As tramas que podem decidir a revanche Spurs x Heat
Giancarlo Giampietro
– Como está o tornozelo de Tony Parker?
O armador revelou durante a semana que já estava com o pé comprometido na semifinal contra o Blazers e que, por isso, acabou machucando os músculos da perna, para tentar compensar as dores nos movimentos. Ainda que venha na sua melhor de fase no que se refere a chutes de longa distância, acertando 35,3% e 37,3% nas últimas duas campanhas, o carro-chefe do francês são as infiltrações, mesmo. Partir para a cesta, com uma ajuda ou outra de corta-luzes, ou usando suas fintas hesitantes, que podem deixar até mesmo LeBron na saudade. Machucar a defesa lá dentro e aí explorar os tiros de fora (com o melhor aproveitamento da temporada). Vale lembrar que, no ano passado, Parker já havia sofrido uma lesão muscular na coxa e que seu time sentiu bastante. É algo que podemos esquecer com facilidade, considerando todo o drama que aconteceu nos jogos finais. Mas, estivesse o armador 100%, será que teria Jogo 7 para entrar na história? Bem, o se não vale para nada, mesmo. Agora, uma temporada depois, o Spurs chega novamente a uma decisão sem que seu principal jogador esteja 100%. arranque de seu armador e suas bandejas, o Spurs vai depender de sua movimentação de bola. E os passes devem ser precisos para lidar com uma defesa hiperatlética – do contrário, o contra-ataque a partir do turnover é mortal. Vimos há pouco, em OKC, como pode funcionar essa gangorra. A diferença é que o Miami tende a adiantar sua primeira linha defensiva muito mais, abafando o armador em situações de pick-and-roll, enquanto o Thunder joga mais recuado, com uma formação mais compacta. Outro diferencial é que Chris Andersen, caso jogue, salta muito, se posiciona bem vindo do lado contrário, mas não é nenhum Serge Ibaka.
– No caso de um desastre, Popovich vai confiar, mesmo, em Patty Mills e Cory Joseph? Eles estão preparados?
O desastre: Parker simplesmente não aguentar e ser afastado de quadra, tal como aconteceu no Jogo 6 em Oklahoma City. O Spurs sobreviveu a esse desafio. Mas uma coisa é levar 24 minutos sem o francês, ainda que num ambiente hostil. Outra é conduzir uma ou mais partidas, com o adversário tendo o tempo necessário para fazer seus ajustes e mudar o plano de jogo. Aí o caldo engrossa. No próprio desfecho da série contra o Thunder, o treinador jogou o quarto período e a prorrogação com Ginóbili na armação. O argentino é craque e fez o dele. Em tempo integral, contudo, o desgaste seria muito maior, ainda mais com Cole, Chalmers, Wade e LeBron voando como abutres por cima de sua careca. No ano passado, armando o time nos minutos de descanso de Parker, Manu já sentiu o baque. Nos últimos três jogos, cometeu 15 turnovers, por exemplo. Quinze! Via as jogadas, com o brilhantismo de sempre, mas não conseguia completar o passe. Agora, está melhor fisicamente, é verdade. Mas vai precisar da ajuda dos garotões que o Spurs vem pacientemente desenvolvendo. Mills tem o chute e a experiência – já foi cestinha, em média, de Olimpíada, oras. Joseph é mais explosivo e marca melhor. A combinação ideal seria a fusão dos dois armadores em um, claro. O que não vai rolar. Nesse sentido, a substituição de Gary Neal por Marco Belinelli representa um avanço. Por mais que a torcida do Spurs culpe o italiano para tudo, o ala0armador é tão ou o mais ameaçador no chute de três pontos, podendo esquentar rapidamente e matar diversas bolas seguidas, como tem mais altura e habilidade com a bola, qualidades necessárias para enfrentar a constante blitz de seu adversário. Resta saber se vai recuperar sua confiança, tendo perdido rendimento e tempo de quadra nos mata-matas.
– Tiago Splitter pode se impor? Ou: será que ele vai ter a chance de se impor?
