Vinte Um

Arquivo : maio 2015

Com resultados e rusgas, Paco García e Mogi ameçam Bauru
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Giancarlo Giampietro

Só sorrisos no media day. Humor azedou em duas partidas

Só sorrisos no media day

Na cerimônia de lançamento do NBB 7 no clube Paulistano, o clima era de empolgação geral. Numa reunião com tantas personalidades e reencontros, era difícil que se escapasse, mesmo, do otimismo. Afinal, era um campeonato que estava para começar. Apenas o princípio de temporada, com planos e visões para serem testados. No caso de Paco García e seu Mogi, o sorriso era dos mais animados

Afinal, o espanhol estava no comando de um clube que foi uma das grandes surpresas da temporada passada, fazendo seu melhor campeonato nacional no formato recente, ao avançar nos mata-matas para desafiar o poderoso Flamengo nas semifinais. Sua maior conquista foi ter trazido de volta aos ginásios o torcedor da cidade. “O grande objetivo de todos nós é assentar as coisas boas que fizemos e conseguimos no ano passado. Sempre falo que não é tão difícil de chegar, mas, sim, de se manter nesse nível. Isso se faz assentando toda a nossa administração, a evolução que conseguimos como clube. A partir daí, é melhorar. E não melhorar apenas a classificação, mas também a estrutura em quadra”, afirmou ao VinteUm, na ocasião.

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Apenas duas semanas depois, porém, o treinador se via numa situação delicada,  tendo de contornar a insatisfação de parte seu elenco, um descontentamento que veio a público, às portas de um quadrangular duríssimo pela Liga Sul-Americana. Quer dizer: contornar não faz muito o estilo do espanhol. Ele prefere bater de frente, ir direto ao ponto, doa a quem doer. Um estilo que vem empurrando o clube na direção certa desde que assumiu o cargo em outubro de 2012, mesmo que tenha pisado em muitos calos e irritado muita gente no caminho. Enquanto ele ainda é o chefe, todavia, o Mogi vai acumulando resultados expressivos, com direito agora a uma impressionante vitória sobre o Bauru, fora de casa, para roubar o mando de quadra dos favoritos ao título do NBB, pela fase semifinal.

Mais sorrisos após a primeira vitória sobre Bauru, após 6 derrotas no duelo

Mais sorrisos após a primeira vitória sobre Bauru, após 6 derrotas no duelo

Trocas necessárias
O Mogi foi a grande surpresa do NBB 6, ao se colocar no grupo dos quatro melhores do campeonato, eliminando Pinheiros e Limeira em sequência, depois de terminar a classificação geral apenas em 12º. Uma arrancada que fez a diferença para o fortalecimento do projeto. O público abraçou a causa, e o investimento recebeu um bom aumento para o atual campeonato, com um patrocínio sólido. Com dinheiro, Paco promoveu uma reformulação no elenco. Saíram jogadores de extenso tempo de quadra nos playoffs, como os alas Marcus Toledo, Ted Simões, Jeff Agba e Sidão, mas chegaram outros nomes “importantes”, como o espanhol gosta de dizer.

Entre os reforços, os destaques foram o ala Shamell e o pivô Paulão, de fato atletas mais renomados no cenário brasileiro, se comparados com os atletas que colocaram a equipe na quarta posição geral do NBB. Mas o técnico também mostrava entusiasmo com o jovem pivô Gerson do Espírito Santo, de 23 anos, e do ala Tyrone Curmell, ex-Palmeiras – duas apostas que se provaram certeiras. Na sua concepção, o time saía mais forte dessa troca, para se mostrar competitivo em outro patamar. Desde que, claro, aceitando os preceitos estabelecidos. “Acho que melhoramos já em termos de qualidade individual, com contratações de jogadores que já mostraram na liga sua importância, mas sabem que têm de trabalhar não somente para eles, mas também para toda a equipe”, afirmou. “A verdade é que o padrão do time tem de vir com uma mesma ideia: que a equipe fique acima de qualquer individualidade. Chegaram muitos atletas novos, e eles têm de aceitar nossa filosofia.”

Veterano Shamell: aposta de melhor individualidade dentro de um coletivo?

Veterano Shamell: aposta de melhor individualidade dentro de um coletivo

Independentemente do nome dos jogadores, uma coisa não muda no trabalho de Mogi em quadra: é o treinador quem vai dar as cartas, com uma abordagem detalhista, incisiva, bastante exigente no dia a dia de treinos. Nos bastidores, fontes distintas indicaram ao blog um desgaste na relação entre o comandante e alguns de seus atletas mais experientes influenciou na troca de jogadores para esta temporada, independentemente do aumento do orçamento. Alguns atletas simplesmente não queriam pensar em renovação. As cobranças são incisivas, incessantes e podem incomodar (ou assustar) os atletas que não estejam tão acostumados com esse comportamento.

“No começo, foi um pouquinho difícil”, admite Shamell, durante o final de semana do Jogos das Estrelas em Franca, ao VinteUm. “Ele é uma pessoa que leva o trabalho bem a sério. E tem um tipo de cobrança diferente. Quando cheguei,  eu não o conhecia, ele não me conhecia. Mas agora está tranquilo, a comunicação sai natural, e esse tem de ser o principal ponto, como em qualquer empresa. Entendo o que ele espera de mim para ajudar a equipe.  Você toma bronca e, depois, conversa o que tiver de conversar.”

Já com dez anos de residência no Brasil, divididos em duas passagens, Shamell é uma fonte muito interessante para abordar um tema que me intriga e que vai muito além das quatro linhas. A tese: o brasileiro não está tão acostumado assim a lidar com críticas, observações diretas, preferindo mais um rodeio, comentários que primeiro tateiam, para depois se expor o objetivo da conversa. Longe demais? Ou isso teria a ver com o desconforto que o estilo do treinador espanhol pode causar? “A reação inicial do brasileiro é de achar que o cara está te atacando, faltando com o respeito (quando se faz a crítica”, diz o americano. “É normal também. Há coisas que deixa você mal, bravo. Mas tem técnico que é assim, faz o que acha, e ponto. Há jogadores que aceitam, outros que não.”

Segundo Alemão, o clima é ruim só do lado do técnico

Mogi comemora lá no início da temporada, ainda com Alemão no elenco

Mas e o que pensa o jogador nacional a respeito? “Não sei se o brasileiro não está acostumado. Acho que poderia ser mais natural receber uma cobrança. Tem hora que você fica louco e pode extravasar, não tem problema, sem perder a educação. No nervosismo do jogo, é normal esse embate. O jogador talvez tenha de achar isso mais natural e, não, ficar tão incomodado”, diz o armador Gustavinho ao VinteUm, em conversa antes do início dos playoffs.

Gustavo é um dos remanescentes da campanha do ano passado e alguém que fala abertamente sobre a influência positiva do treinador em sua carreira e na equipe como um tudo. “Meu jogo melhorou muito com ele, principalmente na defesa. Tenho ajudado muito mais, estou mais bem colocado. Acabo me identificando com ele, por pregar esse início do jogo pela defesa”, explica.”Ele é um cara durão, uma filosofia do basquete europeu, onde se tem de respeitar as regras. Isso pode acabar incomodando outras pessoas. Tem de se adaptar a isso. Ao meu ver, é o diferencial, foi o que levou nossa equipe longe no ano passado. “

A crise
A temporada do Mogi, até aqui, pode ser considerada um sucesso. No Campeonato Paulista, sofrendo com algumas lesões e desentrosamento natural, o time caiu nas quartas de final, contra o Paulistano. Na próxima competição, veio um vice-campeonato inédito de Liga Sul-Americana, com derrota para o poderoso Bauru, e 21 vitórias pela temporada regular do NBB – sete a mais do que na sexta edição, com um aproveitamento muito superior, subindo de 43,7% para 70%, com o triunfos consecutivos. Nos mata-matas, depois de penarem contra Macaé, agora reencontram os bauruenses prontos para uma revanche, jogando de igual para a igual. Venceram o primeiro jogo fora (81 a 73) e tiveram o placar favorável no segundo até que Ricardo Fischer converteu um arremesso de longa distância a três segundos do fim (84 a 81).

O time apresentou um plano de jogo que deu certo. Desacelerou o ritmo da partida, para diminuir o volume do adversário, gastando o relógio com trocas de passe pacientes, acreditando no poder de definição de suas peças, com Shamell especificamente em uma jornada inspirada, anotando 16 de seus 27 pontos no quarto. As posses de bola bem trabalhadas também geraram maior equilíbrio defensivo, contendo, no Jogo 1, a artilharia perimetral do cabeça-de-chave número um. “Ele é muito detalhista”, diz Gustavinho. “Exige padrão defensivo, posicionamento. No ataque, um basquete mais solidário, com pelo menos três passes. Se não sai ninguém livre, aí é a hora de buscar uma definição em algum lance individual como do Shamell ou do Filipin.”

Ginásio Hugo Ramos cheio, um ganho para Mogi

Ginásio Hugo Ramos cheio, um ganho para Mogi

Essa visão de jogo se concretizou nas duas primeiras partidas da semi, mas não dá para dizer que tenha sido irrevogável durante toda a jornada. Especialmente no início do NBB. Após uma vitória sobre Uberlândia e uma derrota contra o Minas, a equipe foi cheia de dúvidas para as quartas de final da Liga Sul-Americana, envolvendo Bauru, Brasília e o Comunikt, do Equador, jogando como anfitriã. García havia jogado lenha na fogueira com críticas pesadas ao elenco, em público – um tipo de atitude também bastante citada para justificar o descontentamento de atletas com o treinador, que seriam eles que perdiam, enquanto todos ganhavam.

Na primeira rodada, sua equipe venceu o Uberlândia por 90 a 80. Se o placar parece bom, esqueça. Os anfitriões chegaram a abrir 20 pontos no terceiro quarto, relaxaram e acabaram permitindo que os mineiros fizessem 35 pontos na parcial final. O que despertou a ira do técnico. Disse que era inadmissível. “Fico preocupado por que parece faltar ambição. Se você está ganhando por 20 pontos, tem de buscar ganhar por 30, e não relaxar. Não quero um time medíocre, quero um time com ambição”, disse ainda no ginásio, aos repórteres do Globo Esporte.com, da região de Mogi e Suzano. Era apenas a estreia. Na segunda rodada, para piorar, derrota por 61 a 60 para o Minas, novamente em casa. “Se não aceitam jogar como equipe e fazer sacrifício em quadra, fica difícil. O basquete não é um jogo de nomes, é um jogo de homens. O time não jogou nada. Eu passei vergonha pelo jogo que fez meu time”, disparou. Ficou tenso o negócio.

Alemão abriu fogo contra seu técnico

Alemão abriu fogo contra o técnico

O pivô Daniel Alemão, que também havia sido peça valiosa durante o NBB 6, não aguentou. “O clima não está nada agradável por parte dele (o técnico) e das coisas que faz. Infelizmente ele tem esse jeito e somos ainda obrigados a acatar essa ideia. A gente está focado em trabalhar e melhorar a nossa parte, a parte dos jogadores, para tentar resolver entre a gente dentro da quadra. Somos nós que jogamos, então somos nós que ganhamos e perdemos”, disse à TV Diário.

Bem, o veterano não teve pudor algum, né? Bota “infelizmente” nisso. Do seu lado, Paulão procurou contemporizar. “Entre os jogadores, o clima é o melhor possível. O técnico tem a forma de trabalhar, e como jogador a gente tem que pelo menos entender o que ele está pedindo. Temos que jogar e fazer o que ele pedir, já que ele é o comandante do time”, diss à TV Diário.

Contra-ataque
Ao tomar nota das declarações do pivô, Paco não fez questão alguma de botar panos quentes no assunto e só fez a previsão do tempo piorar. “O clima não está muito bom porque o técnico fala quando as derrotas vêm. Eu falo claramente, e gostaria que todo mundo ao meu redor falasse claro também. Não acredito que um atleta possa não ter 100% de vontade e 100% de intensidade. Sei como eu estou, mas não sei como estão os atletas, pois isso é uma coisa de cada um.”

Durante a crise, o espanhol usou seu blog para prosseguir no ataque. Disse que não sabia mais o que esperar de sua equipe em quadra, tendo a exibição contra o Minas em mente. “Falta de intensidade, defesa nula (apesar do placar reduzido, não nos equivoquemos), muito lentos no ataque, caminhando sobre o piso e, além disso, entregando a partida quando a tínhamos em mãos, com quatro pontos acima e quatro lances livres errados, bola perdida e duas faltas tão absurdas como desnecessárias, tudo em apenas 40 segundos”, escreveu. “A atitude de alguns jogadores me preocupa, e muito. As desculpas e mais desculpas apontando sempre o mesmo: o treinador. Quase ninguém reconhece seus próprios erros, e assim é difícil progredir.”

No final, o time conseguiu se classificar para a semifinal, eliminando o Brasília. Ufa. De volta ao NBB, enfrentou um período de instabilidade, com seis vitórias e quatro derrotas nos próximos dez jogos. Em 2015, embalou, sofrendo apenas mais três derrotas até os playoffs. Alemão foi dispensado no início de dezembro.  “Foi um desgaste das duas partes, uma pena, mas a relação estava muito desgastado. O Alemão um grande jogador e faz falta até hoje”, afirma Gustavinho.

Diário de bordo
Paco trabalhou no basquete espanhol por mais de dez anos como assistente de técnicos renomados, entre eles o falecido Manel Comás, apelidado de Xerife, um dos técnicos mais vitoriosos da Liga ACB – e que chegou a ser cotado como técnico da seleção brasileira em 2007, antes do acerto com Moncho Monsalve. Em 1995-96, começou a carreira como treinador principal, nas divisões menores espanhola. Em 1998, pelo Breogán, conseguiu aquele que talvez seja seu maior feito: subir à primeira divisão com o título da hoje LEB Oro, um campeonato muito difícil. Trabalhou também com o Valladolid e o Lleida na elite. Em 2011, deixou o país para dirigir a seleção da República Centro-Africana.

Um dos trechos cândidos e ácidos do blog de Paco, sobre sua demissão cogitada (25/01)

Um dos muitos trechos cândidos e ácidos do blog de Paco, sobre sua demissão cogitada. “Não sei o tempo que me resta em Mogi…” Texto publicado em 25/01. Algo raro de ver/ler por estas bandas desde o afastamento de Paulo Murilo

Foi a serviço do país africano, que não tem muita tradição no mundo Fiba, mas revela bons jogadores como o ala Romain Sato, que o espanhol começou a abastecer seu blog. “Era uma boa forma de manter o contato com os amigos e com a família. De contar o que estava fazendo, o que estava acontecendo.  Quando retornei da África, parei. E foi muita gente me ligando, me mandando mensagens dizendo: ‘Cara, tem de continuar’. Quando cheguei ao Brasil em 2012, esse interesse me motivou a retomá-lo. Falamos de tudo um pouco”, diz.

De tudo mesmo: só em 2015 já são 43 posts publicados, com análises de partidas, elogios e críticas a adversários, protestos contra a liga e lembrando sempre todos os percalços que a equipe enfrentou durante a temporada, em especial suas lesões. Foi para os playoffs num astral bem melhor que o de novembro, quando encerrou aquele mesmo post de ataque e defesa contra críticos sem pisar no freio,  para ficar numa metáfora que dialoga com seu texto: “É uma fase exigente, como eu quero ser.  É evidente que, como já escrevi em mais ocasiões, às vezes tenho a sensação de caminhar em uma velocidade distinta de meus jogadores e do meu próprio clube”, afirmou. “O que conseguimos na temporada passada não pode ser repetido com boas palavras, mas apenas com exigência, trabalho e feitos. É nisso que estamos. Até que possa, até que me deixem.”

