Vinte Um

Arquivo : agosto 2015

Entrevista: Gallinari e o sonho italiano (e os paralelos com Brasil)
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Giancarlo Giampietro

Gallinari, Bellinelli e Bargnani, de volta à Itália após quatro anos

Gallinari, Bellinelli e Bargnani, de volta à Itália após quatro anos. Foto de 2011

“Acho que temos um time muito bom, especialmente se conseguimos finalmente reunir todo mundo, jogar todos juntos, algo que nunca fizemos, com os caras da NBA e nossos melhores da Europa. Temos uma grande oportunidade neste ano. Todos nós sabemos disso, ainda mais no ponto da carreira em que estamos.”

Pode me interromper se você, por um acaso, já ouviu discurso similar antes?

Esse é o Danilo Gallinari, falando ao VinteUm. Na mesma conversa, ele soltou esta: “No momento o basquete italiano não está num grande momento, podemos dizer. Não há muitas equipes que conseguem competir em alto nível pela Euroliga. O único é o Olimpia Milano, que, infelizmente, não foram capazes de fazer um bom campeonato neste ano. Tomara que nós, com a seleção nacional, possamos trazer alguma felicidade para nossos torcedores de um modo geral e causar um impacto positivo para o futuro”.

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Sim ele está falando sobre a outra Squadra Azzurra e sobre os problemas que uma antiga potência do basquete, de vasta tradição, vem enfrentado. Mas, se a gente trocasse o nome do país e, vá lá, um certo ex-atleta do Denver Nuggets, de quem Gallo foi companheiro, dá para dizer que há um paralelo muito curioso entre o momento atual vivido pela Itália e seus principais jogadores com aquela situação de há pouco que afligia tanto a CBB como a legião brasileira da NBA.

Gallinari, Italia, Italy team

Gallinari deverá ter Preldzic e a Turquia pela frente no EuroBasket em grupo duríssimo

Na temporada passada da liga norte-americana, houve um recorde de quatro atletas italianos inscritos: Gallinari, pelo Nuggets, Marco Bellinelli, então do Spurs, hoje no Kings, Andrea Bargnani, ex-Knicks, hoje Nets, e Luigi Datome, trocado do Pistons para o Celtics e agora no Fenerbahçce, da Turquia. O mesmo barulho que se faz com os nossos representantes por aqui é reproduzido lá, na Bota, com suas estrelas. São os caras que em geral dominam as (poucas) manchetes para além do futebol.

Como aconteceu no dia 14 de fevereiro deste ano, quando a federação do país informou que Gallinari, Bargnani e Datome haviam jantado em Nova York com o presidente Gianni Petrucci e o treinador Simone Pianigiani. Bellinelli tinha outros compromissos pelo All-Star Weekend da NBA e não pôde ir, mas já havia passado seu recado. Tanto ele como os três demais estavam comprometidos em representar o time nacional no próximo EuroBasket, a partir de 5 de setembro.

Bellinelli deve ter perdido um bom vinho e uma excelente massa, suponho. (Nada que ele não possa compensar com o salário de US$ 19 milhões, por três anos, que acabou de acertar com Vlade Divac em Sacramento). No jantar, por parte dos atletas e comitiva era de puro otimismo. O encontro havia acontecido na véspera, no qual os três se comprometeram que estariam juntos com o time nacional na disputa do EuroBasket, a partir de 5 de setembro. Coincidentemente, foi no mesmo dia em que Gallinari atendeu alguns poucos jornalistas na edição global do Basketball without Borders, o camp organizado pela liga americana em parceria com a Fiba. Entre eles, vocês já sabem.

Nos tempos de Milão, como grande aposta europeia

Nos tempos de Milão, como grande aposta europeia

Quando questionado por esta besta antiética e amoral do VinteUm se essa seleção italiana prometia ser a mais forte desde a equipe que ganhou a prata nas Olimpíadas de Atenas 2004 (derrotada na final pela Argentina de Magnano, vejam só), o ala afirmou prontamente que “sim”. Mas não sem complementar: “Quer dizer, espero que sim, que possamos ser. No papel, não há dúvida. a minha cabeça, consigo visualizar isso, acredito nisso, e posso dizer que é o que está na cabeça de todos nós. Mas sabemos que temos de mostrar isso em quadra, que temos de nos provar jogando. Não adianta falar e não fazer. Será um momento especial, e mal podemos esperar para que comece”.

A expectativa para juntar tantas peças, depois de tantos desencontros, desfalques e tropeços é mais que compreensível. Bem sabemos. Desde aquele time com Basile, Bulleri, Pozzecco, Marconato, a Itália exportou atletas para a NBA como nunca, mas ficou fora dos Jogos Olímpicos de 2008 e 2012 e dos Mundiais de 2010 e 2014. Consequência direta das dificuldades enfrentadas no EuroBasket, no qual terminou em oitavo na última edição em 2013, depois de dois vexames: sequer participou da competição em 2009 e terminou em vigésimo em 2011 (com Bargnani, Gallinari e Bellinelli, aliás, mas sem um elenco de apoio tão bom como o de agora). Em termos de clubes, as coisas pioram. “Hoje só o Olimpia Milano consegue competir em alto nível, e ele infelizmente não foi muito bem nesta temporada”, lembra Gallo, citando o ex-time que até chegou às quartas de final da Euroliga em 2014, mas foi uma grande decepção na campanha passada. Sem contar a quebradeira financeira geral que derrubou até mesmo o Mens Sana Basket, ex-Montepaschi Siena, que foi nada menos que heptacampeão entre 2007 e 2013. O clube, no entanto, faliu e caiu para a quarta divisão. Uma draga que só. “O que aconteceu com eles foi algo ruim para todos, e, não, só para Siena.”

A campanha da seleção de 2013, na Eslovênia, porém, já apresentou sinais positivos. Sem a turma dos Estados Unidos, o time de Pianigiani foi muito bem a primeira fase, vencendo todos seus cinco jogos, contra Grécia, Turquia, Rússia, Finlândia e Suécia. Na segunda, os rapazes ainda bateram a Espanha na prorrogação, mas perderam para Croácia e Eslovênia. Depois de eliminados pela Lituânia nas oitavas de final, as coisas desandaram com um revés contra a Ucrânia pelo chamado torneio de consolação, que ao menos valia vagas diretas para a Copa do Mundo. A última chance de classificação foi na disputa pelo sétimo lugar. Para azar, bateram de frente com a Sérvia, que, um ano depois, seria a vice-campeã mundial, vencendo o Brasil pelo caminho.

