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Arquivo : Adrianinha

A sete meses dos Jogos, CBB apela ao autoritarismo e constrange jogadoras
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Giancarlo Giampietro

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Post atualizado às 12h15.

Vocês já devem ter visto aqui no UOL Esporte, creio: a CBB (Confederação Brasileira de Basquete) extrapolou qualquer limite de bom senso e lucidez ao dar um jeito para que a Justiça Desportiva intime as sete jogadoras – e seus clubes – que se recusaram a participar de evento-teste olímpico no Rio de Janeiro no final de semana passado. Por que a negativa? É que as atletas (em tese) e suas equipes defendem uma reformulação no departamento técnico da entidade.  O mesmo que não conseguiu conduzir nenhuma seleção feminina sequer ao grupo das oito melhores nas últimas duas Oimpíadas e Copas. Chocante, não?

Quer dizer: a (indi)gestão de Carlos Nunes agora não se mostra intransigente apenas para defender sua incompetência. Também deu para ser opressiva e autoritária, adotando medidas de um regime ditatorial que caça aqueles que manifestam descontentamento com o que acontece por aí.

Exagero?

Só se seus dirigentes realmente acreditarem que a recusa de uma convocação merece ser tratada como questão judicial. Por que diabos uma jogadora de basquete precisa ir ao tapetão para justificar que não quer defender a seleção brasileira? Os motivos independem. Isso não é guerra, caceta.

(Aos reacionários de plantão, não me venham dizer que se trata de um “dever”. Pelo contrário: deveria ser um prazer jogar basquete, ainda mais pela seleção. Mas chega uma hora em que alguém precisa bater o pé e peitar uma entidade que só pratica desmandos.)

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“A CBB vai seguir dentro das leis, respeitar todos os regulamentos e fazê-los cumprir. Existe uma hierarquia na modalidade como em todo o esporte e essa hierarquia será respeitada”, afirmou a entidade em nota endereçada ao UOL Esporte.

Um inquérito aberto

Um inquérito aberto

Leis? Uma convocação agora é lei?

Hierarquia? Que hierarquia respeitável é essa a de uma entidade que depende desesperadamente da coleta de dinheiro público ano a ano para sobreviver? Que autoridade tem um órgão desses para querer se impor com truculência, constrangendo “rebeldes” com uma intimação absurda para depoimento?

Além de truculenta, é uma atitude covarde a da CBB, que, aparentemente, só se enerva contra os mais fracos. E, por “fraqueza”, só escrevo aqui no sentido político:  Adrianinha, Tainá Paixão e Tati Pacheco (América de Recife), Gilmara e Joice (Americana/Corinthians), Jaqueline e Tássia (Santo André).

Vamos voltar um pouquinho no tempo só, para 2013.

Fico aqui pensando se Vanderlei – que é chapinha de muitos dos selecionáveis e, mais importante, muito próximo a alguns de seus agentes – chegou a cogitar o mesmo tipo de ação contra aqueles que pediram dispensa e tanto frustraram Rubén Magnano, o argentino que é seu principal e talvez único trunfo dentro do departamento técnico.

Veja bem: não é que os jogadores que não se apresentaram para jogar a Copa América merecessem a intimação. Evidentemente que não. Mas a ideologia da CBB teria mudado tanto assim em dois anos e meio? Ah, mas eles estavam cansados, lesionados ou sem contrato. Não importa: ninguém é obrigado a aceitar uma convocação. Cada um tem seus motivos. E, no caso das sete que ficaram fora, fato é que a causa é maior: elas estão dizendo “não” agora para poderem sorrir (“sim, sim, sim”) lá na frente. É um posicionamento político – algo que, em nosso país, infelizmente, ainda pode ser encarado por muita gente como crime ou baderna.

“Existem leis a serem cumpridas e vamos até o fim para que as jogadoras se apresentem. Caso contrário, imagino até que possam sofrer punições. Este é um evento que é tratado com prioridade pela CBB. Não vamos aceitar que não se apresentem por causa de um movimento político”, afirmou Vanderlei ao UOL Esporte.

Sinceramente, não há como responder a uma declaração destas. Pelo menos não quando confrontada com os pedidos da oposição. Mas é o modo que o diretor e seu presidente encontram para se defender de problemas conhecidos por qualquer pessoa ligada ao basquete nacional. Se você não tem resultados práticos para apresentar, vai na porrada, mesmo.

“Tudo está pronto para a Olimpíada”, diz Carlos Nunes, beirando a insanidade. “Esta situação (de manifestação dos clubes) não deveria existir. Deveríamos nos preocupar com outras coisas. Seleção é seleção. Se os clubes querem fazer movimento político, que alguém se candidate à presidência da CBB em 2017”, completou.

