Vinte Um

Arquivo : setembro 2014

Vitória por lavada dos EUA começa antes de a bola subir
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Giancarlo Giampietro

Team USA hegemony, EUA, hegemonia, Copa do Mundo

A gente pode falar sobre a final especificamente, mas nem tem muito o que ser dito. Kyrie Irving queimou a redinha no primeiro período, depois que James Harden e DeMarcus Cousins apagaram o incêndio inicial, quando a Sérvia vencia por 10 a 5 após 3min30s de jogo. O Sr. Barba fez algumas cestas na marra, para levantar a cabeça de seus companheiros, enquanto Boogie acertou surpreendentemente a defesa, acabando com a farra que Teodosic e os pivôs estavam fazendo no garrafão.

A partir daí? É como se os balcânicos tivessem cutucado a fera muito cedo. Foi mais um atropelo de uma seleção norte-americana toda desfalcada, mas bastante superior tecnicamente aos seus adversários. Em termos de plantel, mesmo que tenham perdido para a França nas quartas, apenas a Espanha poderia fazer frente. Num dia muito inspirado, claro.

Pois bem: o Team USA venceu por 129 a 92 e conquistou seu quarto ouro consecutivo nas maiores competições da Fiba. São agora bicampeões olímpicos e mundiais. Usando a força máxima nos Jogos e o time B, de jovens, na Copa – foram campeões com apenas 24 anos de média de idade.

No final das contas, então, acho que vale mais falarmos sobre o modo como eles restauraram essa hegemonia no esporte que inventaram, com um canadense importado. Afinal, não custa lembrar: 10 anos atrás, a equipe americana teve de se contentar com um bronze em Atenas 2004. Duas temporadas antes, haviam passado uma das maiores humilhações de sua história ao terminar o Mundial, em casa, em quinto. A mesma Indianápolis que ajudou a consagrar Oscar e Marcel.

A diferença: no Pan de 1987, a seleção brasileira derrubou um time forte de universitários. Em 2002, a derrocada foi com marmanjos de NBA, mesmo. Não era o que eles tinham de melhor, mas espie a lista: Paul Pierce, Jermaine O’Neal, Reggie Miller, Ben Wallace, Shawn Marion, Baron Davis, Andre Miller… Enfim, deu para ter uma ideia, né? Todos caras que faturaram mais de US$ 80 milhões em suas carreiras.

Naquele cenário, desde que rodeados por uma organização mínima, provavelmente era o suficiente para triunfar, mesmo contra uma Iugoslávia de Bodiroga, Divac, Stojakovic, Tomasevic e cavalaria, que os eliminou nas quartas de final. Ou contra uma Argentina que tinha Ginóbili, Nocioni, Oberto em forma etc.

O que o time de hoje tem que aquele não apresentava? Seriedade, sinceramente. Comprometimento. Mas não o uso apenas coloquial, retórico dessas palavras, como muita gente gosta de fazer. E, sim, botá-las em prática, num trabalho comandado por Jerry Colangelo, ex-proprietário do Phoenix Suns. O dirigente havia ajudado a transformar o Suns num time de elite na Conferência Oeste da liga por boa parte do tempo em que esteve envolvido, como treinador, gerente geral ou CEO, até vender o clube para Robert Sarver e associados. O time ficou fora dos playoffs apenas em seis temporadas, entre 1975 e 2004.

Como líder da USA Basketball a partir de 2005, Colangelo conseguiu arrumar a casa num estalo. O primeiro trunfo foi recrutar Mike Krzyzewski como seu técnico principal, função que havia desempenhado no final dos anos 80 e início dos anos 90. Funciona não apenas pelo fato de o Coach K entender bastante do riscado e respeitar os concorrentes internacionais. Mas também pela aura que ele criou dentro do basquete americano, pela universidade de Duke. É uma figura que gerou credibilidade instantânea para o projeto e que tem ascendência sobre os atletas profissionais – lembrem-se que Kobe Bryant implorou por sua contratação em 2004 quando Phil Jackson deixou o Lakers pela primeira vez.

No primeiro trabalho, o Team USA também se viu obrigado a aceitar um bronze, ao perder para a Grécia na semifinal do Mundial 2006. Desde, então, estão invictos. São 63 vitórias consecutivas, 45 em jogos oficiais. 6 x 10 + 3.

Esse tipo de coisa acontece com quem tem os melhores jogadores do mundo, mas independe da presença de LeBron James ou Kevin Durant em quadra, como a turma desta Copa do Mundo mostrou. Dos 22 atletas americanos que disputaram o último All-Star Game da NBA, apenas cinco ganharam o ouro na Espanha (Irving, Curry, Harden, Davis e DeRozan).

Não é que o Coach K seja milagreiro. Há uma estrutura profissional por trás do treinador que é estrela de comercial de cartão de crédito nos Estados Unidos – algo como o Bernardinho deles – e que dá suporte a esses craques. Uma estrutura atenta a mínimos detalhes.

Saibam que, quando Brasil e Argentina estavam se enfrentando em seu primeiro amistoso no Rio de Janeiro neste ano, os scouts da federação americana saíram feito loucos atrás de uma fita que fosse desse jogo. O primeiro amistoso de muitos que argentinos e brasileiros fariam no ano. Os mesmos rivais que eles poderiam observar quando bem entendessem durante a Copa. Saca?

Mesmo com todo o talento ao seu dispor, Krzyzewski vai se reunir periodicamente com seus assistentes, contratados de forma independente por Colangelo, para afinar a comunicação entre eles e também o discurso para o elenco. Não é o caso de apenas chegar ao ginásio, colocar uma bola no centro da quadra e deixá-los executarem.

O ritmo forte que imprimem em quadra é desenhado, para aproveitar a capacidade atlética de que desfrutam. As ações ofensivas também ficam mais simples – mas não menos eficientes. A defesa se ajustou ao seu elenco. Em vez de fazer um abafa o tempo todo, adotou princípios de Tom Thibodeau que viraram a regra geral na NBA. E por aí vai. Essas minúcias não se resumem ao time adulto. De 2005 para cá, os Estados Unidos venceram também todos os três Mundiais Sub-17 organizados pela Fiba (2010, 12 e 14). Nos Mundiais Sub-19, ganharam dois de quatro.

A essa altura, a única grande ameaça ao domínio norte-americano é interna. A gravíssima lesão sofrida de Paul George atiçou ainda mais aqueles que são contrários ao envolvimento de atletas NBA nos torneios de seleção – se for para a Fiba administrar, isto é. Vozes como a de Mark Cuban, dono do Dallas Mavericks, que advoga que a liga americana assuma a organização da competição.

Esse é o tipo de história que vale monitorar nas próximas semanas, depois dessa conquista impressionante de uma seleção “B”, que terminou o torneio com saldo acima de 30 pontos em média. O tipo de jogo que nem deu para discutir direito, como essa final.