Hackett e Gentile dão mais corpo ao time italiano

Hackett e Gentile dão mais corpo ao time italiano

Lembrando essa campanha, Gallinari e seus companheiros de NBA fazem questão de dizer que a seleção italiana vai muito além deles, e é verdade. “Temos o Alessandro Gentile (ala de apenas 22 anos, selecionado em 2014 pelo houston Rockets), por exemplo, que poderia jogar na NBA na próxima temporada tranquilamente , mas vai continuar no Olimpia Milano. É muito talentoso. Acima dessa transição para o Houston, o que mais importa para mim é que ele esteja bem ao final da temporada, pois vamos precisar dele. Ele é uma peça fundamental, e, curiosamente, seria a primeira chance para jogarmos juntos”, afirmou.

Gentile é um cestinha de muito fundamento e coragem. Petro Aradori já é mais arrojado com a bola e oferece mais uma arma no arremesso de longa distância. Daniel Hackett é um armador de 1,98m, forte toda a vida, bom defensor e com capacidade para ganhar o garrafão. Andrea Cinciarini vai revezar com o ítalo-americano na condução, com um jogo mais seguro. Todos eles dão um bom corpo ao time. “Precisamos de todos eles. Em geral, em qualquer esporte coletivo, você não vai conseguir ter sucesso sem o apoio de seus companheiros. É o ponto básico aqui”, afirma Gallo.

A questão em quadra para essa fornada italiana fica voltada, por enquanto, à defesa e à capacidade de sacrifício de seus jogadores. O time tem um arsenal ofensivo impressionante. Um conjunto de chutadores talvez inigualável nesse torneio, em todas as posição. Mas há só uma bola para ser compartilhada, não é verdade? Como o ala do Nuggets registra, para ele será a primeira temporada ao lado de muitos dos selecionáveis. Pianigiani vai ter de fazer uma bela preparação para colocá-los na mesma página, entrosados. A seu favor pesa essa mentalidade de que “chegou a hora” por parte dos astros. Algo parecido com o que Magnano encontrou por aqui. Resta saber se isso vai pesar mais que a pressão e que, juntos, poderão compensar eventuais carências individuais na marcação.

Ah, e claro: além desse desafio de dar coesão a um time, que jamais pode ser menosprezado, há um outro probleminha: os adversários. Devido aos recentes deslizes em competições internacionais, na hora do sorteio do EuroBasket, a Itália foi colocada apenas no quinto pote, ao lado de Bélgica, Macedônia e Polônia — enquanto, no terceiro, estavam Finlândia e Ucrânia. No final, caíram num grupo insano, com Espanha, Sérvia, Turquia e a anfitriã Alemanha, que terá Dirk e Schröder. Além da Islândia, coitada. Dá para dizer desde já que essa chave é a Divisão Sudoeste do Eurobasket, com sangue escorrendo por todos os cantos, enquanto as outras são todas Divisões do Atlântico, numa moleza que só. Protejam-se, islandeses, vocês não têm nada com isso.

Os quatro primeiros de cada grupo passam aos mata-matas, mas avançar em quarto nessa chave italiana representaria muito provavelmente um confronto com os franceses, atuais campeões europeus e medalhista de bronze no Mundial, nas oitavas de final. Aí cumprica. Quem cair nesta fase não só estará fora da briga pelo título (dãr!), como também não terá chance de disputar uma vaga no Rio 2016. Via EuroBasket, apenas os dois finalistas terão classificação direta. Os times posicionados entre terceiro e sétimo serão redirecionados, então, para o novo formato de Pré-Olímpico mundial estabelecido pela Fiba, com 18 países divididos em três torneios.

“Não tivemos sorte no sorteio, e não vai haver margem de erro”, diz Gallinari. “Sabemos que não há favoritismo nenhum da nossa parte. Vamos ter de fazer por merecer e ganhar o respeito em quadra e ganhar o respeito em quadra”, completa. É aqui que se encerram os paralelos entre Itália e Brasil. Não é nada fácil a vida de uma equipe europeia nesses tempos… Mas ao menos o time estará completo, podendo, enfim, dar ao basqueteiro italiano ao menos o gostinho de vê-los juntos, para verificar seu verdadeiro potencial.


Lesão de Exum não justifica retenção de Raulzinho em Utah
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Giancarlo Giampietro

seleção brasileira campeã do Pan de Toronto

A foto acima diz muita coisa. A felicidade de alguns dos campeões pan-americanos. Olivinha comandando a selfie, como não poderia deixar de ser. Rafael Hettsheimeir quase tirando seu futuro companheiro de Bauru da foto. Duas pessoas que, como jornalista, admito não reconhecer. Mas o que mais chama a atenção, mesmo, até por destoar no amontado amarelo e verde, é a camisa branca erguida por Augusto Lima, numa menção a Raulzinho (Neto), que se desligou do time no meio do caminho.

Legal que Augusto tenha pensando no jogador que o acompanhou nas últimas duas temporadas em Murcia. Nota-se nesse gesto o coração grande do pivô, que, na preparação para sua primeira decisão com a camisa da seleção, não se esqueceu do chapa. Mas não seria melhor se o próprio armador estivesse ali no meio?

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Acho que vocês já sabem o que aconteceu. Raul abandonou os treinamentos em São Paulo para viajar a Salt Lake City e assinar com o Utah Jazz. É o tipo de decisão que pode mudar o rumo de uma carreira, atlética e financeiramente. Não é menosprezar a seleção, mas você não pode abrir mão de uma oportunidade dessas. Então tudo bem: que pegue o avião rumo às Montanhas Rochosas e assine a papelada. Ponto.

(Da parte da CBB, a cessão do armador talvez seja, voluntariamente ou não, uma boa tacada política, pensando numa Olimpíada que vem por aí e também em eventuais futuras convocações de um jogador jovem, que já faz parte do próximo núcleo da seleção. Por outro lado, assusta a falta de transparência da entidade mesmo no trato da liberação de um atleta. Se a decisão foi de não bater o pé para que Raul ficasse no time, qual o problema de divulgar isso com clareza, uma vez decidido que o atleta não iria para o Pan? Abre-se margem para especulações, e a boataria pode atingir o jogador em cheio se fugir de controle. Ainda mais quando o assunto é a relação de enebianos e a seleção. Basta perguntar para Nenê os efeitos. )

O que rolou na sequência, uma vez assinado o contrato, é que é difícil de entender. O armador já não seria reintegrado à equipe de Ruben Magnano, mas também não fez parte do elenco de verão da franquia de Utah. Então que raios estaria fazendo? Bem, aí chegou a informação da mídia local de que a diretoria havia pedido para que ele ficasse por lá, para treinar com alguns veteranos em Las Vegas, num ambiente totalmente informal. Não sabemos quem e quantos estiveram em quadra, que tipo de orientação estavam recebendo e por quanto tempo duraram as atividades. Se é que elas foram interrompidas.