Esse tempo difícil ficou para trás, mas, como diz Gustavinho, não significa que tudo tenha ficado tranquilo desde então. Esse é um termo que não faz parte da linha de conduta do treinador. “Mas não foi depois disso que as coisas normalizaram. Continuam (assim). Eu já briguei várias vezes com ele e brigo até hoje. Mas a gente se respeita. O Paco gosta de falar que aperta o treinamento, que não deixa ganhar duas, três seguidas e se acomodar. Está sempre cobrando, querendo sempre mais, querendo melhorar, o que às vezes pode até deixar todo mundo nervoso, achando que não é possível. Mas é o jeito dele, e você percebe que o time se acostuma”, afirma o jogador. “Com a vitória.”

 


Lucas Dias no Draft, pronto para mais um teste
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Giancarlo Giampietro

Lucas Dias, NBA Draft, Pinheiros, 1995

É algo que, confesso, sempre me admira. Quando você vai conversar com um jogador jovem, é preciso todo o cuidado na hora de elaborar as perguntas, deixar bem claro o que está abordando, o que seria minha própria opinião e aquilo que tomo como fatos, o que você ouve a respeito de determinado assunto ou caso que possa ter envolvido o garoto.

Quando começa a entrevista, então, também não é raro que o dono do microfone se veja surpreendido: por mais tenra idade, muitos desses atletas já têm boas histórias para contar. Aconteceu em muitos casos comigo em coberturas de Mundiais Sub-Alguma-Coisa de futebol. A galera do atletismo. Do vôlei. Etc. Especialmente quando falamos de um país como o Brasil, com toda a sua dimensão e seus problemas, causos geralmente não faltam em suas trajetórias. Lembro de um papo agradável e revelador, por exemplo, com o volante Rômulo, ex-Vasco, saindo de Picos, no Piauí, para, hoje, morar na Rússia. Mas, enfim, obviamente não é sobre o meio-campista o artigo.

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Lucas Dias não veio de tão longe assim para um jornalista baseado em São Paulo, tendo saído de Bauru. Mas o ala do Pinheiros, um dos quatro candidatos brasileiros ao Draft da NBA, já tem realmente uma trajetória que deu e dá o que falar, estando a dois meses de completar 20 anos de idade. A pressão desmedida que uma das grandes apostas do basquete nacional enfrentou em temporadas anteriores já foi abordada aqui. Agora, é hora de abrir espaço para o ala falar a respeito do peso que lhe foi atribuído, mas decididamente não apenas sobre esse tema em – aquela que era para ser uma entrevista de 15, 2o minutos acabou durando exatos 54min05s, nas vizinhanças do clube Pinheiros. Isso, claro, com o atleta se dizendo “tímido” durante a gravação.

É interessante notar como ele já foi submetido a bons testes durante a adolescência. Mas nem é preciso fazer muito drama aqui, por mais que seja mais uma história de alguém que saiu bem cedo de casa, foi para a capital, vindo de origem humilde. Não é dessa forma que Lucas encara as coisas, mesmo. Sabe que enfrentou alguns momentos difíceis, mas não os glamoriza. Gosta de repassá-los em sua cabeça, é verdade, mas muito mais como fatores de motivação e também por força do hábito. “Sou daqueles que vai deitar e não tira a história da cabeça”, afirma ao VinteUm.

Mais agressivo pela LDB 2014

Mais agressivo pela LDB 2014

Para o repórter, então, fica mais fácil de retransmitir:

Teste 1: vida de atleta, em São Paulo, aos 14 anos
Lucas Dias Silva não foi o primeiro a deixar a família, em Bauru, para tentar dar um salto com suas pretensões basqueteiras. O irmão Diego (ou Diegão), pivô, embarcou para Belo Horizonte um tempo antes, para jogar na base do Minas Tênis. A mãe, Neia, já havia chorado quando ele saiu. Mas comigo foi mais. Ele já era mais velho, tinha sua confiança. Não que eu não tivesse, mas eu era muito novo na época, só com 14 anos”, afirma. De qualquer forma, quando estava preparado para se mudar para São Paulo, o irmão retornou, o que acabou compensando, de alguma forma. “Foi uma coincidência boa”, diz.

Federado : )

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A mãe passou duas semanas com o filho na capital para facilitar a transição. Isso era janeiro de 2010, depois de o então pivô ter sido aprovado em testes em julho do ano anterior. A mudança levou um tempo para ser realizada, enquanto jogava pelo time da Associação Luso Brasileira em sua cidade natal – enquanto os primeiros treinos haviam sido pelo Greb (Grêmio Recreativo Energético de Bauru).  “Comecei com meu irmão. A gente trabalhava na rua entregando folheto. De repente, parou uma técnica do lado dele, dizendo que tinha potencial para jogar. Ele estava com 14 anos e foi treinar. Ficou lá umas duas semanas, enquanto eu estava na minha, estudando, brincando, jogando futebol, essas coisas. Ele cuidava de mim naquela época e perguntou seu eu queria treinar. Minha mãe trabalhava, também meu pai. Topei e comecei a gostar do basquete. Tinha nove anos”, relembra.

O progresso foi rápido e, cinco anos depois, era indicado para a base do Pinheiros, coordenada por Telma Tavernari. Impressionou a todos prontamente, entre eles o técnico Danilo Padovani. “Logo no primeiro dia já disseram que gostaram muito de mim perguntaram se eu queria ficar para assistir ao jogo do adulto”, conta, rindo. “Quando voltei, eles deram a maior força para mim e cuidaram da minha família também. Foram pessoas que entraram na minha vida, assim como meu técnico em Bauru, o Marco Aurélio, que não me forçou ficar.”

Assim como a mãe não ficou na metrópole. “Na primeira semana que ela foi embora, o primeiro fim de semana sem ela… Foi uma sensação muito ruim. Em Bauru, tem uma feirinha que a gente gosta ir aos finais de semana. Todo o domingo, era o passeio da família. Ficar sem isso, sem esse tipo de coisa, a ida à igreja com ela. Foi difícil”, diz. Hoje, o contato com a mãe acontece quando consegue viajar para sua cidade. Quando tem jogo pelo NBB ou pelo Paulista, tem torcida infiltrada entre os bauruenses.

Avançando com a carreira, Lucas teve de se virar para concluir os estudos. No primeiro ano, tudo corria bem. “Não tinha seleção, não era conhecido, conseguia manter. Mas no ano seguinte comecei a fazer parte daquela seleção  permanente, ficando seis meses com eles (em São Sebastião do Paraíso, em Minas Gerais). Lá não consegui. Era para ser à noite, mas tinha treino de manhã e de tarde. Não dava para descansar. Fui levando não sei como, não só eu, mas os outros também. Quando voltei, retomei a escola anterior. Treinava em duas categorias aqui no Pinheiros, e aí o adulto também me chamou. Era sair 10h da escola para vir ao clube. Foram dois anos para terminar a escola. Houve também as viagens. Mas o bom é que a escola (estadual Ministro Costa Manso) teve muita paciência, a Costa Manso. Deram trabalho para eu fazer, provas em dias diferentes, abonaram minhas faltas por causa da seleção, o que não eram obrigados a fazer. Graças a Deus terminei. Era algo que minha mãe cobrava muito. A faculdade ela também quer que eu faça, mas sabe que não tenho tempo hoje. A escola era obrigação. De qualquer forma, se fosse passar por tudo de novo, passaria”, afirma.

Acompanhe a cobertura do 21 para o NBA Draft:
>> Qual o cenário para os quatro brasileiros inscritos?
>> Georginho conclui Nike Hoop Summit com status no ar
>> Técnico americano avalia o potencial de pinheirenses
>> Apresentando Georginho, o próximo alvo da NBA
>> Lucas Dias: da impaciência ao desenvolvimento

Teste 2: a fama precoce e as cobranças
Em 2011, Lucas foi disputar seu primeiro torneio internacional: o Sul-Americano, sendo um ou dois anos mais jovem que a maioria de seus companheiros. Foram campeões de forma invicta, vencendo a Argentina duas vezes. Algo raríssimo em tempos recentes de competições de base. Logo… Chamaram a atenção. “Todo mundo falava que nossa seleção era fraca, que não ia chegar a lugar nenhum. Quando vencemos a Argentina, invictos, começaram a assediar um pouco”.

Lucas, nos treinos para o Sul-Americano em Cúcuta, na Colômbia

Lucas, nos treinos para o Sul-Americano em Cúcuta, na Colômbia

No ano seguinte, veio uma convocação surpreendente para a disputa do amistoso internacional do Jordan Brand Classic, evento que reúne, nos Estados Unidos, alguns dos jovens mais promissores do mundo. Quando questionado a respeito daquela experiência, os olhos do garoto brilham. “Vou falar para você”, anuncia. (Então deixe ele contar… Que a história é divertida. Está nas notas abaixo). Fato é que, com 18 pontos e 12 rebotes, o brasileiro foi eleito MVP da sua equipe, num evento do qual participou, entre outros, Domantas Sabonis, filho do legendário pivô lituano e hoje destaque da Universidade de Gonzaga, nos EUA.

Aí você imagina a repercussão. Para uma modalidade há muito carente de conquistas internacionais, o bafafá foi grande. Para completar, veio a Copa América Sub-18 em São Sebastião do Paraíso. A seleção foi vice-campeã, perdendo para os Estados Unidos na final. No meio do caminho, bateram um Canadá fortíssimo, com direito a Andrew Wiggins, Tyler Ennis e Trey Lyles em quadra. Definitivamente não é pouco. O elenco americano tinha: Marcus Smart, Julius Randle, Jerami Grant e Jarnell Stokes, todos já na NBA, e Sam Dekker e Montrezl Harrel, a caminho. Lucas brilhou, com médias de 15,6 pontos, 8,4 rebotes e 1,4 toco, convertendo 52,9% de seus arremessos de três pontos. Combinava envergadura e faro para a cesta.

De novo: era um ano mais jovem que a grande maioria dos adversários. Então você pode imaginar como as coisas ficaram. “Nossa seleção mostrou que podia competir com aqueles caras, chegando junto no jogo, correndo de igual para igual, e até mesmo com um jogo de contato. Só não deu para manter o ritmo na final. “Foi uma experiência legal, de ver onde a gente poderia chegar e conferir meu nível também”, diz Lucas.

Foi nessa época que o garoto passou a conviver com nós, abelhudos da mídia. Teve de aprender a se comportar diante dos jornalistas na marra, depois de um ou outro tropeço natural. As expectativas em torno do jogador basicamente saíram do controle. Quando chegou o Mundial Sub-19 em 2013, e o time venceu apenas três de seis partidas, contra China, Irã e Senegal e terminou em nono, uma posição frustrante. Um tremendo baque, e as primeiras críticas mais pesadas.  Do ponto de vista pessoal, foi difícil assimilar um rendimento de 6,4 pontos, 3,8 rebotes e, principalmente, os poucos minutos que teve (22,5). “Toda a seleção jogou mal”, afirma. “Ali comecei a me sentir mais pressionado. Todos esperavam um desempenho bom de nós, e o foco estava em mim. Acho que não estava preparado para isso.”

Lucas Dias x Domantas Sabonis no Jordan Brand Classic

Lucas Dias x Domantas Sabonis no Jordan Brand Classic

Teste 3: a fossa e a concorrência interna
“Quando voltei para o Pinheiros, não acreditava no que havia acontecido, justo naquele campeonato”, diz Lucas. O semblante muda nitidamente ao falar sobre a campanha. É difícil saber o que machucou mais: o que se falava pela rede, ou o que se passava pela cabeça do jovem que completara 18 anos durante a competição em Praga. “Comecei a me cobrar bastante. Eu mesmo me sentia pressionado. Aqui no Pinheiros nunca ninguém chegou cobrando dessa forma. Mas fiquei muito chateado. Foram uns quatro meses pensando na mesma coisa. A gente jogando aqui, mas minha cabeça não estava boa.”

Se houve algum ponto positivo para ser tirado, era o simples fato de ter saído um pouco do radar depois daquela tremenda decepção. Acontece em muitos lugares, mas no Brasil, sabemos bem, caprichamos: com a mesma rapidez que se infla uma história, facilmente pode-se virar as costas para ela. Para o jogador, depois de curtida a fossa, o evento acaba valendo como um marco pessoal, de toda forma. “Depois, entendi que aquele momento de decepção poderia ter acontecido para o bem. De que se aquele Mundial não correu bem, se eu tivesse um próximo Mundial, ou qualquer campeonato grande desses, que não ia deixar isso acontecer de novo. Comigo, não”, assegura. “Foi um momento de decepção para todo mundo. Se formos ver, muitos daqueles jogadores estão se destacando hoje: Deryk (Ramos) em Limeira, o Danilo (Fuzaro) em Minas, cada um subindo de pouquinho e pouquinho, se lembrando daquele Mundial, fazendo o que não mostrou naquela época. Foi bom para a gente. Não foi bom para o Brasil, mas, no pessoal, teve uma boa repercussão.”

Da Copa América (foto) para o Mundial, queda geral de rendimento

Da Copa América (foto) para o Mundial, queda geral de rendimento

Enquanto colocava a as coisas em ordem, começava a despontar em seu clube outra sensação. Mais uma contratação pontual do Pinheiros, vindo de uma cidade com nome até parecido: Barueri. Sim, estamos falando de Bruno Caboclo. Só mesmo o basqueteiro nacional mais hardcore o conhecia. Mas isso mudaria rapidamente, depois de suas exibições pela LDB. O ala, hoje coqueluche em Toronto, era o dono do time juvenil que competia na liga de base. Ainda que tivesse a mesma idade, Lucas, a essa altura, treinava em tempo integral com o adulto, ao lado do comparsa Humberto. (“É o companheiro que vou levar para a vida inteira. Podemos até brigar em quadra, mas estamos sempre juntos.”)

“Depois do Mundial, deu acalmada, e comecei a trabalhar mais empenhado no Pinheiros. Aí chegou o Bruno também, e o foco foi totalmente. Fiquei treinando mais duro ainda. Isso também foi outro motivo pessoal para mim, ver o Bruno treinando ali forte. Éramos amigos, mas cada um fazia o seu”, afirma. “No começo foi um pouco difícil. Quando está treinando no adulto, sem muitas chances, enquanto o time juvenil estava na LDB, ganhando destaque. Você queria fazer parte daquele conjunto, ficava meio triste com isso. Todo mundo subindo, e ficávamos eu e o Humberto aqui, sabe? Treinando, enquanto eles estavam jogando, se divertindo, fazendo com que o time crescesse.”

Em 2013, maior rodagem com o time adulto: 14 minutos em média

Em 2013, maior rodagem com o time adulto: 14 minutos em média

Na fase final, Lucas e Humberto reforçaram o Pinheiros na fase final da LDB e integram o time que conquistou o terceiro lugar: “Eu ficava pensando sobre como seria nossa seria chegada. Se ia piorar, se ia melhorar. O time comigo, Humberto, Bruno e George seria diferente. Fui para lá para ajudar a equipe, fiz bons jogos, mas não foi a LDB que eu esperava para mim. Isso foi, então, outra motivação para voltar melhor na (edição) seguinte. Não via a hora que começasse outra”. Um consolo foi retornar ao time principal para os playoffs do NBB 6 e ganhar minutos no playoff contra Mogi, produzindo. “Consegui botar em prática o que estava encontrando em meu jogo. Fomos eliminados, outra sensação ruim, mas estava me preparado já para a próxima temporada.”

