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Lucas Dias: depois da impaciência, o desenvolvimento
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Giancarlo Giampietro

Lucas vibra após grande atuação contra o Uberlândia

Lucas vibra após grande atuação contra o Uberlândia. Crédito: Ricardo Bufolin/ECP

Ao falar sobre atletas jovens, o primeiro mandamento é ter precaução. A tentação, vocês sabem, é anunciar um futuro auspicioso. Depois, encontrar paralelos, para anunciar o “novo fulano de tal”. Se, nessa caminhada, as coisas não forem acontecendo conforme o “esperado”, aí é a hora de, cheios de decepção, martelar e desconstruir a promessa.

Lucas Dias, do Pinheiros, já passou por esse processo. Ele só tem 19 anos.

Aos 16, foi eleito o MVP do jogo internacional do Jordan Brand Classic, com 18 pontos, 12 rebotes e 4 tocos, em Charlotte. Dois meses depois, em São Sebastião do Paraíso, teve médias de 15,6 pontos e 8,4 rebotes na Copa América Sub-18 e ajudou a seleção a se classificar para o Mundial, sendo dois anos mais jovem que a maioria dos concorrentes. Pronto. A partir daí, o garoto entrou no radar, virou tópico obrigatório nos fóruns de discussão. O basqueteiro brasileiro em geral não está acostumado a receber esse tipo de notícia.

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Sua escalação no time principal do Pinheiros era cobrada, cada jogo era seguido de perto. Até que chegou o Mundial Sub-19 em 2013, na qual não só o ala-pivô como toda a equipe nacional teve uma campanha frustrante, com um décimo lugar amargo, depois de algumas derrotas bem feias. Aí, claro, já teve quem se apressasse em dizer que não dava mais para o garoto. Ainda mais que ele não conseguia entrar na rotação da equipe adulta do clube paulista e, no ano passado, viu um tal de Bruno Caboclo passar voando por lá. Caboclo virou a grande aposta, enquanto Lucas ficou, de certa forma, esquecido. Como se não houvesse espaço para dois queridinhos.

Subindo para fazer a cesta numa jornada 100%

Subindo para fazer a cesta numa jornada 100%. Crédito: Ricardo Bufolin/ECP

Mas essa fase de sumiço chegou ao fim. Na terça-feira, Lucas Dias conseguiu uma proeza no atual cenário brasileiro: um adolescente a ser o cestinha de um jogo de NBB. Foi na vitória sobre o Uberlândia por 107 a 86, em casa. Não só ele liderou todos os marcadores, com 23 pontos em 24 minutos, como saiu com 100% nos arremessos, com três bolas de três, cinco de dois e mais dois lances livres. Na sua idade – de novo: apenas 19 anos –, isso dificilmente vai se repetir por estas bandas.

Os 23 pontos se equivalem exatamente à metade do que ele soma na temporada. Quer dizer: foi disparada a sua melhor partida na temporada. Mas isso não quer dizer que tenha sido um acidente ou qualquer coisa do tipo, um evento que tenha surgido ao acaso. Desde o dia 17 de dezembro, na saideira de 2014, o ala vinha recebendo mais tempo de quadra com o técnico Macel, registrando 12 minutos contra o Bauru, 19 minutos contra o Franca e 15 contra o Palmeiras. Dá mais de 18 minutos por jogo nas últimas quatro rodadas do campeonato. Até então, em cinco partidas, ele havia ficado em quadra por 10 minutos em média.

No duelo com o clube alviverde, ele teve uma atuação para se esquecer, saindo zerado, tendo desperdiçado todos os seus oito arremessos. Que tenha sido mantido na rotação por Marcel, contudo, só depõe ao seu favor. Com o treinador mesmo disse ao VinteUm: “Comigo é assim: se você treinar como se joga, você joga. Na hora que aparecer um cara treinando como ele vai jogar… Na hora que for dominar, que mostrar como vai jogar no treino, eu não sou louco de não colocar para jogar”.