Engraçado: mesmo depois de assinar com o Utah Jazz, Raulzinho chegou a ser barrado por um segurança da arena do clube durante a rodada final da liga de verão local nesta quinta à noite. Teve de apelar aos novos companheiros para ter acesso liberado a área restrita

Raulzinho fehcou com o Jazz, mas apenas assistiu ao time na liga de verão. De resto, treinos

Boa parte do time esteve por lá, segundo relatos, ok. Os técnicos e os cartolas ficaram satisfeitos com essa reunião, acreditando que o período em conjunto nas férias ajuda a desenvolver a química do elenco e facilita o entrosamento em quadra. Para Raulzinho, vindo de fora, esse período pode, mesmo, ter sido importante, já que o armador teve um contato mínimo com esses atletas desde o dia em que foi selecionado em 2013 — foi a liga de verão em Orlando com Gobert e Burke, e pouco mais que isso. Mas… Basta espiar a foto acima novamente e perguntar se, na construção do armador Raul Neto, para o futuro do Utah Jazz, os rachões e jantares em Las Vegas são realmente mais relevantes que a experiência de jogar em Toronto e ganhar uma medalha pela seleção?

Em termos de relevância internacional, sabemos que o Pan está em segundo ou terceiro plano. De qualquer forma, lá estava um Rick Pitino iniciando seu trabalho com Porto Rico, Anthony Bennett e Andrew Nicholson tentando mostrar algo pelo Canadá, Bobby Brown e Keith Langford, cestinhas de Euroliga com salários de sete dígitos lá fora, realizando um sonho americano etc. O torneio não teve a elite da modalidade, mas apresentou elementos muito interessantes e, nesse contexto, e os caras escalados por Magnano souberam aproveitar ao máximo a oportunidade dada. Não há como negar que todos os que estiveram em quadra voltaram engrandecidos no desembarque em São Paulo. E, de qualquer forma, a ausência de Raul acabou abrindo espaço na rotação para que Rafael Luz provasse que, sim, tem de ser discutido em qualquer convocação futura, independentemente de quem esteja disponível. Ricardo Fischer também ganhou mais espaço, como um complemento fundamental à bela temporada que fez pelo Bauru. Os dois foram muito bem na armação, em que pesem um ou outro tropeço com a bola, inerentes à função. Para Benite estourar a boca do balão, valeu a assessoria dessa dupla de ainda jovens — mas rodados — armadores.

Em termos de trajetória internacional, Raulzinho está (ou estava) à frente. Ele teve mais minutos nas últimas temporadas de Liga ACB e ganhou rodagem bem mais extensa com a seleção, como uma presença constante nas listas de Magnano, com o ponto máximo sendo sua bela atuação contra a Argentina pelas oitavas de final da Copa do Mundo. Ainda assim, o Pan seria o primeiro torneio em que o jogador poderia pegar a chave do carro sem ter de pedir permissão a Marcelinho Huertas. Ainda vem a Copa América pela frente, pela qual a equipe nacional poderá jogar numa posição bastante interessante, sem pressão alguma, já que a vaga olímpica está no papo, para alívio dos competentíssimos gestores da CBB.

Então tem isso.

Foi uma tese convincente?

Talvez.

Para o gerente geral Dennis Lindsey e o técnico Quin Snyder, uma notícia que veio da Eslovênia, dez dias depois, talvez os tenha deixado seguros de que haviam tomado a decisão certa ao encorajar que Raulzinho ficasse fora do Pan. Foi quando souberam que o garoto Dante Exum havia muito provavelmente rompido o ligamento cruzado anterior de seu joelho esquerdo. O armador, de 20 anos recém-completos, estava jogando um amistoso pela Austrália. O clube ainda não informou quando ela será realizada, mas o caçulinha vai passar por uma cirurgia que muito provavelmente vai afastá-lo da próxima temporada.

O Utah Jazz tem um time em ascensão na NBA. Se fosse levado em conta apenas seu aproveitamento na segunda metade da temporada passada, teria entrado nos playoffs. Exum não teve números grandiosos, mas desempenhou um bom papel em quadra, especialmente por seus atributos defensivos. A lesão do australiano deixou angustadios os torcedores do time, aguardando com ansiedade uma nova grande equipe desde os tempos de Stockton e Malone, com todo o respeito ao grupo que teve Deron, Boozer, Okur, Kirilenko (e Baby). Não dá para saber o exato impacto dessa lesão. Quem sabe Raulzinho não dá um salto na pré-temporada e assuma a bronca? (Importante notar que essa não é a expectativa dos treinadores e diretores, com o brasileiro inicialmente cotado para a D-League e agora para disputar o posto de primeiro reserva com Bryce Cotton, que tem a mesma idade). Burke também pode encontrar, enfim, um ritmo consistente de jogo? Ou pode ser que chegue algum reforço que cuide da posição. Está cedo.

O que se lamenta mais é o ano perdido no desenvolvimento do australiano, que, no único jogo que fez neste verão (setentrional) pelo Jazz, foi muito bem, batendo os encardidos Marcus Smart e Terry Rozier para ganhar o garrafão diversas vezes. Até que… torceu o tornozelo e não conseguiu mais defender a equipe em Salt Lake City e Las Vegas. Quer dizer: contusões, lesões acontecem com atletas. Não tem jeito. De modo que qualquer movimento alarmista encampado nos bastidores da liga americana contra as competições internacionais tem de ser relativizado. Se as seleções estiverem comprometida em pagar um seguro pelos atletas, não há o que se fazer. Ainda existem jogadores que têm prazer em disputas internacionais. E muitos: basta ver que dezenas de atletas passaram por Las Vegas nos últimos dias para dizer a Jerry Colangelo e Coach K que têm interesse em fazer parte do grupo olímpico do Rio 2016.

O próprio Dennis Lindsey, gerente geral da franquia, sabe que não há muito o que se fazer a respeito. Ou a NBA causa ruptura total, ou as atividades seguem normalmente, com as devidas precauções tomadas. “Já vimos isso acontecer antes, infelizmente. Mas não há como embrulhar os jogadores em uma bolha. Você tem de deixá-los jogar”, afirmou. Isso, antes, de tomar mais um susto nesta quarta-feira, quando circulou por aí um papo de que Rudy Gobert havia deixado a quadra mancando, em amistoso contra a Sérvia. Aparentemente, porém, não é nada grave.