Teste 4: a retomada
Ainda que estivesse jogando com o juvenil e curtindo a boa fase daquele time, não quer dizer que Lucas não se divertia do seu jeito. Nos treinos do adulto, era o alvo prioritário dos veteranos, sempre pontos para desafiá-lo. Pode pensar aí em Shamell e Márcio Dornelles… “Nossa, eles estavam sempre pegando no meu pé (risos)”, conta, bem-humorado. “Olha, só quem viu para poder falar. Tinha dia que eu saía bravo com eles, com um bico para o lado. Mas eles me chamavam e diziam que era para o meu bem. No coletivo era mais o Márcio, que batia. Depois do treino, era mais o Shamell, no um contra um, por várias horas.”

Título da LDB ficou com o Basquete Cearense; Lucas terminou como cestinha

Título da LDB ficou com o Basquete Cearense; Lucas terminou como cestinha

Depois de tantos treinos e aulas práticas dessa, Lucas se sentia pronto para arrebentar em quadra. Houve uma diferença, no entanto: dessa vez ele teria muito mais minutos com as equipes menores do que no adulto. “Foi um pouco desgastante no fim. Tinha dia que treinávamos com o adulto, jogar com o juvenil ou LDB. Teve uma semana que jogamos em Osasco com o Juvenil e voltamos para disputar a LDB, ainda treinando com o adulto. Mas foi uma temporada de colher o que se plantou durante todos os treinos, com muita paciência depois daquele Mundial.”

Na liga de desenvolvimento, foi o principal jogador, com médias de 20,8 pontos,  9,4 rebotes, 1,9 roubo, 1,5 assistência, em 32,1 minutos. Estabeleceu o recorde histórico de pontos (44) e de índices de eficiência do campeonato. “Consegui jogar em alto nível, foram jogos maravilhosos, para quebrar alguns recordes. Também fui eleito o melhor jogador da categoria juvenil no país. Fico quieto no meu canto. Os caras podem falar o que achar de mim, mas vou ficar no meu canto fazendo o que preciso. E o time fez uma grande LDB, mesmo que não tenha ficado entre os três primeiros.”

A frustração mais significativa da temporada 2013-2014 acabou sendo o papel limitado que teve na equipe de Marcel de Souza no NBB 7 – algo, aliás, cobrado por muita gente nos bastidores. Mas as chances reduzidas aos mais jovens não foi algo específico, particular ao Pinheiros. Poucos jogadores sub-23 tiveram espaço, ou, pior ainda, protagonismo em seus clubes. Lucas entrava e saía do time.

“No caso de nós três (Lucas, Georginho e Humberto), fiquei um pouco pensativo a respeito, de não termos jogado. Nunca critiquei. O Marcel era quem decidia. Acho que, pelo trabalho que vinha fazendo, merecia um pouco mais de tempo e que poderia ajudar a equipe. Mas nunca vou chegar no técnico e falar que tenho de jogar. Talvez fosse medo de não prejudicar a gente. Não tenho nada contra”, afirma o ala. “O mais curioso é que, para mim, o time do ano passado era muito mais forte que o deste ano, tinha mais investimento, e eu recebi mais minutos, mesmo achando que neste ano eu estava muito melhor. Chegando em casa bravo, minha namorada (Larissa) podia ver. (Risos)”

No final, Lucas teve médias de 11,3 minutos por jogo, depois de 14,1 minutos na campanha anterior. “Todo mundo esperava que eu talvez jogasse pelo menos uns dez minutos regularmente, mas nem isso. O Humberto apareceu agora só no finalzinho, nos playoffs, por causa da defesa”, afirma. “Acabou a temporada, não posso ficar remoendo o que já passou, mas agora tenho objetivos maiores.”

Lucas Dias: foi difícil de pará-lo na última LDB

Lucas Dias: foi difícil de pará-lo na última LDB

Teste 5: aqui estamos
O próximo passo é o Draft da NBA. O fato de o ala ter sido convidado para participar do Combine em Chicago mostra que desperta o interesse dos dirigentes. O que não signifique que tenha escolha garantida no dia 25 de junho, em Nova York. Nas próximas semanas é que as discussões vão esquentar. No momento, Georginho é o atleta nacional mais comentado. Humberto também está inscrito, assim como Danilo Fuzaro – mas ambos devem retirar seus nomes da lista até o dia 15 de junho, prazo para que uma decisão seja tomada.

Quanto mais os scouts avaliarem os jogos do Pinheiros na temporada, a tendência é que seu nome surja com mais força, devido a uma combinação de estatura (2,11 m, segundo as medições recentes do Pinheiros) e capricho nos arremessos de média para longa distância. “No final das contas, é provável que ele seja o mais habilidoso do trio do Pinheiros”, afirmou um olheiro da Conferência Oeste ao o VinteUm. Sua grande chance para impressioná-los vai acontecer em junho, no adidas Eurocamp em Treviso, o camp que reúne boa parte dos melhores jogadores até 22 anos fora dos Estados Unidos.

Versátil, Lucas será propagandeado como um possível “strecht four”, o ala-pivô aberto, uma função tática em voga no basquete internacional. É algo que os treinadores da IMG identificaram e que assimila o talento para chute e rebote do brasileiro. “Vai depender da ocasião, não tenho preferências. Na Copa América Sub-18, no nosso time sub-22, falavam também em me usar como um três, para o time ficar mais alto, forte no rebote. Não tem posição fixa. Acho que depende do jogo, cada um pede uma coisa. Entre as duas posições, acho que consigo render da mesma forma.”

“Tomara que aconteçam algumas coisas melhores para a minha vida agora. Estou torcendo muito para isso. É o objetivo maior. Acho que cada jogador de basquete que pega uma bola começa a sonhar com a NBA. Seria uma satisfação fechar esse ciclo com uma grande notícia, de estar lá. Aí começaria um novo ciclo, lembrando o que passei”, diz. “Agora, se não for para este ano também, não vou me decepciona. Vou ficar pensando uns três meses nisso, claro mas depois segue em frente.”

*   *   *

Lucas Dias relembra sua participação no Jordan Brand Classic de 2012, em Charlotte:

“Naquela seleção permanente, tinha um moleque da minha idade que já havia sido chamado para este jogo, o Guilherme Saad. Fiquei interessado, vendo que ele foi chamado, sabendo que havia  participar de um evento desse. Depois disso aí esse Jordan não tinha saído da minha cabeça. Seria uma oportunidade legal para mostrar meu jogo para todo mundo. Passou um tempão até o (então diretor de basquete pinheirense, João Fernando) Rossi chegar e falar do convite. Fiquei umas duas semanas só pensando nisso, no Jordan, no Jordan… Aí quando deu uns dois dias antes de viajar para o evento, liguei meia noite para o Rossi e disse que não queria ir. Não sei o que aconteceu comigo, mas não queria mais”.

Ele conversou comigo, perguntou o que tinha, falei que estava com medo de jogar mal lá. Mas me convenceu e mandou o Brenno (Blassioli, ex-técnico da base) comigo. A experiência foi toda diferente, mesmo, de tudo o que havia feito, até da seleção. Antes do jogo teve uma palestra, para pegar o diplominha do evento. Falei para o Brenno que estava ansioso, mas confiante para mostrar o que podia. Até brinquei com ele que, se Deus quisesse, poderia até rolar um MVP (risos). Ele: ‘Pára de pensar isso, só pense em fazer seu jogo’. Sempre quando boto uma coisa na mente, quando deito a cabeça no travesseiro, fico pensando. E foi isso: ‘Amanhã é o dia, amanhã é o dia’…”

“Entrei no ônibus, achando que as pessoas estavam olhando estranho para mim, aquela paranoia. Quando entrei na quadra para aquecer, já senti que era o dia. Sobe dois, e foi uma sensação muito gostosa. Ginásio cheio, parecia que minha família estava do meu lado. Se algo dava errado em quadra, era como se algum deles estivesse me apoiando.. Cada lance eu lembrava das primeiras semanas aqui em São Paulo, da minha mãe, da minha namorada (Larissa) dando força. Quando chegou a premiação, foi a melhor coisa. Não sabia o que fazer. Se ficava em quadra, se ia pro vestiário, se ia falar com o Brenno, se ligava para a minha mãe, se ia para a arquibancada. Na hora de comer, não acreditava, não estava lúcido. Era uma coisa gigantesca para mim. Ali foi o começo, cara. Uma gratificação muito boa.”

*   *   *

Lucas hoje está treinando no Pinheiros, em sua preparação para o recrutamento de calouros da NBA, dia 25 de junho. A ideia era que ele estivesse bem distante dali, em Chicago, onde está sendo realizado o Draft Combine. O ala recebeu o convite da liga, mas teve de recusar devido a uma torção de tornozelo que sofreu contra o Brasília, pelos playoffs do NBB. Já está recuperado, mas não viajaria nas melhores condições para ser, hã, testado contra jogadores muito mais experimentados, aos olhos de centenas de dirigentes e scouts.

*   *   *

Lucas também fala sobre os treinos que teve no mês passado na academia IMG, na Flórida, ao lado de Georginho: “Foi pauleira. Você aprende umas coisas diferentes, uns detalhes que nunca percebe de movimento de perna, em seu arremesso, seu corte, bloqueio, tomar posição no pivô, jogar lá dentro etc. Uns detalhezinhos que você acha que já estão certos, mas que podem ser corrigidos. Ali aprendi muito. Que preciso melhorar demais, mas que posso chegar a um nível alto, que tenho capacidade, o talento e o físico. Você não pára nunca, é o tempo inteiro com eles cutucando. Na primeira noite nem consegui levantar da cama direito, algo que nunca havia sentido. A intensidade muito alta. Se treinar com aquela intensidade, sei que posso melhorar muito. Acho que minha cabeça voltou diferente nesse sentido: posso pegar o treino que aprendi lá e fazer aqui. Não preciso que alguém me coloque no colo e leve para treinar. Só preciso fazer. Comecei a fazer isso na primeira semana, nas no primeiro jogo contra Brasília torci o pé. Nada grave. Nada grave. Tenho de agradecer ao Edu (Eduardo Resende, seu agente) por proporcionar isso para a gente.  Ele é o que tem mais paciência com a gente.”


A vingança de Austin Rivers – e família
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Giancarlo Giampietro

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Daquele tipo orgulhoso e bastante confiante em sua capacidade, Austin Rivers passou três anos e pouco ouvindo as piadas, sem poder responder do modo que julgava aproriado. Elas só se intensificaram em janeiro, quando o New Orleans Pelicans oficialmente desistiu do projeto para desenvolvê-lo e o enviou primeiro para Boston. Já era uma situação estranha: o garoto vestindo a camisa do time que teve seu pai como técnico por um longo e vencedor período, e do qual ele havia saído sem ser nos melhores termos. Mas, aí, três dias depois, veio mais uma negociação, meio que cantada por toda a mídia americana: o ala-armador enfim se reuniria com Doc em Los Angeles, para ser o reserva de Chris Paul Pela primeira vez a NBA teria uma dupla de pai treinador e filho jogador em quadra.

“Ah, mas o Austin não joga nada, então só assim, mesmo”, “Papai gostou, Austin”, “Tal pai, outro filho” etc. etc. etc.

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“A coisa de que não gosto é que os caras usam o nome para ganhar audiência. É tão gratuito, e eu odeio isso. Vem lá de trás, e isso sempre me deixou pê da vida. Os caras escrevem sobre mim só por saberem que vai dar audiência. Por causa disso, sinto por ele. Tem hora que isso me faz pensar que talvez fosse melhor não ser o pai dele. Ele tem sido um alvo durante sua vida toda”, diz o técnico e presidente do Clippers, o novo primo rico de de Los Angeles. Aí já era o progenitor, mesmo, defendendo a família.

Quem diria? O Doc?

Quem diria? O Doc?

É o tipo de situação que fez Rivers pensar seriamente em derrubar a negociação tripla que envolveu também o Phoenix Suns. Tinha receio da repercussão que a relação paternal poderia ter para sua equipe – e também para o jogador, no caso. Mas, segundo consta, foi convencido pelo grupo de dirigentes e confidentes que reuniu na franquia, para assessorá-lo no comando das operações de basquete. Fez a troca e, agora, quatro meses depois, deve estar se sentindo muito bem a respeito, tanto do ponto de vista profissional como pessoal. Negócio arriscado, ganho duplo.

O Rivers filho vai curtindo uma espécie de vingança em seu nome – e no de toda a família, convenhamos. Depois de brilhar no Jogo 4 contra o Spurs, a série clássica que derrubou os atuais campeões, o rapaz está com tudo e não está prosa na semifinal contra o Houston Rockets. Não só ajudou o time a sobreviver nos dois primeiros jogos sem Chris Paul, como ganhou confiança e vem fazendo precisamente o que o técnico e dirigente visualizava no momento de sua contratação, atacando de modo agressivo e com eficiência, tendo 16 pontos em média e 55,8% no aproveitamento de quadra e 55,5% de três pontos. Algo que… Hã… Veja bem… Pouquíssimos fora da do clube angelino imaginavam que pudesse acontecer.

“Sempre acreditei nele, mas não esperava que pudesse jogar tão bem assim”, afirma ao VinteUm um olheiro da NBA que acompanhou de perto sua trajetória. “Sabemos que ele sempre foi dos caras que mais deu duro em quadra e que realmente acha que é o melhor no que faz. Isso pode ser visto como falha. Mas também como uma vantagem”, completa. Realmente depende do ponto de vista.

Menino de ouro
O mais curioso antes de tudo?  De tanto que Austin já apanhou em menos de quatro temporadas completas como profissional, é fácil esquecer que, em 2011, ele era considerado um dos garotos mais promissores de sua geração. Nascido em 1992, ao concluir sua carreira no High School, foi considerado por alguns especialistas no recrutamento universitário como o melhor prospecto daquela fornada – era o caso do Rivals.com. Acima de um tal de Anthony Davis, inclusive, ou mesmo de Andre Drummond, Bradley Beal, Michael Kidd-Gilchrist, Cody Zeller, entre outros. Para a ESPN e o o Scout.com, Davis ficou no topo, com Rivers no top 3.

Mesmo optando pelo Monocelha, o Scout.com escreve: “Não foi de modo algum uma escolha fácil colocar Davis no topo. Na verdade, Austin Rivers apresentou um forte argumento para ficar nessa posição. O filho de Doc Rivers é uma máquina de fazer cestas e tem o pacote mais avançado de habilidade com a bola desde OJ Mayo. É um jogador para grandes partidas, Rivers parece crecer quando está em situação de alta pressão. Ele é um competidor que aceita e consegue converter arremessos difíceis”.

Que tal? Só um pouquinho diferente da percepção que se tem na grande liga a seu respeito, né?

Era tão badalado, e não só por causa do pai, que acabou recrutado por Duke, para passar um ano sobre a tutela do Coach K. Com 15,5 pontos, 2,1 assistências e 3,4 rebotes em média, mais 43,3% nos arremessos, 36,5% de três e 65,8% nos lances livres, não é que ele tenha atirado fogo em toda a NCAA. Sua versão dos Blue Devils não foi muito longe no torneio nacional, caindo na segunda rodada, mesmo acompanhado por Seth Curry e não só um, mas três dos irmãos Plumlee. Foi a partir da dificuldade que enfrentou neste nível que os olheiros passaram a questionar sua habilidade para virar o craque que esperava ser na NBA – os mais críticos o consideravam um fominha, com ego acima da conta e um arremesso nada confiável, enquanto alguns adoravam sua personalidade e o talento no drible.

