Quais os desafios que aguardam Tiago Splitter nas finais contra o Miami Heat?
Giancarlo Giampietro
Ele pode ser o primeiro brasileiro campeão da NBA. É o nosso melhor e mais consistente jogador na Seleção há anos. Decidiu tudo que é título na Espanha e na Europa em geral. Agora está no palco mais brilhante, chamativo, com um papel muito importante, encarando talvez seu maior desafio. Dá um frio na barriga intenso só de pensar. O que esperar de Tiago Splitter na decisão contra o Miami Heat? Vamos respirar fundo e tentar entender/projetar o que vem pela frente.
Ataque
A característica mais marcante do Miami Heat é sua capacidade atlética coletiva. São aqueles que representam, na prática, aquilo que se idealiza sobre a liga norte-americana em termos de exuberância física. Erik Spoelstra pode mandar para quadra jogadores de muita velocidade e agilidade, impulsão e invariavelmente empenhados em fazer o serviço sujo. Quando levam isso ao máximo, se torna um inferno atacar contra esses caras – como Paul George descobriu no Jogo 7 das finais do Leste.
Um páreo duro, ainda mais para um jogador como Tiago, que gosta de produzir se esgueirando pelos mínimos espaços oferecidos por uma defesa, a despeito de seu corpanzil.
Além de muito inteligente, enxergando os diversos ângulos para se cortar para a cesta, o catarinense corre bem e se desloca por toda a quadra e também é bastante coordenado para um cara de seu tamanho, podendo receber o passe nas redondezas do garrafão em velocidade e, tal como o carteiro Karl Malone, entregar a carta no destino certo (sua média na carreira é de 57,2% nos arremessos, sensacional).
Contra os mutantes de Miami, porém, essa habilidade para finalização será testada ao máximo. É preciso cuidado com a defesa que virá do lado contrário em seus pick-and-rols com Parker e Manu, especialmente quando LeBron tiver Dwyane Wade e Chris Andersen ao seu lado. Os três têm ótimo tempo de cobertura.
Só não dá para confundir precaução com receio, temor, mesmo que estejamos falando desses atletas de primeiríssimo time – e aqui, literalmente, já que são os atuais campeões.
Splitter nunca teve o jogo mais vertical. É difícil, por exemplo, lembrar a última cravada, ou até mesmo um grande highlight de sua carreira nessa linha. E não teve problema nenhum para o pivô prosperar e se tornar um dos melhores do mundo (Fiba) em sua posição. Ele desenvolveu uma série de movimentos, digamos, criativos, para não escrever estranhos, mas que obviamente são úteis e eficientes.
Colocar isso em prática na NBA, envolto por jogo mais veloz, explosivo e aéreo que o da Liga ACB ou Euroliga, sempre foi visto como o grande desafio para o catarinense, alguém que foi analisado pelos scouts das franquias norte-americanas desde a adolescência na Espanha, uns bons deeeeez anos atrás.
“A evolução foi lenta, mas consistente. Claro que todo mundo quer chegar e jogar, se adaptar o mais rápido possível. Demorou um pouco, mas agora estou bem, com mais protagonismo tanto no ataque quanto na defesa”, disse o pivô em entrevista completinha a Daniel Neves, companheiro aqui do UOL Esporte.
Demora um pouco, mesmo, para captar o que se passa ao seu redor. Talvez Gregg Popovich o tenha segurado um tico demais da conta. Ou talvez ele só estivesse realmente esperando a plena adaptação de seu jogador. Mas o fato é que hoje o brasileiro está confortável e perfeitamente integrado ao plano de um dos maiores treinadores da história. Enfrentando quem quer que seja, com suas bolas heterodoxas, mesmo.
Dentre essas jogadas, aliás, o arremesso em flutuação pode lhe ser muito útil no confronto. É um chute que ele converte com boa frequência e pode ser utilizado quando o tráfego rumo ao aro estiver intenso. Além disso, como destacamos em outro post quando o rival ainda era o Golden State Warriors, é muito incomum que um pivô tenha esse tipo de bola, que até hoje surpreende os narradores e comentaristas da liga e, imagino, também os seus oponentes.