O próprio Gobert, de qualquer forma, é um grande exemplo de jogador jovem que usou uma passagem pela seleção nacional para se soltar e comprovar sua evolução. “Comprovar” porque ninguém dá um salto considerável de rendimento em apenas algumas semanas de treino com um time. O que Gobert fez pela França no ano passado foi o resultado de um ótimo trabalho com os treinadores do Utah durante seu primeiro campeonato. Foi na Copa do Mundo, porém, que o espigão recebeu bons minutos de jogo em alto nível, numa competição de alta visibilidade (e pressão), para ganhar confiança, sabendo que as coisas caminhavam bem, ainda mais quando veio uma medalha de bronze para uma equipe bastante desfalcada. Guardadas as devidas proporções, há um paralelo aqui com a seleção brasileira no Pan. E Raulzinho acabou perdendo essa.


Elogios, por favor: a CBB e a admirável habilidade para captar recursos
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Giancarlo Giampietro

A Arena da Barra vai ter Brasil nas Olimpíadas, depois de R$ 9 milhões angariados

A Arena da Barra vai ter Brasil nas Olimpíadas, depois de R$ 9 milhões angariados

Fala-se tão mal da CBB por aí, que, poxa, parece pegação no pé. Na hora em que a entidade consegue fazer uma cesta do meio da quadra, e de costas ainda, ninguém aparece para registrar o ocorrido e elogiar da forma devida. Então vamos lá, assumo esta bronca: para uma entidade tão endividada, que pode até mesmo estar tentando vender suas máquinas Olivetti e telégrafos na feira de Acari para fazer um troco, sua capacidade para “captação de recursos” não deixa de ser admirável.

Em questão de duas semanas, ou menos, a gestão Carlos Nunes primeiro conseguiu convencer Bradesco e Nike a um aporte R$ 2 milhões para quitação de dívidas com a Fiba evitar o maior vexame da história do basquete nacional. Uma vez garantida a vaga olímpica, então, foi a vez de assinar (mais!) um convênio de R$ 7 milhões com o Ministério do Esporte. Dessa forma, de quebra, por assim dizer, poderá bancar uma operação assustadoramente caprichosa para colocar a seleção masculina.

Vejo nisso um mérito danado, pura lábia e criatividade. Os mais chatos vão dizer “assistencialismo”. Cada um na sua.

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Agora falando sério, em termos de transparência, talvez não tenha ocorrido coisa melhor para o basquete brasileiro do que o release orgulhoso do Ministério para anunciar o mais novo escoo de dinheiro federal pelos cofres, também conhecidos como ralos, da CBB. Os mais enxeridos puderam acessar o site do Siconv (Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse do Governo Federal) e botar uma lupa, com Fábio Balassiano fazendo perguntas e o Victor Moraes, do iG, relatando.

Ao menos o Governo possui uma ferramenta como essa. Não justifica a dinheirama toda, mas ao menos os gastos estão totalmente expostos. Da minha parte, posso dizer que a discriminação dessa verba é dessas coisas inexplicáveis. Gastar mais com lavanderia do que com hospedagem? Lavar dez peças de roupa por dia para uma delegação de 24 pessoas (jogadores mais ? R$ 9.360 de custo diário.  Nas minhas andanças mundo afora, nunca vi nada nem parecido com isso. Não sou atleta, mas, de qualquer forma, um nutricionista também não treina em dois períodos por dia, nem precisa de roupa de aquecimento. Há também R$ 450 mil e R$ 100 mil para assessoria jurídica e financeira. Estariam inclusos aqui, de modo genérico, os gastos com seguros dos atletas? Com ou sem os caras de NBA, esse valor não deveria ser mais caro, de qualquer forma? As viagens de avião merecem uma classe executiva para atletas de ponta e enormes, mas estão todos os 24 integrantes da delegação indo em primeira classe AAA+? Pela companhia aérea mais cara do mercado? Ou é voo da alegria?

Tempos de austeridade: são 12 jogadores e mais quantos na delegação?

Tempos de austeridade: são 12 jogadores e mais quantos na delegação?

Veja bem: nem mesmo se estivéssemos falando de uma confederação (eles dizem “privada”, porém, com tantos convênios assinados, dá para assumir que seja de ordem “pública”, não?) com as contas em dia, descartando patrocínios indesejados mensalmente, garantido resultados maravilhosos a cada campeonato que disputa, a cada temporada, daria para justificar o gasto de R$ 9 milhões para que uma seleção brasileira possa competir. Pois é: oficialmente, não é uma verba destinada às equipes masculina e feminina, adultas e de base. Estamos falando de um só time que se reuniu em junho para jogar o Pan e o Pré-Olímpico e que, depois, vai disputar uma Olimpíada em casa, com vila para acolher os atletas. Sendo bem generoso, são cinco meses de atividade?

Aqui, acho que é o ponto em que cabe levantar a possibilidade de que, no final das contas, nem todas as atividades descritas no convênio CBB-Ministérioo vão realmente valer as cifras requeridas. Digamos que prática de se maquiar contas não tem patente registrada. Para constar: de acordo com as regras burocráticas do jogo, qualquer desvio de verba de uma escova de dente para a compra de sabão em pó já feriria o acordo e deixaria a confederação enrascada.

A entidade que, em torneios masculinos pelo adulto, ganhou apenas um título oficial desde 2010 — este Pan de Toronto. Que vê a seleção feminina perder força a cada temporada. Que precisou praticar o desapego do campeonato nacional para ver, enfim, os clubes do país conseguirem montar algo promissor. Que, em suas constantes reuniões em Brasília, não consegue apresentar ou viabilizar um projeto que seja para a tentativa de massificação da modalidade. Que… Acrescentem aí, por favor.

Para quem está endividado já na casa de oito dígitos, porém, chega a ser insano. Ou melhor, uma desfaçatez. Ignoram qualquer noção de austeridade, bancando salário integral para para uma dezena de profissionais, todos eles empregados em seus respectivos clubes, com exceção de Magnano. Ter uma comissão permanente talvez fosse aceitável desde que o fluxo de caixa digno de uma pororoca jorrando moedas para tudo que é lado. No atual contexto, não faz sentido, e a impressão que se passa é a de que gasta-se tudo, incluindo dinheiro que não está na conta, tendo a busca de um pódio no Rio 2016 como justificativa.  Como se a poderosa mente basqueteira de Magnano, apoiada por dois bons assistentes e uma excelente preparação física, com um bom ginásio de treinos sempre aberto ao time nas férias e uma dúzia de bolas de basquete e pouco mais que isso não fossem suficientes para entregar um bom produto em quadra. Grosso modo, claro. Não são tempos amadores mais, mas organização tambémd não se sustenta apenas com dinheiro.