EUA x Sérvia: 10 fatores para ficar de olho na final
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Giancarlo Giampietro

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Os Estados Unidos lutam pelo bicampeonato mundial e pelo quarto ouro seguido nos torneios internacionais da Fiba. A Sérvia quer seu primeiro grande título como um país balcânico solitário – sem ser Iugoslávia ou Sérvia & Montenegro, nem nada disso. Seguem dez perguntas que servem como um guiazinho para a decisão da Copa do Mundo de basquete. Foi bom enquanto durou:

Os Estados Unidos são os favoritos?
São, sim. Depois de arrasar Grécia e Brasil e de passar pela França, a Sérvia tem chance, mas os americanos precisam ser considerados muito favoritos. Em seus oito jogos pelo Mundial, o time venceu com média de 32,5 pontos por partida. Mesmo que sua tabela tenha sido bem mais fácil que a dos sérvios, esse saldo de cestas é de um time que vem trucidando a oposição. É algo que impressiona ainda mais considerando todos os desfalques na lista de Mike Krzyzewski. (Para quem não sabe ou já perdeu a conta: LeBron, Carmelo, Durant, Westbrook, Paul, Love, Griffin, Aldridge e George.)

O que a Sérvia precisa fazer para tentar equilibrar as ações?
Primeiro de tudo, dominar os rebotes defensivos. Anthony Davis e Kenneth Faried atacam a tábua com muita voracidade e elasticidade. São 14,9 rebotes ofensivos em média para o Team USA durante o torneio – a terceira melhor marca, atrás apenas de Angola e Nova Zelândia –, mantendo a bola viva em quadra e criando segundas chances para seus companheiros. Quer dizer: se é que eles já não vão cravá-la direto na cesta, ou ajeitá-la com um tapinha. Do seu lado, os sérvios não lutam muito pelas rebarbas. Contra, os Estados Unidos, ainda mais em arremessos longos, é recomendável que realmente abram mão desse tipo de bola e voltem o quanto antes para a defesa, como medida preventiva, uma vez que o contra-ataque é a melhor arma de seu adversário.

Se for marcar por zona, não pode descuidar do Klay "Splash Brother" Thompson

Se for marcar por zona, não pode descuidar do Klay “Splash Brother” Thompson

Espere também muitas “faltas táticas” por parte dos europeus, um dispositivo que eles usaram sem o menor pudor contra o Brasil, nas quartas de final. São as faltas em que os atletas evidentemente usam para brecar os rivais, parando o lance. O risco é pendurar seus titulares: os Estados Unidos correm muito mais que os brasileiros, em dois sentidos: são mais explosivos e também buscam mais o jogo em transição. Uma vez estabelecida a defesa, é de esperar marcação por zona ou pelo menos uma zona mista, que não pode dar liberdade para Curry e Thompson. Aqui está a dureza: Harden e Irving também incomodam no perímetro. São muitos chutadores para o time americano.

Os sérvios também devem a segurar bastante a bola no ataque, procurarem arremessos nos dez segundos finais. Milos Tedosic vai chamar o jogo de pick-and-roll sem parar e criar e finalizar a partir daí. Ajuda o fato de ter ao seu lado diversos bons arremessadores, com exceção do outro armador do time, Stefan Markovic, que tem um dos chutes mais feios que você vai ver. Markovic, porém, é muito estável com a bola. Alto, forte e habilidoso, comete poucos erros. Quando ele está driblando, Teodosic e Bogdan Bogdanovic vão se mexer bastante no perímetro para tentar receber o passe em condições de finalização. A ideia geral do time será de abrir espaços na defesa americana, tentando confundi-los, e deixar a partida lenta-quase-parando. A Turquia conseguiu complicar a vida dos Estados Unidos por três períodos fazendo esse tipo de jogo enroscado. Depois, foi atropelada no quarto final. Os turcos têm um garrafão mais físico e atlético que o da Sérvia – Asik tem uma presença marcante nos rebotes e na proteção de cesta –, mas no geral o talento dos sérvios é muito superior.

O que os EUA farão para controlar Milos Teodosic?
No segundo tempo da semifinal, Nicolas Batum mostrou para o Coach K como (tentar) marcar o armador sérvio. Pressionando  muito o drible do sérvio com sua envergadura e agilidade, combatendo os bloqueios, sem deixar que ele escapasse também nas ações fora da bola. O sérvio marcou apenas seis pontos na volta do intervalo, depois de 18 na primeira etapa.  Para os americanos, porém, faz falta um Andre Iguodala, de perfil atlético bem semelhante ao do ala francês, para repetir um abafa desses, né? Klay Thompson é o marcador que vem sendo destacado pelo treinador nesse tipo de missão, de pressionar o atacante.

Deixar Stephen Curry e Kyrie Irving com ele seria bastante perigoso. O armador sérvio sabe usar muito bem os formidáveis e brutais corta-luzes de Raduljica e Krstic para se desmarcar. A partir daí, é mortal: arremessa com tranquilidade em movimento, até mesmo da linha de três pontos. Também tem visão de jogo muito acima da média, podendo abastecer o grandalhão da vez no corte para a cesta. Tudo devagar, sem explosão física alguma, controlando a bola com muita cabeça. Brasileiros e gregos concordam, tristemente.

E o Teodosic conseguiria jogar na NBA?
Este embate também serve para matar um pouco da vontade de ver o genial sérvio na liga norte-americana. Provavelmente nunca vai acontecer: na Europa, ele é tratado como um reizinho, tendo defendido Olympiakos e CSKA Moscou nas últimas temporadas. Ganha muito bem e pode dar aquele migué na defesa, com a certeza de que, no ataque, seus rompantes decisivos lhe garantem com a torcida – e dirigentes e técnicos, embora estes últimos possam sofrer bastante com sua combatividade zero. Seu contrato é de US$ 7 milhões por três anos – 7 milhões limpos de impostos, tenha em mente. Mais carro, apartamento e todo mimo que a diretoria do CSKA julgar necessário na capital russa.

Qual americano talvez assuma a torcida pela Sérvia?
Ryan McDonough, gerente geral do Phoenix Suns, desde que o garoto Bogdan-Bogdan seja O Cara da partida. O cartola selecionou o prodígio no Draft passado da NBA, em 27º. Uma exibição primorosa do ala-armador não só deixaria McDonough com ainda mais moral no Arizona, como elevaria, e muito, a cotação do jogador. Obviamente o plano é aproveitá-lo, assim que Bogdanovic, a jovem estrela sérvia, decida a hora de deixar o Fenerbahçe. Se for necessário, contudo, os direitos sobre o jogador virariam um ótimo trunfo na manga do dirigente, para uma eventual megatroca na liga americana.

Bogdan-Bogdan manda algum francês ficar em silêncio. Trunfo do Suns

Bogdan-Bogdan manda algum francês ficar em silêncio. Trunfo do Suns

Será que ainda dá tempo de Miroslav Raduljica assinar com a NBA novamente?
Acho difícil. Para os que não sabem: o pivô não tem mais contrato com nenhum clube da liga americana, embora insistam em dizer o contrário durante todo o Mundial. Do Bucks, ele foi repassado para o Clippers, que o dispensou prontamente. Aparentemente, o sérvio tem algumas ofertas da liga americana, mas nada muito interessante: provavelmente aqueles contratos sem garantia para a temporada. É mais provável que algum clube europeu decida lhe propor mais dinheiro e uma situação mais promissora em termos de tempo de jogo. Nos Estados Unidos, o jogo mecânico e lento de Raduljica não se encaixa muito bem. Sem contar o fato de que não conseguiria parar nenhum armador da liga quando envolvido em jogadas de pick-and-roll. No mundo Fiba, ele pode recuar na defesa e se comportar como se estivesse numa defesa por zona o tempo inteiro.