O Miami tem sérias dificuldades de lidar com pivôs infiltrados no centro de sua defesa. Desde que, claro, esse grandalhão X consiga ser abastecido. O catarinense tem, então, na teoria boas chances para se estabelecer. Agora… Essa mesma teoria valia para o ano passado, quando ele estava ainda mais confiante, e em nenhum momento conseguiu se estabelecer como força no jogo interior. Há um problema aqui: se for usar alguém como referência interna, o Spurs vai de Tim Duncan. E como seria diferente? Estamos falando de um dos jogadores mais bem fundamentados da história. Se Duncan for estacionar para o post up, não sobra espaço para Splitter agir da maneira que gosta, em cortes no pick and roll. Se essa bola não estiver disponível para o brasileiro, a verdade é que ele fica praticamente sem função no ataque. E o Miami adoraria que o Spurs buscassem a cesta com apenas quatro armas disponíveis. E aí que Tiago paga o preço da concentração total que os técnicos do Baskonia tiveram em moldá-lo como um pivô de jogo exclusivo próximo ao aro. Ok, não dá para ser tão ingrato assim: obviamente o catarinense se desenvolveu num baita jogador, muito inteligente e eficiente. Mas houve um dia em que o adolescente saído de Blumenau era visto como um possível prospecto na linha de Dirk Nowitzki. Talvez fosse um baita exagero. Talvez ele nunca fosse capaz de acertar nem 35% de seus chutes de fora. Fato é que hoje não há resquício técnico nenhum, nem mesmo a vocação em seu jogo para pontuar distante da cesta: em sua carreira nos playoffs, 67,8% de seus arremessos são executados a menos de um metro do aro. De um metro para três, 29,6% (dos quais ele acertou apenas 29,4%). Sobram, então, 2,6% dos arremessos para tudo o que estiver a mais de três metros de distância.
– Rashard Lewis tem mais garrafas para vender?
O outro lado da moeda. Desde a temporada passada que Popovich descobriu que, com a dupla Duncan-Splitter, sua defesa fica muito mais robusta. São mais de 150 partidas já computadas para comprovar isso. Então tem isso: saber como compensar as situações oferecidas pelo jogo dos dois lados da quadra. Perde um pouco ali, ganha um pouco lá, fazendo as contas para ver qual o saldo. Mas tenhamos em mente sempre que, nos playoffs, com tanto estudo e tempo de preparo entre um jogo e outro, alguns segredos ficam mais expostos. E também vale o asterisco: o Miami não é um time como outro qualquer, e não só por ter LeBron, mas, antes de tudo, por sua disposição tática. Aqui não tem um alvo mais declarado e fixo como Dirk, Z-Bo ou LaMarcus para Tiago marcar (o que não quer dizer que freá-los seja fácil). Chris Bosh só joga de frente para a cesta e afastado (nestes playoffs, ele mais chuta de três pontos do que enterra ou faz bandejas). Spoelstra abre seus jogadores e deixa a quadra espaçada para seus dois astros pregarem o horror. No ano passado, quando o técnico foi de Mike Miller em seu quinteto inicial (ignorando qualquer ameaça que Splitter pudesse representar do outro lado), Popovich teve de se dobrar e conceder esta pequena e importante vitória para seu rival. Com um elenco versátil, também adotou o small ball. A tendência é que a série deste ano caia nesta mesma vala – ainda que o gatilhaço já não esteja mais na Flórida. Podemos esperar muito mais Ray Allen em quadra, além de Chalmers e Cole. Mas ainda sobram minutos, que Spoelstra adoraria dar a um esgotado Battier. Aí que entra Rashard Lewis. Qual versão vai jogar a final? O moribundo de toda a temporada, ou aquele que ressurgiu no desfecho contra o Pacers? Se os tiros do veterano estiverem caindo, e obviamente que nem precisa ser numa escala Miller de 50%, o Spurs vai ter de sambar um pouco mais em suas coberturas.
– Boris Diaw vai ser agressivo?