“Ele é um macho alfa. Acho que vai dar certo na NBA por causa disso”, avaliou Krzyzewski, antes da ida do garoto para o Draft de 2012. “Ele acredita que vai ser um grande jogador. Prefiro ter um cara assim do que alguém que não acredita em si mesmo. Quando Austin chegou a Duke, disseque cada jogador era como uma casa: quanto mais habilidades você aprende, mais janelas você vai ter em sua casa. Quando chegou, tinha apenas uma grande janela. Era um cestinha fantástico. A meta era abrir mais janelas, e ele está nesse processo. Espero que ele encontre um treinador exigente na NBA, que force-o a continuar expandindo seu jogo. Se ele reverter apenas para as coisas que ele faz bem, suas chances vão diminuir para que ele vire um bom jogador na liga.”

Um tanto profético, hein?

Até tu, Jimmer?
Em New Orleans, Austin tinha uma situação aparentemente perfeita. Afinal, acompanharia Anthony Davis, seu amigo, desde o início. Com a diferença de que, agora, o Monocelha era a maior aposta de sua geração, sem dúvida nenhuma, o número um do Draft – tendo ele saído na décima posição. Toda a pressão e expectativa que despertava em Duke agora seria relativizada de acordo com o progresso do ala-pivô. Além disso, o técnico Monty Williams é um dos amigos mais próximos de Doc nos bastidores da NBA, conhecendo os talentos do garoto há tempos.

Austin Rivers, o futuro durou pouco pelo Hornets

Austin Rivers, o futuro durou pouco pelo Hornets/Pelicans

O plano era que ele virasse o armador titular da equipe por diversas temporadas. Dois anos e meio depois de sua seleção, foi trocado num pacote trouxe o ala Quincy Pondexter e uma escolha de segunda rodada para o Pelicans – na mesma negociação que colocaria Jeff Green no Grizzlies. O clube também tinha o intuito de limpar seu salário de US$ 3,1 milhões da folha de 2015-2016, para poder renovar com Omer Asik sem problemas.

A primeira campanha de Rivers em N’awlins foi um fiasco retumbante. Pode usar qualquer termo homérico aqui, que não há problema: índice de eficiência de apenas 5,9 (quando a média da liga é 15,0), além de paupérrimos 9,6 pontos, 3,2 assistências e 37,2% nos arremessos . Isso numa projeção por 36 minutos – no geral, em 61 partidas, recebeu apenas 23,2 minutos. Em 2013, o time contratou, então, Jrue Holiday e Tyreke Evans. Os dois se juntavam a Eric Gordon. Sabe aquele papo de que na NBA as coisas mudam rapidamente? Pois é.

Ainda assim, o rapaz trabalhou pesado durante as férias. Ganhou massa muscular, estudou muito suas fitas, aprimorou fundamentos e liderou o time de verão do Pelicans com 18,2 pontos em média. Estava pronto para competir com os reforços renomados. Mas não rolou. Seus números melhoraram de um modo geral, mas não o suficiente para afastar a fama de fracasso. No terceiro ano, mesmo com as lesões de Redick, já havia perdido tempo de quadra até para Jimmer Fredette (ironicamente, mais um jogador hiperbadalado que foi quase expulso da liga). O que levou um integrante da família Rivers a protestar em público. No caso, Jeremiah, seu irmão caçula: “O Pelicans continua a jogar com Fredette no lugar do meu irmão, mesmo que meu irmão seja melhor que ele em todas as categorias. Ah, e o Austin joga na defesa”. Não surtiu efeito a reclamação, e Austin seria despachado pouco depois.

Quando retornou a Nova Orleans já como jogador do Clippers, sabia que não haveria ceriônia: “Não vai ter um tributo em vídeo para mim, isso é certo. Sinto que não fui capaz de jogar da forma que gosto lá. Tive alguns bons jogos ainda, fui um jogador sólido de NBA, mas sentia que poderia fazer muito mais”, se auto avaliou. Mas não é que os números corroborassem sua opinião.

Uma roubada, ou quase
A linha estatística de Rivers em 41 jogos pelo Clippers, depois da troca: 7,1 pontos, 1,7 assistência (0,9 turnover), 2,0 rebotes, 42,7% nos arremessos, 30,9% de três pontos e 1,3 lance livre batido, em 19,3 minutos.  Por 36 minutos, 13,2 pontos, 3,1 assistências, 3,8 rebotes. De novo: embora representasse uma evolução em relação ao que andava fazendo pelo seu primeiro time, ainda tendo em mente que ele estava chegando no meio do campeonato, sem poder treinar tanto, não é nada que vá abalar o coração de muita gente, acho.

Não dá para dizer que era necessariamente isso que o Doc tinha em mente quando o contratou. A ideia era que Austin fosse uma figura agressiva saindo do banco de reservas, um setor calamitoso quando se fala da equipe angelina nesta temporada. Era para ele descer a ladeira, nas palavras do pai, atacando em transição, oferecendo uma outra opção no ataque, além de Jamal Crawford. Para contratá-lo, aliás, o técnico inclusive dispensou um veterano como Jordan Farmar.

Técnico e jogador, pai e filho

Técnico e jogador, pai e filho

“Se eu não estiver jogando bem, ele simplesmente vai me deixar sentado. Estou sentado no banco, não tem muito que dizer. Ele quer vencer. Meu pai é o tipo de cara que, quando eu tinha cinco anos, se jogássemos dama, ele nunca iria me deixar ganahr. Não vai fazer nenhum favor para mim aqui. Tenho de fazer por merecer qualquer coisa que queira no time”, afirmou o ala-armador.

O lance é que Doc não tinha muito o que fazer. Ou ia de Austin, ou ia de Chris Paul jogando por todos os 48 minutos. Não havia opções, alternativas, ainda mais quando Nate Robinson se apresentou ao clube contundido. Da sua parte, o treinador defendia o filho quando considerava as críticas injustas. “É o banco inteiro que está mal, na verdade, mas só falam de Austin”, disse. “Acho que falo mais com Chris, Blake e DJ, não? Não sei, talvez eu esteja apenas sendo um pai ruim. No final, ele é só mais um dos jogadores que não me escutam”, completou, com a ironia devida.

(Outra declaração divertida do técnico a respeito foi após um duelo com o Minnesota Timberwolves, de… Kevin Garnett. O pimpolho e o veterano se trombaram em quadra na saída para um pedido de tempo. KG o acertou com o cotovelo, Rivers foi para cima, e os dois receberam falta técnica. “Pessoalmente, acho que Austin deveria ter dado um soco nele”, afirmou.)

Antes tarde
A despeito do mau início como suplente de CP3, o garoto não perdeu a confiança, porém. Aliás, esse é um traço indelével da personalidade de Austin: sua confiança e sua dedicação aos treinos. “Ele por vezes é muito do basquete, muito bitolado, e a razão para seus altos e baixos é essa. É como se el fosse o Tom Thibodeau dos jogadores. Conversava com ele quando estava fora, e ele só queria saber de falar sobre seu jogo, outros jogos, e eu perguntava se ele havia feito algo de diferente. Ele respondia que não queria fazer nada de diferente, que só queria viver de basquete”, lembra Doc. “Essas mudanças para ele são um ponto de aprendizado importante.”

Em Los Angeles, havia o desconforto claro que jogar pelo pai proporcionaria, e todas as perguntas subsequentes. Além disso, era um time de ponta, com pretensão de título. Por outro lado, havia uma ou outra vantagem: o tempo de quadra disponível já mencionados aqui e o fato de não precisar ser o salvador da pátria, nem nada perto disso. Havia gente renomada o suficiente ali para arcar com consequências mais graves. Além do mais, quando dividisse a quadra com Paul e/ou Griffin, tinha menos pressão para organizar o jogo e mais liberdade para atacar. “É empolgante porque agora estou no ponto em que não preciso ficar pensando demais em tudo o que fazer. Só vou lá e jogo. Digo a eles que não estava mais acostumado a jogar tão livre assim desde Duke, ou desde o colegial, e as pessoas sabem o que fiz nessa época”, diz. “Meu pai só quis aqui por ter pensado que poderia ajudar. Estar numa equipe com atletas desse calibre só vai me beneficiar.”

Aí que Rivers fala sobre suas predileções, aquelas que o Coach K afirmava que poderiam ser, de alguma forma, um fator limitador para o jovem. “Fui um cestinha a minha vida toda. É por isso que entrei na liga. Não fui uma escolha de loteria por ter feito uma grande defesa em Duke. Fui selecionado porque faço cestas. É para isso que estou aqui”, deu o recado.

Nas últimas semanas, para surpresa geral – menos a dele –, o discurso assertivo do ala-armador enfim encontrou respaldo em quadra. Depois de anotar apenas seis pontos, no total, nas duas primeiras partidas contra o Spurs, no Staples Center, anotou 11 no Jogo 3, boa parte deles no sempre desagradável garbage time. No quarto confronto, porém, fez 14 pontos importantíssimos para devolver a derrota sofrida em casa. “Ele foi uma arma no ataque que nós não esperávamos e deu uma enorme força para eles”, admitiu Manu Ginóbili. “Acho que ele foi o cara que realmente mudou o jogo para nós”, disse Griffin. Chris Paul deu a bola do jogo para o suplente. “Por um momento, talvez por meio segundo, me tornei um pai ali”, disse Doc, ao Yahoo Sports, enfim emocionado. “É algo que sei que posso fazer”, assegurou Austin.

O papel relevante no Jogo 4 foi o suficiente para compensar as jornadas inexpressivas nos três duelos seguintes, nos quais não recebeu nem 35 minutos de ação, com cinco pontos e duas cestas em 13 tentativas. Foi quando, ao mesmo tempo em que comemorava um triunfo histórico sobre o Spurs de volta a Los Angeles, teve de lidar com a expectativa de eventualmente abrir a série contra o Rockets como titular, enquanto um dos melhores armadores da liga se recuperava de um estiramento. Uma tremenda de uma fria. Mas foi aí que ele provavelmente engatou a melhor sequência de sua carreira.

De maneira chocante, o Clippers venceu o primeiro jogo em Houston com um triple-double de Griffin e 17 pontos em 28 minutos para o jovem Rivers, que matou meio que inexplicáveis 4 de seis arremessos de fora. É como se ele tivesse sido possuído por JJ Redick, convertendo, então, seis dos próximos 12 arremessos de três pontos, ajudando o time a abrir uma vantagem de 3 a 1. O Jogo 3 foi algo especial, com 25 pontos em 23 minutos e espantoso aproveitamento de 10-13 nos chutes de quadra. A torcida aí já gritava seu nome. Incrível virada, incrível persistência. O próprio Redick avaliou a situação da seguinte maneira ao avaliar a confiança de seus companheiro, diante de tantas dificuldades. “Não sei como colocar isso sem usar um palavrão, mas você tem de ser um filho da p…”.

Opa, peraí. Aí nem o pai, nem o filho vão gostar.

*    *    *

No dia 26 de junho de 2014, data do Draft passado da liga, perto  já se especulava uma troca do Clippers por Austin. Doc refutava: “Não acredito muito nessa história de pais treinarem seus filhos. Não acho que isso seja uma boa coisa”, afirmou. Austin continuou: “Não quero arruinar nosso relacionamento. Não acho que isso vá acontecer um dia, para ser honesto”.

*    *    *

Austin Rivers vai virar um agente livre ao final da temporada. Sua opção de um quarto ano contratual não foi solicitada pelo New Orleans Pelicans. Por ter adquirido o atleta enquanto seu vínculo de novato ainda estava vigente, porém, o Clippers não poderá pagar mais que os US$ 3,1 milhões inicialmente previstos em sua projeção salarial. Trata-se de um desses buracos bizarros do acordo trabalhsita da liga. Será que ele vai receber algo a mais que isso no mercado, depois de exibições mais promissoras nos playoffs? Um detalhe: no momento, o jogador não tem agente, depois de ter rompido com David Falk, cara que conduziu os negócios de Michael Jordan no auge. Será que esse tipo de rendimento é sustentável?


Como o Golden State Warriors vai reagir à adversidade?
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Giancarlo Giampietro

Tony Allen, uma peste infernizando os Splash Brothers

Tony Allen, uma peste infernizando os Splash Brothers

O Golden State Warriors viveu um ano praticamente perfeito. Um técnico novo brilhante, um sistema repaginado, e a dominância da NBA.  A melhor defesa, o segundo melhor ataque, sufocando e correndo. O MVP Stephen Curry. O grande salto de Klay Thompson e Draymond Green. Um elenco versátil. Tudo isso para desembocar na melhor campanha da liga, com sete vitórias a mais que o Atlanta Hawks, com um aproveitamento de 81,7%. Não só isso, mas a sexta melhor campanha da história, ao lado de outros times históricos.

Agora, esse mundo perfeito se vê seriamente ameaçado, após duas derrotas seguidas para o Memphis Grizzlies, que se vê liderando a série pelas semifinais do Oeste ao limitar o poderoso ataque californiano a apenas 89 pontos no Jogo 3. A pauta obrigatória, então, é a seguinte: como o Warriors vai responder a tamanha adversidade? A primeira verdadeira resistência que enfrenta desde o início da temporada. “Esse é um processo de aprendizado para nós. Somos um time muito jovem”, afirma o treinador Steve Kerr. “Agora este é o nosso momento da verdade. Você tem de aprender durante os playoffs.”

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Talvez a intenção de Kerr seja dizer que seu elenco é inexperiente, não jovem de idade, uma vez que a média de idade do elenco é de 27 anos, contra 27,7 do Memphis Grizzlies. O núcleo de Stephen Curry (27), Klay Thompson (25) e Draymond Green (25) chegou a esta edição dos mata-matas com apenas três séries disputadas em 2013 e 2014. Do outro lado, o Memphis Grizzlies já tem uma base que está em seu quinto ano de competição em alto nível, com sete séries e 42 partidas na caixola. Entre tantos componentes táticos do confronto, a experiência, o emocional também faz diferença, não há como negar.

As coisas ameaçam sair, ou já saíram do controle de Curry

As coisas ameaçam sair, ou já saíram do controle de Curry

Agora fica essa dúvida sobre como esses caras vão se comportar no Jogo 4, claramente decisivo, nesta segunda-feira. Após a segunda derrota seguida, a resposta deles foi de tranquilidade. De que, obviamente, as coisas não haviam saído como queriam, mas que tinham plena capacidade de reverter o quadro e acalmar a turbulência que, sabem, já gira em torno do time, fora do vestiário. Aliás, é o que eles ouvem durante todo o campeonato, aquela de sempre: o sucesso da temporada regular vai se traduzir para os playoffs? Esse estilo de jogo pode ser vencedor? “Eles são uma equipe que só ataca com arremessos. Arremessos não dão certo. Todo esse tipo de coisa vai aparecer agora”, afirma Draymond Green, com a personalidade de sempre. “É frustrante, mas é divertido”, diz Curry.

Personalidade? Green pode ter atacado muito mal, acertando apenas uma de oito tentativas de cesta, mas ele mesmo diz que não é chutando que ele vai ajudar o Golden State a virar a série. Sua relevância maior está na defesa, na liderança e nos pequenos detalhes. Porém, no quarto período deste sábado, quando o Warriors já tentava antecipar sua reação antes de conceder mais uma derrota, o ala-pivô falhou clamorosamente.