E tem aquilo: nem todos esses gastos servem como garantia para nada. Espanha, França, Sérvia, Lituânia e qualquer outro time europeu da vez não estão nem aí para isso. Um pódio olímpico não se compra — e a verdade é que essa situação de dinheiro despejado na CBB é apenas um microcosmo do que se tem torrado de dinheiro desde 2010 com gastos de mais de R$ 7 bilhões já executados e mais R$ 5 bilhões por vir, segundo auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União).

Mas, aqui, temos o hábito de nos ater ao basquete, não é verdade? E, ao mesmo tempo que os números descritos pelo convênio geram espanto e desgosto, eles ao menos nos ajudam a entender  a situação em que estamos, com uma administração desprendida da realidade. Sem querer, o Ministério nos ajuda a entender o que se passa para a confederação contrair tamanha dívida, revelando a caixa preta de tantos voos desgovernados.

Admito que nem me dei ao trabalho questionar a CBB a respeito. Até por saber que a resposta que vem sendo dada é que ela não se pronuncia sobre o convênio. Talvez não haja o que ser dito, mesmo, sem que se complique ainda mais a situação. Não dá para saber o quão a sério o Governo leva essa descrição de gastos (aliás, se leva, melhor nem ver quanto gasta uma comitiva em viagem oficial) e qual é os eu poder fiscalizador. Do ponto de vista da CBB, acho que vale a tese de que, para quem deve até as cuecas na praça, melhor não mexer em vespeiro.

Penando nisso tudo, me bate na cuca esse movimento de gente que, há tempos, se recusa a torcer pela seleção brasileira. De futebol, no caso. Cansados daquele noticiário que não o esportivo, preferem ficar do outro lado, a apoiar um time cujo resultado pode servir para a manutenção de uma estrutura rica e precária ao mesmo tempo. Nunca fiz parte desse time, por entender que uma coisa é uma coisa, e tal.  Na panelinha do basquete, com alcance muito menor de público, nunca ouvi esse discurso. O duro é que, entre pires passados de mão em mão e a  perspectiva zero para reformulação de gestão, não seria de se estranhar que, daqui a alguns anos, não haja mais um anjo da guarda federal para evitar a bancarrota, nem mais nem competições para se disputar, apoiando ou virando as costas. Aí não vai ter, mesmo, o que elogiar.


As anotações de um scout da NBA sobre Caboclo, Bebê e Felício
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Giancarlo Giampietro

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Caboclo e a envergadura interminável: ansiedade do jogador e dos olheiros

Numa citação gratuita do Kid Abelha, assim do nada, eu tinha um plano. Vou te contar: era viajar para Las Vegas neste mês de julho e me enfurnar em cassinos e baladas no ginásio Thomas & Mack center, da Universidade de Nevada-Las Vegas, para assistir a dezenas de peladas de basquete e, mais importante, entrar em contato com praticamente qualquer clube da NBA, grandes equipes da Europa, jornalistas, free-lancers e qualquer outro personagem disponível. No verão (setentrional), a Cidade do Pecado vira uma capital do mundo, com direito até mesmo a um draft da (mais rica do que você esperava) liga sul-coreana. Obviamente não deu certo a viagem, por motivos de bufunfa e as chamadas *oportunidades profissionais* cada vez mais escassas no jornalismo brasileiro, e vida que segue.

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Mas isso não quer dizer que o blog não tivesse olhos por lá. O Rafael Uehara já nos trouxe aqui uma avaliação sobre como andam Bruno Caboclo e Lucas Bebê em sua curva de desenvolvimento após um ano de treinos, tédio, treinos, escapulidas, poucos minutos em jogos oficiais e mais treinos em Toronto. Até que neste fim de semana entrei em contato com um scout veterano da NBA para colher mais impressões sobre os promissores brasileiros que tiveram uma semana importante na solidificação (ou não) como prospecto para a liga. Talento não falta para os dois jogadores do Raptors e para o pivô Cristiano Felício, recém-contratado pelo Chicago Bulls. Ainda assim, talento não faltava ao redor deles em Las Vegas também. No sentido de que a liga está abarrotada de jovens promessas de todos os cantos do mundo, cada uma sendo considerada bastante especial por jornalistas e torcedores de seu lugar de origem. Para sobreviver lá, você tem de evoluir. Do contrário, a fila anda, mesmo quando falamos de garotos de 20, 22 anos.

A boa notícia? Os três deixaram boas impressões, segundo o ponto de vista desse scout da Conferência Oeste, que esteve aqui no Brasil para assistir a jogos da LDB na temporada passada. Obviamente não posso identificá-lo, mas ele trabalha por seu clube há mais de oito anos e tem cargo de diretor. Veja abaixo o que ele escreveu em seu caderno de anotações sobre cada um deles.

Bruno Caboclo: “Ainda cru e talentoso, com muito potencial para ser explorado… A mecânica de arremesso para três pontos na linha da NBA parece boa, e ele arremessou com confiança… Por enquanto, é um arremessador sujeito a altos e baixos, precisando ainda trabalhar em sua consistência… Tem de continuar trabalhando para melhorar sua habilidade em por a bola no chão e criar para si e para os outros… Sólido na tabela, mas poderia ser ainda melhor… Melhorou em termos de força e jogo físico, mas ainda há o que fazer nessas áreas… Tem tamanho de NBA e ferramentas, mas precisa continuar desenvolvendo seu jogo de modo geral e melhorar principalmente em termos de consistência… Por exemplo, na defesa, suas ferramentas atléticas e físicas chamam ainda mais a atenção, mas o impacto que ele causa é inconsistente… A envergadura é um destaque, é só questão de aprender a usá-la em seu proveito: já poderia ser um cara muito melhor na hora de bloquear ou intimidar os arremessadores… Precisa aprender a jogar duro e permanecer engajado no jogo o tempo todo”.

Caboclo, e o penteado diferente. E o jogo?

Caboclo, e o penteado diferente. E o jogo?