A liga D
Nesse ponto, para o garoto ganhar confiança, mais importante vem sendo sua participação na nossa liga de desenvolvimento, a LDB. Na semana passada, ele disputou a terceira etapa da competição sub-22, em Campinas. Após 17 jogos, o ala é o segundo cestinha até o momento, com média de 20,2 pontos, e o quarto reboteiro, com 9,4. “Acho que minhas participações ncontribuíram para o bom desempenho, e estou feliz por ter aproveitado as oportunidades contra o Uberlândia”, disse.

Algumas exibições em particular renderam recordes da LDB para Lucas.  Na segunda etapa, em Joinville, contra o Grêmio Náutico União, ele somou 44 pontos e 55 no índice de eficiência, em 33 minutos, em vitória fácil por 95 a 56 – ao seu lado, o armador Georginho, 18 anos, também somou um triplo-duplo. Na ocasião, errou apenas 4 de 20 arremessos, com baixo volume no perímetro (1-3), além de coletar 16 rebotes e de ter cinco roubos de bola. Em Campinas, mais um jogo memorável: contra o Regatas (triunfo por mais que o dobro de diferença), o time da casa, converteu nove arremessos de longa distância e terminou o confronto com 37 pontos em 24 arremessos e 35 minutos, além de 9 rebotes, 3 assistências e 3 roubos de bola, para um índice de eficiência de 42.

Na LDB, dominante neste ano

Na LDB, dominante neste ano. Crédito: João Neto/LNB

Agora, só vale ressaltar que o volume nos arremessos de fora contra o Regatas (19 tentativas) foi algo simplesmente irreal, que não se traduz para nenhum campeonato de ponta. É preciso sempre fazer a devida contextualização, claro, levando em conta o nível dos adversários. Se for para conferir seu aproveitamento nos arremessos, temos 59,8% nas bolas de dois pontos, 32,2% nas de três e 76,5% nos lances livres. Quer dizer, ainda há o que melhorar em termos de eficiência. De todo modo, no geral, os números impressionam e servem para devolver a confiança ao jovem talento.

De volta ao time dos marmanjos, Lucas entrou em quadra no primeiro quarto,  substituindo o veterano Felipe Ribeiro, quando o placar estava 8 a 7 para sua equipe. Quando saiu, com 11 pontos marcados, restavam apenas 46 segundos na parcial, o time da casa já vencia por 28 a 13. O Uberlândia não esmoreceu, tentou uma reação nas parciais seguintes, até sucumbir no período final. Apenas dois pontos do ala saíram no que poderíamos chamar de “garbage time”, quando o time de Marcel já tinha o resultado praticamente garantido, a 3min50s do fim. Isto é: seu desempenho foi fundamental para o Pinheiros a encerrar uma série de quatro derrotas no NBB.

Amadurecimento
Houve, sim, uma preocupação com o desenvolvimento de Lucas desde aquele malfadado Mundial. Há muitos que questionam a decisão do técnico Demétrius de ter usado o ala-pivô como um sexto homem, alegando que, quando ele entrava em quadra, o jogo já estava praticamente definido, deixando o principal talento daquela seleção numa posição, no mínimo, desconfortável. Era entrar para resolver, então?

Lucas agora joga a LDB desde o início. Crédito: João Neto/LNB

Lucas agora joga a LDB desde o início. Crédito: João Neto/LNB

O problema é que, quando retornou ao Pinheiros, havia um zum-zum-zum sobre uma falta de concentração ou empenho do garoto. Acontece muito mais do que se imagina, ainda mais quando, sem muito esforço, o jovem jogador pode fazer 20 pontos num jogo – hoje consagrado no basquete nacional, o ala Marquinhos já ouviu bastante nesse sentido. Uma coisa é dominar na sua categoria, porém. Outra é competir diariamente com adultos como Shamell, Olivinha, Morro etc.

Nesse contexto, a ascensão meteórica de Caboclo, vindo de Barueri, pode ter sido um ponto de virada para seu ex-companheiro. Pergunte no clube paulista sobre a dedicação do xodó do Toronto Raptors, e a empolgação impressiona. O menino simplesmente não saía do ginásio – padrão de trabalho que vem sendo mantido no Canadá, aliás. Suando bastante, o ala conseguiu ser o primeiro atleta sair direto do basquete brasileiro para a NBA em 11 anos – era algo que não acontecia desde Leandrinho, em 2003. Não tem como acompanhar um processo desse de perto e não ser afetado.

