O 3º dia da Copa do Mundo: Thrilla in Sevilla
Giancarlo Giampietro
Vocês se lembram daquelas jornadas triplas da Copa do Mundo da FIFA, né? Um jogão atrás do outro, dominando sua agenda. Pois bem. Pegue esse agito todo e multiplique por quatro. O resultado é a Copa do Mundo da Fiba. É muito basquete num dia só. Com metade do evento de volta, a caga diminuiu um pouco, mas, ainda assim, foram 6 partidas! Uma tabela de estatística vai atropelando a outra, os fatos vão se acumulando, e pode ficar difícil de dar conta de tudo. Vamos dar um passada, então, pela rodada. Para o básico, deixe de ser preguiçoso e acesse o site oficial da competição, né? Veja lá a situação dos grupos e os todos os resultados. Sobre a derrota brasileira para a Espanha, clique aqui.
Vocês já ouviram falar do Thrilla in Manila, né? Foi quando Muhammad Ali and Joe Frazier se enfrentaram pelo título dos pesos pesados na capital filipina, em 1975, que passou a ser conhecido desta forma graças a tudo o que Ali tinha de verve. Foi definida a favor do mítico boxeador, ao final do 14º assalto, sendo talvez a luta mais famosa de todos os tempos. Na Copa do Mundo, as Filipinas não chegam a ser nenhum peso pesado, é verdade. Só perderam até agora, mas não se cansam de nos entreter. Enquanto isso, Senegal partiu para cima dos grandes, a Grécia está classificada para as oitavas de final e Porto Rico, sem Arroyo lesionado, virou uma draga que só. Vamos nessa:
O jogo do dia: Argentina 85 x 81 Filipinas
Não só o melhor jogo do dia, mas também o mais divertido de todo o campeonato. Foi uma coisa alucinante em Sevilha, com os argentinos sofrendo horrores para garantir a segunda vitória no Grupo B. Veteranos como Scola, Nocioni e Prigioni simplesmente não conseguiam lidar com a equipe mais heterodoxa da paróquia. “É o time mais maluco e estranho que já enfrentei na minha carreira”, sintetizou o técnico Júlio Lamas, que já beira os 30 anos de engajamento com a profissão.
As coisas ficaram realmente malucas a partir do momento em que o norte-americano naturalizado Andray Blatche cometeu a segunda falta logo no início do primeiro quarto. Pendurado, foi para o banco. A partir daí, vimos diversos quintetos dominados por tampinhas, um monte de gente abaixo ou um tico acima dos 1,80 m, mesmo, criando um estardalhaço que só. Descobriram que podiam jogar muito bem, obrigado, sem o cara da NBA. Com muita velocidade, botavam pressão em qualquer defensor da Argentina, um dos times mais lentos do Mundial, isso se não for o mais lerdo, mesmo. É um conjunto bem singular o de Lamas, aliás: não são nem altos e fortes, nem baixos e velozes. Ficam no meio termo, vulneráveis a diferentes estilos. Os argentinos não conseguiram defender uma série de jogadas básicas com corta-luz na linha de três e foram castigados: Jimmy Alapag converteu 5/7 no seu bombardeio, seguido por 4/8 de Ranidel De Ocampo e 3/5 de Jayson William.
(Embora o ataque deles não tenha sido feito só de arremessos, conforme Marcos Mata, o mais novo francano, pode atestar:)
Nocioni (que depois se redimiria no último minuto, pegando dois rebotes ofensivos seguidos e convertendo lances livres) e Herrmann passaram um bom tempo em quadra sem saber o que fazer na defesa, tendo de correr atrás dos baixotinhos no perímetro e tomando cortes e bombas de três na cabeça. Aliás, choveu cesta de fora, com os hermanos também usando desse artifício diante das quebras defensivas que a mera presença de Scola causava no garrafão. Ele pede a dobra, e as rotações filipinas simplesmente não davam conta. O já legendário camisa 4 também lidou com problemas de faltas, mas foi decisivo nos bons momentos de sua equipe, com 19 pontos (7/12), 7 rebotes e 4 assistências em 32 minutos. O flamenguista Nícolas Laprovíttola, estreando na competição também foi muito bem, com 10 pontos e 4 assistências e bom papel defensivo, assim como Mata, com 17 pontos (5/7 nos três pontos, completamente livre) e 9 rebotes. O ala também foi o responsável por anular a última posse de bola dos asiáticos. De Ocampo saltou para o chute de três, buscando o empate, mas foi desencorajado pela pressão do defensor. Acabou caindo sem soltar a bola, cometendo uma andada infantil.
O climão também valeu, com participação empolgante do público. Ginásio lotado e dividido realmente entre duas torcidas, com os filipinos, claro, em maior número para apoiar os Smart Gilas, mas encarando uma galera argentina apaixonada por El Alma.
A surpresa: Senegal!!!