Também imagino que a turma do “deixa disso, pelo menos por enquanto, pois Olimpíada é Olimpíada” também tenha muitos integrantes, defendendo a tese de que os descontentes demoraram muito para se organizar e que não é hora para discutir.

Eu diria que é o contrário também: que aqueles que decidiram boicotar o evento-teste estão se preocupando exatamente com aquilo que deve ser discutido. Que um quinto lugar ou um pódio no Rio 2016 não significam nada diante da crise alarmante que vive sua entidade. E que, pela iminência do grande evento em que a CBB fará as vezes de anfitriã para a elite mundial da modalidade, a pressão está em cima deles, e, não, das jogadoras. A proximidade dos Jogos tende a deixar a entidade encurralada. É a hora exata para pressionar e exigir, tal como fizeram os argentinos.

A primeira pergunta que fica agora é até onde as partes estão dispostas a ir. As jogadoras estão mesmo dispostas a abrir mão de um sonho carioca olímpico? Elas teriam apoio de mais compatriotas? Atualização: Pelo visto, a julgar pelas declarações de Ricardo Molina, presidente do Corinthians/Americana, não é bem o caso. Um dos líderes do movimento de oposição, ele diz que a “CBB ganhou o jogo”. Existe a sensação de que as jogadoras estarão todas disponíveis para a próxima e cobiçada convocação de Barbosa. E a melhor jogadora do país não está nem aí também.

A segunda dizia respeito aos rapazes. Os jogadores da seleção masculina poderiam se solidarizar? Só se tivesse uma causa consistente e que durasse até o Rio 2016. Ministério e patrocinadores, que pagam a conta, também estão convidados a opinar…

Na temporada em que a LBF (Liga de Basquete Feminino) ganhou o apoio e parceria da LNB (Liga Nacional de Basquete), a CBB, em vez de dar seu apoio – se não financeiro, já que está virtualmente falida, mas ao menos institucional – se distancia. Agora se vê em guerra justamente com a modalidade que lhe deu as últimas glórias em competições de primeira linha, aquela que era candidata perene por mais de uma década ao pódio olímpico e  já foi motivo de orgulho e politicagem da cartolada nacional. Algo que não surpreende, convenhamos. Mas que deixa essa intimação judicial ainda mais repugnante.

Atualização: a assessoria da CBB entrou em contato com este blogueiro para esclarecer que a entidade não tem ligação alguma com a intimação e que o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) tem total independência em sua tomada de decisões. O tribunal simplesmente teria acolhido denúncias – ou dicas, digamos – de “pessoas ligadas ao basquete” para convocar as jogadoras para prestar depoimento. Os clubes, que teriam “coagido” as atletas a encampar o boicote,  também estão notificados. E a CBB também assegura que nenhuma jogadora será punida – pudera, também: desde quando a seleção feminina dispõe de mão-de-obra volumosa para descartar atletas?

Sobre a alegada independência do tribunal, melhor ler esta matéria aqui assinada por Lúcio de Castro: Paulo Schmitt, procurador-geral do STJD do Futebol, também é consultor jurídico da (indi)gestão de Carlos Nunes. Ele ganha milhões com o basquete brasileiro.


Ligas esperam que Jogo das Estrelas seja um prenúncio de nova fase
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Giancarlo Giampietro

Pedrocão, envelopado e lotado, nove anos depois do fundo do poço

Pedrocão, envelopado e lotado, nove anos depois do fundo do poço

Não dá para se perder em otimismo. Afinal, é na mesma Franca que recebeu o Jogo das Estrelas da LNB e da LBF neste final de semana que o clube local, um patrimônio do basquete brasileiro, não tem conseguido pagar na íntegra o salário prometido a todos os seus atletas, devido a um deslize de gestão. Do tipo com o qual já nos acostumamos e sobre o qual a companheira de UOL Esporte, Karla Torralba, conta mais aqui.

Diante de uma situação dessas, é normal que o raciocínio siga nesta direção: caceta, se isso acontece em Franca, imagine em outras cidades? Então tem de ter muita calma, mesmo, para não se deixar levar (totalmente) pela bela festa como a que ambas as ligas promoveram entre quinta-feira e sábado.

Vamos lá:

– O ginásio Pedrocão ficou cheio nos dois dias oficiais de evento, e com público pagante. Neste sábado, quase não cabia ninguém mais.

– Jogadoras e jogadores reunidos, de modo único, raro, mas que bem que poderia virar o padrão daqui para a frente.

