Vinte Um

Bem-vindo ao clube: LeBron joga pressão para Curry

Giancarlo Giampietro

Curry primeiro rouba a cena. Agora tira a pressão de LBJ

Curry primeiro rouba a cena. Agora tira a pressão de LBJ

Se é para falar de esculhambação em público, LeBron James está mais que escolado. Pode ser escaldado, mesmo.  Cada deslize, cada revés foi ampliado com uma lupa bastante cruel, impiedosa. Desde a saída para Miami, a derrota de virada para o Dallas na final de 2011 e uma nova pancada na cabeça vindo do Texas, de San Antonio, três anos mais tarde. Se era para avacalhar com o LeBron, tudo bem.

Em alguns casos ele não se ajudou, claro. O show para anunciar a mudança para South Beach foi um horror. Mesmo agora no retorno a Cleveland, vimos o astro estrelar alguns episódios dispensáveis, ainda mais para alguém que sabe que está sob constante, incessante escrutínio.

De tanto que ouviu, já é capaz que LBJ tenha chegado, mesmo, ao estágio de que não se importa mais com o que os outros dizem. Daí que, após o Jogo 4 das #NBAFinals, não se incomodou de dizer em coletiva que Draymond Green o havia ofendido, que havia passado do limite e tal. Houve muita gente, especialmente aqueles que torcem pelo Warriors – por que será? –, que ficaram malucos e não perderam tempo em detoná-lo. Que ele era um bebê chorão, que não sei o quê. Em tese, o veterano estava se submetendo ao ridículo, ainda mais depois de uma derrota em casa, ficando perto de mais um vice-campeonato. Acontece que, internamente, os diretores, técnicos e atletas de Golden State já estavam cabreiros por entender o que James estava fazendo. Ele estava preparando, politicamente, o terreno para que Draymond fosse suspenso, enfim. Depois, para completar, o ala se aproveitou da situação e fez as duas melhores partidas da temporada para empatar a série. Pronto! Temos um Jogo 7, 3 a 3.

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Tudo isso para dizer que, cedo ou tarde, a maré pode virar para uma superestrela. De sensação, bajulado, o jogador passar a a alvo, a perseguido. Depois dos episódios desta quinta-feira e do que acontecer no domingo, último dia do campeonato, Stephen Curry pode passar por esse processo. Exagero? Sim, mas claro que é um exagero, e é assim que consumismos esporte hoje. Também existe essa má vontade latente, uma predisposição muito maior do que se imagina para se por em descrédito tudo o que o MVP dos últimos dois anos e sua equipe fizeram durante toda a temporada. Um ponto de vista do qual discordo totalmente, acho que já deu para perceber, mas que está por aí, e não só de forma latente.

Até a bola subir para o Jogo 6, o armador e sua equipe estavam por cima. Estavam vencendo, para variar. Foi algo que o Warriors só fez desde o início da temporada 2014-15, mesmo. Neste ano, já foram 88 vitórias – a de número 89 que está difícil de sair. Fica difícil de implicar com alguém nessas condições. O carisma e as peripécias do astro só reforçavam essa aura especial ao seu redor. Mas aí começou a partida em Cleveland, cujo desfecho foi para ele foi o disparo de um protetor bucal (eca!) na direção de um torcedor.

Ao perder a cabeça neste ato de, hã, fúria, Curry se juntou a Draymond Green  e deixou seus companheiros na mão. Foi um pirado e antecipado fim de partida para o armador, que estava com 30 pontos e, ao lado de Klay Thompson, tentava liderar uma nova reação histórica dos atuais campeões nestes playoffs. LeBron, com 18 pontos no quarto final, fazia de tudo para afastá-los. Mas ainda tinha jogo. Até que sua sexta falta foi marcada, e teve aquele chilique todo. Curry ficou descontrolado de um modo como nunca havia visto. Além da reclamação, de uma falta técnica, de um ato pouco higiênico, ainda ficou no fundo da quadra, encarando árbitros e adversários, mandando recado, inclusive, para LBJ:

Agora imaginem se fosse o próprio LeBron armando uma cena dessas. Ou Chris Paul. Ou Carmelo. A gritaria já seria imensa. No caso de Steph, foi a tal da primeira vez. Acontece que uma reincidência e/ou um jogo fraco no domingo, com o Cleveland acabando seu jejum histórico de títulos expressivos, aí não sei bem o quanto os mais corneteiros vão se segurar. Aí pode ser que a imagem de queridinho da América seja atingida para valer. ''Já havia feito isso antes, de jogar o protetor, mas geralmente eu miro na mesa dos estatísticos'', disse Curry. ''Eu estava fora do ar. Definitivamente não tinha a intenção de arremessar em um torcedor, mas aconteceu. Fui até ele e pedi desculpas, porque não era nele que eu gostaria de descontar minha frustração.''

Em quadra, como já dito, ele estava se acertando. Havia chegado aos 30 pontos em 35 minutos. Poderia, talvez, bater seu recorde pessoa na série, de 38 pontos, que havia estabelecido na mesma quadra, em Cleveland, para abrir a vantagem de 3 a 1. Seria mais uma grande exibição para ser adicionada ao currículo. Seria. É muito difícil aplaudir um jogador que tenha saído com seis faltas num jogo desses, ainda mais pelo contexto da confusão. Primeiro que Curry não é o principal defensor do Warriors. Há quem o julgue um péssimo marcador, com base na maneira como se comportava no passado. Ele melhorou muito nesse sentido nos últimos dois, três anos. Posto isso, não é que deva ser considerado um perseguidor implacável também. Nem tanto lá, nem cá.

Para alguém tão importante  para o ataque do time, o chutador deveria, então, ter todo o cuidado para não se perder em quadra com faltas desnecessárias, mesmo que ele sobre com LeBron James em uma troca a partir de um corta-luz. No caso desta quinta-feira, a sexta e última infração apontada foi realmente patética. Quando Curry conseguiria desequilibrar alguém como LeBron? Especialmente quando nem foi tão forte assim atrás da bola. Não existe. Agora, em sua contagem, Steve Kerr afirma ter pelo menos três faltas que julgou ridículas. ''Fico feliz que ele tenha jogado o protetor. Ele tinha o direito de estar chateado, mesmo'', disse o treinador.

Curry tem sobrado com LeBron em muitas posses. Não está sabendo lidar com a situação

Curry tem sobrado com LeBron em muitas posses. Não está sabendo lidar com a situação

Imagino que nessa lista esteja o lance em que seu atleta desarma Kyrie Irving pela faixa central da quadra. Pelo que entendo, a falta não foi dada no momento em que ele toca na bola. Mas, sim, por um ato contínuo em que o armador do Cavs é segurado, contido, pelas mãos espalmadas do defensor. Um movimento que era permitido até 2004. E que hoje não é mais, para beneficiar justamente talentos como Curry e Irving. Enfim. É uma questão de interpretação. Se o craque do Warriors tivesse se preservado no início da partida – suas duas faltas aconteceram no primeiro período –, não haveria polêmica. É o mesmo raciocínio para as faltas flagrantes de Draymond Green, por sinal.

O que deixa a situação mais crítica é a reincidência, mesmo. Não foi um fato isolado para Steph nestas finais. Em seis jogos, ele já cometeu 21 faltas, ou 3,5 por partida. Para um atleta que não era excluído de quadra desde 2013, parece um disparate. Para termos uma ideia, nos nove jogos que fez contra Portland e OKC, voltando de lesão, ele havia cometido 14 faltas. Esse excesso de apitadas em sua direção não significa exatamente maior combatividade elogiável. É mais uma autossabotagem. É a melhor forma que seus oponentes poderiam achar para atrapalhá-lo do outro lado da quadra.

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Outro ponto negativo que já se tornou recorrente é a sua incapacidade, no momento, de evitar os turnovers. Curry não só está falhando no controle de bola, algo inimaginável em fevereiro, como tem insistido em passes 'mágicos' mal concluídos, que podem ter origem ou numa displicência incompreensível para o palco em que estão jogando ou na simples tomada de decisão equivocada. Fato é que ele soma mais desperdícios do que assistências na série (26 x 24). Sua média de turnovers é maior até do que a que teve contra a defesa sufocante do Thunder (4,3 x 4,0).