Por falar em Raduljica, ele não vai machucar o Anthony Davis, né?
O gerente geral do New Orleans Pelicans, Dell Demps, do seu lado, certamente vai assistir ao jogo decisivo com muito mais apreensão. Ver seu jovem craque, a base esportiva e comercial do clube encarar o brutamontes ex-Milwaukee Bucks, em um jogo valendo tudo ou prata, não deve ser nada agradável. Quando ele descansa, ainda vem o Nenad Krstic, que tem o físico de um irmão Klitschko mais descuidado, mas com 2,10 m de altura. Na NBA, Davis e Raduljica já se encontraram assim:

Qual duelo chama mais a atenção?
Tirando Curry x Teodosic nos primeiros minutos de jogo? Bjelica x Faried!!! São dois jogadores que não poderiam ser mais diferentes. O sérvio é todo elegante com a bola. Alto, de passadas largas, muito habilidoso, é daqueles pivôs que pega o rebote em sua tabela e pode sair com a bola em pestanejar. Joga bastante afastado da cesta em geral no ataque, com bom arremesso de longa distância. Por isso, faz também um bom uso da finta, iludindo seus defensores mais precipitados, cortando para a cesta com eficácia. Foi algo que fez bastante contra o Brasil. Do outro lado, agora vai enfrentar alguém que realmente responde pelo apelido de “Manimal”. Faried passa eletricidade para todo o ginásio. Ainda que tenha refinado bastante seu jogo na última temporada, ele se impõe mesmo com sua capacidade atlética absurda e uma força de vontade difícil de se igualar. Para cosntar: Bjelica já foi selecionado no Draft da NBA pelo Minnesota Timberwolves, mas tem um contrato bastante lucrativo com o Fenerbahçe, com mais três anos de duração. As multas rescisórias não foram divulgadas.

Harden em foco: o maior peladeiro do mundo?

Harden em foco: o maior peladeiro do mundo?

E quem tem o arremesso mais bonito em quadra?
Olha, o esquerdista do basquete vai dizer que os grandes arremessadores estão na Europa e bla-bla-bla – acredite, ainda hoje há quem acredite que a NBA é só um produto de marketing, uma liga de “peladas” que conquistou o mundo graças ao capital diabólico norte-americano. Teodosic e Bogdan-Bogdan chutam que é uma beleza, mas em termos de forma e mecânica, não vai ter quem supere os “Splash Brothers” do Golden State, Curry e Thompson.

James Harden vai marcar quem?
A plateia da Fiba já assimilou  algo que é mania na NBA: aloprar a defesa do Mr. Barba. Até o mítico Wlamir Marques entrou na onda. No ar na ESPN, disse o seguinte sobre o astro do Rockets, com ternura: “Acho que hoje é o maior peladeiro do basquete internacional”. Nesse sentido, ele e Teodosic vão se amar. Talvez o ala-armador americano leve a preguiça do ídolo sérvio a outro patamar. Há momentos do jogo que ele realmente desencana de tentar marcar alguém. É batido no primeiro drible e já vira de costas para a cesta, como quem não quer nada. Contra a Sérvia, provavelmente ele comece o jogo como par de Nikola Kalinic, um ala atlético e bem mais alto que não chega a ter prioridade no ataque sérvio. Ele vive das sobras e de cortes por trás da defesa. Se o técnico Sasha Djordjevic estudar bem os americanos como fez contra gregos e brasileiros, acho que não vai ter problema em pedir mais jogadas que envolvam Kalinic. O duro é que, quando enxerga a Luz, Harden se comporta como um defensor decente até. Caso os sérvios encontrem um meio de equilibrar o jogo até o fim, será curioso monitorar como ele vai se comportar.


Bronze inédito confirma: a França veio para ficar
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Giancarlo Giampietro

Após o título europeu, o bronze mundial. Sem sua principal estrela

Após o título europeu, o bronze mundial. Sem sua principal estrela

A terceira posição assegurada pela França nesta Copa do Mundo confirma: eles vieram para ficar. Foi um bronze inédito para os Bleus, um ano depois de eles terem conquistado o EuroBasket também pela primeira vez. Além da façanha em si de valer o pódio, a vitória deste sábado sobre a Lituânia, por 95 a 93, também tem um simbolismo especial para a estrutura do basquete francês, que, a despeito dos muitos desfalques, vê um trabalho todo coroado, mostrando que é mais do que um ou dois nomes.

Os cronistas esportivos estão todos muito habituados a se referir ao time de fulano de tal. A Alemanha de Dirk Nowitzki, o México de Gustavo Ayón etc. Em alguns casos, como no dos alemães, obviamente ainda é um caso. Não há meios de a Nationalfünf conquistar algum resultado de respeito, por ora, sem a presença de Nowitzki. Assim como a presença de Ayón permite que os mexicanos voltem a um Mundial depois de quatro décadas.

No caso dos franceses, por conta de tudo o que seu grande ídolo fez desde que chegou a San Antonio, seria normal se referir ao seu time nacional como algo que pertencesse a Parker. Foi com ele, mesmo, que subiram, ano a ano, de produção, para se colocar definitivamente entre os melhores do mundo neste biênio 2013-14. E, convenhamos, o cara joga demais. É um dos melhores armadores europeus da história, já. Com ausência do ligeirinho nesta Copa do Mundo, a maneira obrigatória de se referir a esta seleção pareceu a seguinte: “Ainda é um bom time, mas, sem Parker, vai ficar difícil”.

E foi difícil, mesmo. Mas competiram. Os caras perderam para o Brasil e a Espanha na primeira rodada. Suaram para bater Sérvia e, pasme, Irã e confirmar a classificação. Depois, fizeram um jogo equilibrado contra a Croácia pelas oitavas e se colocaram entre os oito melhores. Aí era a hora de encarar a Espanha, grande favorita do torneio ao lado dos Estados Unidos. Todo mundo estava pronto para dizer adieu, incluindo este blog que logo considerou o Brasil o quinto colocado da competição após a derrota para Sérvia. Mas, não: os franceses empurrariam os brasileiros um degrau abaixo ao chocar Madri, eliminando os anfitriões. Contra a Sérvia e a Lituânia, mais dois jogos duros, com uma derrota e uma vitória, e lá estava o bronze garantido para a galeria.