Primeiro, invadiu o garrafão durante um lance livre cobrado por Curry, o maior arremessador desta geração. Perdiam por seis pontos, a 3min35s do fim, e cada cesta era importante. “Foi apenas uma jogada estúpida que você não pode cometer num jogo desta magnitude, e assumo toda a responsabilidade por isso, já que não fez o menor sentido. Você está falando de um cara que supostamente tem um elevado QI”, afirmou, de novo, com a mesma sagacidade de sempre. O atleta é duro ao falar sobre os outros. Não ia mudar o tratamento em uma autorreferência.

Draymond Green corre em direção a Coutrney Lee e ao turnover

Draymond Green corre em direção a Coutrney Lee e ao turnover

O problema é que, dois minutos depois, precisamente a 1min13s do fim, Green se atrapalharia novamente. O Grizzlies já não tinha Marc Gasol em quadra, excluído com seis faltas, e o placar apontava cinco pontos de diferença, com posse de bola para os veteranos. O ala-pivô saiu em disparada com a bola, driblando-a feito um maluco, na tentativa de acelerar o jogo e pegar a defesa desprevenida. Na verdade, quem não estava preparado para a transição era o próprio jogador, que deu de cara com Courtney Lee, pronto dar o bote e recuperar a bola. Um baita estrago.

E aí a gente se pergunta: o que levou Green a deslizar desta maneira? Foram dois erros bestas na conta de um jogador que, sim, continua sendo um dos mais inteligentes da liga. Talvez só mais difíceis de entender do que os três lances livres errados em quatro batidos por Klay Thompson em todo o jogo. Ou o fato de Curry ter desperdiçado também outros dois chutes em sete disparos a partir da linha. Na temporada regular, eles acertaram, respectivamente, 91,4% e 87,9%. Nos playoffs, os números despencaram para 83% e 65%. Nesse contexto, a invasão de Green fica um pouco menos grave, já que não era um ponto tão garantido assim. Nota-se um desequilíbrio do time para além dos lances livres, contudo. Nos tiros de longa distância, mesmo quando bem posicionados e se contestação, os atletas do Warriors falharam nos últimos dois jogos. Acertaram apenas 4 de 18 chutes quando estavam “totalmente livres”, segundo a medição do SportVU, o sistema que digitaliza toda a ação das partidas em cada ginásio de NBA. Quando tinham defensores entre 1,2 e 1,8 m de distância, o aproveitamento foi de apenas 4 em 16. Baixíssimo.

Então será que eles realmente estão se divertindo em quadra? Talvez simplesmente não tenha sido a melhor escolha de palavras por Curry. E outra: mesmo que estejam com a confiança abalada, o erro maior seria acusar o golpe e revelar dúvidas. Não não poderiam jamais fazer isso. Os números, por conta, já são preocupantes. O Golden State converteu neste sábado apenas 43,2% dos arremessos e 23,1% em três pontos (errando 20 de 26) – contra, respectivamente, 47,8% e 39,8% na temporada. No Jogo 2, derrota em casa,  foi ainda pior: 41,9% e 23,1%. O estrago maior acontece no primeiro tempo: segundo dados do Synergy, o time estava acertando 51,2% de seus arremessos e desperdiçando 7,3 posses de bola no primeiro tempo durante os playoffs até o sábado. Neste Jogo 3, foram 38,1% e nove erros em 24 minutos.

Reflexo, claro, da forte defesa do Memphis. Porque tem isso também: não é que o Golden State esteja se afundando contra um Minnesota Timerwolves ou, glup, um New York Knicks. Com formação completa nos playoffs – leia-se: com Mike Conley na armação –, os caras disputaram cinco jogos e ainda não perderam. Só não dá para se ater apenas ao sucesso recente, já que esse núcleo experiente somou mais de 50 vitórias nas últimas três temporadas – e que, na atual, foi por muito tempo o segundo melhor time da conferência, até perder rendimento a partir do All-Star Game. Para ser mais específico, até o dia 18 de fevereiro, o clube tinha a terceira melhor campanha da liga, com 73,6% de aproveitamento.

A identidade, sabemos todos, é fortemente vinculada aos seus pivôs e a opressão física que eles podem proporcionar, com a assessoria da tenacidade de Tony Allen (que já soma 11 roubos de bola na série e 23 nos playoffs, com mais de três por jogo nas últimas quatro rodadas) e da agilidade de Courtney no perímetro. O jogo pesado com a dupla Gasol e Z-Bo, e tal, como uma das raras exceções seguindo essa linha, ao lado do Indiana Pacers de West e Hibbert.  Para o atual campeonato, porém, Joerger também conseguiu desenvolver seu sistema ofensivo, terminando com o 13º ataque mais eficiente – sendo que até o All-Star era o 11º. Nada de outro mundo, de amedrontar oponentes, mas um avanço para quem não havia passado da 17ª colocação nas três temporadas anteriores, seja com Dave Joerger ou com Lionel Hollins.

Mas, sim, a defesa continua o ganha-pão. É a segunda melhor dos mata-matas, atrás apenas do Chicago Thibs. Contra o Warriors, vemos essa retaguarda se recompor rapidamente em transição, com muita consciência do que precisa ser feito. O vício, a força do hábito empurra os jogadores para perto da cesta, certo? Contra Curry e Thompson, você precisa desacelerar alguns metros atrás para contestar os arremessos de longa distância. A ideia é inibir a definição rápida do time que mais acelerou durante a temporada.

Uma vez contido o contragolpe, o serviço continua. Os defensores precisam povoara linha perimetral, com participação dos pivôs, aliás, já que Andrew Bogut, hoje, não representa ameaça alguma lá embaixo. Tantas lesões gravíssimas acumuladas na carreira custam muito ao australiano. Então lá está Gasol, gigante e inteligentíssimo, aparecendo numa cobertura imediata diante dos chutadores, fechando espaços e impedir infiltrações. Com menos gente agredindo com a bola, você também contém a troca de passes, ou pelo menos passes que possam liberar os arremessadores. Sem corredor e sem paciência para entender a melhor hora de atacar, o que temos é um aro amassado, mesmo. Segundo Kerr, seus atletas estão correndo, apressados, em vez de jogar com velocidade, pensando.

Para buscar a virada, é bom pensar com carinho no que aconteceu nas últimas duas partidas. Foi realmente falta de sorte na finalização? Ou tranquilidade? Stephen Curry não se mostra intimidado. “Eles tentam tirar nossas oportunidades de arremesso livre de três, seja em transição ou em meia quadra. Ainda assim, consegui me liberar e tive boas chances, o que me deixa bastante encorajado. Basta manter esses movimentos. Sei que os chutes vão cair”, afirmou o MVP da temporada. Draymond Green assegura que ninguém está surtado: “Perder duas em sequência não vai te deixar feliz. Mas, ao mesmo tempo, ninguém está abandonando o navio aqui. Ninguém está entrando em pânico e jogando a toalha”.

O Warriors sofreu duas derrotas consecutivas em três ocasiões durante sua jornada na temporada regular e, de imediato, reagiu com séries de 8, 9 e 16 triunfos. Qualquer arranque desse nível lhes colocaria na decisão da NBA, perto do título. Os playoffs, porém, são outro assunto, ainda mais enfrentando um adversário de respeito. Agora só resta saber se o aprendizado apregoado por Kerr será acelerado, para que eles possam tentar terminar a história da forma como esperavam.


Mais uma na conta de Pierce. Na vitória do Wizards, essa e outras verdades
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Giancarlo Giampietro

Começaram os playoffs, né?

Desde aquele jogo histórico há uma semana, um clássico instantâneo de Chris Paul, as coisas começaram a pegar fogo. Depois da cesta milagrosa de Derrick Rose em Chicago, para deixar os sonhos do torcedor do Bulls mais intensos, foi a vez de Paul Pierce aprontar mais uma neste sábado, para dar a vitória ao Washington Wizards contra o Atlanta Hawks. A equipe da capital venceu por 103 a 101 e reassume a liderança da série, por 2 a 1. Mais um final emocionante.

O que aprendemos com esse jogo?

Bem, primeiro que é muito difícil você contrariar A Verdade. Paul Pierce, no caso.

Paul Pierce: uma verdade difícil de se contrariar na hora da decisão

The Truth: difícil de se contrariar na hora da decisão

Não importa se tem John Wall, se tem Bradley Beal, se tem Marcin Gortat. Na caminhada firme do Wizards nestes playoffs, o técnico Randy Wittman já sacou que, para definir um jogo na última bola, não há caminho melhor que colocar a bola no veterano astro, que ainda está em forma e nunca permitiu que sua confiança caísse para o nível dos meros mortais.

Tudo bem: essa mensagem já é meio batida, mas Pierce fez questão de reforçá-la para evitar uma derrota catastrófica no quintal de Obama.

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Fora isso, no entanto, há uma outra mensagem que o jogo passou, uma que deveria ter impacto maior para qualquer um envolvido com (ou apaixonado por) um jogo de basquete: a história da liga americana diz que são os supercraques que resolvem a parada em quadra, mas isso não quer dizer que você não consiga sobreviver sem eles.

Já havia acontecido com o Los Angeles Clippers vencendo o Houston Rockets sem Chris Paul – mas aí estaríamos falando de uma meia verdade, uma vez que Blake Griffin está jogando como um autêntico MVP durante toda essa fase decisiva. Neste sábado, porém, o repeteco se mostrou valioso: sem John Wall, afastado por tempo indeterminado, enquanto o inchaço em sua mão esquerda não diminui, o Wizards fez uma grande partida com base no coletivo e construiu larga vantagem. No quarto período, a vantagem de até 20 pontos se evaporou, claro. Mas aí que as coisas ficam mais legais: pois foi a segunda unidade de Mike Budenholzer que tirou toda essa diferença.

John Wall foi forçado a atuar como torcedor e assistente neste sábado

John Wall foi forçado a atuar como torcedor e assistente neste sábado

Ok, vamos evitar ser simplistas: obviamente que  ajuda ter um Derrick Rose, mesmo que a 80% de sua capacidade. Ele pode fazer a diferença aqui e ali, mas LeBron, um Wade ou Bosh no time. Os três juntos, então? Afe: isso pode resultar em até quatro finais consecutivas. Mas o Miami só conseguiu seu título quando os três foram fundidos num só time. Um time de verdade. Sem o devido contexto, conjunto, todos eles ficam pelo caminho.

E foi com uma abordagem exemplar que o Washington conseguiu vencer três quartos por 85 a 66, com pontuação distribuída por diversos atletas, boas trocas de passe, num bom e velho jogo solidário. Agora essa é a parte em que você pode falar: ué, mas não é que o John Wall arremesse 30 bolas por jogo feito Westbrook ou Kobe. Sim, não, mesmo. Mas Wall dominava o jogo para o Wizards de outra forma, com sua habilidade para quebrar a primeira linha defensiva, ganhar terreno e criar para os companheiros. Nas cinco partidas que realizou, o armador gerou 30,8 pontos em assistências – 11 a mais que James Harden, o segundo da lista. Some aí os 17,4 pontos que lee fazia por conta, e temos um número absurdo para quantificar sua influência no time.

Nenê: 17 pontos, 7 rebotes, 4 assistências, 7-9 nos arremessos, em 30 minutos

Nenê: 17 pontos, 7 rebotes, 4 assistências, 7-9 nos arremessos, em 30 minutos

Seria facilmente compreensível se o time perdesse controle. Mas, não. Sentado no banco, a jovem estrela ficou toda orgulhosa ao ver seus companheiros distribuírem 27 assistências para 37 cestas de quadra. Ramon Sessions, titular provisório, deu seis assistências, duas a menos que Bradley Beal. Nenê e Otto Porter Jr. contribuíram com quatro cada. Marcin Gortat, com três. Cada um assumindo um quinhão de responsabilidade. Sete jogadores terminaram com pontuação entre 8 e 17, com Beal e Nenê sendo os cestinhas.

O brasileiro, aliás, fez o que podemos considerar sua estreia no confronto. Depois de passar batido nas primeiras duas partidas, sem nenhuma cesta de quadra, o pivô converteu sete de nove arremessos. Emblemático que, num esforço coletivo, ele tenha brilhado: vários de seus técnicos já pediram para que grandalhão fosse um pouco, pelo menos um pouco mais egoísta e usasse sua habilidade com a bola para chamar mais jogadas.

O que aconteceu no quarto período? Simples complacência por parte do time da casa, um clima de “já ganhou”, ainda mais quando Budenholzer sacou todos seus titulares e limpou o banco de reservas, pondo em quadra até mesmo Shelvin Mack, ex-Washington. É um momento sempre perigoso, não só pelo risco de se menosprezar o adversário do outro lado, mas principalmente por tirar sua própria equipe do trilho.

A bola parou de rodar da forma apropriada. Vimos Will Bynum queimar um ou outro chute de média distância sem passe, por exemplo. Duas ou três posses de trapalhada, e a vantagem já estava em dez pontos, restando cinco minutos. Aí a pressão aumenta, e, quando o time vai ver, já não consegue retomar o ritmo de dez minutos atrás. Enquanto o oponente está sedento, acreditando numa virada salvadora. Foi quase, porém. Os reservas do Hawks podem ter saído decepcionados, mas não deveriam ficar cabisbaixos de modo algum.

Dennis Schröder deu mais indícios de que logo mais vai poder ter o seu próprio time para conduzir. Uma das melhores defesas da liga simplesmente não conseguia conter o alemão, que anotou 16 de seus 18 pontos no quarto final. Aceleração máxima rumo ao aro, bandejas, assistências e faltas recebidas. Ao redor dele, durante quase toda a parcial, estavam Mike Scott, Kent Bazemore, Mack e Mike Muscala. Sim, Muscala, o pivô draftado pela franquia em 2013 na segunda rodada, 28 posições atrás de Lucas Bebê e que jogou na temporada passada ao lado de Rafael Luz na Espanha. O mesmo que converteu uma bola de três a 14 segundos do fim, para empatar o placar.

Budenholzer até utilizou Jeff Teague nos primeiros cinco minutos do quarto, colocou Korver na vaga de Bazemore a 3min42s do fim e chamou DeMarre Carroll para uma defesa a 23 segundos. No geral, porém, abraçou os suplentes da mesma forma que seu mentor, Gregg Popovich, fez em diversas ocasiões pelo Spurs. Mesmo com o jogo parelho no final, deixou a cavalaria fora, premiando o esforço dos coadjuvantes, ao mesmo tempo que dava um recado aos principais atletas, que fizeram um jogo apático demais. A segunda unidade que se comportou como um time verdadeiramente empenhado em lidar com os problemas apresentados em quadra sem esperar pela aparição de alguma figura messiânica.

Até que…

Sim, um personagem com essa aura brilhou no último ataque. Pierce já não é mais o cara do Boston Celtics, obviamente. Não aguenta carregar um time durante toda a temporada. Se o que temos é a oportunidade de matar uma partida com a última bola, no entanto, aí muda a história. Aí é como se ele fosse aquele supercraque. Pronto para finalizar o serviço preparado por todo um time.


Os quatro melhores nas semis do NBB, após muito sufoco
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Giancarlo Giampietro

Hettsheimeir teve médias de 19,2 pontos e 9,2 rebotes contra Franca. Fundamental para a vitória

Hettsheimeir teve médias de 19,2 pontos e 9,2 rebotes contra Franca. Fundamental para a vitória

Essa coisa de fazer previsão, dar palpite… Sei bem que diverte a galera, mas só expõe jornalistas ao ridículo, né?

