Felício é convocado, e a seleção tem de seguir em frente
Giancarlo Giampietro
Você nunca deve levar tão a sério os resultados de uma Summer League, ou os números produzidos pelos jogadores. É difícil saber exatamente o que se traduz em jogos oficiais de NBA aquilo que se pratica nessas partidas de veraneio, que muitas vezes descambam para a pelada.
No caso de Cristiano Felício, porém, em sua segunda aventura por Las Vegas, as atuações convincentes e as dezenas de elogios que tem recebido têm mais significado. Não é que ele só tenha jogado bem nesse cenário. A boa participação pelo segundo ano consecutivo confirma e mostra um pouco mais sobre sua curva de evolução nos Estados Unidos, mês a mês, depois de ser dominante em sua curta passagem pela D-League e de impressionar na reta final de temporada do Chicago Bulls.
Este é o pivô que a seleção brasileira vai receber agora, de improviso, por circunstâncias do lamentável corte de Anderson Varejão: um jovem talento em alta no cenário internacional. O brasileiro, de 24 anos, ainda está em formação. Mas já mostrou que pode ser produtivo nos mais diversos níveis em que atuou desde que foi para os Estados Unidos, competindo com os melhores atletas do mundo.
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Quando se apresentar a Magnano e iniciar os treinamentos, Felício vai primeiro ter de brigar por seu espaço na rotação, com muita gente boa na frente, treinando desde o início. O mineiro de Pouso Alegre não chega como uma figura messiânica que vá conduzir a seleção rumo ao ouro ou ao Olimpo. Sua (re)convocação de última hora, porém, deve ser comemorada pelo simples fato de que ele era a melhor alternativa disponível no caso do corte de um pivô, já que Splitter e Faverani estão fora de combate. Ele está preparado para dar uma força a Nenê, Augusto, Hettsheimeir e Giovannoni. Arrisco dizer que mais preparado do que Varejão.
Aqui, é importante deixar claro que estamos falando sobre agosto de 2016 – e, não, sobre o conjunto da obra. Até porque não há como comparar os dois nesse sentido. O pivô que está chegando nunca teve muitas chances para se estabelecer como referência nem mesmo no NBB e agora está se soltando na liga americana, para surpresa dos mais desavisados ou negligentes. O outro está na reta final de uma carreira louvável, vitoriosa e milionária, sabotada apenas por uma lista interminável de lesões e problemas físicos.
É uma pena que, mesmo depois das idas e vindas de uma temporada em que mal jogou, Varejão volte a ser endereçado à enfermaria. Ele simplesmente não consegue paz. Mas é por isso que sua convocação como “nome certo e indiscutível” neste ano causava certa apreensão. Não é um tema fácil. Pelo contrário, parece bem espinhoso. Mas, na hora de formar uma seleção olímpica, o que deveria pesar mais: o currículo ou o momento? O que desperta mais “merecimento”, ou é mais digno de prêmio: a história ou o presente?
Respondendo friamente, é natural que você vá pender sempre para a primeira resposta: aquilo que está acontecendo aqui e agora. Mas há todo um fator emocional que pode te empurrar para a segunda alternativa também, e esse aspecto não deixa de ser relevante na hora de construir uma equipe. É aqui que fica a maior preocupação pelo corte de Varejão ao meu ver: a seleção está perdendo um líder, uma figura exemplar. Características que já haviam sido sacrificadas no momento em que Tiago Splitter soube que precisava fazer uma cirurgia no quadril.
Agora, não podemos nós todos, incluindo Magnano, nos mostrarmos surpresos com o corte. Pode-se lamentar, claro, porque ninguém quer ver um atleta lesionado, contundido, abalado, muito menos às vésperas de um torneio olímpico em casa, depois de uma longa história a serviço da seleção. Se for ver bem o currículo de Anderson, ele também quase sempre esteve lá. Somente em 2007 ele se viu obrigado a dizer não, quando estava em forma, pois ainda não havia renovado com o Cleveland. Mas dizer que era totalmente inesperado? Não dá. Nesta década, em seis temporadas, a única em que o capixaba conseguiu jogar pelo menos 80% das partidas da NBA foi em 2013-14, com 65. De resto, temos 31, 25, 25, 25 e, por fim, as 53 da temporada passada, em que não sofreu nenhuma lesão grave, mas pela qual já havia se transformado numa figura complementar de elenco, chamado para a quadra por David Blatt ou Steve Kerr só por emergência ou com o jogo já resolvido.
Está certo que as equipes eram Cleveland Cavaliers e Golden State Warriors, justamente os dois finalistas da liga, com grandes opções para a linha de frente. Acontece que, nos momentos em que foi para a quadra, Varejão não deixou boa imagem. Tantas lesões, a última delas uma ruptura no tendão de Aquiles, lhes haviam roubado a incomum mobilidade, características essenciais para que tenha se tornando um pivô de elite, dos melhores defensores e reboteiros de sua geração. Muito se fala sobre a dedicação, a garra e a inteligência do veterano, com justiça. Esse pacote o transformou em ídolo/xodó tanto em uma cidade praiana e quente como Barcelona como num município mais interiorano e gélido como Cleveland. Seus piques, mergulhos e arroubos em quadra foram contagiantes e irresistíveis, ainda mais com a cabeleira voando para todos os lados. Se ele não fosse extremamente ágil para alguém de sua altura, porém, não teria recebido mais de US$ 80 milhões só em salários.
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Como disse aqui, se fosse para encarar, então, a convocação de Varejão com otimismo neste ano, você tinha de se apegar à ideia de que ele deveria apenas se detravar. Que, retornando de uma lesão complicada, não chegou a ter chance de se provar recuperado em quadra pelo fato de ter Kevin Love, Tristan Thompson e até Timofey Mozgov à frente na rotação. (Mas aí o Cleveland o despachou.) Depois, pelo Golden State, estava chegando no meio do campeonato a um time azeitadinho que prioriza o small ball. A visão de quadra ele nunca vai perder, podendo dar bonitos passes no sistema de frenética movimentação do Golden State. Mas só isso não era o bastante. Aí que sua média de minutos ainda caiu, de 10,0 por jogo para 8,5. Então de repente o brasileiro só precisava de um empurrão de uma boa sequência de amistosos para mostrar que poderia ser relevante em quadra, que os 43,1% de aproveitamento nos arremessos de dois pontos (contra 51,7%) e a queda no percentual de rebotes tinham mais a ver com ferrugem. No fim, a desgraça é que nem essa dúvida vamos poder tirar agora.
Felício, por outro lado, não poderia estar mais apto fisicamente para contribuir com o time. O pivô tem uma combinação de força física e agilidade que o tornam especial até mesmo em meio aos grandalhões da NBA. Na liga de verão, simplesmente não houve quem o parasse quando recebia a bola debaixo da cesta. De todo modo, seu jogo tem muito mais do que a o porte intimidador e a capacidade atlética. Aos poucos, os scouts e os americanos em geral vão percebendo o quanto sua visão de quadra e leitura de jogo são apurada, enquanto ele também vai pegando confiança em seu arremesso de média para longa distância, que já sai naturalmente de suas mãos.
Depois das desavenças com Thibodeau, de uma temporada atribulada para o técnico que contrataram para substituí-lo, perdendo os playoffs, das crises de ego com Jimmy Butler e Derrick Rose e da contratação de Rajon Rondo, o fato de terem “descoberto” Felício é uma das poucas boas notícias associadas recentemente aos diretores do Chicago Bulls. Natural, então, que o clube o quisesse por perto neste verão (setentrional), para trabalhar ainda mais com o pivô. Ele foi para a quadra em Las Vegas para botar novamente em prática tudo o que vem treinando por lá. Para um jogador que não tem contratado garantido e ainda está se afirmando na NBA, isso não é pouco. Então, por favor: sem essa de que Felício não “quis” jogar pela seleção. Esse verbo não costuma ser muito relevante nos bastidores da liga. Até mesmo um cara como Manu Ginóbili já foi contrariado quando o assunto é participar de um torneio Fiba.
