Stephen Curry é o MVP da NBA 2014-15. E tudo ótimo
Giancarlo Giampietro
James Harden era o meu candidato na disputa pelo título de MVP da NBA 2014-15. O que não quer dizer que seja meu jogador predileto, ou uma figura incontestável. Era só uma preferência com base no que aconteceu na temporada. A Stephen Curry, de qualquer forma, era obviamente o favorito. Também o merecia – e levou o caneco, segundo diversos veículos anteciparam na noite deste domingo, logo depois de seu Golden State Warriors surrar o Memphis Grizzlies.
(Atualizando: a notícia foi confirmada pela NBA nesta segunda. Curry teve 1.198 pontos na votação, contra 936 de Harden. Com 552, LeBron foi o terceiro. Confira o resultado final da eleição, na qual o MVP recebeu 75 votos a mais na primeira colocação. Russell Westbrook superou Anthony Davis, se beneficiando da maior exposição dos jogos de OKC.)
Por que Harden seria, ou poderia ser o mais indicado? Devido a toda a carga que carregou pelo Houston Rockets, e não uma equipe qualquer, mas, sim, a segunda colocada numa Conferência Oeste brutal do início ao fim, dona da terceira melhor campanha da liga. O time texano pode não ter chegado ao patamar de Oklahoma City Thunder e Indiana Pacers no que se refere a lesões, mas passou por poucas e boas: Dwight Howard perdeu exatamente 50% da temporada; para Terrence Jones, foram 49 jogos de desfalque, e aqui já falamos de dois titulares; Patrick Beverley, outro do quinteto inicial, ficou fora de 26; Donatas Motiejunas, de 11. Josh Smith e Corey Brewer chegaram durante o campeonato para ajudar, é verdade, mas nem sempre é fácil assimilar novas peças.
A constante, aqui, foi o Sr. Barba liderando o time. Com a assessoria de Trevor Ariza, o único que completou todos os 82 jogos regulares, um a mais que o astro. Harden, no entanto, liderou toda a liga em minutos de quadra, com 2.981, 51 a mais que o ala – isto é, um jogo e mais três minutos de lambuja. Ficou elas por elas. Com tantos desfalques, entre pontos e assistências, o ala-armador foi responsável por 44% de toda a produção ofensiva de seu time, sempre seguindo as orientações táticas de Kevin McHale e do escritório de Daryl Morey) perfeitamente: atacando o garrafão e torpedeando de três pontos. Bateu 10,17 lances livres por jogo, sendo o primeiro no ranking da liga, e arriscou 6,8 chutes de longa distância, a mesma quantia de Ariza, dividindo com ele o terceiro lugar, atrás de Curry e Damian Lillard. O cara teve de atacar mais e mais, com eficiência e muita resistência, física e mental. Um esforço que não pode ser menosprezado jamais.
Em termos de números, no entanto, em geral Harden fica em atrás do genial líder do Warriors. E isso que é o mais interessante, e até irônico. O Rockets é tido como a franquia-modelo no uso de estatísticas, das mais simples ao que se tem de mais avançado, para conduzir suas operações de basquete. Internamente, então, devem reconhecer o quão magistral também foi a campanha de Curry, que leva a melhor também no quesito de pura diversão. Os torcedores e o marketing apreciam muito mais o estilo de Curry, com seus dribles vistosos e arremessos impensáveis de fora, a partir do drible. Muito mais legal que ver o barbado cobrar lances livres, claro.
O armador uniu imagem e substância, espetáculo e resultado. Ethan Sherwood Strauss, do ESPN.com, fez um grande artigo a respeito disso. No texto, levanta um dado estarrecedor: nos 29 jogos posteriores ao All-Star Game em Nova York, o eventual MVP acertou 125 disparos de três (média de 4,3). No seu caso, não foi só uma questão de quantidade excessiva de tentativas para gerar volume. Ele acertou 51% desses arremessos. Sim, estamos falando de um autêntico especialista na matéria. Na temporada, ele converteu 44,3%, um número que, isolado, já seria excepcional. Se gastarmos, porém, dez minutos para assisti-lo, esse aproveitamento vira algo de outro mundo, devido ao grau de dificuldade em que os executa.
Essa habilidade fora do comum está no centro do sistema ofensivo agressivo do Warriors, o time mais acelerado da liga. É fato que, quando Curry atravessa a linha central da quadra, já precisa ser marcado de perto. Por um atleta, e com um segundo, no mínimo, na sobra. De olho no que vai aprontar. Mesmo quando contestado, seu rendimento ainda é muito eficaz. É como se fosse impossível marcá-lo. Daí que ficamos no aguardo para saber quando Dave Joerger vai colocar Tony Allen em sua cola durante a série semifinal do Oeste.