“É, mexeu muito com a turma da base a ida do Caboclo”, diz Marcel. O que todos precisam ter consciência é de que cada um tem sua história. “Cada talento tem o seu tempo para amadurecer. O caso do Bruno é uma exceção pelo físico dele. É um cara de 2,08 m com envergadura de 2,35 m, coisa que você não vai achar facilmente por aí. Se ligassem para mim e falassem que estava com um rapaz desses, eu iria buscar na hora. Mas esses que ficaram provavelmente vão ser adultos no ano que vem. E aí talvez possam sair”, afirma o técnico. Além disso, é preciso lembrar que Caboclo, jogando a LDB de ponta a ponta, participando também do Paulista sub-19, passou muito mais tempo em quadra na temporada passada do que Lucas, que estava em tempo integral com o time adulto.

A caminhada segue
No clube paulista, antes mesmo da elevada produção recente, a percepção em torno Lucas já era altamente positiva. Mas é sempre melhor ver os resultados na prática, não? Resultados de muito treino. A turma do Sub-19, por exemplo, pode trabalhar até em três períodos. “Ele vem muito bem, numa ascensão”, diz Claudio Mortari ao VinteUm. Hoje supervisor, Mortari dirigiu Lucas diariamente em sua transição da base para o adulto, acompanhando de perto os altos e baixos. “Agora, é como digo, depende muito mais daquilo que o cerca fora da quadra, daquilo que ele tem como motivação interna e o que realmente queira. O trabalho necessário nós vamos oferecer. Os recursos técnicos ele já tem. Ele, o (armador) Humberto e o Georginho têm muito potencial. Vão ser? Tomara que sim. Mas não dá para afirmar, já que muito depende da resposta deles.”

A estreia contra Sérvia no Mundial Sub-19. As coisas não foram bem

A estreia contra Sérvia no Mundial Sub-19. As coisas não foram bem

Até por sustentar um programa de base que hoje deveria servir de referência no país, com a influência de gente como o diretor João Fernando Rossi e a coordenadora Thelma Tavernari, os abnegados dirigentes do Pinheiros estão sempre ouvindo cobranças, principalmente externas, sobre a utilização desses garotos em seu elenco principal. Mas essa transposição não é tão simples assim. Com bom patrocínio, tendo se habituado a competir por títulos anualmente, o clube tem de se manter competitivo – mesmo que seu orçamento não seja dos mais vultuosos do país.

Existe, sim, um desejo de aproveitar mais os garotos, ainda mais depois da conquista do título paulista sub-19. Pode acontecer num futuro breve. Para a próxima temporada, quem sabe? Ainda está muito cedo para dizer, tanto do ponto de vista estrutural, com da própria curva de aprendizado dos garotos. Nessa curva, ainda que eles não estejam jogando muitos minutos, isso não quer dizer que não possam evoluir. Agora sob a orientação de Marcel, Lucas e seus companheiros têm mais um ano para o desenvolvimento, num cenário de bem menos pressão.

“Renovação você não faz por decreto. É algo que você conduz com tranquilidade e faz por necessidade e com a competência de quem está chegando – a importância que cada garoto vai dar para essa oportunidade. Não tem uma fórmula mágica. Se tivesse, eu, por exemplo, não lançaria só um Oscar, mas um monte. Teria uns 45 caras como o Oscar na minha mão, o que não foi o caso”, diz Mortari. “O que precisa é ter essa dimensão, essa paciência. Pode acontecer como num vestibular, em que o cara passa o ano inteiro estudando e, chega a hora h, acaba não acontecendo absolutamente nada. É preciso mantê-los nos seus lugares, conversando, mas confiando, com a expectativa sempre altamente positiva, valorizando o que se faz em quadra diariamente.”

Lucas vem reconhecendo as ferramentas excepcionais que estão ao seu dispor e vem tirando proveito delas. Como ele disse ao site da LNB: “O Brenno (Blassioli) ou o Bruno (Mortari) estão sempre me ajudando. Nós fazemos diversos treinos individuais. Isso me dá muita confiança para as partidas e as coisas vem acontecendo naturalmente”.  Depois das naturais turbulências, as perspectivas se mantêm otimistas.