(Um bônus: sobre Caboclo, também consegui conversar com um vice-presidente de uma franquia do Oeste, que bateu na mesma tecla sobre “esforço e energia em nível baixo” durante as partidas. Para este dirigente, Bruno pareceu também um pouco egoísta em quadra, olhando apenas para a cesta e para seus pontos. “Ele era uma página em branco para muita gente, e os primeiros capítulos não foram tão bons como esperava”, disse. Durante a conversa, todavia, o executivo amainou as críticas, lembrando o contexto em torno do caçula brasileiro. “Um ano sem jogar numa idade tão jovem, tendo ele já vindo de uma situação em que estava correndo atrás dos garotos de sua geração, não é fácil. Vai levar um pouco de tempo para ele se ajustar”, completou.

A combinação das notas acima e desse comentário nos dá um bom panorama sobre o ponto em que está Caboclo. Ele ainda é muito jovem e, realmente, o primeiro ano com o Raptors foi como se fosse o ensino primário. Se a franquia canadense acertou em seu planejamento, ainda está cedo para avaliar. Eles preferiram trabalhar com o ala em termos de porte físico e no aprendizado do inglês. A pergunta: não era possível fazer isso e mais um pouco? Esse dirigente acredita que sim. Mas Masai Ujiri estava de mãos atadas, sem ter um clube da D-League pelo qual o garoto pudesse jogar à vontade e sem poder exigir que Dwane Casey o usasse num time que pretendia ir longe nos playoffs. Foi exatamente esse o alerta que outro scout da NBA havia dado ao blog no ano passado, se vocês por acaso se recordam. Era mais um que havia se apaixonado pelos vídeos de Bruno no período pré-Draft, mas que enfatizava o quão era importante que ele fosse para a quadra para evoluir. O Raptors agora, enfim, tem sua própria filial. Vamos ver como eles se saem.)

Bebê já mostrou que tem habilidades para além da capacidade atlética

Bebê já mostrou que tem habilidades para além da capacidade atlética

Lucas Bebê: “Ainda impressiona também por suas ferramentas físicas e potencial, mesmo aos 22 anos… Suas atuações também foram um pouco irregulares, com altos e baixos, mas seu desempenho nos rebotes e na proteção da cesta se destacaram… De um modo geral, ele tem um jogo que pende para a finesse, tendo dificuldade ao enfrentar um estilo mais físico… Pode correr a quadra e tem mobilidade impressionante, podendo perseguir adversários em busca de tocos… Acaba sendo mais efetivo em movimento em direção ao garrafão… Em termos de jogo de costas para a cesta, existe uma carência clara… Por isso, dependia que os companheiros criassem oportunidades para ele… Ainda precisa ficar mais forte (mas não mais pesado). É algo que o ajudaria a se estabelecer no jogo interior… Mais um caso de atleta que precisa manter a concentração e a intensidade durante uma partida”.

(Aqui, uma reflexão da minha parte: durante a conversa com o executivo mencionado acima, argumentei que um ano inteiro praticamente fora de quadra, em termos de jogos para valer, pode pedir um tempo de “reabilitação” para os atletas, não? Os atletas muito provavelmente vão ficar ansiosos, querendo mostrar qualquer coisa em que tenham trabalhado durante os longos treinos. Daí a fixação de Bruno pelos arremessos em Vegas? Além disso, eles não têm mais ritmo de jogo algum. Mesmo que as ligas de verão não apresentem de modo algum um padrão, uma cadência que lembre a de um jogo de NBA de verdade, ainda estamos falando de partidas com cronômetro, arbitragem, adversários empenhados do outro lado e uma estrutura mínima de cinco contra cinco, bem diferente de rachões ou de um treino de mano a mano contra James Johnson. Daí a inconsistência? Não saber exatamente como dosar a energia em quadra? Pode ser, e melhor que as respostas sejam nessa linha. Como disse: há dezenas e dezenas de jogadores querendo uma vaga na linha. Vamos conferir isso com atenção durante a temporada da D-League.)

Felício não teve muito tempo como reserva de Bobby Portis e Cameron Bairstow

Felício não teve muito tempo como reserva de Bobby Portis e Cameron Bairstow

Cristiano Felício: “Teve minutos limitados, mas tem bom tamanho e é forte… Inicialmente, o jogo pareceu um pouco rápido demais para ele, mas o pivô se ajustou de modo admirável e conseguiu jogar de acordo com seus principais recursos… Ele é um reboteiro muito bom em um espaço, quando posicionado… Correu a quadra toda com muita energia… Não teve muitas oportunidades para mostrar seu jogo de garrafão, mas foi capaz de finalizar quando acionado no jogo interno em passes próximos de companheiros… Nesse tempo limitado, também mostrou bons sinais de habilidade para proteger a cesta e bloquear os adversários, embora nota-se que ele usa mais a sua força para combater lá dentro do que sua capacidade atlética”.

 (Sobre Felício, estou preparando um artigo maior, recuperando sua última temporada pelo Flamengo. Tem um talento enorme, e espero que os treinadores em Chicago o encarem da mesma forma. Acredito que ele pode ser muito mais do que o pivô do importante, mas básico pacote de “corta-luz + rebote + retaguarda defensiva + uma ou outra enterrada e bandeja”.)

Ritmo, energia, química, e a tempestade perfeita para a seleção
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Giancarlo Giampietro

seleção brasileira campeã do Pan de Toronto

Sendo julho, período de férias da garotada, a queda de produção do blog tem um timing ligerimante suspeito. Mas ainda não existem pimpolhos circulando pela base do conglomerado 21, e o mês foi de muito trabalho, mesmo, com algo como 33 dias trabalhados de 35 possíveis, em ritmo intenso. Só para deixar claro o porquê do sumiço e de como foi bem-vinda a colaboração de Rafael Uehara, para ao menos publicar algo durante o mês.

Posto isso, não quer dizer que não tenha dado para assistir a um jogo ou outro de basquete nesse meio-tempo, para evitar aplacar a tremedeira nas mãos e evitar que chegasse a uma crise de convulsão.

As ligas de verão? Infelizmente só consegui ver a de Orlando, perdendo a apresentação dos brasileiros em Las Vegas. Mas isso o Rafael conseguiu remediar, com seus scouts atenciosos em relação a Bruno Caboclo e Lucas Bebê. Nesta terça-feira, vou publicar também as notas de um experiente olheiro da NBA, que estava presente no ginásio, às quais tive acesso.

Antes disso, todavia, melhor falar sobre o que pude assistir para valer, e com grande satisfação, que foi a seleção brasileira campeã pan-americana – e que acaba de vencer Uruguai e Argentina em amistosos em Brasília.