– A quadra e a arquibancada todas envelopadas com as cores de um patrocinador master forte, mas que entrou de cabeça num negócio repentino – tudo foi acertado em coisa de um mês. Outras três marcas foram adicionadas

– Ídolos do passado homenageados.

– Encontro dos treinadores para uma incipiente associação (agora vai?).

– Dois jogos surpreendentemente competitivos, ou quase.

– Os primeiros passos dados com a consultoria da NBA, com impacto n desenho da quadra, bem bonito, telão, placas de LED e outras atrações paralelas em meio aos eventos de quadra.

– E, claro, o Jay Jay aprontando. Dá-lhe, Jay Jay.

São todos ingredientes aparentemente básicos, mas que, em conjunto, num caldeirão que só, ficam muito mais saborosos. Ainda mais se formos lembrar que, se formos nos lembrar, nove anos atrás, na mesma Franca, um hexagonal do campeonato nacional vigente foi terminar apenas no tapetão. Foi quando a modalidade chegou ao fundo do poço, com relações institucionais diversas rachadas.

“Às vezes a gente precisa passar por uma situação adversa, para que as pessoas envolvidas no processo ajam decisivamente. Foi o que os clubes fizeram. Estávamos numa situação delicadíssima, com campeonatos que não terminavam e campeonatos paralelos, e precisamos tomar a consciência de que todos queríamos a mesma coisa, mas cada um caminhando por um lado. Buscamos depois essa unidade, criando uma liga, e o que queríamos era isso: ter o direito de organizar um campeonato com a nossa cabeça”, disse Cássio Roque, presidente da LNB, ao VinteUm

Testemunhar um evento tão bem organizado como este Jogo das Estrelas 2015 poderia parecer, em 2006, coisa de outro mundo. Quer dizer: de outro país. Essa disparidade sublinha o trabalho de alguns dirigentes realmente entusiastas do basquete, que içaram a modalidade, mesmo que o apoio financeiro de entidades privadas – ou de qualquer entidade – não tenha sido dos mais vultuosos durante essa caminhada.

Agora, na sétima edição do NBB, a liga masculina consegue olhar para a frente de modo otimista, entendendo que estão apenas no começo. “Sem dúvida, acho que isso foi apenas uma pequena amostra do que pode ser feito. A parceria com a NBA foi assinada apenas recentemente. Com o know-how que eles têm para criar entretenimento, espetáculo, acho que temos muito a ganhar. Não só na questão de crescimento técnico, melhoria das equipes, mas para transformar o basquete no produto. Vimos aqui em França a aceitação que esse produto tem. Mas precisamos expandir isso para o Brasil todo”, afirmou Cássio Roque.

Esse ambiente permite que um jogador como Alex, que estava em quadra naquele famigerado hexagonal, encare os percalços enfrentados por Franca neste ano como um “fato isolado”. “Vemos Franca nessa situação, com o pessoal correndo atrás de investidor, mas também vemos Bauru com um grande crescimento, com um patrocinador que entrou no ano passado, gostou, injetou financeiramente e viu que pode ter resultado. A maioria dos clubes está se reforçando. A cada ano que passa, o campeonato está sendo melhor, com jogadores importantes vindo para o Brasil, engrandecendo nosso basquete”, diz o ala Alex, envolvido naqueles jogos do famigerado hexagonal que não terminou.

Da parte da liga feminina, a realização do evento em conjunto lhe rende mais exposição e mais um empurrão na direção certa. “Nunca imaginava (que poderia acontecer essa parceria”, disse a armadora Adrianinha. “Quando ouvi rumores sobre isso, fiquei torcendo muito para que desse certo. O masculino acaba recebendo mais atenção do que a gente, e quem sabe essa exposição não sirva para que se reconheça nosso valor.”

“A gente está num momento em que tudo que for mais é melhor. É um momento de somar, mesmo. Tivemos muita divulgação, um bom patrocinador, um evento maravilhoso”, afirmou a pivô Clarissa, que espera apenas que essa dobradinha vire um padrão no basquete brasileiro. “Sim, creio nisso. É uma organização comprometida com isso. São reuniões, conversas de gente comprometida em levar o basquete para a frente. Temos de trabalhar juntos para isso.”Sim, é preciso de muito trabalho, mesmo, e para a LBF, não há como negar, se pede ainda mais. De qualquer forma, os tempos sombrios foram há tão pouco tempo, que não dá para ninguém se acomodar. Que se siga esse curso para que episódios como o de Franca se tornem, de fato, algo isolado – e um jogo festivo como esse mais corriqueiro.


O basquete feminino e o que não se pode ignorar
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Giancarlo Giampietro

Damiris e Clarissa: dois talentos numa campanha fraca

Damiris e Clarissa: dois talentos numa campanha fraca

Os heróis que acompanham o blog e os abnegados do basquete feminino sabem que o jogo disputado pelas mulheres não ganha a devida atenção durante a temporada. Dava para fazer aqui um depoimento todo lacrimoso a respeito, mas vamos dizer simplesmente que a agenda andava bastante apertada, por conta de outros compromissos profissionais e que, no tempo que sobrava, acabava me dedicando àquilo que me é mais familiar e que, sinceramente, me diverte mais. A NBA, no caso. Isso definitivamente não é a coisa mais correta de se dizer, admitir – pode soar até mesmo como um atestado de incompetência –, mas vai fazer o quê? Os arquivos do blog não deixam mentir. Só posso garantir que não é questão de preconceito besta (“esporte feminino blablabla”). Existe um conjunto de circunstâncias que levam a isso, algumas das quais vão ser exploradas logo mais. Ponto.

Daí que chega a Copa do Mundo feminina, e faz como? Você ignora, a título de se manter a coerência? Acho que ainda seria até pior. Então que se tente fazer o melhor possível, pelo menos se concentrando na seleção brasileira, se atendo ao que se passa em quadra e estudando o que está se passando ao redor dela, tentando ser o mais honesto e observador possível. Mas, sem, também, pagar uma de especialista, né? Não vai chegar um intrometido que mal viu a Patty jogar em sua ainda breve carreira e julgá-la – para o bem ou para o mal –, depois de 20 e poucos minutos. Há quem se sinta confortável em fazê-lo, sem nem mesmo ter visto um jogo sequer do objeto de ‘estudo’. Você coleta uma ou outra informação, constrói um texto com frases de efeito e já acredita ter feito sua parte, riscando o assunto em um checklist básico.

Mas, bem, esse post não tem o propósito de se inscrever no observatório de imprensa, muito menos de ativar o egocentrismo. A pauta é a queda da seleção já nas oitavas de final do Mundial. O lance é que, antes de avaliar a participação da equipe nacional, esses fatores precisam ser considerados e expostos ao leitor, seja ele de primeira ou de algumas outras viagens. Levando isso em conta, levantamos aqui alguns pitacos, com a ajuda (involuntária) do Painel do Basquete Feminino, o @PBF, referência obrigatória no assunto, tentando reconstruir a derrota para a França, tentando entender o que mais uma campanha frustrada em um torneio relevante significa:

Temos, acima, algumas personalidades que dispensam apresentação. Outros jornalistas – ex-colegas de profissão, outros não –, um técnico brasileiro trabalhando nos Estados Unidos e, antes de tudo, dos poucos apaixonados e interessados que restam por aí dispostos assimilar mais um duro golpe. Não é só a derrota para a França, mas o saldo negativo geral do torneio, mesmo. O Brasil disputou quatro jogos e perdeu três, tendo vencido apenas o Japão. Os três reveses foram por 13, 27 e 13 pontos, jogos nos quais o adversário europeu sempre esteve no controle. O ataque foi uma calamidade. Excluindo a partida contra as nipônicas, a equipe não conseguiu passar dos 60 pontos em nenhuma ocasião, terminando com meros 48 contra as franceses, sua pior pontuação no basquete moderno.

Diante desses números, primeiro se registra a decepção. Ninguém gosta de perder, ainda mais tão cedo assim num torneio e numa modalidade em que, não muito tempo atrás, o país era uma potência. Só não dá para desconsiderar, no entanto, o quão incomum também foi aquela geração dourada, na qual uma atleta do calibre de Janeth era apenas a terceira principal figura da seleção. Absurdo. Era como se fosse um Scottie Pippen num hipotético time que escalasse Magic Johnson e Larry Bird ao seu lado. Acho que dá para dizer que isso não vai acontecer sempre.

Outros tempos. Impossível de repetir

Outros tempos. Impossível de repetir

Por outro lado, mesmo depois da aposentadoria de duas seminais jogadoras como Paula e Hortência, com Janeth assumindo mais responsabilidades e um elenco ainda bastante forte, a equipe seguiu competitiva. Ainda beliscou um bronze em Sydney 2000 e alcançou as semifinais do Mundial 2006 – em casa, é verdade –, nas quais acabou tomando uma dolorida virada da Austrália e ainda teve o azar de ver os Estados Unidos perderem para a Rússia na outra semi, para complicar, e muito, suas aspirações por mais um terceiro lugar. Foram 15 anos brigando pelo topo.

Ficamos mal-acostumados. E a CBB, acomodada. Escorado pelos presidentes de federações estaduais, o poder central tratou/trata o esporte como se os deuses estivessem sempre sorrindo para os trópicos. Como se a exuberância atlética brasileira fosse o suficiente para formar equipes competitivas, ano após ano, sem que uma estrutura minimamente decente fosse necessária. Os clubes foram fechando portas e portas. O mais recente a desistir da liga nacional foi o time de Brasília, enquanto o Paulista tem apenas quatro clubes em disputa. O volume de atletas ‘profissionais’ diminuiu, e a coisa degringolou de forma geral.

O interesse de público é cada vez mais reduzido, assim como o das grandes corporações de mídia em sua cobertura – e, sim, isso pesa também: sem grana, meus amigos, o esporte e o jornalismo ficam para trás, a despeito de qualquer vocação cívica, patriótica, ou bisbilhoteira. Não adianta apelar ao romantismo de escrivaninha e ignorar isso. Vira um ciclo vicioso muito mais grave, difícil de se quebrar. Temos escrito, comentado e ouvido há uns bons seis, sete anos já sobre como é “triste” o produto dos campeonatos locais e, consequentemente, o que se apresenta em competições internacionais.  Esse contexto obviamente pede parcimônia na hora de encarar a seleção brasileira que entrou em quadra na Turquia.

Só é preciso, me parece, tomar cuidado para não se vitimizar tudo e todos. E aí a opinião das irmãs Paula e Branca, uma bem independente da outra, chama a atenção. Estamos falando de duas protagonistas daqueles tempos vitoriosos. Que poderiam estar sendo “duronas” demais com a atual geração. Mas sabemos que estão longe de representarem a figura de carrascas, que ignorem o que está ao redor delas e deleitem com isso. Paula é uma gestora exemplar. Branca, treinadora. As duas sabem, claro, o que se passa. Ambas apenas esperavam – e torciam por – mais.

Em entrevista ao Lance!, Paula explicou seus tweets. “Ficamos nesse discurso eterno de renovação. Então, vamos renovar de vez. Nossa geração também teve participações ruins, com 11º, 12º lugares, mas brigávamos, reclamávamos, por treinador, treinamentos, convocação, lutávamos por mudanças. Não podemos ficar nessa passividade de achar que não vai dar certo por algum motivo ou outro.  Se é para reclamar, vamos tentar fazer alguma coisa. Principalmente quem faz parte disso. Não pode ser porque Deus quis, tem que ser pela diferença. Mas não fazemos nada para essa mudança. Ficamos numa situação confortável, dizendo: ‘não esperem nada de nós, pois estamos renovando’. Coloca uma Seleção permanente para jogar a liga, tragam alguém de fora para evoluir o basquete, não sei, vamos fazer alguma coisa”, afirmou.

Clarissa é uma das jogadoras que parece evoluir a cada torneio, a despeito das dificuldades

Clarissa e toda a sua energia: a pivô é uma das jogadoras brasileiras que se apresenta melhor a cada torneio, evoluindo em seu canto, a despeito de todas as dificuldades estruturais sabidas do basquete brasileiro, especialmente o feminino

Você percebe o tom alarmante da ex-armadora, que é mais que compreensível. Até porque ela mesmo diz: considerando o que vimos no Mundial, era possível para o Brasil sonhar com mais, independentemente de uma liga nacional fraca e da renovação liderada por Zanon. Algo, aliás, que também pede um devido contexto: a) com a presença de veteranas como Adrianinha (agora oficialmente aposentada) e Érika, a média brasileira foi de 25 anos de idade (contra 26 da Espanha, 27 da França, por exemplo); b) no elenco da França, constavam apenas quatro vice-campeãs olímpicas, contra três brasileiras dos Jogos de 2012.

Mas, vá lá: se você descontar as duas mais experientes, a média cairia drasticamente, mesmo, e a juventude não se mede apenas em tempo de vida, mas, muito, mais por tempo de quadra. São atletas que nem são protagonistas em seus clubes. Se mal jogam em quadras nacionais, o que dizer de sua rodagem internacional? Inexistente, especialmente na hora de lidar contra as equipes europeias, muito mais fortes que a freguesia sul-americana. O nervosismo foi evidente durante diversos trechos da Copa do Mundo. Ainda assim, a impressão geral foi de que dava para fazer mais.