“O Lucas é um talento acima da média, como um lateral de 2,08 m de altura e bom arremesso, além de ser um garoto de coração enorme”, afirma o ala-pivô Felipe Ribeiro, 35, ao VinteUm. Contratado no ano passado pelo Pinheiros, Felipe agora tem a oportunidade de acompanhar o ala de perto e diariamente, estando muitas vezes do outro lado. Para ele, já não há dúvida de que o garoto pode prosperar no perímetro. “É muito complicado julgar um garoto muito cedo, se ele vai ser um 3 ou um 4, mas acho que para trilhar uma carreira gloriosa, a posição 3, para ele, pelo arremesso, seria a melhor”, diz.

Lucas atacando lá dentro, perto da cesta

Lucas atacando lá dentro, perto da cesta. Crédito: Ricardo Bufolin/ECP

“Se fôssemos deixá-lo aqui no mercado doméstico, ele já seria um jogador pronto. Você poderia colocá-lo em qualquer time como um 3, mais até como 4, e ele conseguiria jogar. Mas hoje a gente não tem no Brasil um lateral de 2,08 m, além do Marquinhos. Acho que ele poderia ser um substituto à altura e até fora do país ele poderia se destacar”, completa Felipe.

Isso não significa que o atleta deva estacionar em quadra e apenas arremessar de três, como ainda pode acontecer com frequência, aliás. Pela versatilidade mostrada na base, com ótima presença nas tábuas ofensiva e defensiva, como reboteiro e bloqueador, seria um crime enquadrá-lo. Ter Marcel no comando do time adulto, então, serve como um alento. “Meu sistema de jogo não olha número de posição, mas a capacidade do jogador de exercer várias funções. Por exemplo, o Lucas pode arremessar de três, pode jogar de posição 4 e até de 5, como fez no juvenil. É um jogador que marca o número 2, o 3. Tem agilidade para isso.”

Não dá para esperar que Lucas vá dominar as defesas do NBB a cada rodada, como fez contra o Uberlândia. Não dá para cobrar do ala muito mais do que já lhe é exigido em seu próprio clube, diariamente, nos treinos. Nada é garantido, mas ao menos percebe-se que, agora tranquilamente, segue a curva de desenvolvimento de um jovem talento.


Pinheiros aposta em Marcel, que encerra seu exílio
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Giancarlo Giampietro

Marcel, na época de São Bernardo

Marcel, na época de São Bernardo

Vocês me dão licença para voltar a uma encarnação passada e resgatar uma postagem de maio de 2012, né?

(Caceta, já se passaram dois anos!)

Foi mais ou menos assim, com algumas partes editadas, apagadas para dar um suspense:

“Você clica no link e começa a ler um artigo do grande Fulano, que tem as seguintes frases iniciais: “Eu gostaria de dizer de início que não tenho mais nenhuma pretensão a posto algum no basquete. Desisti dele em 1975, no vestiário do ginásio da Bradley University, quando me olhei no espelho e vi que seria médico. Só percebi isso em 2011, quando senti que a vida não me faria sentido sem que exercesse minha verdadeira profissão”.

Além do mais, chamam a atenção as seguintes frases:

– “Não reclamo do modo como fui tratado pelos do basquete principalmente nos últimos anos, afinal de contas, tenho que entender que minha maneira de ver o jogo não é a ideal para o basquete brasileiro. Nunca foi”.

– “Não culpo pessoas pelo tratamento quase sempre desrespeitoso que recebi por ter acreditado e lutado pelo ‘meu basquete’.”

– “Tudo o que alcancei e vivi no basquete, me deu o direito de também tratá-lo como sempre fiz: verdade acima de tudo, amor incondicional e luta pelo que acreditava ser o que sempre chamei de ‘o bom basquete’. Aquele jogado dentro da quadra, treinado à exaustão e aperfeiçoado em horas sem fim de treinamento individualizado (eu sozinho dentro do ginásio).”

De quem são as palavras destacadas? Marcel de Souza.

O novo técnico do Pinheiros.

Há dois anos praticamente exatos – faltam dois dias apenas para cravar –, saía no site Databasket a suposta despedida do basquete deste grande jogador e personalidade, uma figura inquieta do cenário brasileiro. E aqui estamos, neste sábado, repercutindo o anúncio de sua contratação, como sucessor de Claudio Mortari.

É uma agradável surpresa.

Com um elenco que vem brigando por títulos nos últimos anos, o clube paulista novamente se permite inovar ao escolher seu treinador. E diz muito sobre o basquete nacional que um estudioso declarado da modalidade, personagem histórico da seleção brasileira, possa ser considerado uma opção fora da caixa, diferente, diante da insossa dança de cadeiras que nos acostumamos a ver, com os mesmos nomes de sempre rodando fazendo ciranda, lá e cá.

Mortari foi a 'aposta' anterior do Pinheiros

Mortari foi a ‘aposta’ anterior do Pinheiros

Antes, o nome de Claudio Mortari já havia causado um certo espanto no meio, como um ser jurássico redescoberto. Não posso dizer que apreciei de modo incondicional o que sua equipe praticou em quadra nos últimos anos. Vieram títulos importantes e inéditos, resultados dignos de elite, mas com um estilo de jogo que assumiu muito das precipitações e loucuras a que já nos habituamos. De qualquer forma, sem prever exatamente o que viria a acontecer, valia a aposta.

Era um campeão mundial, oras. E, por mais que o jogo tenha mudado drasticamente em aspectos físicos, não dá para falar em “conceitos ultrapassados” neste esporte – grandes defesas e grandes ataques já existiram lá atrás. Os conceitos simplesmente são reciclados, reinventados, um instigando o outro. Em essência, o jogo é um só, com objetivos primários, em torno dos quais as diferentes cabeças vão moldar propostas, estratégias e aí, sim, se perder em pormenores essenciais para a vitória. Num cenário particular como o brasileiro, Mortari teve seus acertos e erros, não chegou exatamente a se distinguir, mas esteve longe de ser um fracasso, como tantos esperavam. Agora, de volta a um cargo administrativo, abre espaço para Marcel.

Depois de (quase) dois anos de exílio, ele retorna em uma situação que está próxima da ideal, num clube de ponta e com o qual já está familiarizado, tendo trabalhado por lá no final dos anos 90, contribuindo na transição de Guilherme Giovannoni, Marcio Cipriano e outros. A realidade do Pinheiros, em termos competitivos, porém, era outra.

Desde então, fez um belo trabalho com o São Bernardo, coordenou projetos em Jundiaí e Barueri, mas nunca teve a oportunidade de dirigir um time do NBB, por exemplo. Ele não apenas fará sua estreia no renovado campeonato nacional, como assumirá um time cheio de ambições – e com mais jovens extremamente talentosos para ajudar a lapidar.

Um Pinheiros diferente no retorno de Marcel

Um Pinheiros diferente no retorno de Marcel

É difícil entender o isolamento de um dos grandes ídolos de sua geração, mas é fácil explicar. Embora não seja afeito ao corporativismo vigente, o (ex-?) doutor ao mesmo tempo simplesmente ama o jogo  – daí que o anúncio de sua despedida em 2012 já soava um tanto duvidoso… É difícil largar a coisa, mesmo que frustrações, correria ou atropelos da vida possam empurrar nessa direção. Para quem não estava acompanhando, o craque já havia tornado a escrever Todas as Cestas(-feiras) sobre o jogo, com pauta diversificada e rica. Sem necessariamente apontar alvos, vai dar seus pitacos – e até mesmo gravar e jogar na internet um funk –, e, na vidinha pacata e arraigada do basquete brasileiro, isso não pega lá muito bem, tal como acontece com Paulo Murilo no Basquete Brasil.

Há muita gente por aí que simplesmente tem dificuldade de entender que um indivíduo possa exercer o direito de pensar por conta própria e expor aquilo que sente ou pondera sobre atos aparentemente banais como atirar uma bola ao cesto – além, claro, claro, dos muitos detalhes que precedem o chuá ou um airball. O diretor João Fernando Rossi, do Pinheiros, pelo visto, não se importa com isso. Leitor do articulista do Databasket e alguém que sabe valorizar a história da modalidade, enxergando possibilidades além do que o mercado rotineiro oferece, teve uma boa sacada.

