Vinte Um

Spurs cuida da bola com paciência, evita o caos de Miami e vence a primeira nas finais

Giancarlo Giampietro

Valeu, TP, valeu o chute

Miami espera uma bola de Parker e uma revisão certeira a 0s1 do estouro do cronômetro

Geralmente é o talento dos jogadores que define tudo em quadra. Mas ajuda ter um bom plano de jogo, né?

Se uma coisa que a sequência de 27 vitórias do Miami Heat mostrou durante a temporada regular, algo que foi confirmado no Jogo 7 na final do Leste contra o Indiana Pacers, é que os atuais campeões rendem melhor quando conseguem promover o caos na quadra. Caos total, mesmo. Com frenesi da torcida, dos técnicos, de todo mundo. Seus jogadores dobram, dobram, dobram em cima da bola sem cansar. Eles voltam para seus jogadores. Quando não dá, é porque um companheiro já estava lá na cobertura. E a bola vai ficando quente, bem quente na mão do adversário. Saem arremessos precipitados. Passes tortos, passes na mão dos juízes. Contra-ataques, enterradas, LeBron e Wade arrepiando.

O que o San Antonio Spurs fez, então?

Tomou conta da bola com o bem mais valioso em todo o ginásio, em toda a Flórida, em toda a Costa Leste americana. E a bola era tudo isso, mesmo. Em 48 minutos, eles a desperdiçaram sem nenhum arremesso por apenas quatro vezes. Com o maior zelo possível. Não cederam cestas fáceis para os oponentes e venceram o Jogo 1, fora de casa, por 92 a 88, com uma virada no quarto período.

Em certo momento, Tiago Splitter ou Tim Duncan podiam até estar decepcionados. Uma das regras básicas e não escritas do basquete é a de que, quando seu pivô faz o trabalho defensivo e corre a quadra com velocidade e suor, ele deve ser recompensado por seus companheiros com uma tentativa de cesta do outro lado. Em diversas ocasiões, o catarinense e um dos melhores jogadores da história cumpriram sua parte no script e foram ignorados quando cortavam em direção ao aro. As mãos erguidas na altura do peito, bem espalmadas, prontinhas para receber o passe que não vinha. Davam de ombro, giravam a cabeça e, por vezes, davam aquele tapinha leve no quadril para expressar certa frustração – mas nem tanta, claro, pois Spur que é Spur, não pode reclamar tanto.

Não é questão de que os alas ou os armadores estivessem esfomeando. Eles apenas respeitavam demais o poder de recuperação de seus oponentes. Talvez aquele corredor não estivesse tão aberto assim. Talvez eles imaginassem que ali havia uma linha de passe que poderia ser prontamente interrompida por aqueles freaks de Miami. Desta forma, então, seguraram, tiraram o tempo da bola e marcaram apenas quatro pontos de contragolpe, mesmo que Tony Parker seja excelente nesse quesito.

E, o sujeito é tão rápido, que, mesmo um ataque em meia-quadra pode resultar numa bandeja tranquila, bastando um corta-luz centralizado de Duncan:

Os jogadores de perímetro do Spurs simplesmente seguiram adiante, confiantes no plano, sem se importar que o Heat vencia a partida praticamente de ponta a ponta. Até que veio o quarto período e, com seus jogadores bastante descansados – seja pelo maior período de descanso entre a final do Oeste para a do Leste, seja pela rotação magistral de Gregg Popovich –, apertaram a defesa e forçaram por conta cinco turnovers por parte do Heat. Mais do que cometeram na partida inteira.

Parker somou 40 minutos, mas foi um desses preservados por Pop durante o jogo, ganhando descanso providencial no decorrer da partida. Chegou ao quarto final tinindo e passou a ser mais agressivo com a bola, junto com seus companheiros. Assumiram o controle do placar pela primeira vez desde um distante 9 a 8 na primeira parcial e nunca mais perderam o comando.

Parker, de olho na cesta

Parker escapa do quase-toco de LeBron, de outro ângulo

O armador francês, quietinho, quietinho, teve um jogo sensacional com 21 pontos, seis assistências e nenhum desperdício de bola. E o destaque, claro, fica para sua última bola, com apenas 0s1 no cronômetro de ataque – e  5s2 no geral. A arbitragem acertou por instinto, mas o lance só foi validado depois de longa conferência de vídeo. Pior, enquanto uma câmera de frente para Parker indicava uma coisa, a de trás indicava outra – mas, no fim, essa era melhor imagem, e a bola realmente saiu da mão do cestinha do Spurs por uma fração de décimo do milésimo de alguma coisa temporal (0s1, na verdade).

Foi um lance espetacular e de tirar o fôlego, em que Parker foi contestado múltiplas vezes com a bola, conseguiu manter o drible vivo de algum jeito e, na hora de subir para o chute de média distância ainda se desvencilhou de um quase-toco de LeBron para guardar um arremesso chorado, chorado, definindo o placar. Já uma jogada para a história, para clipes e clipes de YouTube ou comerciais ''BIG''.