Diaw e seu ano perfeito: campeão europeu, bronze mundial e campeão da NBA. Contra a Lituânia, foram 15 pontos, 4 assistências, 2 rebotes e 2 roubos de bola em 33 minutos. Com muita visão de jogo, versatilidade, experiência e boa defesa, a influência do ala-pivô é enorme sobre o time, de modo que é até injusto batermos sempre na tecla de que Parker não foi para o torneio. Para mim, a ausência de Diaw seria igualmente significativa

Diaw e seu ano perfeito: campeão europeu, bronze mundial e campeão da NBA. Contra a Lituânia, foram 15 pontos, 4 assistências, 2 rebotes e 2 roubos de bola em 33 minutos. Com muita visão de jogo, versatilidade, experiência e boa defesa, a influência do ala-pivô é enorme sobre o time, de modo que é até injusto batermos sempre na tecla de que Parker não foi para o torneio. Para mim, a ausência de Diaw seria igualmente significativa para a química de sua seleção

Sem Parker, a França perde em força ofensiva, criatividade, obviamente. Mas mantém uma defesa muito chata, que incomoda demais. Foi pela defesa que eles nivelaram praticamente todos os jogos que disputaram no Mundial, especialmente contra a Espanha. Uma consistência que o time já trás do EuroBasket, isso para não falar das Olimpíadas de 2012.

O técnico Vincent Collet, no cargo desde março de 2009, tem muito mérito nisso, mas também pesa bastante a vasta gama de atletas da qual ele pode pinçar seus jogadores. O país tem, hoje, dez jogadores sob NBA que foram produzidos em sua categoria de base. Atentem que são, na verdade, 11 os franceses na liga americana quando incluímos Joakim Noah na relação. O pivô escolheu defender a nação de seu pai, mas nasceu nos Estados Unidos e se fez como atleta por lá, da mesma forma que o “gaúcho” Scott Machado.

Inglis: tem muita gente que julga ser um prospecto de muito potencial. O ala da Guiana Francesa tem 19 anos e foi selecionado pelo Bucks no início do 2º round do Draft. Não jogou a liga de verão de Vegas ao lado de Jabari e Giannis devido a esta lesão no tornozelo direito. Fica o aviso

Inglis: tem muita gente que julga ser um prospecto de muito potencial. O ala da Guiana Francesa tem 19 anos e foi selecionado pelo Bucks no início do 2º round do Draft. Não jogou a liga de verão de Vegas ao lado de Jabari e Giannis devido a esta lesão no tornozelo direito. Fica o aviso

Desses 10, temos gerações bem diferentes: Parker e Boris Diaw são de 1982. O caçulinha Damien Inglis, recém-draftado e contratado pelo Bucks, nasceu em 1995. Entre eles, aparecem Ronny Turiaf, de 1983, Ian Mahinmi, de 1986, Nicolas Batum e Alexis Ajinça, de 1988, Kevin Seraphin, de 1989, e Rudy Gobert e Evan Fournier, de 1992. Isto é, a produção é consistente – isso falando apenas dos atletas que estão hoje na maior liga do mundo.  Detalhe: apenas Turiaf usou algum estágio para ingressar na NBA, passando pela universidade de Gonzaga. O restante? Saíram todos diretamente de clubes franceses.

Podem entrar nessa conta da base muito mais nomes, como o ala-armador Nando De Colo, que acabou deixando o Toronto Raptors para defender o CSKA Moscou, que é de 1987. O armador Rodrigue Beaubois, depois de graves lesões, ainda sonha com um retorno, nasceu em 1988. Johan Petro, ex-Nuggets, Nets e Hawks, é de 1986. Os alas Yakhouba Diawara, que já atuou por Nuggets e Heat e recebeu sondagens este ano, e Mickael Pietrus, uma cacetada de times, se juntam a Parker e Diaw como de 1982. Mickael Gelabale, ex-Sonics e Wolves, é da turma de 1983.

Quer mais? Da atual seleção, o pivô Joffrey Lauvergne (1991) também já foi draftado pelo Denver Nuggets em 2013 e vem progredindo mês a mês na Europa, trocando o Partizan Belgrado pelo Khimki, da Rússia, para ganhar bem mais. Em breve, estará no Colorado. O ala-pivô Livio Jean-Charles (1993) foi selecionado pelo Spurs e joga pelo ASVEL, o clube do qual Parker é um dos donos.

Veja o tanto de gente E saiba que esta foi apenas uma passada rápida por aqueles nomes mais discutidos em cenário internacional, até por conta do vínculo que criaram com a NBA. Mas não dá para ficar sem falar dos armadores Thomas Heurtel e Antoine Diot (ambos de 1989) que substituíram Parker no Mundial e passou batido pelo Draft.

São muitos, mas muitos nomes para Collett filtrar. Entre possuir os nomes e formar uma grande equipe, são outros 500. Mas está claro que o pódio da França não é um acidente. A Espanha que se acostume com isso.

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Batum foi espetacular nas últimas duas partidas francesas, marcando 62 pontos no total contra sérvios (35) e lituanos (27). Pegou fogo, acertando 10 de 17 arremessos de três pontos. Nas sete partidas anteriores, havia somado 69.

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O legendário armador Bob Cousy, considerado o primeiro símbolo de sua posição nos tempos em que jogava com Bill Russell no avassalador Boston Celtics dos anos 50 e 60, tem ascendência francesa. Nasceu em Nova York, filho de imigrantes.

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O ala Antoine Rigaudeau foi talvez o grande ídolo francês da geração que antecedeu a de Parker – prata nos Jogos de Sydney 2000 e cinco vezes o MVP da liga nacional. Ele é 10 anos mais velho que o armador, mas só foi se testar na NBA dois anos depois, em 2003. Sua passagem pelo Dallas Mavericks foi um desastre, porém. Aos 31, mal entrava em quadra: disputou apenas 11 partidas, com 17 pontos e 91 minutos no total. Dos 35 arremessos que tentou, acertou apenas 8. Maldosamente, ficou conhecido no Texas como Rigaudon’t (não, Antoine, por favor: não arremesse dessa vez).


Espanta-Gasol, Gobert mostra seu potencial pela França
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Giancarlo Giampietro

“Tamanho é uma das coisas que você não ensina.”

Que o diga o Pau Gasol, ele mesmo um gigante, depois deste encontro pouco amistoso com Rudy Gobert:

Ginga daqui, ginga dali. Gasol e seus movimentos belíssimos. Sobe para o ganchinho, e tome raquetada.

C’est un monstre!

Esse, sim, um toco que merece aplausos e te faz levantar da cadeira. Não só por ser em cima de quem foi, mas pela reação extremamente rápida desse imenso pivô francês, que fez uma partida inesquecível para ancorar a inapelável defesa francesa na vitória sobre a Espanha, pelas quartas de final da Copa do Mundo. A vitória que fez Madri chorar, mais uma vez. A equipe da casa acertou apenas 32,3% de seus arremessos, com a porta fechada na cara. Baita falta de modos!

Gobert contribuiu com apenas 5 pontos no ataque e um toco. Justamente o bloqueio acima, que você não vai cansar de ver. Mas apanhou, sozinho, 13 rebotes – um a mais que dois irmãos Gasol juntos. Esse já é um dado um tanto estarrecedor, mas aqui estamos diante de mais um caso em que a linha estatística definitivamente não conta toda a história. É de se perder a conta do tanto de arremessos que ele alterou ou inibiu durante um segundo tempo de batalha no garrafão.

Rejeitado! Gobert protege a cesta

Rejeitado! Gobert protege a cesta

O craque espanhol pode ter feito 17 pontos, e tal, acertando 7 de 12 arremessos. Um cara talentoso desses vai encontrar um jeito de pontuar e de te ferir em quadra, não tem jeito. Mas o jovem pivô francês ao menos segurou seu adversário abaixo de suas médias no torneio. Algo que nem mesmo um trio de veteranos e excelentes defensores como Splitter, Nenê e Varejão chegou perto de fazer.