É sempre muito cuidado com a rotina, pois ela realmente pode te engolir. Não dá para ser abelhudo a ponto de questionar a paixão de Marcel por clinicar, mas o certo é que o certificado do CRM estará sempre ao alcance.  Ao menos ele agora poderá mudar de ares um pouco, o que sempre faz bem. A expectativa fica para ver o quanto ele pode alterar, agora com os devidos recursos, o que vemos em quadra e há tempos pede uma chacoalhada.


Na Sul-Americana, Pinheiros avança, mas ignora jogador mais eficiente do Paulista
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Giancarlo Giampietro

Joe Smith, do Pinheiros

Smith e Paulinho dominaram a bola pelo Pinheiros no Equador em uma classificação sofrida

O pivô Rafael Mineiro terminou a fase regular do Campeonato Paulista como o jogador mais eficiente da competição. Antes de ir aos mata-matas para poder confirmar sua ótima fase, porém, o rapaz teve de viajar com o Pinheiros para o Equador, numa breve – e, ainda assim, extremamente nervosa – pausa para a disputa de um torneio que não vale nada como a Liga Sul-Americana.

Quer dizer: imagino que não valha muita coisa. É a impressão que fica quando, nas três partidas sofridas da semana passada, vimos o time do técnico Claudio Mortari preservar seu melhor jogador deste início de temporada para as decisões que vêm em outubro. Acho que é por isso que ele foi utilizado tão pouco contra Obras Sanitarias, Centauros e Mavort.

Considerem os seguintes números:

– Mineiro jogou 104 minutos em três jogos e tentou 21 arremessos no total;

– Paulinho jogou os mesmos 104 minutos e tentou 59 arremessos;

– Joe Smith jogou 93 minutos e tentou 41 arremessos;

– Dos 202 arremessos do Pinheiros nesta fase, 87 foram de três pontos (43%);

Como justificar esse contexto? Mais quatro chutes de quadra para Paulinho, o herói da classificação, e ele teria somado o triplo do que tentou seu pivô. O triplo! Mais um chute para o norte-americano, em 11 minutos a menos de quadra, e ele teria somado o dobro de Rafael.

Aceitando duelar em jogos extremamente corridos, bagunçados, o clube paulista se privou de explorar um jogador que vive o melhor momento de sua carreira, tendo encaixado, enfim, suas habilidades de um modo satisfatoriamente produtivo. Para quem não é muito apto a eufemismos, dá para aceitar que o grandalhão foi solenemente ignorado ou, como prefiro, alienado. Uma má e velha história do basquete brasileiro recente.

Teria Mineiro sido muito passivo, se escondido do jogo? Foi muito bem marcado? Mesmo que tenha sido o caso, cabe ao treinador também encontrar soluções para aproveitar melhor as peças que tem. Além do mais, o fato é que Mineiro não foi o único a ser colocado de escanteio. O paraguaio Araújo teve 18 arremessos a seu dispor em 50 minutos, enquanto a Morro foram designados preciosos 12 chutes em 54 minutos. Somem aí A + B + C, e temos 51 arremessos para os três principais pivôs da equipe, oito a menos do que tentou Paulinho. (Para não falar que o caçulinha Lucas Dias jogou por 63 minutos e ganhou o direito a se esbaldar com sete disparos.)

A bola não chegou com a frequência adequada porque em muita ocasiões ela é atirada de longe com afobação. O elevado volume no jogo de três pontos do Pinheiros no Equador fez ainda menos sentido quando era evidente que seus armadores tinham muita facilidade para infiltrar e conseguir passes limpos para os pivôs, mais bandejas e/ou carregar os adversários de falta. No geral, o clube brasileiro acertou 58,3% nas bolas de dois pontos, 75% nos lances livres e apenas 26,4% de longa distância, um número muito abaixo do aceitável.