Segundo o padrão estabelecido pelo craque, seus números como um todo estão aquém do esperado. Caminhando para o Jogo 7, suas médias são de 23,5 pontos, 4,0 assistências, 41,9% de quadra, 42,4% de três e 0,8 roubo de bola. Há jogadores que nem mesmo dopados teriam um rendimento desses. Mas estamos falando do MVP de 2015 e deste ano. Sua temporada regular, comparando, foi fechada com 30,1 pontos, 6,7 assistências, 50,4% nos arremessos e 45,4% de longa distância. Mesmo na complicadíssima final de conferência, produziu mais, com 27,9 pontos, 5,9 assistências, 44,3% de quadra e 2,1 roubos, ficando abaixo só nos tiros de fora (41,6%).

Isso tem a ver com um ótimo plano de jogo do Cavs, mas também já chegou a um ponto que passa pela incapacidade de o astro e seus treinadores encontrarem uma solução, um contra-ataque que possa liberá-lo. Os corta-luzes diversos que Kerr desenha pelo caminho, na trajetória do armador, não têm surtido tão efeito. Isso vem desde o primeiro jogo, com a diferença de que o Cavs conseguiu fazer os ajustes necessários para que os demais atacantes do Warriors não sobrassem livres de frente para a cesta. A prioridade, de todo modo, ainda é de que a bola não fique nas mãos do cestinha. E, se ficar, precisa ser contestado de perto, algo que, mesmo com trocas, vem sendo muito bem feito por Tristan Thompson, por exemplo. Kerr também reclama de faltas. ''Temos um ataque que depende de ritmo. Se os árbitros forem deixar Cleveland puxar e segurar nossos caras constantemente em seus cortes e ao mesmo tempo vai marcar essas faltinhas no MVP da liga, para excluí-lo, não vou concordar'', disse.

LeBron está adorando o desenrolar das #NBAFinals

LeBron está adorando o desenrolar das #NBAFinals

Agora, você pode interpelar o treinador, o blogueiro e LeBron e apontar que, sim, Curry tem 31,0 pontos por partida nas últimas três partidas. Acima do que fez no campeonato. O que essa média não diz, de cara, é o quanto tem sido custosa, com 40,9% nos arremessos e o mesmo número de turnovers e assistências (11). Essa queda passa também por suas dificuldades para concluir jogadas perto da cesta. Nas finais, na área restrita, seu aproveitamento é de apenas 45,5%, contra 64,5% da temporada regular. Pode ter certeza de que o armador, um perfeccionista, não se contenta com isso nem um pouco, ainda mais vindo de duas derrotas seguidas, quando ambas as partidas já valiam o título.

O armador tem essa cara de bom moço, aquele ídolo perfeito para um marketing limpinho da silva, como a NBA está curtindo sem parar. Mas, segundo todos os relatos de Oakland, é um cara competitivo pacas. Ninguém atinge seu nível só por puro talento.  Seu rompante está diretamente ligado a essa insatisfação, algo sobre o qual os jogadores falam abertamente. Só não vinha sendo normal ver uma explosão dessas. Quem cobre o time também diz que, no dia a dia, o armador é a força otimista do grupo, alguém que tem plena confiança em suas capacidades, sem se estressar tanto, e que leva os companheiros junto, num equilíbrio interessante em relação ao discurso mais picante de Draymond Green. ''Eu me deixei levar pelo momento, mas vou numa boa para o próximo jogo'', afirmou o astro.

Bem-vindo ao clube, deve pensar LeBron. Depois de se doer o ano inteiro pela atenção que o Warriors e Curry estavam recebendo, o craque do Cavs deve estar gostando dessa ideia, ao vê-los agora mais de perto. Ele passou por esse tipo de situação de exame público diversas vezes na carreira, estampando capas de revista já quando adolescente. Agora, pela primeira vez em muito tempo, o veterano entra num jogo decisivo no qual a a pressão bem maior está toda do outro lado, toda voltada para outro atleta que domina outdoors. Afinal, nesta série, ele mesmo já deu sua resposta. Vamos ver no domingo qual será a de Curry.

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