Nada de férias! Como foi a liga de verão de Bruno Caboclo?
Giancarlo Giampietro
É verão!
No Hemisfério Norte, digo. A estação do ano mais comemorada pelos caras lá de cima, que tanto sofrem durante inverno e outono com temperaturas abaixo de zero, e tal. Se aqui no Brasil estamos bastante mal acostumados com temperaturas calorosas durante boa parte do ano, em terras austrais a chegada das férias e do sol ganha proporções milagrosas. Eles arrumam as malas e vão para a estrada, mesmo, para curtir até o último dia que der. Que o diga Chevy Chase.
Para Bruno Caboclo, porém, depois de tanto frio que passaram em Toronto, andando pelos subterrâneo, e tudo mais, não tem coisa nenhuma de férias. O ala foi para Las Vegas, mas a trabalho, em uma das três summer leagues que a NBA promove neste ano. Pela primeira vez em muito tempo, teve a chance de jogar bons minutos, dia após dia, para tentar mostrar serviço ao técnico Dwane Casey e ao gerente geral Masai Ujiri. Mostrar que, a despeito de uma temporada um tanto conturbada, aproveitou o trabalho individual com os técnicos do time. Então dá para entender a ansiedade de muita gente aguardando suas atuações em sua segunda participação na Liga de Verão de Las Vegas. Que tipo de novas artimanhas ele poderia exibir? Como estaria sua fluência ofensiva? Sua curva de desenvolvimento? Vamos examinar.
Por Rafael Uehara, especial para o VinteUm
O contexto: Bruno Caboclo esteve em quadra por apenas 87 minutos oficiais na temporada passada; 23 com o Toronto Raptors na NBA e 64 com o Fort Wayne Mad Ants da liga de desenvolvimento.
Quando a franquia canadense surpreendeu a todos ao escolhê-lo com a 20ª escolha da primeira rodada do draft, o comentarista da ESPN Fran Fraschilla classicamente opinou “he is two years away from being two years away”. Já se tinha mais ou menos uma ideia que Bruno veria pouco tempo de quadra entre os melhores do mundo.
Mas o fato de ele também ter jogado muito pouco na liga de desenvolvimento foi bastante decepcionante. A razão é porque o Toronto era um dos times que não tinha franquia própria na liga de desenvolvimento e dependia de um acordo com a franquia de Fort Wayne. Diferente das franquias que pertencem a times da NBA e são usadas com o principal foco em desenvolver jogadores, técnicos e estratégias para a matriz, Fort Wayne se mantém viva atraindo o público e patrocínio da região e o faz tentando competir pelo título. Logo, põe em quadra quem acha que o ajuda a ganhar e o brasileiro de 19 anos que mal tinha experiência na liga brasileira não se encaixava nesse critério.
A boa notícia é que o Toronto acaba de comprar uma franquia para disputar a liga de desenvolvimento na próxima temporada, o que vai proporcionar ao Bruno todo o tempo de quadra que ele precisa para começar a tentar alcançar o potencial que todos veem nele, o que é vital porque é muito provável que ele mais uma vez não faça parte dos planos de Dwane Casey neste próximo ano ainda.
Os Raptors acabaram de contratar DeMarre Carroll e ainda contam com DeMar DeRozan, Terrence Ross, James Johnson e Norman Powell no elenco. Mesmo com as saídas de Lou Williams, Greivis Vasquez (Casey gostava de ter dois armadores em quadra em algumas situações) e rumores de que o time será mais agressivo usando um de seus alas como ala-pivô em formações menores, ainda é difícil ver o Bruno como parte da rotação.
Especialmente considerando que ele não impressionou muito na liga de verão de Las Vegas na semana passada. Geralmente se espera um salto de produção das escolhas do primeiro round indo do primeiro para o segundo ano, possível de se ver logo na liga de verão. Giannis Adetokunbo ainda não é grande coisa, mas foi de qualquer forma uma peça importante em um time que se classificou para os playoffs no Leste, e mostrou já na liga de verão do ano passado o que estava por vir. Mas esse não foi bem o caso com Bruno, que não foi eficiente com seus tiros e não teve oportunidades de mostrar habilidades a mais do que aquelas esperadas.
De longa distância: no momento, o que Bruno faz com maior freqüência em quadra é o tiro de longa de distância. É um atleta com bom porte físico, mas não se apresentou para contra-ataques muito. Tocou na bola mais na meia-quadra mesmo e sempre se posicionava no lado oposto à bola, sem participação na criação de jogadas contra a defesa armada — isso ficava por conta do armador Delon Wright e do ala-armador Norman Powell, calouros recém-draftados, mas muito mais experientes e habilidosos que o brasileiro. Sua função era de atirador e como resultado, 63% de suas tentativas foram tiros de três pontos.