O ponto aqui não é crucificar Paulinho ou Smith. Na sucessão de ‘peladas’ que vimos em Ibarra, com o Pinheiros entrando na dança, era natural que o jogo ficasse concentrado nas mãos dos baixinhos, aqueles que partem primeiro para o contra-ataque.  Boracini, também em sua melhor temporada, teve a confiança para definir em um momento de extrema tensão. Não é para qualquer um.

Mas talvez um lance heróico daqueles só não fosse necessário caso o plano tático tivesse envolvido mais cestas fáceis com Mineiro ou com o próprio cestinha. Foi um tiro de três pontos no último segundo salvador Na prática, quase um cara-ou-coroa, que dessa vez sorriu para a turma de Mortari.

Agora, é o bastante para conquistar um título internacional, que vale, e muito?


Dupla do Pinheiros lidera resistência a domínio de estrangeiros no Paulista
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Giancarlo Giampietro

Rafael Mineiro, do Pinheiros

Mineiro monta o quebra-cabeça e vai liderando o Paulista em eficiência

Quatro dos seis jogadores mais eficientes do Campeonato Paulista masculino são estrangeiros. Se formos levar em conta os dez melhores, seis são gringos. Mesmo que as equipes brasileiras não consigam contratar jogadores de ponta do mercado internacional, eles chegam por cá e fazem a festa.

Pegue o caso do ala-armador Desmond Holloway, de 24 anos e revelado pela nada tradicional universidade de Coastal Carolina, onde teve sucesso até ser suspenso por problemas acadêmicos. Ele chegou a ser apontado como uma aposta para o Draft, mas sua candidatura que não chegou a vingar, diferentemente de gente como Damian Lillard, Kenneth Faried, Charles Jenkins e Norris Cole (caras que jogaram em equipes menores da NCAA e conseguiram assinar com a NBA). Depois, tocou sua carreira como profissional na Premier Baskerball League, campeonato minúsculo dos EUA, e no México.

Não necessariamente os pólos mais atraentes, não?

Desmond Holoway, NCAA

Desmond Holloway nos tempos de Coastal Carolina

Nada disso importa muito: “Desmond” – é deste modo como é tratado no site oficial da federação paulista – chegou com tudo ao interior paulista, sendo o destaque da Liga Sorocabana na competição. Pelo time de Rinaldo Rodrigues (aquele mesmo, que, histérico após uma derrota, não deixaria seus atletas tomarem banho), ele é o segundo mais eficiente do Paulistão, com 21,82 pontos, mesmo que seu tempo de quadra não passe dos 30 minutos por jogo.

Ele já está acima do bauruense Larry Taylor na lista. O armador naturalizado brasileiro tem 19 pontos neste índice. Juan Figueroa, armador argentino do Franca e ‘intruso’ em meio a tantos norte-americanos, aparece em quinto, com 18,91. DeAndre Coleman, ala-pivô do Bauru, é o sexto, com 18,6. Kenny Dawkins, armador companheiro de Desmond em Sorocaba, está em sétimo. Caleb, ala do Palmeiras, é o décimo.

Note que pulamos aqui os primeiro e quarto colocados do índice de eficiência. São, respectivamente, os pinheirenses Rafael Mineiro e Paulinho, dupla do Pinheiros que tenta liderar a resistência técnica brasileira no principal – e único realmente competitivo – estadual do país.

*  *  *

Primeiro, a lesão de Shamell. Depois, a saída de Marquinhos, Olivinha e Figueroa. Por fim, a longa espera para a estreia do norte-americano Joe Smith ao elenco. Com menos poder de fogo, Claudio Mortari precisava encontrar protagonistas para sua equipe, aquela que defende o título paulista. Não havia, então, melhor hora para Rafael, enfim, juntar as peças do quebra-cabeça.

De imenso potencial, Mineiro vai tocando a melhor temporada de sua carreira, aos 24 anos. Os lampejos sempre estiveram ali, desde a campanha do Mundial Sub-19 de 2007, no qual era o parceiro de Paulão, já ganhando seu próprio capítulo nos caderninhos dos scouts internacionais: a impulsão, mobilidade, a agilidade, o tiro de média – e, depois, longa – distância… Tudo anotado.