Aí que o método Magnano de morder e assoprar morder mais uma vez só gera desgaste e incertezas desnecessárias. E mostra o quanto o argentino está desconectado da realidade em alguns aspectos – ou isso, ou tudo não passa de um showzinho para a torcida e as câmeras, o que é ainda pior e é algo que diversas fontes já sopraram para o blog nos últimos anos, causando desconfiança da parte de muitos atletas com o treinador. Será que não passava por sua cabeça em nenhum momento que atletas com o histórico médico recente de Faverani e Varejão poderiam ser cortados? Não é questão de ser pessimista, gente, mas de ser realista. Para que disparar, pela enésima vez, contra um jogador? Para constar, a Alemanha acaba de anunciar a dispensa de Dennis Schröder da seleção que vai disputar o torneio de classificação para o EuroBasket. O motivo? A federação entende que o armador está prestes a jogar aquela que talvez seja sua temporada mais importante pelo Atlanta Hawks, promovido ao time titular.
A própria convocação de Faverani, aliás, mostrava o quão tolo e desnecessário é esse tipo de comportamento. O técnico já cuspiu marimbondos ao falar sobre o pivô no passado. Chegou o #Rio2016, e quem estava lá na lista? Pois bem. Se ele deu o braço a torcer em relação ao talentoso e enigmático grandalhão, agora chegou a vez de fingir que nada aconteceu em relação a Felício. Que ninguém na CBB consiga ao menos controlar o ego e os ânimos do treinador só vem corroborar o estádio de falência e calamitoso que domina a entidade.
Em relação ao silêncio da confederação durante todo esse processo de troca de jogadores, aliás, nada surpreende. Transparência realmente não é o forte dessa gestão – e da passada –, assim como o zelo pela imagem dos jogadores. Precisa vir a assessoria de Anderson Varejão anunciar que o pivô estava fora, devido a uma hérnia de disco. Antes, o problema era tratado de forma oficial como “lombalgia”. A gente não vai saber se era um diagnóstico equivocado (e nem questiono os médicos envolvidos, mas é que, para uma entidade quebrada, talvez nem haja dinheiro para exame de imagem…). De repente já tinham conhecimento do fato e apenas lançaram um termo genérico para não causar comoção, achando que, desta forma, o preservariam. Com um torneio como a Olimpíada se aproximando, não vejo razão para tanto suspense. Além do mais, se fosse o caso, não haveria motivo para o pivô sair às pressas para ser avaliado pelo Warriors e por especialistas na Califórnia. Enfim, se a seleção brasileira sonha em fazer uma boa campanha no Rio, já sabe que terá de fazer isso por conta própria, pois os dirigentes não estão em condição de dar nenhuma contribuição relevante.
Então agora a gente fica no aguardo para que Felício chegue, se incorpore rapidamente a um grupo olímpico ainda bastante experiente, e que seja bem recebido, sem ressentimentos. O jovem pivô está em plena ascensão e não é de criar caso com ninguém. Pelo contrário: talvez já pudesse ter brigado por seu espaço muito antes, pois não foram os técnicos da NBA que lhe ensinaram aquilo que ele vem mostrando hoje. Era tudo uma questão de chance e confiança. Que agora ele deve receber de Magnano e seus companheiros. O corte de Varejão é um trauma do ponto de vista emocional, pela sua representatividade. O status da seleção segue o mesmo: com chances no torneio, tendo de brigar muito. Eles perderam um guerreiro combalido, que merece todas as homenagens. Mas pode ser que saia daí um time ainda mais forte tecnicamente, ou pelo menos mais vigoroso.
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