Zanon, como técnico da equipe, tem suas responsabilidades. De modo geral, pôs uma equipe que era no mínimo combativa em quadra, brigando sem desistir. Ok, esse é um lado. Mas não pode, de modo algum, ser o todo. A ineficiência do ataque da seleção assustou. A média final de 59,5 pontos supera apenas a da Turquia (57,8) entre os classificados para os mata-matas – energizadas, as anfitriãs, porém, estão nas semifinais. A seleção foi a terceira pior da competição no aproveitamento de seus arremessos, acertando apenas 35,4% de suas tentativas, acima dos representantes africanos somente: Moçambique e Angola. Em assistências, superaram só nossas irmãs angolanas.

Tudo isso para um time que conta com pivôs claramente talentosas (Damiris, diga-se, sofrendo com problemas particulares), mas que raramente eram colocadas em posição favoráveis para fazer valer suas qualidades. É angustiante o modo como em muitas ocasiões uma jogadora como Érika pode se ver alienada. Contra a França, no momento em que o Brasil passou a marcar com pressão, o jogo mudou de forma instigante, mas já era tarde. E se tivessem adotado esse expediente um pouco antes? Por aí vamos. Fato é que a equipe não jogou tudo o que podia, não jogou no limite – e não estamos falando em comprometimento, amor ao país etc. Decorre também disso a sensação de incômodo de muitos – e não só de uma fonte indiscutível como Paula. Até porque o nível da competição não vem sendo dos mais altos, não.

Érika: o destaque brasileiro, mas que se atrapalhou com faltas precoces contra as francesas; em geral, porém, foi a equipe brasileira que a deixou na mão durante toda a Copa, sem saber aproveitar uma das pivôs mais dominantes do mundo Fiba

Érika: o destaque brasileiro, mas que se atrapalhou com faltas precoces contra as francesas; em geral, porém, foi a equipe brasileira que a deixou na mão durante toda a Copa, sem saber aproveitar uma das pivôs mais dominantes do mundo Fiba

Agora, se formos nos conformar em dizer que o basquete praticado no Mundial era o máximo que a seleção tinha, que todo o potencial disponível foi explorado… Olha, melhor esquecer essa coisa de Rio 2016 e tal. Porque aí seria muito, mas muito trabalho pela frente, e obviamente que um só treinador, independentemente de quem seja, não daria conta. Seria tarefa mais para milagreiro. Não parece razoável pensar que, com uma comissão técnica bem mais reduzida que a do masculino, Zanon ou qualquer outro profissional vá refinar uma dúzia de atletas em poucas semanas e compensar a defasagem de toda uma temporada.

Nesse sentido, a diretoria liderada por Vanderlei Mazzuchini não foi nada camarada. Se você tem em mãos um time com limitação técnica e pouca experiência, então o que fazer? Não precisa ser biduzão para responder que essa combinação pede treino e amistosos, treinos e amistosos, treinos e amistosos. Que mais? Treinos e amistosos, ué. São coisas práticas. Ou melhor: coisas de prática.

E aí vem o espanto: conforme Fábio Balassiano, companheiro aqui de UOL Esporte, destacou, a seleção ficou cerca de um mês paradinha da silva, sem treinar, sem jogar, sem nada. Justamente o time “cru”, aquele grupo jovem conscientemente formado pensando lá na frente. Mas pensando exatamente no quê? Se você abre mão de semanas de treinamento, a troco de nada, o que isso quer dizer? É algo que ultrapassa qualquer limite do aceitável e que não tem nada a ver com os problemas mais amplos que a modalidade enfrenta. Isso não pode ser considerado planejamento – é puro descaso, e de gente muito mais relevante para o esporte do que qualquer blog relapso. Isso, sim, é algo que não pode ser ignorado.


Brasileiras se impõem fisicamente contra Japão e avançam
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Giancarlo Giampietro

Clarissa e Érika vibram: domínio físico no garrafão – e na quadra toda

Clarissa e Érika vibram: domínio físico no garrafão – e na quadra toda

O Brasil primeiro se impôs fisicamente nesta terça-feira contra o Japão, com uma defesa bastante combativa e eficiente. Quando a coisa apertou a partir dos ajustes de seu adversário, a ala Patrícia explodiu no ataque, para chegar a incríveis 27 pontos e liderar uma vitória por 79 a 56 pela Copa do Mundo feminina de basquete, em Ankara, na Turquia. Foi o primeiro triunfo no torneio, pelo Grupo A, valendo às garotas a classificação para a fase de mata-matas.