Vamos lembrar o título: “Após suversão no início, NBB abre quartas com favoritos claros”.

Se fosse para levar em conta o que se passou durante a temporada regular da sétima edição do campeonato, na minha cabeça não havia como acontecer surpresas nas quartas de final, mesmo ciente de que a mera vitória numa série poderia encher de confiança aqueles que desafiariam Bauru, Limeira, Flamengo e Mogi. No final das contas, passaram todos, mas não sem uma boa dose de drama. “Claros”, né?

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Só Limeira conseguiu avançar sem apelar ao Jogo 5 em seus domínios, batendo Brasília em quatro partidas, com direito a dois triunfos na capital federal. Valeu para o time se colocar entre os quatro melhores pela primeira vez, fazendo uso de um elenco de muito mais velocidade e flexibilidade que os candangos, correndo em círculos ao redor da vítima. Suas três vitórias tiveram vantagem de dígito duplo, com saldo de 41 pontos no geral.

A série entre Flamengo e São José também em teoria apresentava ampla superioridade para os atuais bicampeões. Se os deuses do basquete permitirem, dá até para dizer que foi um placar de 3 a 2 enganoso ou injusto – mesmo que isso contrarie a máxima de que, num playoff, não importa se o placar é por 30 ou por 0,3 pontos, tendo o mesmo peso. Descontando as vitórias e derrotas flamenguistas, foram 64 pontos de saldo em cinco jogos (média de 12,8).

O Flamengo sobrou em três jogos. Mas cedeu dois para São José

O Flamengo sobrou em três jogos. Mas cedeu dois para São José

Ainda assim, faltou consistência ao time de José Neto, especialmente no ataque, para fazer valer sua superioridade. Nas duas derrotas, acertou apenas 12 de 51 arremessos de três pontos (23,5% de aproveitamento, um pesadelo). Um ponto em comum nos tropeços também foi a dominância de Caio Torres, em grande fase, com médias de  16,5 pontos, 9,0 rebotes, 6,5 lances livres batidos e 60% nos arremessos de quadra, em 28,5 minutos.

O desequilíbrio parou por aí, todavia. O Mogi ficou muito perto da eliminação diante do Macaé, que valeria como uma tremenda coincidência, já que o clube fluminense tentava reprisar a trajetória de seu oponente, que alcançou a semifinal do NBB 6 como o 12º colocado no geral após a fase de classificação. No Jogo 5, com o ginásio Hugo Ramos, os visitantes entraram no quarto período vencendo por 64 a 61. Faltavam dez minutos para confirmar a zebra, mas sua defesa permitiu 30 pontos na parcial final. Curiosamente, foi uma dinâmica bem parecida com a da primeira partida do confronto, com jogo empatado em 55 após três quartos, com o Macaé liderando desde as primeiras posses de bola.

Mais: Mogi ficou em desvantagem por 2 a 1, passou sufoco, mas contou com a energia de Tyrone Curnell para a virada, com 21 pontos e 9,5 rebotes nas últimas duas partidas. Paulão Prestes também foi muito mais efetivo para mudar a história, com 31 pontos nos Jogos 4 e 5, depois de ter somado apenas 18 nos três primeiros. Shamell marcou 21,4 pontos, mas acertou apenas 33% dos chutes de fora, forçando a barra (11/33). Guilherme Filipin derrapou no duelo decisivo, com 1/6 nos chutes de fora, mas teve rendimento de 48,1% no geral (13/27).

Mogi, de Gerson e Filipin, sofreu um bocado para evitar mais um 12º colocado na semi

Mogi, de Gerson e Filipin, sofreu um bocado para evitar mais um 12º colocado na semi

A grande surpresa, no entanto, ficou reservada para Bauru x Franca. O campeão paulista e das Américas chegou para o duelo com uma sequência de 33 vitórias seguidas, seja pela liga nacional como pelo torneio continental. Na abertura da série, ainda deram uma surra de 27 pontos, vencendo por 82 a 55. Caminhariam para a varrida? Nada disso.

O confronto ficou muito mais interessante no momento em que o time de Lula Ferreira, que sofrera para eliminar o Palmeiras pelas oitavas, roubou o mando de quadra bauruense ao vencer o Jogo 2 por 74 a 71. Era o final de uma sequência de 26 vitórias de seu oponente pelo NBB. Comedido, como sempre, Lula não quis saber muito de comemorar o resultado, mas, em sua entrevista pós-jogo, admitiu a maior preocupação no confronto tático com seu ex-assistente da seleção brasileira: “Quando eles acertam 13 cestas para três pontos é quase impossível de vencê-los. A vitória é maravilhosa”, disse.

Na ocasião, o oponente converteu, sim, 13 chutes de longe, em 34 tentativas, com 38,2%. Um bom rendimento, mas insuficiente para garantir o triunfo. A partir daí, porém, essa artilharia seria limitada a 8 conversões em cada jogo e o aproveitamento, respectivamente, de 33,3%, 29,6% e 30,8% – na temporada, tinham 39,7% de média, propiciando volume de 35,2 pontos a partir da linha perimetral. Se era essa a preocupação de Lula, a defesa funcionou muito bem, obrigado. Veja os números do sistema ofensivo de Guerrinha na série:

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Nas três vitórias, o menor volume de arremessos de três, com ataque mais distribuído entre chutes para dois e/ou lances livres, para compensar o fraco rendimento no perímetro – especialmente comparando com os índices da temporada. Mas mesmo mais próximo da cesta eles tiveram mais dificuldade que o normal

O problema é que, nos Jogos 3 e 5, Bauru conseguiu compensar o baixo rendimento nos tiros exteriores com um volume elevado no jogo interno, batendo 50 lances livres no total para somar 37 pontos na linha (74%). De qualquer forma, a marcação francana foi bem na série, limitando um ataque de tinha média superior a 90 pontos por jogo no campeonato, até então, a 75,0 na série.

Para o próximo confronto, Paco Garcia deve estudar em detalhes o que aconteceu nos últimos quatro jogos – e a defesa de Lula Ferreira como um tudo. Afinal, das míseras sete derrotas que o líder sofreu durante toda a temporada – quando estava com força máxima, isto é, após a Copa do Mundo –, quatro aconteceram nesse clássico paulista (duas agora e outras duas pelas semifinais do Paulista). Sim, desde que Alex, Larry e Hetthsheimeir se apresentaram, o restante do país só bateu a equipe em três ocasiões, e uma dessas vitórias carrega um senhor asterisco: a de Brasília, pela primeira rodada do campeonato nacional, com a equipe paulista de ressaca pela conquista do estadual. Os demais reveses ficam na conta de Limeira: um pela decisão do estadual e outro pelo NBB também. E só. O retrospecto geral, computando também os compromissos internacionais? São 57 vitórias em 65 partidas.

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Por que desde 13 de setembro? Que foi quando o trio da seleção brasileira estreou na temporada, em duelo com Rio Claro, pelos playoffs do Paulista. O completo também merece outro asterisco: o time perdeu o ala-pivô Jefferson William, figura de importância altíssima no sistema ofensivo, durante a campanha

Se isso não significava favoritismo desmedido, então nossos valores estão invertidos. Goste-se ou não do basquete praticado pela equipe de Guerrinha, não haveria como renegar um retrospecto desses, certo? É o que pregaria, ainda hoje, o jornalista desvairado aos sete mares. Mas Franca nos mostrou que há, sim, como contestar a tese.

O que vem por aí?
Para Mogi, é isto: ou o time defende, ou está fora. Não vai ser num tiroteio contra Bauru que eles vão levar a melhor, como os quatro confrontos entre os clubes na temporada mostram. Foram quatro vitórias para a equipe de Guerrinha, sendo duas pelo NBB e duas pela Liga Sul-Americana, inclusive a final continental. No último duelo, Bauru foi testado para valer, é verdade, perdendo o primeiro tempo. Ainda assim, deslanchou no segundo tempo e saiu vencedor, com uma jornada incrível do veterano Alex, que marcou 31 pontos, com 7/10 nos arremessos de longa distância. Veja os números preocupantes dos líderes da fase de classificação do NBB nesses jogos:

Bauru teve média de 39 disparos de três pontos contra a defesa de Mogi, acertando mais de 40% deles. Quando atacou com chutes de dois, também foi muito eficiente

Refazendo: ou o time defende de maneira muito mais eficiente, ou está fora. Bauru teve média de 39 disparos de três pontos contra a defesa de Mogi (algo assustador e desproporcional), acertando mais de 40% deles. Quando atacou com chutes de dois, também foi muito eficiente. Resultado: saldo de 19,0 pontos em média no duelo. Do outro lado, a equipe de Paco vai precisar movimentar a bola e saber dosar o jogo interno com os arremessos de Shamell e Filipin. Os dois alas precisam atacar em movimento, em vez de tentativas isoladas de mano a mano – especialmente quando Alex for o marcador. Encontrar um modo de envolver Tyrone também ajudaria: assim como Paulão, o ala-pivô teve desempenho praticamente nulo nos embates. O favoritismo ainda pende para um lado.

Limeira x Flamengo tem tudo para ser um confronto eletrizante, com dois elencos vastos, versáteis e explosivos frente a frente. Nezinho x Laprovíttola, David Jackson x Marquinhos, Hayes (que fez grande série contra Brasília e agora enfrente seu ex-time) x Olivinha, Fiorotto x Meyinsse, Ramon x Benite, Deryk x Gegê, Teichmann x Herrmann, Dalla x Marcelinho, Mineiro x Felício… Afe, todos embates promissores,  muito instigantes. É uma série que valeria melhor-de-sete, sem dúvida, para a qual não servem muito os números da classificação geral, uma vez que Nezinho não esteve presente na segunda partida, na qual estavam todos já com posição definida na tabela. O mando de quadra pode fazer diferença? Nas quartas, de nada adiantou. A maior rodagem e o sucesso recente flamenguista seriam uma vantagem? Na Liga das Américas, não adiantou. Palpite? Dessa vez passo.


Blake Griffin sem limites: astro domina os playoffs e os críticos
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Giancarlo Giampietro

Blake Griffin, em sua versão armador, enquanto CP3 não volta

Blake Griffin, em sua versão armador, enquanto CP3 não volta

Com a explosão muscular para cortar a quadra inteira e deixar os pivôs comendo poeira, a força física para trombar com eles no meio do caminho e uma capacidade descomunal para saltar, podendo engolir o aro e o defensor ao mesmo tempo, Blake Griffin virou coqueluche quase que de modo instantâneo na NBA – só não dá para dizer que foi logo de cara, mesmo, pelo fato de ele ter perdido praticamente todo o primeiro ano de contrato por conta de uma cirurgia no joelho. O ala-pivô dominava os highlights, viralizando cada uma de suas vítimas no embate aéreo, levantando o público do Staples Center como só um certo Kobe fazia.

Para muitos, isso já seria o bastante. Camisas vendidas aos montes, uma fila de patrocinadores para tentar convencer seu agente, o temor dos adversários. O estrelato já estava garantido, oras. Em Los Angeles, ainda por cima, metrópole na qual o esportista tem o privilégio de se tornar o ídolo dos ídolos (de Hollywood). Tal como Kobe, aquele que é aplaudido por um Nicholson, um Denzel ou um Di Caprio.

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Acontece que Griffin sempre teve em mente coisas muito maiores que o frisson que suas cravadas impulsionavam por toda a liga. Não que não o apreciasse. Diferentemente de LeBron, que evitou essa farra desde sempre, topou na hora participar do torneio de enterradas do All-Star Weekend, com direito a um salto (masomeno) sobre um carro. Contudo, ao contrário de diversas maravilhas atléticas que a NBA viu surgir e desaparecer rapidamente, por anos e anos, o astro do Los Angeles Clippers em nenhum momento parou de trabalhar, de dar um duro danado para expandir seu jogo, para equiparar suas habilidades com a bola ao que produzia enquanto força da natureza. “Acomodação” é um termo que definitivamente não faz parte de sua rotina diária. Gregg Popovich, Tim Duncan e Tiago Splitter viram isso de perto. Agora é a vez de Kevin McHale, Dwight Howard, Josh Smith e Terrence Jones se virarem contra ele.

“Você se lembra de ouvir que tudo o que ele fazia era só enterrar. Agora ele é um grande passador. Pode realmente arremessar. Está defendendo. O que as pessoas estão vendo é seu jogo inteiro, mais aspectos de seu jogo”, diz Rivers. O curioso? O treinador, mesmo, reconhece que, a despeito do brilhantismo de seu pupilo, ele ainda está longe de ser unanimidade, sabe-se lá por qual razão. “Acho que o crescimento dele vai ganhando as pessoas. Ele é daqueles gostos que você adquire com o tempo. Mas não acho que se importe. Ele quer se tornar um grande jogador.”

Sem limites
Existem atletas sérios, comprometidos com sua carreira, e existem os Blakes Griffins da vida. Uma classe ainda mais restrita de gente obcecada em se tornar melhor, para o bem ou para o mal, atropelando – no seu caso, literalmente – quem cruzar seu caminho. O mesmo Kobe faz parte desse grupo. Karl Malone e Ray Allen são outros que vêm à mente. O ala-pivô é daqueles que leva bem a sério essa história de “testar seus limites”. Não se trata de mera retórica, como nos conta Ken Berger, da CBS Sports, em matéria cheia de detalhes impressionantes. Essa abordagem de entrega não se restringia aos treinos técnicos. Mesmo um superatleta como ele poderia melhor o condicionamento físico.

Griffin ainda decola

Griffin ainda decola. Só acontece menos que antes

Em sessões que poderiam começar antes mesmo das 7h da manhã, o jogador e seu personal trainer Robbie Davis se empenharam em fazer diversos exames durante… hã… o que seriam suas férias, para tentar decifrar seu metabolismo.  “O objetivo principal de Davis era encontrar a medida de referência de como o corpo de Griffin usava o oxigênio em sua capacidade cardiovascular máxima  e em qual ponto específico o consumo de oxigênio começava a cair em resposta ao seu treinamento”, escreve Berger.

No estudo, notaram primeiro o óbvio: que ele se saía muito bem em situações de rápida explosão. Depois, a principal descoberta: que tinha dificuldade para se restabelecer, se recompor após esse arranque. Davis ainda se empenhou em medir o quanto em geral duravam as ações sem interrupção em quadra e o quanto levavam as paralisações. Com tantos dados acumulados, percebeu que as necessidades do cliente eram anaeróbicas. Assim, pôde preparar um método de treinamento específico para controlar o batimento cardíaco. Hoje, ele consegue ser agressivo de maneira incessante em quadra – mesmo depois de ter perdido 15 partidas na temporada regular devido a uma infecção bacteriana no cotovelo, que pediu intervenção cirúrgica. Isso é um problema para qualquer defesa, especialmente para um San Antonio Spurs que tinha em sua rotação interior um Duncan de 39 anos, um Tiago Splitter fora de ritmo e com movimentação limitada e um Boris Diaw que jamais fica em sua melhor forma.

O problema fica ainda mais grave quando o mero dunker se transforma num autêntico craque, numa arma ofensiva completa. Quando não estava experimentando com Davis, Griffin poderia ser facilmente encontrado no centro de treinamento do clube. O ganho mais evidente de fundamento aparece no arremesso. Dos nove setores computados pela NBA dentro do perímetro de dois pontos, em sete o astro tem nesta temporada um aproveitamento dentrou ou acima da média. Algo impensável para o novato de cinco anos atrás, quando acertava apenas 29,8% de seus arremessos num raio de 3 a 5 metros da cesta, enquanto na faixa de média distância, de cinco metros até a linha de três pontos ficava em 33,5%. Na campanha 2014-2015, esses números saltaram para, respectivamente, 38,3 e 40,4%. Foi uma evolução gradativa, consistente.

