Armadores brilham, mas pivôs também ajudam em vitória brasileira
Giancarlo Giampietro
Olhando de primeira, a França não é um time que você vá julgar como de “garrafão forte”, de “referências no jogo interno” etc. Mas a verdade, mon Dieu, é que eles têm um conjunto de gente explosiva e loooooonga, comprida, de muita envergadura, mesmo. Um pacote atlético que dificultou ao máximo a vida dos pivôs brasileiros no jogo de estreia na Copa do Mundo de basquete.
Justamente os pivôs, o ponto forte da seleção de Magnano. Atração nos amistosos, o quarteto Spliter-Nenê-Varejão-Hettsheimeir foi limitado a apenas 19 pontos neste sábado, em Granada. Se fôssemos analisar este número num vácuo, pareceria uma tragédia. Derrota na certa, né? Acontece que os “baixinhos” contra-atacaram dessa vez, liderando o Brasil para uma importante vitória por 65 a 63.
Não foi bonito – faltam mais passes no ataque, muito mais movimentação fora da bola, tecla que vendo batida há tempos. Não foi fácil – e, tirando Irã e Egito, dificilmente esse panorama vai se alterar, até pelo problema citado. Mas já valeu para levar a melhor num confronto direto, que de cara deixa a equipe em boa posição pensando na classificação geral do grupo e no emparelhamento dos mata-matas.
Por falar em matar, Marcelinho Huertas, depois de um acidentado primeiro tempo, apareceu de modo decisivo na segunda etapa. O armador anotou oito pontos nos últimos quatro minutos, encarando a defesa francesa. Em situações de pick-and-roll, os adversários priorizaram descaradamente a contenção dos grandalhões brasileiros. Huertas soube, então, aproveitar os espaços para entrar no garrafão e usar seu arsenal de tiros em flutuação para machucá-los. Algo que fez a diferença, para atenuar o drama de novas falhas nos lances livres, com quatro bolas desperdiçadas nos dois minutos finais (sem contar a última de Marquinhos).
O veterano do Barcelona foi quem carregou o time nos instantes derradeiros, terminando com , mas foi o jovem Raulzinho quem segurou as pontas entre os segundo e terceiro períodos. Extremamente combativo, importunou Thomas Heurtel e, especialmente, o lento-quase-parando Antoine Diot, ajudando a defesa brasileira a mudar o ritmo da partida.
A França havia começado de modo impositivo. Boris Diaw deitou e rolou contra Nenê, flutuando no perímetro. Nicolas Batum estava com a munheca em dia. Rudy Gobert veio do banco para dominar o garrafão por alguns minutos. Chegaram a abrir nove pontos de vantagem. A partir das trocas, um festival de substituições que mata qualquer diretor de transmissão, perderam rendimento, mas muito por conta do abafa promovido pelos brasileiros.
A seleção realmente brigou pela bola. Algo que é elementar, oras, mas nem sempre acontece – e pondo isso de maneira geral, sem ser algo especificamente direcionado para o time de Rubén Magnano. Contra atletas como Gelabale, Batum, Diaw, Pietrus, Gobert, é preciso inteligência, mas igualmente não podem faltar intensidade e determinação.
Nesse ponto, foi muito bom ver a postura de Raul, que oscilou tanto na fase preparatória, mas respondeu ao desafio no primeiro jogo para valer. Foi tão bem, que Larry nem precisou ser acionado (apenas 3min51s para o americano). No ataque, o armador do Murcia também também teve o pulso firme: não cometeu nenhum desperdício de bola em 17min29s de ação. Terminou com seis pontos e, segundo a estatística oficial, sem nenhuma assistência. Mas isso é piada: houve pelo menos um momento em que serviu a Splitter no contra-ataque, num passe que teria de ser computado. Foi de Raul o maior saldo de cestas brasileiro: +10, seguido pelos +8 de Varejão. Energia traduzida da melhor forma.
Do incansável Alex, já esperávamos isso. Fez o que pôde para tentar limitar Nicolas Batum, que terminou com 13 pontos e 4/10 nos arremessos. É difícil marcar o ala fora da bola, devido a sua velocidade e impulsão. No ano a mano, o ala do Portland Trail Blazers não conseguiu produzir contra o brasileiro. Já o empenho de Marquinhos vale como uma grata surpresa, convenhamos. Não é tão comum vê-lo com tanta vitalidade em quadra. Muito mais no ataque, partindo para a cesta, em vez de estacionar no perímetro para algumas bolinhas marotas de três – na defesa ainda é propenso a alguns lapsos daqueles. De qualquer forma, esse espírito fogoso veio em boa hora para o flamenguista, para fazer frente a Gelabale, um ala discreto, mas que causa impacto com sua envergadura e presença física.
Até porque a rotação de laterais brasileiros vai se encerrar por aí. Marcelinho Machado foi chamado por Magnano no segundo quarto, e o que a França fez? Nas três primeiras posses de bola, atacou o camisa 4 sem pestanejar. Primeiro com Gelabale de costas para a cesta: dois pontos. Depois, com Edwin Jackson, mais baixo e explosivo, em corte frontal, forçando a falta. Depois, Machado conseguiu um desarme, impedindo que Gelabale recebesse a bola, mas foi com uma ajudinha de Varejão para diminuir espaços.
Varejão, aliás, foi o melhor dos pivôs hoje. Muito menos pelos 8 pontos marcados em 21 minutos do que pelo alvoroço de sempre que ele apronta em quadra, sempre ativo nos rebotes, ressuscitando diversos ataques falhos brasileiros (foram cinco apanhados na tábua ofensiva). A agilidade do carioca também impressiona quando ele faz o combate na dobra num pick-and-roll e consegue se recuperar sem deixar que seu homem ganhe terreno.
Nenê coletou 8 rebotes, mas cumpriu um primeiro jogo quém das expectativas, visivelmente incomodado com os movimentos dos atléticos defensores franceses vindo do lado contrário (não foi um privilégio seu: Splitter também levou tempo para entender a melhor forma de enfrentá-los, terminando com 6 pontos e 3 rebotes). O pivô do Washington Wizards acertou apenas 2 de 6 chutes de quadra, sendo bloqueado pelo menos em duas ocasiões. Além disso, cometeu quatro turnovers e simplesmente não conseguia frear Diaw do outro lado.
Quando o ala-pivô francês, um craque, atacaou mais perto da cesta, o são-carlense e, principalmente, Splitter tiveram um pouco mais de sucesso. Em geral, porém, o atleta do Spurs foi soberano em suas ações internas, com 6/10 nos chutes de dois, somados a suas cinco assistências em 29min51s. Com Diaw em quadra, a França teve saldo positivo de 6 pontos, registre-se.
Coletivamente, no entanto, os pivôs brasileiros foram valiosos para controlar a batalha dos rebotes, um ponto-chave para este confronto: 42 a 30. Mais importante: os franceses apanharam apenas quatro rebotes ofensivos contra 16 dos vencedores. Considerando que, no geral, o Brasil acertou apenas 37,7% de seus arremessos (16/42, sendo 5/15 dos três pontos), esse número ganha uma relevância considerável. Isto é: ainda que a pontuação da linha de frente tenha sido baixa, essa não é toda a história.
Então vale revisar um pouco a coisa: os protagonistas na vitória foram os armadores. Mas os valentes grandalhões também deram um belo dum empurrão, fazendo o serviço sujo de modo competente.