Desde o início, a equipe de Zanon oprimiu o ataque nipônico, com jogadoras que são tão velozes como suas adversárias e muito mais vigorosas e atléticas. Claro que nada disso adiantaria se essas atletas não estivessem dispostas e atentas na defesa, para contestar os perigosos arremessos de fora e forçar uma avalanche de turnovers. As asiáticas cometeram 22 desperdícios de posse de bola, sendo que quase a metade deles aconteceu antes mesmo do final do primeiro tempo. “Hoje foi um jogo de muita concentração e esse foi um dos fatores que nos levou a vitória. Nós não vamos desistir”, afirmou a pivô Clarissa.

Muitos desses erros aconteceram devido ao reflexo e à antecipação das brasileiras, para cortar linhas de passe pressionadas ou em simples desarmes em situações de mano-a-mano que as adversárias atacavam a partir do drible – foram 16 recuperações, contra apenas quatro –, com destaque para a veterana e ainda extremamente ágil Adrianinha (4) e as pivôs titulares Clarissa e Érika (3) cada, sem contar as 3 recuperações da jovem Isabela Ramona em apenas nove minutos de ação. Nos rebotes, as pivôs brasileiras sobraram, com 13 na tábua ofensiva e 41 no total (contra 28), dando ainda mais volume de jogo ao ataque quando necessário.

Érika dessa vez não enfrentou resistência alguma, chegando ao double-double com 12 pontos e 11 rebotes, mais 4 tocos, em 31 minutos

Érika dessa vez não enfrentou resistência alguma, chegando ao double-double com 12 pontos e 11 rebotes, mais 4 tocos, em 31 minutos

Desta maneira, a seleção chegou a abrir 20 pontos ainda no primeiro tempo, num estalo de dedos, se aproveitando de uma decisão no mínimo curiosa, para não dizer misteriosa, de o Japão partir para a marcação individual logo de cara, demorando para acionar um sistema por zona que lhe ajudaria a atenuar sua defasagem física.

As nipônicas só alternaram sua defesa na metade do segundo período, já bem atrás no marcador. Ainda assim, tiveram sucesso, vendo o ataque brasileiro se perder em arremessos de três pontos tortos, que pouco assustavam. De pouco em pouco, conseguindo produzir mais em situações de transição, o time asiático foi diminuindo a diferença. Na metade do terceiro período, chegou a abaixá-la para meros seis pontos. Mas não passou mais disso.

O ataque brasileiro precisou de uns bons dez minutos, ou mais, para que se reencontrasse no jogo, e aí, sim, com participação sensacional da ala-armadora Patrícia. A jogadora de 24 anos havia marcado apenas três pontos nas duas primeiras rodadas, tendo zerado contra a República Tcheca na estreia. Hoje, multiplicou essa quantia por nove, elevando sua média para 10 pontos por jogo na fase inicial. Engraçado como as estatísticas nunca vão dizer tudo, né?

Patrícia soube dosar o ímpeto pelos disparos de fora com a busca de arremessos mais seguros de dois pontos e acabou com o sistema defensivo japonês. Ela guardou as bolas de longa distância com eficiência até então inédita para o Brasil no torneio (3-6), mas foi causar estrago mesmo em bolas de flutuação e bandejas, usando um primeiro passo bem ágil.

Foi uma contribuição inesperada, é verdade, que ajudou a completar o jogo interior que enfim prevaleceu. Juntas, Érika e Clarissa acumularam 25 pontos e 19 rebotes, além de 12 cestas de quadra em 23 tentativas. Na defasa, Érika ainda deu quatro tocos em 31 minutos. Damiris também conseguiu se soltar um pouco, chegando a seis pontos e seis rebotes em 23 minutos.

O próximo adversário da seleção será a França, que derrotou o Canadá em jogo apertado nesta terça, por 63 a 59, pela terceira rodada do Grupo B. Ambos os times tinham uma vitória e uma derrota (perderam da Turquia e ganharam de Moçambique). As francesas  ficaram, então, com a segunda posição do grupo e serão páreo duríssimo para o time de Zanon nas oitavas de final.

Fica a expectativa também de que a convincente vitória eleve a confiança de um elenco que vinha de derrotas desanimadoras. Resta saber, no entanto, se isso será o suficiente para que o time eleve seu padrão de jogo técnico ou tático como um todo para duelar com um adversário contra o qual definitivamente não vai ser tão superior física ou atleticamente.


Após a 3ª derrota seguida em Londres, já sabemos qual o maior adversário da seleção feminina
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Giancarlo Giampietro

Seleção feminina de basquete perde a terceira em Londres

É um post bem frustrado, tá?