“Dois anos atrás, ou mesmo um ano, não teria a confiança para tentar aquele arremesso de três no estouro do cronômetro”, conta o ala-pivô em um artigo na tribuna dos jogadores, a Player’s Tribune, espaço cada vez mais utilizado pelos astros da NBA para que possam contar sua história sem filtros. Ou melhor: com os filtros que lhes convêm. Ele se referia a um chute vencedor contra o Phoenix Suns, no Staples Center, com uma certa dose de sorte, é verdade. “Li alguns textos falando sobre como mudei meu arremesso este ano. Mas não é tão simples assim. Na verdade, tenho trabalhando em mudar minha técnica já há uns três anos. Quando sua memória muscular está tão arraigada a uma certa forma de arremessar, leva anos para mexer, trocar as diferentes partes do movimento de lançamento. Já fiz mais de 250 mil chutes com meu treinador de arremesso, Bob Thate, nesses três anos, com o objetivo de reprogramar meu cérebro. Isso dá aproximadamente uma média de 300 chutes por dia só de média distância. O Bob dizia: ‘Como se constrói uma mansão? Tijolo em cima de tijolo’. É como a Apple lança suas versões do iPhone. A cada ano trabalhamos e trabalhamos para acrescentar novos elementos no chute.”

O título do artigo é: “Por que ele não está enterrado mais?”, claro.

Tão longe, tão perto
Em suas primeiras quatro temporadas, Griffin teve média de 2,54 de cravadas por partida. Neste último campeonato, caiu para 1,25, menos da metade. Isso é um reflexo óbvio de sua preocupação em expandir horizontes, se arriscando cada vez mais longe da cesta. Até porque, para castigar o aro, DeAndre Jordan já causa estragos o bastante. Também consegue se preservar um pouco. Está certo que, por vezes, o ala-pivô se enamora com seu chute de média distância, ameaça ainda bem menor do que em suas investidas rumo à cesta. Por outro lado, não é que sua presença na cabeça do garrafão signifique apenas tijoladas. Não só ele melhorou sua pontaria, como também tem tomado decisões mais sagazes com a bola. Hoje, uma estimativa de 26,2% de suas posses de bola terminam em assistência, subindo de 16,6% da temporada 2011-12. A predisposição para o passe sempre esteve lá. Só está mais refinada agora, ajudado também pelo espaçamento que os chutes de JJ Redick, Jamal Crawford e Matt Barnes propiciam.

O chute, sempre com uma novidade

O chute, sempre com uma novidade

Em termos de eficiência, o torcedor do Clippers já viu seu xodó produzir mais em patamares mais elevados. De qualquer forma, a queda no rendimento não é tão expressiva. Além do mais, antes mesmo dos playoffs, o time vem colhendo resultados, tendo o sistema ofensivo mais eficiente do campeonato. Nos playoffs, então, as coisas ficaram bem mais óbvias. “O que ele está fazendo agora não precedência na história da liga, e confio que ele vai continuar jogando nesse nível”, afirma Redick.

Depois de somar dois triple-doubles contra o Spurs na primeira fase, ajudando a derrubar os atuais campeões antes de um ato heróico de Chris Paul, Griffin teve uma atuação ainda mais impressionante na abertura da semifinal do Oeste. Enfrentando um Houston Rockets que vinha de seis dias de descanso, com CP3 fora de combate, Griffin tomou conta do jogo, com 26 pontos, 13 assistências e 14 rebotes, o terceiro triple-double nos mata-matas, ficando atrás apenas dos quatro de Rajon Rondo em 2012 e de Jason Kidd, em 2002, nas últimas 20 temporadas. O segundo tempo em especial foi um primor, com 10 pontos, 10 assistências e 8 rebotes. Griffin se tornou o armador de fato em quadra, levando a bola para o ataque em diversas ocasiões, em transição ou não. Em situações de meia quadra, chamava a marcação dupla e não se incomodava de modo nenhum, servindo ao seus arremessadores, ou simplesmente ignorando a defesa reforçada para pontuar por conta própria. “Blake foi simplesmente sensacional”, disse Doc Rivers. “Insisti com ele… Chegou uma hora em que ele parou de olhar para a cesta. Disse para ele que precisávamos que ele fizesse tudo em quadra. E ele fez.”

Foi tudo, mesmo.

Nesse embalo, se juntou a Oscar Robertson, Wilt Chamberlain, Kareem Abdul-Jabbar e Duncan como os únicos jogadores a conseguir pelo menos 20 pontos, 10 rebotes e 5 assistências em quatro jogos seguidos de playoffs. A sequência se encerrou nesta quarta, com a derrota para o Rockets de 115 a 109. Nesse jogo, ele foi limitado a quatro passes para a cesta. Ah, vá. Ele terminou com 34 pontos e 15 rebotes, acertando 13 de 23 arremessos, em 41 minutos. No primeiro tempo, com uma vitória parcial, foram 26 pontos:

Griffin é quem mais deu assistências até o momento nos playoffs, com 65 no total. Sua média de 7,7 é a quinta, enquanto os 18,8 pontos que ele cria com seus passes consta em segundo numa lista encabeçada por John Wall. Em rebotes, é o segundo em média, com 13,4, atrás apenas de Dwight Howard. Ele também é o jogador mais acionado por seu time, com 105,9 toques por jogo, criando especialmente a partir da quina do garrafão. “Digo ao Blake que a cada noite ele é o cara em quadra. Não importa quem esteja jogando, ele é o cara. Ele se tornou isso, e obviamente você pode notar sua maturidade. Quando jogadas boas ou ruins acontecem, ele se mantém concentrado. Está deixando tudo em quadra”, afirma Jamal Crawford.

Amar ou odiar
De todos os dados em que o ala-pivô aparece entre os primeiros colocados, porém, um obviamente não surpreende: é o segundo em faltas recebidas, com 7,4 por partida. Sim, sofre mais faltas que seu companheiro DeAndre Jordan, aquele das faltas intencionais, superado apenas por Dwight Howard (outra calamidade nos lances livres). Esteve sempre no top 10 dos atletas que mais apanham desde que entrou na liga, sendo o segundo em três campeonatos. Já está acostumado.

No começo, as pancadas tinham a ver com sua própria dificuldade nos arremessos. Com o tempo, porém, outros fatores pareceram mais preponderantes: de tão explosivo e forte, para brecá-lo só na falta, mesmo. E, para evitar que saíssem em um pôster ou num clipe – mais um clipe! –, passaram também a descer a marreta. Muitas vezes com prazer: parece haver um consenso nos bastidores da liga de que Griffin é uma figura antipática, que pede uma espécie de castigo. Já vimos o astro tomar boas bordoadas, mesmo, dos mais diversos adversários.

“Por que todo mundo na NBA parece odiar Blake Griffin?”, pergunta o Bleacher Report. “Por que os oponentes na NBA amam odiar Blake Griffin?”, pergunta o Washington Post. O SB Nation tenta explicar as razões de quadra para tanto ódio. Klay Thompson, cujo Golden State Warriors já se envolveu em algumas boas batalhas com o Clippers, conta o outro lado: “Ele é um cara legal fora de quadra, mas provavelmente… Digo… Apenas joga de modo bastante físico e meio que finge umas faltas”, afirma. “Ele balança um pouco o braço ao seu redor de modo que você possa levar uma cotovelada aleatória ou algo que não pegue muito bem para a maioria dos caras. É como se ele fosse um touro numa loja de bugigangas, meio fora de controle. E aí você o vê fingir algumas vezes e fica se perguntando como um cara tão grande finge tanto assim. Entendo como pode ser irritante, frustrante de jogar contra ele”.

Os companheiros de Griffin obviamente pensam o contrário. “Já disse a Blake que é maluco ser seu parceiro de time, vendo diariamente as faltas que ele recebe, as coisas diferentes que ele tem de assimilar. Ele se sacrifica tanto por nós. Ele poderia facilmente reagir e devolver em socos, entrar em briga, mas ele não faz. Não sei como ele consegue”, afirma Chris Paul. Já Matt Barnes está no time dos que entendem que o astro deveria retribuir as gentilezas em quadra. O que não assusta ninguém (risos). Depois de um incidente entre Griffin e Serge Ibaka em 2013, foi expulso de quadra ao sair em sua defesa:

Depois do jogo, porém, se manifestou frustrado. “Amo meus companheiros de time como se fossem família, mas chega. Não vou mais reagir em nome deles. Só perco dinheiro com isso”, escreveu no Twitter, com termos um tanto mais pesados ou chulos. Do seu lado, Griffin mantém – ou tenta manter – a compostura. O discurso é o correto: por que vou reagir, correr o risco de ser suspenso e atrapalhar minha equipe?

É algo que aprendeu desde cedo, nos tempos de colegial em Oklahoma. “O estado tem um monte de caras bem grandes, a maioria jogadores de futebol (americano), e havia muitos caras tentando muitas coisas para me parar. Eles tentaram tudo”, afirma. Ainda assim, o astro jura não entender qual característica sua seja tão instigante assim.

Por outro lado, o que mais incomoda o ala-pivô é o suposto desrespeito ou desdém pelo seu jogo. “Não posso dizer que não me importo muito com isso, mas agora apenas me dou conta do que é importante”, afirma a Ken Berger. “Sei que as pessoas vão dizer qualquer coisa não importa o que aconteça. Estou apenas concentrado em mim, me sentindo muito mais relaxado, confortável comigo, mesmo, especialmente na quadra. Isso não me afeta mais.”

Em entrevista a Mark Heisler, do Los Angeles Daily News, o atleta diz acreditar que nada do que ele faz é o suficiente para agradar ao público em geral, estando sujeito ao percepções generalizadas obre o que faz em quadra, com uma virada drástica dos dias de calouro-sensação para alvo mais visado. “É definitivamente uma montanha russa. Não estava muito preparado para o que aconteceu na minha primeira temporada, quando tudo meio que estourou rapidamente, aquele sucesso. E aí, acima disso, não estava preparado para o que viria a seguir. Foi praticamente uma virada de 180º, passando das pessoas que diziam que eu poderia fazer isso e aquilo e, então, de repente todos apontando o que eu não poderia fazer. Até hoje, parece que tudo o que ouço é sobre o que não consigo fazer.”

 Essa declaração, no entanto, foi antes dos playoffs. Neste mata-mata, já não parece faltar muita coisa em seu repertório, por mais antipatia que a oposição sinta pelo astro. Agora o desgosto que ele causa vai muito além de uma cravada sensacional ou qualquer problema de imagem, e estão todos tendo de conviver com isso.


NBA põe dois brasileiros entre os principais candidatos ao Draft
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Giancarlo Giampietro

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Só uma notinha rápida na cobertura dos brasileiros rumo ao Draft da NBA: o armador Georginho e o ala Lucas Dias receberam nesta semana um convite importante, confirmado, para participar do Combine de Chicago, entre os dias 12 e 17 de maio.

A simples convocação para o evento já é um sinal bastante positivo. O processo de seleção acontece com base no interesse dos times. Cada franquia manda para o escritório central, em Nova York, sua própria lista de prospectos que desejariam conferir em Chicago. A partir daí, a liga vai apurar os mais votados e fazer a lista final. Que George e Lucas tenham constado na primeira leva de atletas contatados mostra que atiçam a curiosidade dos clubes – e que estariam hoje num informal top 70 de prospectos segundo os dirigentes. Algo mais concreto que as projeções dos especialistas na cobertura. Dependendo dos andamento do camp, a cotação pode variar.

O problema? Lucas ainda está se recuperando de uma lesão no tornozelo, sofrida no confronto com o Brasília pelas quartas de final do NBB, na volta dos treinos com George na academia IMG, na Flórida. O armador, de todo modo, está liberado e viaja no domingo para a metrópole americana. É uma grande chance, depois de um Nike Hoop Summit inconclusivo, para ele mostrar serviço diante de basicamente toda a liga. É de se imaginar que os 30 gerentes gerais dos clubes estarão por lá, escoltados por outros dirigentes e scouts, para avaliar a safra deste ano de perto.

Vale lembrar que 93 jogadores se inscreveram no Draft de modo precoce, mas o grupo de concorrentes é bem maior, incluindo aqui os formandos do basquete universitário, os jogadores estrangeiros nascidos em 1993 e também aqueles que deixaram o basquete amador americano e se profissionalizaram antes de buscar a NBA.

Acompanhe a cobertura do 21 para o NBA Draft:
>> Qual o cenário para os quatro brasileiros inscritos?
>> Georginho conclui Nike Hoop Summit com status no ar
>> Técnico americano avalia o potencial de pinheirenses
>> Apresentando Georginho, o próximo alvo da NBA
>> Lucas Dias: da impaciência ao desenvolvimento
>> Georginho e Lucas Dias vão declarar nome no Draft

O que é o NBA Draft Combine?

É o camp preparatório oficial da liga. Eles distribuíram cerca de 70 convites a garotada. Aqueles que são considerados, em tese, os 20 melhores da classe, ou algo em torno disso, só devem ir para Chicago para realizar exames médicos, avaliações atléticas e eventualmente realizar entrevistas formais com os cartolas. Estamos falando de Karl Towns, Jahlil Okafor, Emmanuel Mudiay, Kristaps Porzingis etc. O restante será obrigado a participar de jogos de cinco contra cinco em quadra.

Trata-se de uma mudança significativa neste ano em relação ao que aconteceu nas últimas temporadas, com muitos agentes atrapalhando ou controlando o processo, tirando seus atletas das sessões competitivas, para proteger sua cotação. Desta vez, quem for – pois os jogadores não são obrigados a aceitar o convite –, vai ter de se provar em quadra. O que é bom para os brasileiros, ainda relativamente desconhecidos pela maioria dos tomadores de decisão. Os dois, que também serão entrevistados e examinados fisicamente, só têm de estar preparados para enfrentar um nível bem elevado de competição, com muita gente sedenta em quadra.


Stephen Curry é o MVP da NBA 2014-15. E tudo ótimo
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Giancarlo Giampietro

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James Harden era o meu candidato na disputa pelo título de MVP da NBA 2014-15. O que não quer dizer que seja meu jogador predileto, ou uma figura incontestável. Era só uma preferência com base no que aconteceu na temporada. A Stephen Curry, de qualquer forma, era obviamente o favorito. Também o merecia – e levou o caneco, segundo diversos veículos anteciparam na noite deste domingo, logo depois de seu Golden State Warriors surrar o Memphis Grizzlies.

(Atualizando: a notícia foi confirmada pela NBA nesta segunda. Curry teve 1.198 pontos na votação, contra 936 de Harden. Com 552, LeBron foi o terceiro. Confira o resultado final da eleição, na qual o MVP recebeu 75 votos a mais na primeira colocação. Russell Westbrook superou Anthony Davis, se beneficiando da maior exposição dos jogos de OKC.)

Por que Harden seria, ou poderia ser o mais indicado? Devido a toda a carga que carregou pelo Houston Rockets, e não uma equipe qualquer, mas, sim, a segunda colocada numa Conferência Oeste brutal do início ao fim, dona da terceira melhor campanha da liga. O time texano pode não ter chegado ao patamar de Oklahoma City Thunder e Indiana Pacers no que se refere a lesões, mas passou por poucas e boas: Dwight Howard perdeu exatamente 50% da temporada; para Terrence Jones, foram 49 jogos de desfalque, e aqui já falamos de dois titulares; Patrick Beverley, outro do quinteto inicial, ficou fora de 26; Donatas Motiejunas, de 11. Josh Smith e Corey Brewer chegaram durante o campeonato para ajudar, é verdade, mas nem sempre é fácil assimilar novas peças.