O Irã bem que tentou derrubar a Sérvia, mas acabou derrotado por 83 a 70. Então a zebra fica para eles de novo, gente: a rapaziada de Senegal agora aprontou para cima da Croácia, triunfando por 77 a 75, depois de ter batido Porto Rico na véspera. Eu realmente não esperava escrever uma frase dessas, mas cá está. Os africanos lideraram praticamente a partida toda, resistindo a uma pressão balcânica nos minutos finais. Krunoslav Simon teve a chance de empatar o jogo, mas arriscou um chute completamente despropositado (mais abaixo). O pivô Gorgui Dieng, já um forte candidato a quinteto do torneio, foi novamente dominante, com 27 pontos, 8 rebotes, 3 assistências e 2 tocos, mais 8/14 nos arremessos – Nikola Pekovic que se prepare: o Timberwolves já deve estar tentando negociá-lo. Essa foi a apenas a quarta vitória senegalesa na história dos Mundiais, e a classificação está praticamente definida (vai depender muito do confronto direto com as Filipinas). Deve ser muito legal jogar no Senegal.
Alguns números
91,6% – Aproveitamento nos lances livres de Gorgui Dieng por Senegal nesta rodada. Sim, pivô também sabe bater lance livre, ao contrário do que dizem por aí.
65 – Foi a soma de arremessos de três pontos no confronto entre Argentina e Filipinas, com 43% de acerto.
31 – Assistências a França somou em sua vitória sobre o Egito, que valeu para a surra do dia (94 a 55). Detalhe: 31 assistências para 38 cestas de quadra. Isto é, apenas sete investidas francesas foram consideradas individuais o bastante para não terem o passe anterior computado na tabela de estatística da Fiba. No total, dez atletas deram ao menos uma assistência, liderados pelas oito de Thomas Heurtel, armador do Baskonia. Solidarité.
13 – É a série de vitórias que a Espanha tem com Pau Gasol em quadra em jogos de Mundial. A última vez que a Roja perdeu com seu supercraque aconteceu na edição de 2002, diante da Alemanha de um ainda jovem Dirk Nowitzki.
9 – Aliás, foi logo na partida seguinte que os caras desandaram a vencer. O primeiro obstáculo superado? Justamente o Brasil. Do jogo disputado em Indianápolis 12 anos atrás, nove atletas estão presentes nos elencos de hoje: Calderón, Navarro, Gasol, Reyes, Alex, Leandrinho, Giovannoni, Varejão e Splitter. Marcelinho estava lesionado.
Andray Blatche: contagem de arremessos
51! – Conforme relatado acima, não foi um dia produtivo para o pivô mais filipino da Copa, e seu agente não deve ter gostado nem um pouco. Blatche tentou apenas nove arremessos nesta segunda, em 24 minutos, depois de 42 durante o final de semana. É. Uma lástima, mesmo. O ala De Ocampo teve a audância, vejam só, de arriscar 14 arremessos! De qualquer forma, contra um time baixinho como o argentino, conseguiu pontuar com eficiência, com 14 pontos. Aproveitou também o tiroteio promovido por seus companheiros para apanhar 15 rebotes. Neste quesito, lidera todo o campeonato até agora, com média de 13,7.
O que Giannis Antetokounmpo fez hoje?
Foi dia de festa e alegria! Depois que os gregos abriram 19 pontos de vantagem no primeiro tempo, o emergente treinador Fotis Katsikaris teve liberdade para deixar o garotão em quadra. Mesmo com os porto-riquenhos repentinamente apertando o placar no quarto período, o ala já havia se estabelecido de tal forma que não dava para tirá-lo. No fim, comemorou a vitória por 90 a 79 e uma vaga nos mata-matas. A exuberância atlética de Giannis ficou mais uma vez evidente. Mas ele deu diversas amostras de que seu jogo tem muito conteúdo para além da forma, da estética, surpreendendo seus adversários, forçando erros, botando pressão. Marcou 15 pontos em 23 minutos, novamente descolando muitos lances livres (7 cobrados). Dois deles saíram desta forma, deixando Renaldo Balkman (que fez ótima partida, diga-se, com 23 pontos, 5 rebotes e 4 roubos e bola). Reparem que ele precisa de dois dribles para chegar ao garrafão e fazer a bandeja:
Tuitando:
Boxing superstar @MannyPacquiao played some pickup hoops at #Warriors HQ on Friday. PHOTOS » http://t.co/FMOXu6wYq2 pic.twitter.com/wldYXkanzu
— Golden St. Warriors (@warriors) September 1, 2014
As Filipinas são completamente apaixonadas pelo basquete. Talvez sejam a Lituânia da Ásia, grosso modo. Neste Mundial, além de Blatche, eles bem que poderiam contar com uma, digamos, forcinha do pugilista Manny Pacquiao, que está bem distante da Espanha. O supercampeão mundial bateu uma bola nas quadras de treino do Warriors na Califórnia.
“Yeah, I think I’m gonna shoot it. Sorry guys.” – Krunoslav Simon #Spain2014 #airball pic.twitter.com/1WTLRD3EcH — Ante Jukić (@a_jukic) September 1, 2014
A Croácia precisava de um arremesso de três pontos para levar o jogo ao tempo extra, depois do armador Xaviler D’Almeida matar dois lances livres. O ala Krunoslav Simon, que, na temporada, fez algumas cestas milagrosas pelo Lokomotiv Kuban, achou que era a hora de ele se consagrar também em uma plataforma Mundial. Partiu para o arremesso da foto acima. Que tal?