O que faltava muitas vezes era botar a cuca no lugar, canalizar a energia em quadra e produzir de modo consistente. Afinal, ainda é jovem, mas não mais um adolescente. Corria sério risco de ficar na galeria de eternas promessas – sua convocação para o Sul-Americano deste ano, aliás, causou estranheza. De um lado, o talento era inegável. Do outro, a produção não justificava.

Rafael Mineiro

Rafael sobe para a enterrada

Agora, sim. Até esta sexta-feira, Rafael Mineiro tem 22,15 pontos de eficiência até o momento, com 13 jogos disputados. Não é exatamente uma grande amostra, mas o ponto positivo é que o pivô vem liderando essa estatística geral desde o início da competição. Em números mais básicos são 17,3 pontos e 8,2 rebotes de média.

Bem acima dos 5,4 pontos e 2,3 rebotes do NBB passado, como reserva de Olivinha, mesmo se levarmos em consideração a produção por tempo de jogo. Caso mantivesse o ritmo em 40 minutos pelo campeonato nacional de 2011-12, Mineiro teria médias de 15,2 pontos e 6,6 rebotes. No Paulista, suas médias nesse cenário seriam respectivamente de 21,2 e 10,2, sem perder a precisão nos arremessos. Um baita salto.

De novo: o maior desafio de Rafael foi sempre se manter consistente, concentrado. E ainda tem uma longa temporada pela frente, com jogos muito mais complicados para testá-lo. Vamos ver como ele se sai nessa empreitada.

*  *  *

Com 18,92 pontos de eficiência, Paulinho conseguiu se posicionar entre Larry e Figueroa, dois dos armadores considerados tops no basquete brasileiro. O segredo para sua escalada? Melhor seleção nos arremessos: ele vem convertendo excelentes marcas tanto nas bolas de dois pontos, com aproveitamento 62,1% (Mineiro, pivô, tem 64,1%), como nas de três, com 45,45%.

Em números totais, ele aparece em quinto nas assistências (5,69) e entre os cestinhas (17,38). Mas sabe do que mais? O jogador poderia estar ainda mais bem posicionado no ranking de eficiência não fosse seu descuido com a bola. Paulinho é o líder absoluto no campeonato com 4,46 erros por jogo, um número muito elevado, ainda mais quando levamos em conta que o Paulista não apresenta as defesas mais robustas do mundo.

Para comparar: Fúlvio (7,4 por jogo), Larry (7,0) e Figueroa (6,55), os três líderes no ranking de assistências, não aparecem nem entre os 40 jogadores que mais desperdiçam a posse de bola, e vocês sabem o quanto eles a têm em mãos a cada jogo. A discrepância é grande.

Paulinho Boracini, do Pinheiros

Dosar agressividade e estabilidade: tarefa para Paulinho

As características de Paulinho sempre foram muito mais de um finalizador, do que de um preparador. Seu jogo só vai funcionar se ele entrar em quadra com uma mentalidade agressiva: ele pode criar muito bem no mano-a-mano. Mas, a essa altura de sua carreira, não dá para deixar de constatar que o jogador ainda precisa dosar melhor seu jogo, saber qual a hora precisa para atacar e tomar decisões mais sensatas com a bola. O copo meio cheio ao menos mostra que, a despeito da condução errática, ele conseguiu evoluir em outros aspectos.

Talvez a atuação em dupla com Smith o ajude, aliviando um pouco a pressão em seu drible. É para monitorar: na última partida contra Santos, a presença do americano não aliviou muito: o armador distribuiu dez assistências, mas cometeu seis erros.

*  *  *

Para quem já reclamou do que publicamos aqui sobre a naturalização de Ibaka e Larry, do modo como foram feias por suas federações, vai parecer que há bandeiras de xenofobia em cada cômodo do QG 21. Nah, sai dessa. Acontece na maioria dos campeonatos. Só não pode esquecer que essa galera que vem jogar no Brasil não está nem no primeiro, nem no segundo escalão do mercado. E ainda causam um estrago – assim como fazem as centenas de boleiros brasileiros no Chipre, no Azerbaijão etc. Para se pensar, de todo modo.


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