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Bom, entre o torneio valendo ouro e o amistoso, já são sete vitórias seguidas. O basquete apresentado no Nilson Nelson foi o mesmo de Toronto? Claro que não. Nem poderia ser, e isso tem mais a ver com o calendário um tanto espaçado e traiçoeiro do que com o nível dos adversários. A seleção teve de ser preparada para um pico de performance, tanto do ponto de vista técnica como do físico de 21 a 25 de julho. Agora, encaminha nova preparação para um torneio que vai começar mais de um mês depois, de maior duração (espera-se…), lembrando que estamos falando de meses nos quais, supostamente, esses caras deveriam estar parados.

Aliás 1: como chamar essa temporada de seleção tão longa? Pré-e-pós-temporada-tudo-ao-mesmo-tempo? Flamengo, Bauru, Murcia… É bom que os clubes estejam atentos desde já em relação ao estado dos atletas em sua apresentação. Por mais jovem que seja o grupo, tem de tomar cuidado.

Aliás 2: se o plano de Magnano é contar com a tropa de choque veterana da NBA nos Jogos do Rio 2016, tanto melhor que não a usasse agora, especialmente depois de uma campanha pela qual só Leandrinho passou incólume.

Aliás 3: a vaga olímpica ter sido garantida ao país-sede vale como um alívio ainda maior considerando os dois fatores acima. Mais a respeito será tratado durante a semana, mas dá para dizer aqui que, esportivamente, comemora-se. Pensando nas constantes vezes que a CBB flerta com o desastre e até mesmo faz da vergonha um eufemismo, não há nada o que festejar, pensando no futuro.

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Agora, voltando à quadra. Deu para se notar um certo zum-zum-zum sobre como este Pan não poderia valer tanto assim, já que todos os principais adversários estavam formados por times em versão beta. Inegável isso, mas a seleção brasileira também não era, até a hora que entrou em quadra, favorita a nada.

Benite chegou ao Pan embalado por excelente playoff do NBB

Benite chegou ao Pan embalado por excelente playoff do NBB

O time de Ruben Magnano simplesmente dominou rivais de nível técnico – ou bagagem internacional, no mínimo – equivalente. E dominou devido ao excelente padrão de jogo apresentado. Padrão de jogo que turbina o talento disponível, como em qualquer time campeão. Você não vai vencer só pela técnica ou pela tática. Vai vencer quando as duas andam em conjunto, quando um treinador faz uma boa lista e tira o melhor daquilo que tem em mãos. Não há outro “se”, ao meu ver, para ser ponderado aqui. Acho que podíamos combinar uma coisa: falar que é a seleção jogando. Sem B, C ou D. É o time convocado, que se apresentou, treinou e ganhou.

Foi o que aconteceu em Toronto, e algo bem diferente do que vimos em Guadalajara 2011 ou na Copa América 2013, por razões diferentes. Para o México, Magnano admitiu que reuniu o time já no avião, indo à base de catadão, mesmo. Dois anos depois, na Venezuela, o treinador jurava que contaria com seus principais nomes (mesmo num torneio em que Luis Scola e Greivis Vásquez eram verdadeiras aberrações) e se atrapalhou todo na hora de fazer as emendas necessárias. Ficou com um arremedo de equipe, sem coesão alguma entre as peças, perdendo para Uruguai e Jamaica. O maior vexame sobre o qual se tem nota, na quadra.

Desta vez, com planejamento adequado, tudo mudou. O título pan-americano obviamente começou a partir da convocação, muito mais razoável. Magnano formou uma equipe balanceada. Tão importante também foi o respeito pelo que aconteceu durante a temporada – algo que, por uma razão difícil de compreender, nem sempre acontece. Os nomes podem não ter sido tão revolucionários assim, em termos de material novo, mas foram pinçados todos atletas que jogaram muita bola no Brasil ou na Europa. Benite e Olivinha terminaram o ano voando pelo Fla. Augusto foi um dos cinco melhores pivôs da Liga ACB, sob qualquer avaliação. Rafael Luz se despediu do Obradoiro aclamado pela torcida. João Paulo foi campeão francês. Ricardo Fischer e Rafael Hettsheimeir ganharam quase tudo por Bauru. Marcus já atormenta os atacantes do NBB há tempos. Etc. Etc. Etc. Isso serve para confirmar o talento brasileiro por vezes subestimado. Não precisa de um selo de NBA ou Euroliga para se corroborar a qualidade de um atleta e, principalmente, de uma equipe.

A partir daí, foi entender a melhor forma como encaixar essas peças. Não era tão difícil assim. O grupo tinha bons armadores com propensão ao passe. Rafael e Ricardo podem ser jovens, porém já têm boa cancha, se não em competições pela seleção, mas em jogos de grande relevância por seus clubes. Havia bons arremessadores, com Benite, Meindl, Hetthsheimeir. Pivôs flexíveis como Augusto e Olivinha, e de habilidades distintas que combinavam muito bem, como os bons corta-luzes e cortes para a cesta de Augusto, o jogo de costas para a cesta de JP e mais chute.

De nada adiantaria, porém, se não houvesse química entre esses atletas, e até nesse aspecto a lista é, vá lá, extremamente feliz. É só ver o Marcus vibrando (em vez de urrando de dor), estirado na quadra do Nilson Nelson, depois de cavar uma falta de ataque da Argentina. O ala, agora do Basquete Cearense, é uma das tantas personalidades agrupadas de astral e energia elevados.

Isso não é conversa fiada e facilita o entendimento em quadra. Algo que foi basicamente impecável durante o Pan. A agressividade na marcação exigida por Magnano ganhou também a cobertura de uma defesa interior muito sólida. A boa defesa leva ao contra-ataque, e a execução em transição está no DNA. Quando não houve oportunidade para a definição rápida, o time cumpriu, creio, o melhor ataque em meia quadra sob gestão do argentino, com espaçamento e ritmo.

Por falar em ritmo, retomamos a produção normal do blog nesta semana, acompanhando como a seleção, com essa tempestade perfeita que vimos em Toronto, vai se virar contra oponentes mais qualificados.


Ouro do Pan também confirma a ascensão de Augusto Lima
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Giancarlo Giampietro

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Scout por Rafael Uehara

Augusto Lima foi promessa durante bastante tempo nas categorias de base do Unicaja, mas nunca teve muitas oportunidades com o time principal. Depois de deixar Málaga em 2013, assinou com o Murcia, e sua carreira finalmente decolou, com duas temporadas de muito boa produção. Seguindo nessa toada, o brasileiro teve um belo Pan-Americano, e há rumores de que o Dallas Mavericks estaria interessado em assiná-lo para a pré-temporada da NBA. Seu nome já foi envolvido também com outros clubes europeus de grande porte, mas não se sabe ainda se ele vai procurar um novo destino ou se vai renovar com a equipe na qual se tornou ídolo máximo.

