia em que fez um show quase que intimista em NYC. Show ao qual não fui. Rrrrrghhh.

– No desafio das habilidades, é muito irônico que Patrick Beverley, justamente aquele que leva a bola por menos tempo em seu time, tenha sido o campeão. Escolta de Harden no dia a dia do Houston Rockets, acabou prevalecendo na final contra Brandon Knight. Um feito e tanto para um jogador que foi draftado pelo Lakers em 2009 e nem teve chance com Phil Jackson, sendo trocado para Miami, aonde também foi ignorado. Depois, o aguerrido Beverley defendeu o Olympiakos brevemente na Grécia e ainda passou pelo basquete russo antes de ser contratado pela franquia texana, forçando, nessa, a dispensa do armador Scott Machado. É por sua atitude e pressão que coloca na defesa que foi valorizado. Neste sábado, conseguiu mostrar que vai um pouco além disso. (PS: Kyle Lowry confessou para os jornalistas que estava esquecendo de que era um dos inscritos no evento, de tão empolgado que estava com sua seleção para o All-Star Game).  

– Impressionante a qualidade do sinal wireless dentro do Barclays Center. Compartilhado com milhares de pessoas, e, mesmo assim, melhor que o de casa. O mundo, porém, não é dos Nets, infelizmente.

– Vou escrever com mais detalhes neste domingo ou segunda, mas o armador Guilherme Santos vai mandando muito bem no camp Basketball without Borders, da NBA, que ocorre em Nova York de modo paralelo ao All-Star. Podem anotar o nome do jogador de 17 anos, recém-contratado pelo Bauru, ex-Barueri. Bons papos sobre Bruno Caboclo e Georginho também saíram do ginásio do Baruch College, onde passei boa parte deste sábado, botando o papo em dia também com o chapa Jonathan Givony, do DraftExpress. Aguardem.

– Agora, a grande festa nos espera no Madison Square Garden. O jogo das estrelas da NBA tem transmissão do Canal Space no Brasil, com direito a comentários de Magic Paula.


Notas de um fim de semana de estrelas: parte 1
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Giancarlo Giampietro

Já é sábado, mas essas são notas sobre uma looooonga sexta-feira de puro amor basquete em Nova York, longe da Senhora 21 em pleno Valentine’s Day, mas ao lado de um monte de gente enorme, que te faz parecer totalmente insignificante. Sério: se quiserem passar o dia perto de jogadores de basquete, é preciso primeiro sentar no divã na véspera. Ou fazer um semestre de coaching. Cada um na sua.

Existe toda uma dificuldade logística que não permite que um blogueiro brasileiro atualize tudo em cima do lance, como pedem os tempos de 60/24/7/365. Os eventos são bem espaçados, a conexão sem fio nem sempre funciona etc. etc. etc. E as informações vão se acumulando. Coisa que não justifica um post único aqui para este espaço, mas que, juntas, podem valer alguma coisa. Então é hora de soltar algumas notas e impressões sobre o primeiro dia de atividades, hã, oficiais do All-Star Weekend da NBA:

– Num universo paralelo, a liga americana também está organizando, com ajuda da Fiba, mais uma edição do Basketball without Borders, o camp que reúne a garotada do mundo todo. Neste ano, são mais de 40 inscritos, vindo de mais de 20 países, incluindo dois brasileiros: o armador Guilherme Santos e o pivô Yuri Sena, ambos de 17 anos e do Bauru. Eles estão reunidos no ginásio do Baruch College, no Midtown nova-iorquino, cercados de olheiros por todos os lados. Segue abaixo um vídeo que dá um panorama da área de trabalho com treinadores:

Aqui está Guilherme, que chama a atenção por seu porte físico e capacidade atlética – mas ainda é muito cedo para tirar qualquer conclusão:

Guilherme trabalhando com armadores sob orientação de Jama Mahlalela, do Raptors

Guilherme trabalhando com armadores sob orientação de Jama Mahlalela, do Raptors

E aqui está um vídeo curtinho com Yuri, que lembra, e muito, seu irmão Wesley, que já recebe tempo de quadra aqui e ali pelo time principal bauruense. Dá para ver o tipo de exercício que ficam executando, até trabalhar movimentação de bola e se agruparem para coletivos ao final da sessão:

– O principal nome entre as dezenas de inscritos é a sensação croata Dragan Bender, que vai fazer 18 anos apenas em novembro. Então vale sempre a menção atenuante para termos como “principal” e “sensação”. De qualquer forma, o jogador de 2,13 m de altura chama, mesmo, a atenção. O modo como se movimenta com a bola é impressionante, para alguém de sua idade e pouca experiência. Está claro que ainda precisa fortalecer a base, para ganhar mais equilíbrio, mas tem potencial enorme. Já está sob contrato com o Maccabi Tel Aviv há quase um ano, num movimento inovador do gigante israelense, que vinha investindo pouco em jovens talentos. O Maccabi inclusive enviou seu gerente geral para a festa: Nikola Vujcic, compatriota de Bender que se consagrou como jogador da equipe israelense na década passada. Foi um craque, mesmo. Aqui está o reencontro dos dois gigantes croatas, rodeados por uma criançada do Maccabi, que assistia aos exercícios com muita atenção:

Uma lenda croata (d) e uma aposta do país, para se juntar a Saric e Hezonja

Uma lenda croata (d) e uma aposta do país, para se juntar a Saric e Hezonja

– O BwB começou com atraso, o que me impediu de acompanhar os coletivos até o fim. Tive de sair correndo em direção ao hotel que acolheu os protagonistas do fim de semana: os integrantes das seleções do Leste e do Oeste. Quando cheguei ao Sheraton, na Times Square, foi aquele choque pelo volume de profissionais de mídia presentes – como já relatei em texto sobre Tim Duncan. A NBA estima que 600 estiveram presentes para entrevistas nesta sexta. LeBron, Carmelo e Stephen Curry foram os mais concorridos, claro. Mas surpreendeu também o volume de gente em volta dos irmãos Gasol, cada um ao seu tempo (primeiro falou a turma do Oeste, depois veio a do Leste).

– Ah, sobre entrevistas… Foi engraçado notar que, em meio ao caos, a estação de Russell Westbrook até que estava bem tranquila. Na hora, imaginei: é por que ele não está falando nada. E foi isso, mesmo. Wess apelou a sua rotina de sempre, respondendo as perguntas mais pertinentes ou birutas com quatro ou cinco palavras. Isso quando não se limitava a dizer apenas “não”. Então, ao contrário do que aconteceu com Marc Gasol, ao menos era possível vê-lo. Não perdi tempo – e o respeito próprio, aliás – para me aproximar, mas deveria ter filmado a cena. #FailGeral

"Ambos os times executaram muito bem seus planos de jogo"

“Ambos os times executaram muito bem seus planos de jogo”

– Outro que atrai multidões: Rudy Gobert, com diversos franceses em sua cola durante os eventos em torno do jogo das estrelas ascendentes. Tanto em atividade descontraída na quinta, como no pós-jogo desta sexta. São muitos os jornalistas europeus credenciados para a cobertura, com poloneses, croatas e mais. Para os franceses, faz muito sentido, já que são dez seus representantes na liga americana. O Brasil, em compensação, com seis jogadores, tem, que eu tenha visto, apenas quatro jornalistas confirmados, sendo que três vieram a convite do Canal Space, como o caso deste blogueiro. A galera da Espanha, com cinco atletas, causa um alvoroço. Para constar.

C'est un monstre! Gobert encontrou diversos compatriotas na zona mista

C’est un monstre! Gobert encontrou diversos compatriotas na zona mista

– Por falar em Gobert… Mon Dieu! Se em quadra ele consegue intimidar um Mason Plumlee, imagine lado a lado na sala de entrevistas? O mais espigão do dia. Durante o jogo, proporcionou realmente excelentes momentos, com tocos assustadores, mesmo para cima de Mason P, um pivô de 2,11 m, ágil e experiente já. O jovem pivô francês veio para ficar, acostumem-se. Foi prudente da parte do agente de Enes Kanter abrir uma campanha para tirar o turco de lá.

– Imagino só um time de verdade com Exum, Wiggins, Giannis, Mirotic e Gobert, como vimos em alguns momentos nessa sexta. Nas mãos do Jason Kidd. Seria demais. Envergadura é pouco. Potencial para uma defesa sufocante – uma versão turbinadíssima do que o Milwaukee Bucks faz hoje –, além da versatilidade no ataque, com chute, arranque para a cesta, presença física no garrafão e muita velocidade. Afe.

– Zach LaVine é muito mais explosivo que Andrew Wiggins – e, ao que tudo indica, vai deixar sua marca no torneio de enterradas deste sábado. Mas a leveza como o canadense se desloca pela quadra é cativante. Parece que está andando sobre a água, flutuando na verdade.


 -Presenciamos também o momento histórico em que um integrante da família Plumlee dividiu a quadra com um Zeller. Os Plumlee, vocês sabem, são uma dinastia da Universidade de Duke, tendo o Coach K como conselheiro. Miles, Mason e agora o Marshall por lá. No ex-jogo dos novatos, Mason P, que é o filho do meio em seu clã, teve como companheiro o Cody Z, o caçula da outra gangue. Ficaria estranho, mesmo, se a companhia fosse de Tyler Zeller, que teve uma carreira produtiva pela Universidade de North Carolina – o ala-pivô do Hornets jogou em Indiana. Ao menos os deuses do basquete universitário nos pouparam dessa.

– Contagem de consumo até aqui:

11 viagens de metrô
1 corrida de táxi
1 carona de ônibus, com Rick Rox e Brent Barry, emperrado no trânsito
1 cheeseburguer (juro!)
4 donuts
8 chocolates quentes


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