E pensar que o rapaz talvez nem fosse jogar o Mundial, caso o técnico francês Vincent Collet pudesse contar com Joakim Noah, Alex Ajinça e, glup!, Ian Mahinmi. O grandalhão reserva do Indiana Pacers – atlético ao seu modo, é verdade – foi o último desfalque na linha de frente, abrindo caminho para Gobert. Acabou sendo uma benção.

No ataque, por enquanto, só enterrada

No ataque, por enquanto, só enterrada

A exibição mostra todo o potencial do jogadort – e também deixa claro para o Utah Jazz e o comandante da seleção francesa que a realização desse potencial está muito mais perto do que poderiam imaginar. Para quem acompanhou o espigão na Liga de Verão de Las Vegas e nos amistosos dos Bleus, a sensação foi essa, mesmo. O rapaz de 22 anos já estava anunciando um jogo desses. Azar da Espanha que tenha acontecido na sua casa, numa hora dessas.

Um salve, então, para os treinadores da franquia de Salt Lake City e da seleção francesa que o empurraram nessa direção. Um salve também o próprio pivô, que mal jogou no ano passado em sua campanha de novato, mas, pelo visto, aproveitou bem o tempo “livre” para evoluir consideravelmente. O francês foi escalado pelo técnico Tyrone Corbin em apenas 45 partidas, pouco mais do que a metade da temporada. Teve médias de 9,6 minutos, nos quais somou 2,3 pontos, 3,4 rebotes e 0,9 toco. Se você projetar esses números para 36 minutos, terá algo mais que razoável, registre-se: 8,6 pontos, 12,9 rebotes e 3,4 tocos; quer dizer, os flashes já estavam lá para serem notados.

(Aliás, cabe um parêntese endereçado aos jovem Bruno Caboclo: a ideia da gerência do Toronto Raptors e de sua comissão técnica é a de que o brasileiro vai ser muito mais trabalhado em treinos, particulares ou não, do que em partidas. Todo atleta gosta de ir para a quadra para valer, mesmo. Para o ala, porém, este começo vai ser de muita paciência,  e ele sabe, na verdade. Tem impressionado todos os seus treinadores com seu empenho. O importante aqui é notar que, seguindo o modelo de Gobert, se bem feito, esse tipo de trabalho pode render frutos, mesmo. Pode ser que a nota sirva para Lucas Bebê também, dependendo dos planos que o único clube canadense da NBA tem para ele).

Paredão Gobert: com os braços erguidos e os pés no chão, ele alcança algo como 2,91 m de altura. De chinelo, para dar um charme. Envergadura inerminável

Paredão Gobert: com os braços erguidos e os pés no chão, ele alcança algo como 2,91 m de altura. De chinelo, para dar um charme. Envergadura inerminável

Imagino a satisfação que o gerente geral Dennis Lindsey, do Jazz, deve estar tendo ao acompanhar a Copa do Mundo do pivô francês e todo o seu desenvolvimento. No nosso mundo de seres humanos baixinhos, pode-se realmente superestimar a importância de um pirulão de 2,13 m de altura para uma equipe de basquete. Diversos técnicos, dirigentes e torcedores já gastaram uns 3,5 milhões de anos-luz, contando por baixo, em trabalho ou sonhos com projetos desse tipo. Descobrir aquela girafa em uma fazenda no meio do nada e transformá-lo no próximo superpivô que vai dominar o mundo. Um atleta com o tamanho de Gobert, de envergadura interminável, que se mexa com reflexos tão ágeis, já teria vantagens consideráveis para se acertar em quadra.

Mas é difícil, né? Fabrício Melo, agora fora do Paulistano, está aí na luta, por exemplo.

O brasileiro trabalhou por alguns anos numa universidade de ponta como Syracuse, mas um time que trabalha quase que exclusivamente com a defesa por zona – e que, no ataque, não tinha muito tempo para desenvolver seu gigantão com a pressão de ter de competir em alto nível sempre. Quando o mineiro saltou para a NBA, tinha um porte físico impressionante, um senso de humor agradável, mas pouco além disso. Em termos de noções táticas e técnicas, estava bem aquém. Isso não foi o suficiente para desviar um caça-talentos respeitado como Danny Ainge de sua direção.

Um ano depois, porém, o Boston Celtics despachou o mineiro de Juiz de Fora. O Memphis Grizzlies nem quis saber, mesmo pagando o salário. O Dallas Mavericks foi atrás, para ver o que ele poderia oferecer, mas também o deixou passar rapidamente.  Há casos e casos. Existem aqueles que tinham o talento, mas se perderam por razões disciplinares, motivacionais, psicológicas e monetárias: (alô, Michael Olowakandi, Jerome James, Eddy Curry). Mas também são muitos os que simplesmente não se desenvolveram do modo que se esperava, seja por limitações próprias ou por treinamento falho. O torcedor deprimido do Seattle SuperSonics pode dizer algo nessa linha sobre Saer Sene, Robert Swift e Johan Petro. Enfim, são vários os nomes, e cada um vai ter o seu preferido.

Gobert, ao que tudo indica, deve passar longe dessa lista.

Algo para o qual, na disputa pelo bronze, Jonas Valanciunas será alertado. Enquanto isso, em Utah, é bom que Enes Kanter nem arranje muitos compromissos, que seus minutos podem estar a perigo. Gobert tem o tamanho que não se ensina e vem aprendendo os macetes que fazem a diferença entre se ter um poste no garrafão ou um verdadeiro paredão. O voto de Pau Gasol ele já tem.

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Uma curiosidade: Rudy Gobert e Raulzinho foram companheiros na Liga de Verão de Orlando de 2013, quando o armador também foi draftado pelo Jazz. O francês recebeu alguns passes açucarados da revelação brasileira. Ainda não será neste ano que os dois se reencontrarão em Salt Lake City. Quem sabe na temporada 2015-16?

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No ataque, Gobert ainda não faz muito mais coisa do que pegar a bola perto da cesta e cravar. Seus movimentos no mano-a-mano ainda são desengonçados, pouco efetivos. Do modo como influenciar uma partida na defesa, porém, ninguém vai cobrar que se torne nem mesmo uma referência de costas para a cesta.


0% NBA, Sérvia bate França e encontra EUA na final da Copa
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Giancarlo Giampietro

Teodosic, Bogdan-Bogdan: são de NBA, só não estão lá. Há vida na Europa

Teodosic, Bogdan-Bogdan: são de NBA, só não estão lá. Há vida na Europa

Algoz do Brasil, a Sérvia fez mais uma partidaça nesta sexta-feira. Tomou um susto danado da França, é verdade, mas conseguiu se segurar acima no placar para se garantir na final da Copa do Mundo. Vão desafiar os Estados Unidos no domingo.