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Porte físico, envergadura
Augusto não é um pivô de muita habilidade, de fino trato com a bola, mas faz a diferença devido ao seu porte físico e sua envergadura. Sua principal contribuição no ataque é o rebote ofensivo, pois o pivô é capaz de buscar a bola fora da sua posição devido aos seus braços longos, além de conseguir saltar com bastante facilidade. De acordo com o site RealGM, Augusto coletou 14,6% dos tiros perdidos pelo Murcia na temporada passada – a sexta maior marca da liga espanhola.

Augusto "mergulha" rumo à cesta: deslocamentos oportunistas

Augusto “mergulha” rumo à cesta: deslocamentos oportunistas

Seu talento não se restringe, porém, a rebarbas. O pivô se encaixa dentro de um esquema ofensivo por meio do pick-and-roll. Augusto geralmente ameaça fazer o corta-luz e usa esse meio segundo de vantagem para partir para dentro com o tipo de velocidade que atrai a atenção de vários marcadores e pode deixar companheiros livres ao redor do perímetro. Ele tem boas mãos para receber a bola em movimento e é uma boa opção para a ponte aérea. Augusto converteu 64,7% dos seus 34 tiros de quadra no Pan e 54,4% de seus 472 arremessos com o Murcia nesses últimos dois anos. Aproveitamento elevado e consistente.

Na defesa, Augusto é capaz de dar tocos, mas não protege o aro dessa forma com frequência. Foi apenas um toco para ele em cinco jogos no Pan e 36 em 34 partidas com Murcia na temporada passada. Porém, isso não significa necessariamente uma deficiência. Ele procura fazer seu papel de outra forma, tendo já demonstrado boa agilidade girando pra dentro do garrafão e disposição para cavar faltas de ataque.

Mas sua principal contribuição acaba sendo a marcação acima do garrafão. Augusto consegue trocar de posição no pick-and-roll e marcar jogadores menores. Isto porque tem muito boa mobilidade e coordenação se movendo de lado a lado. Também tem boa velocidade de recuperação para contestar tiros vindos do pick-and-pop.

>> Teria Rafael Luz feito o suficiente para se garantir na armação da seleção?

Augusto às vezes ´pode ser pego um pouco desatento na briga por rebotes defensivos, nem sempre colocando seu corpo contra o adversário para fazer o bloqueio, mas é, de qualquer forma, muito rápido buscando a bola. Coletou 24,8% dos tiros perdidos pelos oponentes enquanto estava em quadra na temporada passada – a quarta maior marca na liga espanhola.

Com a bola
Quando acionado de costas para a cesta durante o Pan, Augusto passou a bola relativamente bem, mantendo a cabeça erguida e dando assistências para tiros de três pontos. Mas não é de seu costume criar boas oportunidades nessas situações com frequência. Seu jogo é bastante mecânico, nesse sentido. Também nunca demonstrou muita habilidade de passar em movimento, em direção à cesta, por exemplo. Deu assistência em apenas 5% das cestas que o Murcia converteu na temporada passada. Além disso, Augusto também não apresenta um tiro de meia distância como arma recorrente. Isso pode ser corroborado por seu  aproveitamento ruim em lances livres: ele converteu apenas 66% de seus 223 tiros nos últimos dois anos.

O deslocamento lateral deixa Augusto em boa posição para contestação

O deslocamento lateral deixa Augusto em boa posição para contestação

Conclusões, por Giancarlo Giampietro
Pudemos conferir no Pan a confirmação daquilo que a Liga ACB espanhola já sabia: Augusto é hoje um dos pivôs mais promissores que você vai encontrar por aí. Isso tem muito a ver com seu biótipo e com a energia que leva para a quadra. Ele simplesmente não pára, e dessa forma lembra em muito as características do jovem Anderson Varejão. Características que não devem ser subestimadas de modo algum. Vitor Benite, por razões óbvias, foi o atleta mais badalado do Brasil na campanha do ouro em Toronto, devido a uma exibição impressionante na hora de colocar a bola na cesta. Mas Augusto talvez tenha sido tão ou mais influente em quadra, deixando os pivôs adversários comendo poeira em transição, atacando a bola e fazendo a cobertura na defesa, impondo o caos na tábua ofensiva e se apresentar como essa opção confiável de desafogo para as infiltrações dos armadores, se deslocando de modo perspicaz pelo garrafão. Por ter boas mãos, dá para supor também de que vá se desenvolver gradativamente para se tornar uma ameaça ainda maior no ataque.

Murcia tem novo treinador. Troca pode influenciar no futuro de Augusto?

Murcia tem novo treinador. Troca pode influenciar no futuro de Augusto?

Depois de testemunhar tudo isso, é natural que o torcedor brasileiro já *faça planos* para o pivô. Sonha-se com a NBA, com a Euroliga, e tal. Mas talvez o melhor para Augusto seja continuar no Murcia por uma temporada a mais. Foi lá que ele se encontrou como jogador e lá que progrediu a esse ponto. Ele é simplesmente venerado pela torcida, a ponto de ter sido eleito o jogador mais popular da ACB, e terá todo o tempo de quadra que quiser para se desenvolver. Vale mais jogar como referência de um clube modesto, ou ser apenas mais uma peça num time de maior expressão? Há um fator a se considerar. O Murcia trocou de treinador durante as férias. Saiu Diego Ocampo, um espanhol emergente que fez excelente figura em seu primeiro trabalho como treinador principal após anos e anos como assistente de profissionais renomados. Chegou Fotis Katsikaris, o badalado grego que já fez sucesso dirigindo o Valencia e Bilbao. Augusto estará em boas mãos, mas é preciso saber se a química será a mesma. É o tipo de decisão difícil de se ponderar. O que sabemos, de todo modo, é que o brasileiro está bem encaminhado, com uma atitude excelente dentro e fora de quadra, capaz de levá-lo muuuito longe em sua carreira.

Rafael Uehara é paulistano e colaborador de diversos sites estrangeiros. Você pode acompanhar mais de seu trabalho no Bball Breakdown e no Upside Motor. Ou, se preferir, em seu próprio blog, o Baskerball Scouting. Pode segui-lo no Twitter.