E aí Strauss sai com uma sagaz comparação: Curry, nesse sentido, se torna tão assustador como um Shaquille O’Neal no auge, devido ao seu poderio ofensivo. A diferença, nessa sacada, é que Shaq arrebentava as defesas na pancadaria, enquanto o magricelo as estoura com suavidade e elasticidade. Ele é uma ameaça grave no tiro de fora, muito mais perigosa que a de Kyle Korver em Atlanta. O ala do Hawks tem um aproveitamento superior no fundamento, consegue se desmarcar muito bem na movimentação fora da bola, mas, durante a temporada, arriscou apenas 0,7 em média em jogadas individuais, partir do drible – uma senhora diferença para os 4,4 do armador.
Klay Thompson, Draymond Green, Harrison Barnes, Andrew Bogut, Leandrinho, Marreese Speights… Todos eles têm a vida muito mais fácil no ataque por desfrutar de sua companhia, pelo perigo que representa. Ele é a base do segundo sistema ofensivo mais eficiente da temporada, atrás do Los Angeles Clippers por coisa de 0,1 ponto por 100 posses de bola. Então vamos refazer isso, dado o empate técnico? Curry é a base do sistema ofensivo mais eficiente da temporada, ao lado do Clippers. Esse equilíbrio entre as duas equipes californianas, aliás, propicia uma comparação interessante.
Ambas apostam consideravelmente no arremesso de três. A diferença é que o jogo interno do Clippers, com as cravadas de Jordan e Griffin, compõe um elemento tão mais importante no ataque de Doc Rivers. É por isso que você coloca chutadores como Redick e Crawford ao redor deles e dá a bola para Chris Paul coordenar tudo: para torturar as defesas. Pelo Warriors, a preocupação vem de fora para dentro, ainda mais com Klay Thompson em gradativa evolução e a propensão de Draymond Green para jogar aberto. Mas tudo começa com Curry: o Warriors faz 14,3 pontos por 100 posses de bola a mais com ele em quadra, acerta mais arremessos, comete menos turnovers e se torna mais solidário. Sente o estrago? E as coisas só ficaram mais acentuadas nos cinco primeiros jogos de playoffs.
Poderíamos continuar aqui na construção da campanha “Curry MVP”, levantando mais e mais números. Se quiser visualizar esses dados, a Sports Illustrated reúne aqui uma série de gráficos. Sem se esquecer que ele esteve no Top 6, em médias, de pontos, assistências, roubos de bola e eficiência. Também apresentou melhora significativa na defesa individual, sendo cobrado por Steve Kerr, e sem poder alegar cansaço, uma vez que teve seus minutos controlados.
Como você vai se opor a alguém com esse currículo? Não dá. Ainda assim, meu candidato seria Harden, e tudo ótimo. Se tem uma coisa para a qual serve a disputa entre os dois é reforçar a noção de que raras e raras vezes você vai esbarrar numa discussão em que tudo se resume a certo ou errado. Ou melhor: uma discussão em que, se o outro discorda de você, já está automaticamente errado – aquilo que parece o mal do século, logo abaixo da ganância. Não seria “absurdo” ou “ridículo” nomear Curry ou Harden como o jogador mais valioso do ano. Era difícil escolher entre os dois craques, mas muito fácil aceitar que o prêmio ficasse entre eles.
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O Golden State foi dominante contra o Memphis Grizzlies na abertura das semifinais do Oeste. Foi sua melhor partida nestes playoffs, em termos de consistência. O time está claramente um degrau acima de um time que perdeu muito em rendimento durante a temporada regular. Sem Mike Conley Jr., preservado enquanto se recupera de uma cirurgia facial após fratura múltipla na série contra o Blazers, fica ainda mais difícil. Ainda que o armador retorne para o Jogo 2 ou 3, estará fora de ritmo e talvez com um certo receio em quadra, mais que natural. Mesmo que estivesse 100%, talvez não seja o suficiente para equiparar o confronto hoje.
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Outra: o Warriors é hoje o único time oficialmente 100% nos mata-matas, em termos de saúdo do elenco. David Lee ficou fora do duelo com o New Orleans Pelicans, mas o problema nas costas do ala-pivô parece mais e mais uma medida cautelar por parte de Steve Kerr, que encontrou uma rotação perfeita sem contar com esse jogador talentos, que, no entanto, não marca ninguém. Draymond Green tomou conta da posição, enquanto, no banco, as melhores alternativas parecem girar em torno de formações mais baixas, ou com Festus Ezeli para combater especificamente os pivôs do Grizzlies.
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Começa nesta segunda o confronto Rockets x Clippers. Mais um ponto a favor dos líderes do Oeste, já que promete ser mais um duelo muito equilibrado. Quem passar daí deve entrar nas finais da conferência capengando. Os Splash Brothers deram sorte no emparelhamento final.