Ver a Austrália em ação nesta quarta só reforçou a sensação de uma grande oportunidade desperdiçada pela seleção brasileira feminina nestas Olimpíadas.

O temido oponente se provou completamente vulnerável em quadra, com duas ótimas pivôs dando um trabalho danado para Érika, uma armadora de 38 anos carregando o piano e pouco, ou nada, além disso. Colocamos nessa conta uma Rússia sem a referência de Maria Stepanova, e havia uma possibilidade clara de ir longe no torneio.

Porém, a bagunça da CBB e seu departamento de basquete feminino está posta como um adversário insuperável. Juntem aí os cacos: as falácias e intempéries da direção nos últimos anos, a interminável novela Iziane, as trocas de comando e, por último, o inócuo período de dois meses de treinamento nesta temporada, e as meninas tinham muito mais o que enfrentar além de França, Rússia e Austrália.

*  *  *

Em quadra, mais do mesmo: altos e baixos incríveis. Ninguém vai exigir que um time jogue 40 minutos impecáveis. Ocorrem as oscilações, normal, até por haver do outro lado da quadra um rival empenhado em minar o seu jogo também. Mas esta seleção olímpica do Brasil apresenta baixos que são terríveis.

Como no primeiro tempo contra as australianas, em que fizemos apenas 18 pontos, menos de um por minuto de jogo e mais uma apresentação sofrível no ataque, com apenas seis cestas de quadra. Seis. Em dois quartos.

Lauren Jackson x Damiris

Lauren Jackson não é o maior problema brasileiro

E, ainda assim, dava jogo, porque a equipe da Oceania não se cansava de cometer violações e também carimbava o aro de todos os modos. A partida, na real, fez a festa das pivôs, que turbinaram seus números de rebote: a Austrália apanhou 50, contra 40 do Brasil.

Essa diferença se explica pela presença massiva de Liz Cambage – é realmente impressionante seu tamanho –,   e uma craque como Lauren Jackson no garrafão, tendo a dupla ainda o reforço da batmoça (juro que é o apelido dela) Suzy Batkovic.

Nessa batalha, mesmo com a ajuda aguerrida e incansável de Clarissa, Érika se meteu em uma enrascada, com excesso de faltas durante toda o jogo – acabou limitada a apenas 19 minutos. No primeiro tempo, isso causou um impacto irreparável na seleção, que apanhou nas duas tábuas e perdeu por 13 pontos.

Na segunda etapa, uma defesa por zona 2-3 deu trabalho para as adversárias, que ficaram três minutos sem pontuar. E, enquanto a superpivô brasileira se segurava com três faltas, o time foi baixando a diferença executando, enfim, um ataque aceitável.

Aproveitando a evolução de Érika no passe, as brasileiras rodaram a bola e conseguiram chutes mais equilibrados de três pontos com uma inspirada Karla. Não tem muito segredo: a busca pelo jogo interior com um atleta que desequilibre tanto, a tendência é que os disparos de fora sejam facilitados. A diferença chegou a ser reduzida para cinco pontos, até que veio o ajuste australiano.

Passaram a acelerar sua transição e estabelecendo seus jogos de pivôs antes que a defesa brasileira se postasse de modo apropriado. Cambage e Batkovic pontuaram bastante, cientes de que Érika não podia ser muito combativa, e descolaram a quarta falta da pivô a dois minutos do fim do quarto. Com cinco pontos sem resposta, foram para o período final com 11 pontos de folga.

Érika acabou excluída com a quinta falta restando 6min22s de jogo, e o placar com 67 a 55 para a Austrália, e jogo encerrado? Deve ter sido o que a treinadora Carrie Graf matutou.

Ignorando a defesa pressionada do Brasil, na qual Adrianinha foi muito bem (foi uma rara contribuição positiva da veterana no torneio…), Graf deixou Samantha Richards se atrapalhar toda com a bola por uns bons três minutos e, aos poucos, de contra-ataque em contra-ataque, a diferença foi caindo. Com 16 segundos para o fim, chegou a ficar em apenas quatro pontos. Mas era tarde, e Lauren Jackson, sem se abalar com nada, matou o confronto com dois lances livres.

*  *  *

Dá para imaginar, então, o discurso da diretoria: que a seleção perdeu nos detalhes, que jogou de igual para igual com a elite, que foi por pouco, e todo aquele blablabla para tentar apagar as trapalhadas de todo um ciclo olímpico.

Podem tentar, mas não cola.

Do outro lado da chave, os Estados Unidos devem estar observando tudo isso um tanto perplexos e com muita confiança de que só um desastre lhe custará o ouro.


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