Após 1º tempo estarrecedor, seleção reage. O que se tira de um jogo maluco?
Giancarlo Giampietro
Uma coisa era perder por 30 pontos. Outra, por seis, que foi o placar do triunfo da Lituânia sobre a seleção brasileira por 82 a 76, neste domingo, pela estreia pelos Jogos do Rio 2016. A reação no segundo tempo, com vitória por 47 a 24, resgatou o apoio da torcida e um senso de confiança para o time da casa. Só não pode apagar o assustador desempenho defensivo da etapa inicial.
De modo inexplicável, com uma defesa desbaratinada, o Brasil entrou com a guarda baixa no primeiro quarto, perdido já por dez pontos (27-17). O segundo período foi ainda pior, com parcial de 31 a 12 para os caras. A vantagem bateu em 30 pontos, e o ginásio olímpico estava mudo. Pudera: eles estavam assistindo angustiados e, quiçá, atenciosos a uma aula aplicada pelos lituanos.
O aproveitamento de quadra era superior a 70%. Em assistências, tinham o triplo dos anfitriões. Caía tudo dentro do garrafão e até mesmo no perímetro, para uma equipe que, a despeito da tradição de seus antecessores, não tem chute confiável de longa distância. Agora, em nenhum momento o que se passou no primeiro tempo foi uma questão de sorte. Tratava-se de competência na execução de suas jogadas e na leitura de jogo, aliada a uma estarrecedora incapacidade defensiva por parte dos comandados de Rubén Magnano.
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Ao que parece, se o amistoso em Mogi serviu para alguém, foi para a Lituânia – já que a derrota num jogo-teste, como vimos hoje, não representa absolutamente nada. Daquela partidinha, o que vimos que foi aplicado hoje, uma semana depois? A dominância de Mantas Kalnietis para cima de Marcelinho Huertas. Naquela ocasião, o camisa 5 báltico fez o que quis em quadra, em minutos reduzidos, tendo muito mais velocidade que o brasileiro, que era batido lateralmente com facilidade. Isso voltou a acontecer no quarto inicial, agora numa Olimpíada, gerando algumas situações de desequilíbrio defensivo, e a partir daí a seleção só fez correr atrás.
Magnano solicitou, então, uma dobra dos pivôs para cima do talentoso, mas extremamente irregular Kalnietis (16 pontos e 8 assistências, contra 3 turnovers, em 36 minutos, com 5-11 nos arremessos). Acontece que essa dobra estava chegando muito atrasada. Para piorar, a rotação por trás dessa dobra foi um desastre completo, e o resultado foi uma sequência de bandejinhas incríveis debaixo da cesta. O despreparo ou a desatenção foram absurdos. Por exemplo: Paulius Jankunas, um jogador tático, se transformou num cestinha de repente, com 15 pontos em 10 arremessos e 22 minutos.
O estrago no garrafão, no primeiro tempo, foi enorme. Quando falamos isso, não quer dizer que nossos grandalhões tenham fracassado, contra uma linha de frente muito, mas muito física e também técnica. Não foi isso. É que a turma do perímetro não deu conta, inicialmente, de suas tarefas. Ninguém conseguia brecar Kalnietis. E aqui cabe uma explicação para quem talvez não esteja tão familiarizado com o armador lituano: não, ele não é a reencarnação de Sarunas Jasikevicius. A defesa brasileira que o fez parecer esse tipo de jogador. Historicamente, o cara tem alguns rompantes que te deixam embasbacado, mesmo. Mas consistência e lucidez não é algo que você pode esperar dele.
Se a Lituânia atingiu alguns índices de acerto nos arremessos – seja de dois, três pontos ou nos lances livres –, não é só porque estava inspirada ou com o aro largo. É que eles estavam aparecendo com liberdade realmente atordoante. Aí Kuzminskas e Maciulis também emularam Siskauskas ou Karnisovas. O que também não condiz com suas carreiras. Veja bem: não é que a Lituânia seja um time de segunda categoria que tenha se aproveitado de deslizes brasileiros. Muito pelo contrário: eles foram medalhistas nos últimos dois EuroBaskets e ainda chegaram a disputar medalhas pela Copa do Mundo dois anos atrás. Esse elenco, porém, no papel, só não é fantástico e matador assim para abrir o dobro de vantagem sobre os brasileiros. Tanto se esbaldaram que, mesmo depois de marcar apenas 24 pontos no segundo tempo, ainda saíram do ginásio com aproveitamento de 50% nos arremessos, com 59% de dois e 38% de três. Ao todo, deram 29 assistências.