É um confronto muito interessante, do ponto do vista brasileiro. Por aqui, a impressão é de que, no mundo do basquete, só a NBA importa, não? Este blog, mesmo, sublinha a tese, provavelmente com 95% de seu conteúdo dedicado à liga americana no decorrer de sua temporada. Mas a modalidade tem muito mais que isso. Como os sérvios podem atestar: em seu elenco, não há ninguém com contrato assinado com uma franquia dos Estados Unidos ou com o Toronto Raptors. Na decisão, vão enfrentar o Team USA, que… Bem, vocês entenderam, né?

Então está aí a seleção balcânica, mostrando que existe todo um mundo lá fora para ser observado. Agora, uma coisa é dizer que a Sérvia não tem nenhum atleta na NBA hoje. Outra, bem diferente, e afirmar que a equipe não tem nenhum atleta de NBA. Boa parte de seu elenco poderia estar por lá. Por diversas circunstâncias, só não há ninguém em atividade nos Estados Unidos neste exato momento.

(Antes de mais nada, um clamor aos navegantes: por favor, ignorem o fato de que na ficha do pivô Miroslav Raduljica, no site oficial do torneio, apareça “Milwaukee Bucks”. Reforçando: por favor, ignorem isso. Primeiro que, antes de o Mundial começar, ele foi trocado para o Clippers. Durante a primeira fase, acabou dispensado pelo ex-primo pobre de Los Angeles. Seu contrato foi rescindido. Está desempregado. Dizer que ele é da NBA, é a mesma coisa que, na Copa de futebol, falar que o David Luiz era o zagueiro do Chelsea, quando todos sabiam que já havia sido negociado com o Paris Saint-Germain.)

Gobert está na NBA: são 4 na França

Gobert está na NBA: são 4 na França

Seus melhores atletas já ganham uma boa grana defendendo gigantes europeus ou times de Euroliga: Milos Teodosic, Nemanja Bjelica, Nenad Krstic, Stefan Markovic e Bogdan Bogdanovic – provavelmente o mesmo destino de Raduljica após um torneio excepcional. Outros são muito jovens, ainda com tempo pela frente: Nikola Kalinic e, mais uma vez, Bogdan-Bogdan, que já foi selecionado pelo Phoenix Suns no último Draft e sobre o qual já escrevemos muito aqui. O restante está todo espalhado pelo continente e talvez não possa sonhar alto. Apenas o pivô Rasko Katic, de 33 anos, joga em seu país, pelo Estrela Vermelha – e ele mal entra em quadra pela seleção.

Desse grupo, é de se pensar o que o genial e genioso Milos Teodosic  poderia fazer na liga americana, ainda mais quando ele se apresenta tão solto e confiante como vem fazendo no Mundial, sem aquela nuvenzinha na cabeça. Por um lado, é um dos jogadores mais perigosos nas situações de pick-and-roll, algo que sempre vai ser feito na NBA. Tem visão de jogo e um arremesso em movimento que é espetacular. Por outro, sua aversão pela defesa é até folclórica na Europa, combinando com o jeito, hã, boêmio de tocar a carreira.

Nesta sexta, na partida mais emocionante da competição, Teodosic e seus companheiros derrubaram uma França que, mesmo com todos os seus desfalques, jogou o Mundial com jogadores sob contrato com clubes da NBA: Boris Diaw (Spurs) e Nicolas Batum (Blazers), sensacionais e importantíssimos para seus times, e os promissores Rudy Gobert (Jazz) e Evan Fournier (Magic), que ainda estão no início de suas trajetórias. Desse quarteto, Batum foi instrumental para que os franceses chegassem muito perto de uma vitória histórica.

A série “Cada Jogo É Uma História”, alardeada durante todo o campeonato, correu sério risco,. As duas seleções se reencontraram 12 dias depois do confronto pela fase de grupos, o qual os Bleus venceram por 74 a 73. E de virada – os sérvios chegaram a abrir 11 pontos na liderança. Na semi, a vantagem chegou a ser de 18, e os caras voltaram a levar um susto danado. não que não tenham assustado: chegaram a apertar as coisas de modo dramático no quarto período, 64 a 60, com 4min30s restando no relógio. A Sérvia, porém, se segurou, aproveitando seus lances livres e criando algumas boas jogadas contra uma forte defesa  para vencer por 90 a 85.

Sérvios comemoram com o técnico Sasha Djordjevic, que faz ótimo trabalho

Sérvios comemoram com o técnico Sasha Djordjevic, que faz ótimo trabalho

No primeiro tempo, os franceses simplesmente não conseguiram reproduzir a energia dos jogos anteriores contra Croácia e, principalmente, Espanha. Muito por conta da excelência de seu adversário, mas também por conta do forte componente emocional do triunfo contra os espanhóis, por tudo o que envolvia a partida: rivalidade entre as gerações, um favorito ao título e, ao mesmo tempo, o time da casa e o ginásio bombando.

O time chegou entre os quatro melhores do torneio com uma defesa sufocante, de muita envergadura, sem forçar muitos turnovers, mas contestando todo e qualquer arremesso, desde o semicírculo até a linha de três pontos. Nesta sexta, isso só aconteceu no quarto período. Os sérvios mataram 59% de dois pontos e 53% de três e conseguiram uma terceira vitória seguida impressionante. Recordem que, nas oitavas, haviam batido a Grécia por 90 a 72. Depois, aiaiai: 84 a 56 para cima do Brasil. Agora, o triunfo nem foi tão elástico, mas não deixa de ser convincente.

A Sérvia encontrou uma química perfeita em quadra, combinando força e leveza. Pode punir a defesa adversária tanto com o jogo físico de Raduljica e Nenad Krstic, como no jogo exterior ultralentoso de Teodosic e Bogdanovic, com a ajuda da consistência de Stefan Markovic e da explosão física de Nikola Kalinic. Claro que, no final das contas, num jogo de alto nível desses, foi o armador Teodosic quem mais desequilibrou. Tal como no duelo com o Brasil, destruiu no primeiro tempo com 18 pontos.

Outro de NBA, Batum jogou demais dos 2 lados da quadra

Outro de NBA, Batum jogou demais dos 2 lados da quadra

Embora o craque canalize muito do ataque, seu time tem se comportado de modo solto no setor ofensivo, com muita movimentação de bola, diversos passes extras e  saídas precisas e oportunistas no contragolpe. Agora, quando Batum praticamente tirou a estrela sérvia, de ação, as coisas engrossaram, mesmo. Teodosic só havia matado um arremesso em todo o segundo tempo, até converter um chute extremamente pressionado 2min55, para o fim (77 a 68). Ele usou muito bem os corta-luzes para se desmarcar. O duro é que, na sequência, Batum respondeu na medida, com mais uma bomba de três.

Os chutes de longa distância voltariam a cair com Diaw e Heurtel, diminuindo a vantagem para três, com menos de dois minutos. A pressão era extrema, mas Bogdan-Bogdan, Krstic e Kalinic fizeram o suficiente no ataque para estancar a hemorragia e marcar o encontro final com os Estados Unidos. Uma final de 12 astros da NBA contra o… Resto?

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Foi uma partidaça de Batum: 35 pontos (24 em bolas de 3!!!) e toda a defesa em cima de Teodosic. Incrível. E algo que muita gente esperava do ala francês. Seu talento não se contesta. Nos Estados Unidos, porém, muita gente estava esperando sentado para ver quando o francês ligaria o modo “matador” em seu jogo. Aconteceu nesta semi: 11/16

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Raduljica fez a cesta mais inusitada do Mundial, em uma situação delicada: a França havia encostado no placar, diminuindo a vantagem sérvia para apenas seis pontos. Restando 5min44s, Bogdan-Bogdan soltou uma bomba de passe na direção do seu pivô, que não conseguiu fazer o domínio. Era impossível, mesmo. Acontece que, involuntariamente, o grandalhão acabou espalmando a bola, que subiu o suficiente para bater no quadradinho e entrar para dois pontos. Ufa! Raduljica sorriu, enquanto, no banco, o capitão Nenad Krstic fez o sinal da cruz.

Na descrição do site da Fiba, foi computada como uma bandeja. No fim, não tem com descrever melhor que isso, mesmo:

raduljica-espalmada

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O técnico Aleksandar “Sasha” Djordjevic está de parabéns. Um armador cerebral e histórico nos tempos de Iugoslávia, ele faz apenas seu terceiro trabalho como treinador, depois de ter dirigido o Olimpia Milano em 2006-07 e o Benneton Treviso em 2011-12. Assumiu a seleção balcânica no ano passado, com um EuroBasket no currículo, ficando em sétimo. Para constar, seu currículo como jogador: tricampeão europeu, vice-campeão olímpico (Atlanta 1996) e campeão mundial em 1998 (sem NBA). Aos 47 anos, aposentado em 2005, parece ter excelente relação com seus comandados, falando a língua deles. Para quem preenche a folha corrida dessa equipe, sabe que não é das tarefas mais fáceis: os problemas de vestiário são uma constante por lá.

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Quem está adorando a capanha da seleção sérvia é este cara aqui:

Olha o que o tradutor do Google nos deu: “Que defesa, algumas duplas, que coragem! Bem feito. Teo, eu te amo na mão! Equipes contribuíram com um sorriso! O prazer é vê-los” (risos). Sem rodada de Copa Davis para disputar, o número um do mundo no tênis também vai se deleitando com sua seleção nacional. Ama o Teodosic e acha que o Raduljica faz todo mundo sorrir.

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Uma curtinha, para fechar. Ao comentar a barba de Raduljica, a dupla da ESPN – Cledi Oliveira e Wlamir Marques – chegou ao James Harden, claro, e a frase do verdadeiramente mítico Wlamir  para fechar o assunto foi:  “Aquele lá (Harden) acho que é o maior peladeiro que tenho visto hoje no basquete mundial”. Demais. : D


Depois da eliminação, as pérolas de Carlos Nunes
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Giancarlo Giampietro

"Aqui não é futebol", afirma Carlos Nunes. E...?

“Aqui não é futebol”, afirma Carlos Nunes. E…?

Carlos Nunes ataca novamente! Numa rara aparição pública, o presidente da CBB topou falar ao GloboEsporte.com depois da eliminação da seleção brasileira na Copa do Mundo. Suas respostas, para manter a coerência, beiram ou atravessam a linha do trágica. Um ou outra resposta você entende de onde saem: Nunes é um político e vai falar como tal, na pior acepção da palavra. Vai distorcer fatos, ignorar os percalços gerais de sua administração e encher a boca para garantir uma série de coisas que estão fora de sua alçada. A não ser que ele resolva endividar ainda mais a confederação, pegar empréstimos, passar o chapéu em Brasília de novo e de novo para assinar cheques de um milhão de euros para fazer valer qualquer discurso. Aí, meus amigos, até eu. Então, sem mais delongas, aqui estão as declarações para o repórter Fábio Leme seguidas de comentários:

País-sede vai ter de disputar vaga olímpica?
“Estamos absolutamente tranquilos. O Brasil, como país-sede das Olimpíadas, não vai ter basquete? Isso não existe. Evidente que há uma especulação, pois o regulamento é omisso nesse assunto, mas não tenho dúvida. Veja só nas Olimpíadas de Londres quem participou? Não foi a Inglaterra, foi a Grã-Bretanha, e o time deles não chega nem aos pés do nosso, com o perdão da expressão.”
>> Comentário: e quanto foi Brasil x Grã-Bretanha nas últimas Olimpíadas? Só 67 a 62? Ah, tá… Agora, sim, todos sabemos que o Brasil tem mais tradição que os britânicos nessa brincadeira toda, tem mais jogadores disponíveis, mercado etc. Só não dá para alguém intelectualmente honesto se referir ao atual basquete brasileiro com essa soberba toda. Simplesmente não dá: pelo que a CBB faz, não cabe expressão espirituosa nenhuma. Além do mais, não sei se o presidente sabe, a Inglaterra não disputa os Jogos Olímpicos, mesmo. Nem no futebol, em que os inventores do esporte dividiram time com galeses e vizinhos.

Com Marcelinho, Giovannoni, Benite, Murilo e jovens atletas, o Brasil caiu na 1ª fase do Pan de 2011, perdendo inclusive para uma seleção norte-americana composta por veteranos da D-League

Com Marcelinho, Giovannoni, Benite, Murilo e jovens atletas, o Brasil caiu na 1ª fase do Pan de 2011, perdendo inclusive para uma seleção norte-americana composta por veteranos da D-League

Calendário 2015: Pan + Copa América
“Eu acho que temos equipe para cumprir os dois eventos. Não vamos com a equipe A nos dois, vamos fazer uma mescla. Estamos avaliando qual a nossa prioridade agora, mas, a princípio, é o Pan-Americano, porque a vaga olímpica nós temos, apesar de a Fiba nunca ter dado essa segurança. No Pan, nós não vamos com os jogadores da NBA, mas vamos com uma equipe forte, com o objetivo de ganhar medalha. Acho que não teremos problemas para ter os atletas que atuam no basquete europeu. Isso tudo vai ser discutido pelo departamento técnico, eu estou dando as informações de algo que discutimos mais ou menos. No Pré-Olímpico, nós vamos com os da NBA.”
>> Discutir “mais ou menos” não é a cara da CBB? Mas tudo bem, né? Está cedo para fazer plano para o ano que vem. Acabamos de jogar um Mundial, gente. Vamos deixar de chatice. Deixa primeiro aproveitar o resto da estadia em Madri. O futuro fica para amanhã. De longo prazo, só vive gente séria. Além do mais, obviamente que o Brasil tem dois times fortes para disputar medalhas o tempo todo. Como a Copa América do ano passado comprovou, com as derrotas para Jamaica e Uruguai. Da mesma forma em que ocorreu no Pan de Guadalajara 2011, em que ficou fora das semifinais. O fato até agora é um só: quando Rubén Magnano não teve nenhum representante da NBA em seu time, se lascou.

E tem mais: Carlos Nunes por acaso sabe quem são os atletas brasileiros hoje na Europa? Vamos contar: Huertas, Rafael Luz, Raulzinho, Augusto, JP Batista, Tavernari e quem mais? De repente ele esteja se referindo aos meninos de 1996 (Daniel Bordignon, do Baskonia) ou mesmo de 1998 (Felipe dos Anjos, o espigão do Real Madrid, ou Gabriel Galvanini, do Fuenlabrada)? Pode ser.