Esperem, então, para ver muito Boris Diaw nos confrontos, e não tem nada de errado com isso. O francês joga demais. Sempre vamos ficar com uma pulga atrás da orelha, pensando sobre como seria seu basquete se ele se dedicasse um pouquinho a mais na esteira. Mas esse preconceito também por vezes pode inibir que apreciemos adequadamente seus talentos únicos. Para esta temporada, aliás, monsieur Riffiod se apresenta em melhor forma, confiante e produtivo, além de mais eficiente, mesmo com a terceira maior “taxa de uso” de sua carreira – isto é, seu jogo não sentiu o peso de mais responsabilidades. Conquistou, desta forma, o coração de Popovich. “Ainda estou aprendendo como usá-lo”, diz o técnico. Tem muito o que se aproveitar, mesmo: Diaw está acertando mais de 41% de seus arremessos de três pontos nos playoffs, mantendo o alto aproveitamento que teve durante toda a temporada. Além disso, virou uma ameaça séria no jogo de costas para cesta, cada vez mais concentrado também em pontuar, em vez de apenas passar, passar e passar. Atende, enfim, aos clamores de dúzias de técnicos com que já trabalhou. Claro que o jogo fica mais bonito com atletas solidários interagindo, mas chega uma hora que a bola tem de cair na cesta, e o francês já não parece mais tanto avesso a esse simples conceito. Dependendo da saúde de Parker e Ginóbili, pode ser que o Spurs precise ainda mais do ala-pivô e seus serviços de playmaker, facilitando, servindo e, sim, atacando. Quem vai marcá-lo? Battier tem um último sopro? Lewis? LeBron?
– Por falar em LeBron, ele vai tentar/matar seus chutes de média e longa distância com qual frequência?
Deu certo por um bom tempo no ano passado, então podemos esperar que Pop mantenha a estratégia. Com Kawhi e, especialmente, com Diaw, a ordem deve ser para que recuem e tentem colocar a dúvida na cabeça do craque: vai para o chute, mesmo, ou tentará buscar um companheiro? Vai atacar a cesta e correr o risco de fazer a carga? Mas será que não há espaços, mesmo, para a infiltração? LeBron está habituado a ler o jogo num estalo. Contra o Mavericks em 2011 e contra o Spurs em 2013, porém, foi hesitante, diante das “facilidades” sugeridas pela defesa adversária. Se isso acontecer novamente, de o astro perder alguns segundos para tomar suas decisões e sair de ritmo, a defesa do Spurs já vai se dar por agradecida. Agora, o craque já sabe o que está por vir. Nos Jogos 6 e 7 da final do ano passado, partiu para o ataque e cobrou 21 lances livres, depois de ter somado apenas 19 nos cinco primeiros. A armadilha estava desfeita. Ficamos no aguardo, então, para ver como vai se comportar.
– E dá para apostar contra LeBron James?
Kawhi Leonard já se virou contra Kevin Durant e Russell Westbrook na final do Oeste. Encarar LeBron, porém, é algo bem diferente. Durant é um cestinha mortal, mas fisicamente não representa o desafio que é segurar um tanque de guerra em movimento. Com KD, você pode contestar os arremessos e torcer para que não caia – bloquear alguém tão veloz e alto fica difícil. Mas você pode afastá-lo da cesta, você pode incomodá-lo fisicamente. Atletas como Leonard, Matt Barnes e até mesmo o diminuto Tony Allen podem persegui-lo no perímetro e atrapalhar sua movimentação fora da bola. No fim do jogo, o cara pode terminar com 30 pontos, tá certo. Mas os caminhos são mais claros. Contra LeBron, quando ele desembesta a atacar o aro, a combinação de técnica, explosão e força é brutal. Não há como Leonard absorver esse tipo de contato. Na verdade, Kawhi está em quadra apenas como um primeiro obstáculo de uma estratégia coletiva que precisa ser empregada para congestionar a vida do craque. Esse recuo e o convite ao chute é um dos ardis. Mas haja cobertura e ajuda para desencorajar o melhor jogador do mundo. Ele quer mais um anel.
E mais: Danny Green consegue dar conta de um Dwyane Wade que não esteja mancando? Chris Bosh vai se permitir ser alienado no ataque? O preparo físico, a essa altura, faz a diferença? Ou o emocional supera tudo? Porque o Spurs chega bem mais descansado. Spoelstra vai tentar mais uma vez alargar sua rotação, ou jogar com sete, oito caras? Se (ou quando) Ray Allen acertar mais uma bomba de três, como evitar o soluço coletivo de San Antonio? Pode Tim Duncan repetir ou superar os 18,8 pontos e 12,1 rebotes das finais do ano passado?
São muitas questões, e ainda bem que a pressão está em Pop ou Spo para respondê-las. Nós só precisamos nos acomodar no sofá e ver o o desenvolvimento dessas tramas todas, muitas delas interligadas. É um novelo difícil de se desembaraçar, e fica impossível dar um palpite.
PS: por motivos de Copa do Mundo da FIFA, na qual estarei envolvido, cobrindo, não sei bem se vai dar para comentar a série jogo a jogo, infelizmente.