A constante, aqui, foi o Sr. Barba liderando o time. Com a assessoria de Trevor Ariza, o único que completou todos os 82 jogos regulares, um a mais que o astro. Harden, no entanto, liderou toda a liga em minutos de quadra, com 2.981, 51 a mais que o ala – isto é, um jogo e mais três minutos de lambuja. Ficou elas por elas.  Com tantos desfalques, entre pontos e assistências, o ala-armador foi responsável por 44% de toda a produção ofensiva de seu time, sempre seguindo as orientações táticas de Kevin McHale e do escritório de Daryl Morey) perfeitamente: atacando o garrafão e torpedeando de três pontos. Bateu 10,17 lances livres por jogo, sendo o primeiro no ranking da liga, e arriscou 6,8 chutes de longa distância, a mesma quantia de Ariza, dividindo com ele o terceiro lugar, atrás de Curry e Damian Lillard. O cara teve de atacar mais e mais, com eficiência e muita resistência, física e mental. Um esforço que não pode ser menosprezado jamais.

Em termos de números, no entanto, em geral Harden fica em atrás do genial líder do Warriors. E isso que é o mais interessante, e até irônico. O Rockets é tido como a franquia-modelo no uso de estatísticas, das mais simples ao que se tem de mais avançado, para conduzir suas operações de basquete. Internamente, então, devem reconhecer o quão magistral também foi a campanha de Curry, que leva a melhor também no quesito de pura diversão. Os torcedores e o marketing apreciam muito mais o estilo de Curry, com seus dribles vistosos e arremessos impensáveis de fora, a partir do drible. Muito mais legal que ver o barbado cobrar lances livres, claro.

O armador uniu imagem e substância, espetáculo e resultado. Ethan Sherwood Strauss, do ESPN.com, fez um grande artigo a respeito disso. No texto, levanta um dado estarrecedor: nos 29 jogos posteriores ao All-Star Game em Nova York, o eventual MVP acertou 125 disparos de três (média de 4,3). No seu caso, não foi só uma questão de quantidade excessiva de tentativas para gerar volume. Ele acertou 51% desses arremessos. Sim, estamos falando de um autêntico especialista na matéria. Na temporada, ele converteu 44,3%, um número que, isolado, já seria excepcional. Se gastarmos, porém, dez minutos para assisti-lo, esse aproveitamento vira algo de outro mundo, devido ao grau de dificuldade em que os executa.

Essa habilidade fora do comum está no centro do sistema ofensivo agressivo do Warriors, o time mais acelerado da liga. É fato que, quando Curry atravessa a linha central da quadra, já precisa ser marcado de perto. Por um atleta, e com um segundo, no mínimo, na sobra. De olho no que vai aprontar. Mesmo quando contestado, seu rendimento ainda é muito eficaz. É como se fosse impossível marcá-lo. Daí que ficamos no aguardo para saber quando Dave Joerger vai colocar Tony Allen em sua cola durante a série semifinal do Oeste.

E aí Strauss sai com uma sagaz comparação: Curry, nesse sentido, se torna tão assustador como um Shaquille O’Neal no auge, devido ao seu poderio ofensivo. A diferença, nessa sacada, é que Shaq arrebentava as defesas na pancadaria, enquanto o magricelo as estoura com suavidade e elasticidade. Ele é uma ameaça grave no tiro de fora, muito mais perigosa que a de Kyle Korver em Atlanta. O ala do Hawks tem um aproveitamento superior no fundamento, consegue se desmarcar muito bem na movimentação fora da bola, mas, durante a temporada, arriscou apenas 0,7 em média em jogadas individuais, partir do drible – uma senhora diferença para os 4,4 do armador.

A força de Steph se manifesta de outra forma

A força de Steph se manifesta de outra forma

Klay Thompson, Draymond Green, Harrison Barnes, Andrew Bogut, Leandrinho, Marreese Speights… Todos eles têm a vida muito mais fácil no ataque por desfrutar de sua companhia, pelo perigo que representa. Ele é a base do segundo sistema ofensivo mais eficiente da temporada, atrás do Los Angeles Clippers por coisa de 0,1 ponto por 100 posses de bola. Então vamos refazer isso, dado o empate técnico? Curry é a base do sistema ofensivo mais eficiente da temporada, ao lado do Clippers. Esse equilíbrio entre as duas equipes californianas, aliás, propicia uma comparação interessante.

Ambas apostam consideravelmente no arremesso de três. A diferença é que o jogo interno do Clippers, com as cravadas de Jordan e Griffin, compõe um elemento tão mais importante no ataque de Doc Rivers. É por isso que você coloca chutadores como Redick e Crawford ao redor deles e dá a bola para Chris Paul coordenar tudo: para torturar as defesas. Pelo Warriors, a preocupação vem de fora para dentro, ainda mais com Klay Thompson em gradativa evolução e a propensão de Draymond Green para jogar aberto. Mas tudo começa com Curry: o Warriors faz 14,3 pontos por 100 posses de bola a mais com ele em quadra, acerta mais arremessos, comete menos turnovers e se torna mais solidário. Sente o estrago? E as coisas só ficaram mais acentuadas nos cinco primeiros jogos de playoffs.

Poderíamos continuar aqui na construção da campanha “Curry MVP”, levantando mais e mais números. Se quiser visualizar esses dados, a Sports Illustrated reúne aqui uma série de gráficos. Sem se esquecer que ele esteve no Top 6, em médias, de pontos, assistências, roubos de bola e eficiência. Também apresentou melhora significativa na defesa individual, sendo cobrado por Steve Kerr, e sem poder alegar cansaço, uma vez que teve seus minutos controlados.

Como você vai se opor a alguém com esse currículo? Não dá. Ainda assim, meu candidato seria Harden, e tudo ótimo. Se tem uma coisa para a qual serve a disputa entre os dois é reforçar a noção de que raras e raras vezes você vai esbarrar numa discussão em que tudo se resume a certo ou errado. Ou melhor: uma discussão em que, se o outro discorda de você, já está automaticamente errado – aquilo que parece o mal do século, logo abaixo da ganância.  Não seria “absurdo” ou “ridículo” nomear Curry ou Harden como o jogador mais valioso do ano. Era difícil escolher entre os dois craques, mas muito fácil aceitar que o prêmio ficasse entre eles.

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O Golden State foi dominante contra o Memphis Grizzlies na abertura das semifinais do Oeste. Foi sua melhor partida nestes playoffs, em termos de consistência. O time está claramente um degrau acima de um time que perdeu muito em rendimento durante a temporada regular. Sem Mike Conley Jr., preservado enquanto se recupera de uma cirurgia facial após fratura múltipla na série contra o Blazers, fica ainda mais difícil. Ainda que o armador retorne para o Jogo 2 ou 3, estará fora de ritmo e talvez com um certo receio em quadra, mais que natural. Mesmo que estivesse 100%, talvez não seja o suficiente para equiparar o confronto hoje.

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Outra: o Warriors é hoje o único time oficialmente 100% nos mata-matas, em termos de saúdo do elenco. David Lee ficou fora do duelo com o New Orleans Pelicans, mas o problema nas costas do ala-pivô parece mais e mais uma medida cautelar por parte de Steve Kerr, que encontrou uma rotação perfeita sem contar com esse jogador talentos, que, no entanto, não marca ninguém. Draymond Green tomou conta da posição, enquanto, no banco, as melhores alternativas parecem girar em torno de formações mais baixas, ou com Festus Ezeli para combater especificamente os pivôs do Grizzlies.

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Começa nesta segunda o confronto Rockets x Clippers. Mais um ponto a favor dos líderes do Oeste, já que promete ser mais um duelo muito equilibrado. Quem passar daí deve entrar nas finais da conferência capengando. Os Splash Brothers deram sorte no emparelhamento final.


Jogo 7 de Chris Paul já é um clássico da NBA
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Giancarlo Giampietro

Tim Duncan diz tudo. Chris Paul falou que o conhece desde os 11 anos de idade

Tim Duncan diz tudo. Chris Paul falou que o conhece desde os 11 anos de idade

Kawhi Leonard decolou no garrafão em busca de uma ponte aérea insana.  Blake Griffin o acompanhava, mas ainda conseguiu saltar, meio desequilibrado. O passe foi muito forte, porém. Por mais atlético que seja, o ala não alcançaria. Ainda assim, Matt Barnes, só para garantir, estava ali para dar uma raquetada na bola, enquanto estourava o cronômetro. Tudo isso em apenas um segundo. É o tipo de lance que vai ser visto e revisto, como dezenas de uma partida que se tornou um clássico instantâneo para a NBA.

Dentre tantas jogadas para serem reprisadas, certeza que a única que não vai sair da memória por anos e anos foi a cesta da vitória de Chris Paul, levando o Los Angeles Clippers a um placar de 111 a 109 contra o San Antonio Spurs, fechando uma série _____ no sétimo e derradeiro confronto. Preencha a frase como quiser: memorável, empolgante, massacrante, fantástica, de tirar o fôlego ou o sono.

Com mobilidade dificultada por conta de um estiramento muscular, o armador, com toda a pressão da liga em suas costas, recebeu a bola no centro da quadra e bateu para a direita enfrentando Danny Green e Tim Duncan. O drible muito controlado, como se pilotasse um io-iô. Num movimento perfeito, usa a perna esquerda, justamente aquela dolorida, e o quadril para se separar dos defensores e subir para o chute. Tabela, num ângulo bastante improvável, e dois pontos. Absolutamente magnífico.

Foi o tipo de lance – e reação, mancando, mal conseguindo comemorar direito – que remeteu a Isiah Thomas para muita gente. Antes da conquista do bicampeonato em 1989 e 90, o legendário líder do Pistons amargou uma das derrotas mais dolorosas da história da liga. Em todos os sentidos. Detroit vencia o Lakers por 3 a 2 na decisão de 1988. No Jogo 6, na mesma L.A. que reverenciou CP3 neste sábado, Thomas sofreu uma forte torção de tornozelo no terceiro período. Não só continuou em ação, mesmo que vez ou outra despencasse na quadra, como marcou 11 dos próximos 15 pontos da equipe. No total, terminou a parcial com 25 pontos, até hoje um recorde nas finais. Saiu de quadra com 43, mas derrotado por 103 a 102, numa virada suada para Magic e Kareem.

chris-paul-hamstring-jogo-7-clippers-spurs-injury-lesaoAvançando 27 anos no tempo, Paul,  curiosamente comparado a Thomas desde os tempos de universitário, saiu do Staples Center com 27 pontos – 22 depois da lesão – e, ufa, a vitória. Não só isso: foram 5 cestas de três pontos em 6 tentativas, além de 9-13 nos arremessos de quadra em geral, tendo jogado 37 minutos, mesmo sem conseguir passar pelos corta-luzes do modo habitual, ou sem poder acelerar em transição.

No momento mais crítico da temporada e talvez de toda essa era do Clippers, o baixinho correspondeu. Soltou lágrimas imediatas em quadra com o triunfo. Talvez nem ele vá saber dizer exatamente o porquê. Tanta coisa: 1) uma bola a um segundo do fim; 2) a simples dor que sentia; 3) a necessidade de levar o time adiante, com muita gente esperando para julgá-lo como um perdedor; 4) a série foi de estressar, mesmo.

Sim, foi uma injustiça que esses times tenham se enfrentado tão cedo. Mas assim quis a NBA, com o Portland Trail Blazers, campeão do Noroeste em quarto com uma campanha inferior, e assim quis o Monocelha, que empurrou o Spurs para essa roubada para garantir sua estreia nos mata-matas. Os jogadores sofreram em sete partidas, o campeonato já perdeu um forte candidato a título, mas nós ganhamos esse clássico.

Fico pensando no infeliz que tivesse um ingresso do Staples Center em mãos e que tenha desistido da partida para assistir ao combate entre Manny Pacquiao e Floyd Mayweather. Que nos desculpem os supercampeões, mas não houve mais espaço para uma luta depois do que os pesos pesados fizeram na gigantesca arena de Los Angeles. Eles trocaram socos, ou melhor, de liderança em 31 ocasiões durante 48 minutos, sendo que 12 delas foram no quarto período. Além disso, estiveram empatados em 15 momentos. Juntos, acertaram 46% dos arremessos de três pontos, com destaque para os 51,9% do time da casa. Num duelo extremamente nervoso como esse, foram apenas 22 turnovers e 52 assistências.

Chris Paul foi o grande herói, mas não, o único. Blake Griffin conseguiu mais um triple-double, com 24 pontos, 13 rebotes e 10 assistências, em 40 minutos. Ah, e converteu 10 de seus 11 lances livres. JJ Redic anotou ‘só’ 14 pontos, mas seis deles serviram para esfriar uma suposta arrancada do Spurs a coisa de cinco minutos para o fim. Matt Barnes (17 pontos, 7-13, 2 tocos, 2 roubos e 5 rebotes) e Jamal Crawford (16 pontos, 7-15 e a penúltima cesta) também escolheram a melhor hora para contribuir.

Do outro lado, o que dizer de Tim Duncan? O pivô de 39 anos somou 27 pontos e 11 rebotes, com 11-16, em 37 minutos. Arrastando uma perna. Tony Parker terminou com 20 pontos, 5 assistências e 5 rebotes em 34 minutos. Não se esqueçam que o astro francês jogou toda a série também enfrentando dores na perna, no tendão de Aquiles, sem apresentar a velocidade dos bons tempos. Esforços admiráveis, mas que viraram notas de rodapé num capítulo dedicado a Chris Paul.

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Agora os velhacos de San Antonio vão ter de responder diversas perguntas, todas elas girando em torno de uma só: é o fim para Duncan e Ginóbili?

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O Clippers já encara o Houston Rockets na próxima segunda-feira, no Texas, com menos de 48 horas para se regenerar e se preparar. Dureza. É o custo de um Jogo 7 e de uma série como essa. Por um lado, o confronto manda o time de Doc Rivers para a segunda rodada num nível de intensidade absurdo. Quando você passa por uma experiência como essa, sai melhorado. Por outro, o quanto a confiança e o padrão de jogos elevados compensam todo o desgaste (físico e mental) acumulado? Outra: o estiramento de Paul foi muito grave? Chegará em quais condições para desafiar James Harden? Trevor Ariza vai atazaná-lo. Em tempo: o armador teve média de 39,3 minutos na série – e de 34,8 na temporada. Agora tenham em mente o tanto de responsabilidade que ele carrega tanto no ataque como na defesa. É a falta que faz um banco minimamente confiável.

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Duelar com um ressurrecto Dwight Howard não é o sonho de ninguém. Mas pode ter certeza que DeAndre Jordan está, sim, aliviado de poder enfrentar o Rockets. Afinal, no jogo do “hack-a-fulano”, Kevin McHale tem muito mais gente para esconder no banco de reservas. Além de Howard, Josh Smith é um péssimo chutador. E o pragmatismo das faltas intencionais fora da bola em péssimos chutadores quase custou ao Clippers o triunfo. Não apenas pelos seis lances livres desperdiçados pelo pivô titular, mas pelo buraco aberto no garrafão quando teve de ser substituído. Foi o momento em o Spurs dominou a tábua ofensiva e construiu uma pequena vantagem.