Veja aqui a sequência a partir de 1min01s, com seu floater em pleno funcionamento e os comentários de Jeff Van Gundy na sequência:
Um Splitter eficiente em quadra será fundamental para o Spurs. Se o pivô conseguir incomodar a defesa interior de Miami, estará criando um senhor problema para Spoelstra, que poderá ter dificuldade para decidir o que fazer na hora em que ele e Tony Parker jogarem em dupla. “Vamos continuar fazendo nosso jogo. Todos os times têm brechas e vamos aproveitar tudo o que está à nossa disposição”, disse ao Daniel.
Fica a dúvida sobre que marcador seria designado para o brasileiro de cara. Muito provavelmente Chris Bosh nos primeiros minutos, com o técnico do Heat tentando preservar o jogador de um embate direto com Tim Duncan. Além disso, resta saber se Spo vai optar por ficar com dois pivôs em quadra como fez contra o Indiana Pacers, ou se vai voltar com Shane Battier para sua rotação, confiando no ala para segurá-lo. Se esse duelo realmente acontecer, Splitter precisaria fazer de tudo para se impor em quadra no mano-a-mano, fazendo o oponente pagar pela estratégia de small ball, seguindo o exemplo dado por David West.
Defesa
Vocês podem não acreditar, mas o mesmo time que é superveloz e atlético na defesa, também leva esse mesmo pacote para o ataque. : )
A diferença que os percalços para Tiago aqui estão distantes da cesta, independentemente de quem estiver em quadra do outro lado – Haslem, Bosh, Battier, LeBron, Mike Miller ou Rashard Lewis. Ops, esqueçam o Lewis. Apenas Chris Andersen não fica posicionado desse jeito.
A ideia é espaçar bastante a quadra, abrindo trilhas para os cortes de LeBron e Wade. Por isso, os “pivôs” do Miami se afastam costumeiramente da área pintada, preparados para receber o passe e matar os chutes de média e longa distância. Splitter vai ter de persegui-los em muitas ocasiões no perímetro, mesmo Haslem, que, do nada, recuperou sua confiança e voltou a representar uma ameaça nesse quesito.
Foi algo que David West fez excepcionalmente bem pelo Pacers, contestando os chutes de longa distância até de Ray Allen – Shane Battier, então, nem se fala: foi reduzido a pó, a ponto de se tornar uma peça inútil para o Heat. O catarinense tem velocidade e movimentação lateral para dar conta disso, ainda que não esteja tão habituado a correr atrás de alas. Como o chapa Rafael Uehara mostra nesta edição aqui, com ações focadas na contenção de pick-and-roll:
Ao mesmo tempo que tem de vigiar essa turma, o brasileiro vai ter de ajudar, e muito, Kawhi Leonard na inglória missão para tentar incomodar LeBron James de algum jeito. A ideia é que ele ou Duncan se posicionem atrás de Leonard, centralizados, para desencorajar as infiltrações os atropelos do superastro. Uma ação que requer uma baita organização tática e sintonia fina com os companheiros. “Não existe uma pessoa no nosso time que possa pará-lo [LeBron]. A única forma é adotar uma defesa forte no coletivo. Só assim conseguiremos enfrentar os astros do time deles”, afirmou o brasileiro ao Daniel.
Muitas vezes é quase como uma defesa por zona, com a limitação dos três segundos imposta pela NBA. Para alguém criado na Europa, não é problema algum. A verdade é que a promoção e efetivação de Splitter no quinteto titular do Spurs foi capital para a solidificação de uma defesa que andava estranhamente mambembe sob a orientação de Popovich. Sua mera presença física ao lado de Duncan ajuda a congestionar tudo.
De todo modo, poucos são tão grandes como um Roy Hibbert, dos raros casos capazes de intimidar LeBron. Nesse confronto, para o brasileiro vai contar muito mais sua aplicação e desenvoltura tática.
E aí?
Esses são apenas alguns dos pontos que envolvem Tiago Splitter num grande e promissor jogo de tabuleiro que começa nesta quinta-feira e se estenderá para os próximos dias. Lembrando que o brasileiro se tornará um agente livre ao final da temporada. Dependendo do quão bem ele executar seu papel, o Spurs pode ter problemas para segurá-lo em seu elenco. Agora, se isso for ajudá-los a conquistar um título depois de seis anos, Popovich e Duncan aceitarão de bom grado. Vamos ver no que dá.