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O Spurs segue tanto seu plano de jogo que por vezes podem ser um pouco teimosos demais. Como na chuva de arremessos de três pontos errados da zona morta no início do quarto período. O Miami dava todas as chances do mundo para a reação, mas Danny Green e Kawhi Leonard desembestaram a chutar dali sem sucesso, adiando a virada. Esses disparos da zona morta são o arremesso da moda – quer dizer, uma moda que já vem de sete ou oito anos já, mas vá lá. Por ser a bola que abre as defesas e, ao mesmo tempo, vale mais do que dois pontos numa distância menor para a cesta, o chamado corner three, coqueluche da comunidade estatística. O que não quer dizer que seja sempre o melhor arremesso disponível.

Pior que essas bolas apenas a de Manu Ginóbili com 1min37s no cronômetro e vantagem de 88 a 83 para o Spurs. O argentino manda um pombo sem asa a 7,6m da cesta, sem o menor cabimento, se candidatando a herói sem sucesso. Já vimos o narigudo fazer isso diversas vezes, até mesmo contra a Seleção, e tem vezes que dá certo. Mas esse é o tipo de jogada que vale a morte de algumas células de Popovich.

Mesmo convertendo apenas 30,4% de longa distância, o Spurs venceu – fraquíssimo rendimento para uma equipe que converte 36,2% nos playoffs, a segunda melhor marca no geral (atrás apenas do Golden State Stephen Curries). Seria um sinal terrível para o Miami Heat, não fossem os próprios erros da equipe da casa. Depois de um primeiro tempo excepcional no fundamento, terminaram também com percentual reduzido: 32%, abaixo de sua média de 35,6%

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LeBron cozinhou o jogo por um bom tempo. Rodou a bola, fez alguns corta-luzes monstruosos para liberar seus arremessadores. Reboteou como nunca. Acumulou estatísticas (finalizando o jogo com 18 pontos, 18 rebotes e 10 assistências). E decidiu assumir a parada nos quatro, três minutos finais.  Marcou quatro pontos seguidos no ataque e tentou segurar Tony Parker na defesa. Mas já era muito tarde. Foi um grave erro de cálculo do astro e do técnico. Não que fosse fácil a missão de parar Parker. Não dá para colocar o astro correndo atrás do francês o tempo todo. Mas, se eles imaginavam desde o princípio que James teria essa função nos momentos derradeiros da partida, demoraram demais para fazer o ajuste. É de se esperar que ele assuma esse desafio bem mais cedo no Jogo 2.

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Splitter x Bosh

Splitter teve problemas com Bosh no 1º tempo, mas fez bem seu papel cobrindo por Leonard

Wade e Bosh não têm do que reclamar. LeBron trabalhou para sua equipe por mais de três quartos, envolvendo todo mundo em quadra.  E não foi dessa vez que os chorões retribuíram. Wade se mostrou muito mais explosivo com a bola (embora não tenha contribuído em outras facetas) e marcou 17 pontos com 7/15 nos arremessos, mas sumiu no segundo tempo. Bosh marcou 13 pontos com algumas belas jogadas, mas seu basquete hoje está privado de qualquer consistência ou energia  (apenas cinco rebotes em 35 minutos, ridículo) – se bem que, para o catarinense, macaco velho de era esperado

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Kawhi Leonard, Danny Green, Splitter… Os operários do Spurs não sentiram em nenhum momento a pressão de jogar uma final de NBA pela primeira vez na carreira – se bem que, para o catarinense, macaco velho de profissionalismo, não dava para esperar outra coisa. O destaque aqui fica para a compostura de Leonard, que deixou evidente o porquê de Popovich amá-lo tanto. Fez o máximo que dá para segurar James, se deslocando com agilidade, estendendo aqueles braços e mãos enormes para mantê-lo por perto, sempre numa postura ameaçadora. Além disso, terminou com um double-double de 10 pontos e 10 rebotes.

Mas o ala não marcou o superastro sozinho. Como Splitter havia adiantado, foi um esforço coletivo, com os grandalhões da equipe ou os armadores sempre numa posição de ajuda, dependendo do setor da quadra em que LeBron fosse acionado e esboçasse uma arrancada com a bola. Nesse ponto, o pivô brasileiro foi importante. Uma relevância que, novamente, vai bem além de seus números (sete pontos, dois rebotes e um toco em 25 minutos, com 3/6 nos chutes de quadra). Não é por acaso que, entre os grandalhões de Popovich, foi o segundo que mais tempo ficou em ação. Aliás, juntos, Boris Diaw e Matt Bonner, os caras do banco, tiveram apenas 16 minutos.

Tim Duncan jogou por 37 minutos, incansável. Correu feito um doido de um lado para o outro e terminou com 20 pontos, 14 rebotes, 4 assistências e 3 tocos. Vejam o vovô em ação no segundo período: