Pinheiros aposta em Marcel, que encerra seu exílio
Giancarlo Giampietro
Vocês me dão licença para voltar a uma encarnação passada e resgatar uma postagem de maio de 2012, né?
(Caceta, já se passaram dois anos!)
Foi mais ou menos assim, com algumas partes editadas, apagadas para dar um suspense:
“Você clica no link e começa a ler um artigo do grande Fulano, que tem as seguintes frases iniciais: “Eu gostaria de dizer de início que não tenho mais nenhuma pretensão a posto algum no basquete. Desisti dele em 1975, no vestiário do ginásio da Bradley University, quando me olhei no espelho e vi que seria médico. Só percebi isso em 2011, quando senti que a vida não me faria sentido sem que exercesse minha verdadeira profissão”.
Além do mais, chamam a atenção as seguintes frases:
– “Não reclamo do modo como fui tratado pelos do basquete principalmente nos últimos anos, afinal de contas, tenho que entender que minha maneira de ver o jogo não é a ideal para o basquete brasileiro. Nunca foi”.
– “Não culpo pessoas pelo tratamento quase sempre desrespeitoso que recebi por ter acreditado e lutado pelo ‘meu basquete’.”
– “Tudo o que alcancei e vivi no basquete, me deu o direito de também tratá-lo como sempre fiz: verdade acima de tudo, amor incondicional e luta pelo que acreditava ser o que sempre chamei de ‘o bom basquete’. Aquele jogado dentro da quadra, treinado à exaustão e aperfeiçoado em horas sem fim de treinamento individualizado (eu sozinho dentro do ginásio).”
De quem são as palavras destacadas? Marcel de Souza.
O novo técnico do Pinheiros.
Há dois anos praticamente exatos – faltam dois dias apenas para cravar –, saía no site Databasket a suposta despedida do basquete deste grande jogador e personalidade, uma figura inquieta do cenário brasileiro. E aqui estamos, neste sábado, repercutindo o anúncio de sua contratação, como sucessor de Claudio Mortari.
É uma agradável surpresa.
Com um elenco que vem brigando por títulos nos últimos anos, o clube paulista novamente se permite inovar ao escolher seu treinador. E diz muito sobre o basquete nacional que um estudioso declarado da modalidade, personagem histórico da seleção brasileira, possa ser considerado uma opção fora da caixa, diferente, diante da insossa dança de cadeiras que nos acostumamos a ver, com os mesmos nomes de sempre rodando fazendo ciranda, lá e cá.
Antes, o nome de Claudio Mortari já havia causado um certo espanto no meio, como um ser jurássico redescoberto. Não posso dizer que apreciei de modo incondicional o que sua equipe praticou em quadra nos últimos anos. Vieram títulos importantes e inéditos, resultados dignos de elite, mas com um estilo de jogo que assumiu muito das precipitações e loucuras a que já nos habituamos. De qualquer forma, sem prever exatamente o que viria a acontecer, valia a aposta.
Era um campeão mundial, oras. E, por mais que o jogo tenha mudado drasticamente em aspectos físicos, não dá para falar em “conceitos ultrapassados” neste esporte – grandes defesas e grandes ataques já existiram lá atrás. Os conceitos simplesmente são reciclados, reinventados, um instigando o outro. Em essência, o jogo é um só, com objetivos primários, em torno dos quais as diferentes cabeças vão moldar propostas, estratégias e aí, sim, se perder em pormenores essenciais para a vitória. Num cenário particular como o brasileiro, Mortari teve seus acertos e erros, não chegou exatamente a se distinguir, mas esteve longe de ser um fracasso, como tantos esperavam. Agora, de volta a um cargo administrativo, abre espaço para Marcel.
Depois de (quase) dois anos de exílio, ele retorna em uma situação que está próxima da ideal, num clube de ponta e com o qual já está familiarizado, tendo trabalhado por lá no final dos anos 90, contribuindo na transição de Guilherme Giovannoni, Marcio Cipriano e outros. A realidade do Pinheiros, em termos competitivos, porém, era outra.
Desde então, fez um belo trabalho com o São Bernardo, coordenou projetos em Jundiaí e Barueri, mas nunca teve a oportunidade de dirigir um time do NBB, por exemplo. Ele não apenas fará sua estreia no renovado campeonato nacional, como assumirá um time cheio de ambições – e com mais jovens extremamente talentosos para ajudar a lapidar.
É difícil entender o isolamento de um dos grandes ídolos de sua geração, mas é fácil explicar. Embora não seja afeito ao corporativismo vigente, o (ex-?) doutor ao mesmo tempo simplesmente ama o jogo – daí que o anúncio de sua despedida em 2012 já soava um tanto duvidoso… É difícil largar a coisa, mesmo que frustrações, correria ou atropelos da vida possam empurrar nessa direção. Para quem não estava acompanhando, o craque já havia tornado a escrever Todas as Cestas(-feiras) sobre o jogo, com pauta diversificada e rica. Sem necessariamente apontar alvos, vai dar seus pitacos – e até mesmo gravar e jogar na internet um funk –, e, na vidinha pacata e arraigada do basquete brasileiro, isso não pega lá muito bem, tal como acontece com Paulo Murilo no Basquete Brasil.
Há muita gente por aí que simplesmente tem dificuldade de entender que um indivíduo possa exercer o direito de pensar por conta própria e expor aquilo que sente ou pondera sobre atos aparentemente banais como atirar uma bola ao cesto – além, claro, claro, dos muitos detalhes que precedem o chuá ou um airball. O diretor João Fernando Rossi, do Pinheiros, pelo visto, não se importa com isso. Leitor do articulista do Databasket e alguém que sabe valorizar a história da modalidade, enxergando possibilidades além do que o mercado rotineiro oferece, teve uma boa sacada.
É sempre muito cuidado com a rotina, pois ela realmente pode te engolir. Não dá para ser abelhudo a ponto de questionar a paixão de Marcel por clinicar, mas o certo é que o certificado do CRM estará sempre ao alcance. Ao menos ele agora poderá mudar de ares um pouco, o que sempre faz bem. A expectativa fica para ver o quanto ele pode alterar, agora com os devidos recursos, o que vemos em quadra e há tempos pede uma chacoalhada.