No segundo tempo, tudo mudou. E aí que a gente não pode ignorar o contexto do que havia acontecido até ali também. Acho que é inevitável uma seleção sair do vestiário com quase 30 pontos de vantagem e não se permitir relaxar – pelo menos aqui e ali, em uma ou outra posse de bola. Não dá para fazer matemática aqui. Algo como: ah, se os lances livres tivessem caído mais no primeiro tempo e a vantagem não fosse tão grande assim, talvez o Brasil pudesse ter concretizado sua virada. Basquete e esporte não funcionam assim, com hipóteses numéricas. Na real, os números são apenas a manifestação factual daquilo que se passa em quadra.
Então não é que, de novo, “se a seleção nacional tivesse jogado assim o tempo todo, teria atropelado”. Teve um pouco de concessão do outro lado, naturalmente, assim como aconteceu da parte brasileira na primeira etapa. Ainda assim, há algumas coisas que a gente pode tirar desta reação impressionante, com uma rotação composta basicamente por Raulzinho, Leandrinho, Marquinhos, Augusto, Nenê e Felício:
1) o Brasil está, sim, muito bem fisicamente. Partiram para cima dos adversários, pressionaram a bola com muito mais eficácia e não tiraram o pé do acelerador até o final da partida. Foi com pulmão, perna e coração que o time batalhou no placar: estou com o Wlamir nessa (aliás, é bom ouvi-lo, de volta com o microfone e sem papas patrióticas ou políticas).
2) se o armador adversário for desse tipo agressivo, com bom chute e arranque, Magnano vai ter de pensar com carinho na hipótese de realmente limitar os minutos de Huertas, caso sua movimentação lateral esteja sendo explorada. Ou isso, ou, no mínimo, o capitão e Rafael Hettsheimeir não vão poder ficar muito tempo juntos. Pois a defesa fica muito vulnerável.
3) nesse sentido, se o ataque brasileiro não conseguir colocar Hettsheimeir ou Giovannoni em boas condições de arremesso, sua escalação passa a ser questionada. Aí os minutos devem ir para Augusto () e Felício, para a formação com Nenê de uma trinca enérgica, atlética e bastante física. Augusto (4 pontos, 6 rebotes e 5 faltas em 20 minutos, saldo de +10) e Felício (4 pontos, 4 rebotes e 4 faltas em 14 minutos, saldo +10) injetaram vitalidade na defesa interior da seleção na segunda etapa, trombando para valer com Valanciunas, Jankunas e Sabonis, tirando-os de uma zona de conforto. Você está sacrificando arremesso, mas pelo menos dá um jeito de ser combativo na zona pintada. Da sua parte, Nenê (11 pontos, 8 rebotes, 2 assistências em elevados 29 minutos) deu conta de Jonas Valanciunas (só 6 pontos e 3 rebotes em 19 minutos, limitado pelas 5 faltas que cometeu), conforme o esperado
4) mais importante, no entanto, foi a participação de Raulzinho. Não custa lembrar, de novo, que se o armador conseguiu espaço pelo Utah Jazz em sua temporada de novato, foi por causa de sua defesa. O jovem atleta fez um trabalho muito mais competente em cima de Kalnietis. Não por acaso, teve o melhor saldo de pontos entre os brasileiros, com +16, em 25 minutos. Ainda levou essa agressividade para o ataque para descolar lances livres e terminar, cheio de confiança em seu chute em flutuação, com 14 pontos em apenas seis arremessos.
5) ao defender bem, a seleção conseguiu enfim sair em transição para explorar as deficiências lituanas nesse sentido. Eles são muito lentos. Apenas no banco de reservas estão alguns caras mais atléticos, mas ninguém que consiga apostar corrida com boa parte do elenco brasileiro. E o jogo em transição se mostra novamente essencial para a equipe de Magnano. Em meia quadra, a movimentação voltou a sofrer um choque de realidade entre o que se passa em amistosos e nos jogos reais. Além disso, os lituanos não mostraram muito respeito pelos chutadores e congestionaram o garrafão numa boa.
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6) Em suma: o trabalho de meia quadra vai ter de melhorar demais. Não é justo exigir de Leandrinho (21 pontos em 17 arremessos, um segundo tempo desses. O ligeirinho forçou algumas bolas, mas não tem muito o que se criticar em sua atuação. Ele estava com fome de bola em muitos sentidos, jogando com muita intensidade, provando por mais uma partida o quanto sua capacidade atlética ainda é fora do comum, mesmo como trintão e com o joelho operado. Se for para falar de abordagem individualista, é só reparar que o Brasil só deu 12 assistências na partida inteira.
Então é isso. A estreia passou, e deixa algumas lições, a despeito de toda a loucura que vimos em 40 minutos. Ao menos o time não sai totalmente cabisbaixo, como seria no caso de um revés por 30 pontos. Pois a tabela é um tanto ingrata, com a Espanha vindo por aí na terça-feira. O grupo é muito difícil para se deixar contagiar por depressão – ou mesmo por euforia. O que não dá, mesmo, é defender com tanta passividade e desorientação por 20 minutos, como aconteceu no primeiro tempo. Haja fôlego para buscar reação desse jeito.
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