Contido, mas intenso, Leandrinho se reinventa na seleção
Giancarlo Giampietro
Leandrinho já passou por alguns momentos difíceis com a camisa da seleção brasileira. Pessoalmente, me lembro do desfecho da Copa América de 2007, em que teve a bola da semifinal contra a Argentina em mãos e acabou forçando um disparo de três pontos, que não foi dos melhores. Valia uma vaga olímpica, e o deixou o ginásio sozinho, bastante chateado.
Ele havia acabo de fazer uma temporada espetacular na NBA, na qual foi eleito o melhor sexto homem. Antes que os mais sarcásticos façam alguma piadinha a respeito (re-ser-va!!!), é bom lembrar que um certo Manu Ginóbili ganhou o mesmo troféu no ano seguinte. Toni Kukoc e Detlef Schrempf também são outros estrangeiros que entram nessa lista. Nada mal. E foi um prêmio merecido: o “Vulto Brasileiro” havia contribuído com 18,1 pontos e 4 assistências por partida para um Phoenix Suns de artilharia pesada.
Não importando que jogasse ao lado de Steve Nash, Amar’e Stoudemire, Shawn Marion, num time extremamente entrosado e completamente heterodoxo, depois de uma campanha dessas, a expectativa em torno do atleta era imensa rumo ao Pré-Olímpico de Las Vegas. Aos 24 anos, tentou assumir essa responsabilidade, com média de 21,i pontos, mas com 16,1 arremessos por partida (6,1 de três, com 37,7% de aproveitamento), e 23 turnovers no total para 28 assistências. Na partida específica pela semifinal, contra os argentinos, vejamos, ele até maneirou: 12 chutes, seis conversões, e 16 pontos, mas com quatro desperdícios de posse de bola.
O que ficou na cabeça, de todo modo, foi aquele chute. Tomou chumbo de tudo que é lado, incluindo deste que aqui escreve. Desde então, a relação do público brasileiro com o ala, na hora de falar exclusivamente de seleção, tem sido um tanto abalada, uma desconfiança que tem com base a propensão para decisões descontroladas com a bola.
Agora, se for para falar do Leandrinho desta Copa do Mundo de basquete, essas críticas já não colam mais. É algo que já se manifestava nos amistosos e que se confirmou nos jogos para valer: passadas cinco rodadas, temos um jogador de perfil bem diferente em quadra.
Mesmo com Magnano, seu volume nos disparos de fora ainda era elevado: tanto no Mundial 2010 como em Londres 2012, ele sustentou média de cinco por partida, com um aproveitamento apenas razoável (36,6%). A questão não é demonizar meramente o arremesso de longa distância. Mas é difícil imaginar que um atleta vá ficar livre o suficiente no ataque para praticar um volume tão elevado. Além do mais, para alguém com num dos primeiros passos mais acelerados do basquete mundial, acabava sendo desperdício estacionar no perímetro em busca dos chutes.
Neste Mundial, a mentalidade é completamente oposta. Vemos um Leandro Barbosa muito mais concentrado em atacar seu marcador, em sistematicamente explodir em direção ao garrafão. Algo muito bem-vindo, pois são raríssimos os adversários que vão conseguir parar em sua frente. Para atrapalhá-lo, só mesmo de modo coletivo, uma segunda linha atenta, bem postada, para lhe fechar a porta nas infiltrações. Em tráfego, o paulistano já tende a perder rendimento.
Por ora, o brasileiro tem executado suas investidas com muita eficiência, no tempo certo, sem exagerar na dose. É o cestinha do time com 13,6 pontos, mas cometeu apenas três turnovers em cinco jogos e vem convertendo 54,8% de suas bolas de dois pontos (obviamente que nesta conta também entram as bandejas isoladas de um vulto em contra-ataque, mas o número já é expressivo o bastante).
Em geral, ele tentou quase o dobro de chutes de dois em relação aos de três (31 a 16 – e são 9,4 tentativas por jogo, no geral). Porque, sim, as bolas de longa distância ainda estão lá: 3,2 por jogo. Para o mais purista, pode parecer muito, mas basta notar que Marcelinho tem chutado 3,5 por jogo, com metade dos minutos (11,8 contra 23,2), para relativizar. De qualquer forma, basta ver seu aproveitamento neste fundamento, de espetacular 56,2%, pare perceber que a seleção só pode estar mais adequada. Se quiser descontar as três bolas convertidas em três tentativas contra o Egito, tudo bem também: ficaríamos em 6/13 (46,1%). Incluindo esta aqui, que não é a ideal, mas sobrou para ele:
Além da redescoberta eficiência ofensiva, outro fator do jogo de Leandrinho que tem impressionado na competição é sua vitalidade, sua energia. Não que antes não acontecesse. Podem acusar o novo jogador do Golden State Warriors de tudo, menos de alguém que fuja da raia. Pelo contrário. Mas nota-se um atleta muito mais intenso e compenetrado em quadra, fazendo sua envergadura e sua agilidade surtirem mais efeito no campo defensivo, na briga pela bola. Admito que me foge da cabeça agora o jogo em que foi brigar pelo rebote de ataque, talvez tentando uma enterrada de cara e que acabou tomando um tombo feio no meio do garrafão. Foi na estreia contra a França? Enfim, o tipo de lance que influencia uma partida para muito além da bolinha de três ou a do que o “beep-beep” no contra-ataque.
Enfim, é um competidor distinto, mais sereno com a bola em mãos, mas também dedicado a pormenores do jogo, que estava enferrujado nos primeiros amistosos – não jogava desde o dia 4 de março, devido a fratura na mão seguida por cirurgia. Essa parada, aliás, pode também ajudar explicar sua forma física atual, talvez um ou dois degraus acima de muita gente, uma vez que sua “pré-temporada” começou bem antes.
A intenção aqui não é eleger o ligeirinho como o “Destaque Oficial da Seleção”. O legal é tentar realmente assimilar as ações de uma equipe que vai ganhar ou perder como conjunto. Não é questão de apelar a um clichê corporativo, que em muitas ocasiões vira uma blindagem conveniente. Mas verdade é que o na equipe nacional não há um Pau Gasol, um Dirk Nowitzki, um craque que assuma, ou esteja bem preparado para assumir o protagonismo – e são bem poucos os que têm, registre-se. Isso pode fazer falta aqui e ali, em momentos decisivos principalmente, mas também abre as mais diversas perspectivas. Dá liberdade. Na hora de falar sobre os argentinos, obviamente que você tem de pensar em “parar ou atrapalhar Scola”. Para a seleção brasileira, como faz? A ameaça está dissipada. Em teoria, o time pode surpreender nesse sentido, dependendo da criatividade de Magnano e seus atletas.
Acho que, depois de um longo convívio com essa geração, já chegou a hora de maneirar com rótulos, né? De parar com essa busca incessante por heróis – e que, se der errado, viram vilões rapidamente. Jogadores, torcedores e críticos já caíram todos nessa armadilha. Em mais um confronto decisivo com a Argentina, sete anos depois de Las Vegas, com cobranças bem mais comedidas e diante de defensores muito mais lentos, o Leandrinho deste Mundial pode ser ainda mais eficiente para tentar vencer este clássico. Sem alarde e sem forçar a barra.