Bruno tem boa mecânica em seus lançamentos, mas dispara de maneira um pouco metódica, pouco fluida, e essa fração de segundo que ele perde para acionar o arremesso faz bastante diferença contra os atletas do melhor basquete do mundo – mesmo aqueles da liga de verão que estão sofrendo para arranjar emprego como 15º homem de um elenco. Por ora, Bruno tem muito mais capacidade para acertar tiros sem contestação do que lidando com qualquer tipo de defesa. No geral, converteu apenas 10 dos seus 36 tiros de três pontos nos cinco jogos que disputou.
Trabalho com a bola: Bruno teve algumas oportunidades de criar em situações em que o armador penetrava e o achava em posição de tiro ao redor do perímetro. Marcadores dão o pique para contestar o tiro, e, com uma ameaça de chute, cria-se a chance de partir para dentro.
O caçula ainda não tem muita explosão com a posse da bola e dificilmente criou a separação necessária para agredir. De todo modo, o ala consegue chegar ao aro ou arranjar lances livres devido ao seu porte físico. Tem longas passadas e vai da linha dos três pontos até o aro em dois dribles e dois passos. Também não é qualquer aala que consegue parar o impulso de alguém que mede 2,06 metros e pesa 96 quilos.
Bruno converteu 10 cestas de dois pontos em 21 tentativas e cavou em média 4,6 lances livres a cada 36 minutos em quadra, ambas as marcas bem promissoras. Porém, por outro lado, seu controle de posse é bem mediano e ele ainda tem muito pouco reconhecimento do jogo ao seu redor, sofrendo ao tentar criar para seus companheiros de time – registrando apenas quatro assistências nas cinco partidas e 11 perdas de posse.
Defesa: devido a seu porte físico e envergadura, espera-se que Bruno se desenvolva em bom defensor. Mas no momento ele ainda não é grande coisa. Individualmente, ele até consegue impedir a penetração de jogadores do seu próprio tamanho, mas não se mostrou capaz de permanecer na frente de jogadores menores.
Marcando o pick-and-roll, Bruno teve dificuldade de ir por cima do corta-luz e se recuperar com velocidade. Talvez seja possível que ele seja grande demais para esse tipo de estratégia, sendo melhor ir por baixo e usar sua envergadura para contestar tiros de longa distância.
Bruno também teve alguns lapsos que lhe custariam tempo de quadra em qualquer outro ambiente que não fosse a liga de verão. Em determinado lance de jogo contra o Chicago Bulls de Cristiano Felício, resolveu deixar um arremessador do nível de Doug McDermott completamente livre no canto e partiu para dentro do garrafão sem a menor razão. A bola eventualmente chegou às mãos de McDermott, que acabou errando, mas que não se deve deixar de modo algum sozinho nesse tipo de situação. Um lapso que realmente não seria perdoado em um ambiente mais exigente como a temporada regular nos playoffs, em que as vitórias valem (e custam) tanto, especialmente para um time com ambições de ir longe nos playoffs.
Conclusões, por Giancarlo Giampietro: durante toda a temporada passada, os dirigentes e técnicos do Toronto Raptors afirmaram que o principal objetivo com Caboclo era aclimatá-lo à América do Norte, à cultura da NBA. Como este blog já reportou, talvez o garoto tenha se sentido até bem demais fora de quadra, com algumas questões disciplinares que deixaram o clube preocupado. e que, do ponto de vista esportivo, iriam se concentrar no desenvolvimento de seu corpo. Ele já aparece mais forte, mesmo. Ainda assim, isso não quer dizer que não tenham trabalhado em quadra, especialmente com o técnico Jama Mahlalela. Em Las Vegas, então tivemos a chance de ver como está seu progresso dentro das quatro linhas. O que se nota é que ele ainda não está pronto para fazer parte da rotação do Raptors, mesmo que o plano fosse que ele jogasse mais já no segundo ano. Isso só deve acontecer pela franquia da Liga de Desenvolvimento, mesmo, o Raptors 905, hospedado em Mississauga. Caso o ala aceite essa situação, sem se ver desprestigiado por estar jogando na liga menor, terá uma boa oportunidade de expandir seu jogo para além da dinâmica de ''correr e se posicionar no lado contrário à espera do chute de três''. É de se esperar que, depois de tanto reclamarem da dinâmica do Fort Wayne Mad Ants, vão deixar o brasileiro agora à vontade para arriscar e errar, até que os acertos se tornem mais frequentes. Cabe ao brasileiro abraçar essa situação e tentar tirar o melhor dela, para adicionar mais elementos ao seu jogo e mostrar potencial para além dos atributos físicos.
Rafael Uehara é paulistano e colaborador de diversos sites estrangeiros. Você pode acompanhar mais de seu trabalho no Bball Breakdown e no Upside Motor. Ou, se preferir, em seu próprio blog, o Baskerball Scouting. Pode segui-lo no Twitter.
PS: um contrato de freelancer que começou neste mês deixará a atualização do blog um pouco intermitente durante a disputa dos Jogos Pan-Americanos. Análises sobre os jogos da seleção brasileira durante o Pan só no Twitter, ok?