Lembrando que a seleção brasileira de base europeia, junto com os veteranos de sempre do NBB, foi a que naufragou na Copa América. Em 2011, no Pré-Olímpico em que o Brasil derrotou a Argentina, sabe quantos de NBA estavam lá? Só Splitter. Então como ele pode garantir que todos estarão no ano que vem? Isso representaria três anos seguidos de convocação desses caras, que já não são os mais jovens do mercado. Como eles chegarão ao Rio 2016? Enfim, há muito o que ser discutido, especulado. Mas depois a gente fala mais a respeito.

Quando o dever com o COB te chama
“Quanto ao Pan-Americano, nós também queremos medalha, até porque o COB está nos dando um apoio muito grande. Então, nós temos que honrar esse apoio conseguindo uma medalha no Pan.”
>> O repórter traz uma informação que desconhecia (se estava amplamente divulgado, podem me espezinhar): a de que o Comitê Olímpico Brasileiro está bancando o salário da comissão técnica da seleção. Ajuda providencial, depois dos R$ 3 milhões que gastamos apenas para entrar no Mundial a “convite” – sem contar a grana torrada com a delegação de 2013, no fiasco que foi a campanha na Venezuela. Aí a CBB se vê de mãos atadas: se a Fiba por um acaso optar por ferrar o basquete brasileiro e deixar o país-sede sem vaga olímpica definida, como faz? Vai jogar com dois times “fortes” no Pan e Pré-Olímpico? Em tempo: sinceramente, acho possível ter duas equipes competitivas, mesmo só com atletas do NBB. Desde quem bem preparados. Infelizmente não aconteceu nas últimas oportunidades, com críticas cabíveis ao trabalho do argentino, que simplesmente lavou as mãos e afirmou que, sem os melhores, não havia o que se fazer.

Magnano, tem salário pago pelo COB. Aqui, o Pan de 2011 novamente. Crédito: Vipcomm

Magnano, tem salário pago pelo COB. Aqui, o Pan de 2011 novamente. Crédito: Vipcomm

A derrota para a Sérvia e a Copa em geral
“Nós não precisávamos de um resultado acachapante como foi, no caso mais de 30 pontos, mas, no total da campanha, foi ótimo. Quebramos um tabu, recuperamos a hegemonia sul-americana diante de nosso mais assíduo inimigo, comprovamos ter um time forte e ganhamos do campeão europeu. O Brasil mostrou que tem condições. Nosso planejamento está correto, estamos vendo 2016 e seria importantíssimo chegar ao pódio. Nossos atletas demonstraram que têm amor pelo Brasil, pois vieram todos. Da outra vez, não vieram por problemas de saúde ou porque os clubes não liberaram, como foi na Venezuela.”
>> Amor pelo Brasil. Carlos Nunes tem? E ele conversou sobre esse amor com Rubén Magnano quando o argentino saiu disparando para todos os lados, no ano passado? Entendo que o argentino tinha alvos específicos, que deve ter revelado em conversas posteriores aos veteranos, mas vocês se lembram do fuzuê que foi, não? Com Oscar e outros detonando o time, o discurso do treinador serviu como gasolina. As coisas foram contornadas, ainda bem, mas o ponto aqui é: a CBB falha, e muito, em sua comunicação corporativa.

Faverani, 26 anos, um novo talento que acaba de despontar para os olhares de Nunes

Faverani, 26 anos, um novo talento que acaba de despontar para os olhares de Nunes

Rio 2016: pódio?
“A pressão vai ter, sempre vai. Mas a equipe está madura, acho que a pressão não vai influenciar. Nós vamos chegar fortes, aliás, temos de chegar fortes. No nosso país, as Olimpíadas nos exigem uma medalha. Aqui, nosso time deu o recado e essa derrota em nada vai nos abalar. Sempre costumo dizer que aqui não é futebol. Temos um planejamento com o Rubén (Magnano) até 2017 e ele só não vai cumprir se não quiser. Se depender de nós, ele está confirmadíssimo.”
>> De novo o descuido com as palavras: “exige”. A seleção brasileira não tem condição de falar nesses termos. No Mundial, o time estava mais uma vez completo e não conseguiu se posicionar para disputar medalhas, caindo novamente nas quartas. Poderiam ter avançado? Claro que sim. Mas é tudo muito equilibrado e, por consequência, incerto, que não dá para falar em garantias ou exigências. De modo que o basquete em diversos sentidos “é futebol”, sim, com uma penca de times competitivos que sonham com um pódio olímpico. Sobre a CBB ter planejamento e tal, melhor nem comentar. Tou limpando as lágrimas aqui.

Renovação na seleção?
“Essa avaliação quem vai fazer é o Rubén, mas eu entendo que a maioria tem condições de chegar em 2016. Também existem novos valores despontando como o Bebê, o Caboclo e o Faverani, que não pôde vir porque estava machucado. Nós vamos ter uma equipe forte e preparada.”
>> Faverani é um novo valor, que está despontando. Ele, que vai fazer 28 anos em 2016.

 Eu não recebi a informação de que estaríamos garantidos desde que jogássemos com um time forte no Pré-Olímpico mas, se isso for o que a Fiba decidir, nós vamos cumprir


Bogdanovic: como construir uma jovem estrela sérvia
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Giancarlo Giampietro

Bogdan-Bogdan, 22 anos, chamando o jogo contra o Brasil

Bogdan-Bogdan, 22 anos, chamando o jogo contra o Brasil

Este espaço vem batendo na tecla nos últimos dias contrapondo o impacto que a produção das categorias de base de Brasil e Sérvia tem na formação de suas respectivas seleções. O paralelo poderia ser feito com qualquer outro dos países que disputam as semifinais da Copa do Mundo, mas calhou de serem os balcânicos a surgirem no meio do caminho de um time nacional que realmente tinha esperança de brigar por medalha.

Dentre os muitos talentos sérvios lançados ano após ano, num ritmo muito mais acelerado que o Brasileiro, embora tenham população 20 vezes menor, o caso de Bogdan Bogdanovic me parece o mais interessante para ser investigado, envolvendo diversas facetas do basquete de lá que talvez ajudem alguma alma iluminada com poder de decisão no basquete brasileiro.

Com 22 anos, o ala-armador, uma das revelações a serem vigiadas no Mundial, aparece como o terceiro cestinha sérvio no torneio, atrás apenas de Miroslav Raduljica, um pivô que também nos conta uma lição, e Milos Teodosic, que andava deveras comportado até arrebentar com a defesa brasileira nesta quarta-feira. Em termos de eficiência, ele aparece em quarto na lista, superado também por Nemanja Bjelica. Todos eles mais velhos, diga-se. Agora, se formos ver o saldo de cestas de seu time nos minutos em que esteve em quadra, ele tem a melhor marca, com +7,9, batendo Teodosic, por exemplo, por 2,3 pontos. Número por número, acho que dá para eleger o rapaz já como um dos protagonistas da equipe.

Bogdan-Bogdan tem 22 anos. Está entre os protagonistas sérvios

Bogdan-Bogdan aqui errou a bandeja, acuado pela cobertura de Nenê: mas o garoto foi bem no geral, com 12 pontos, sendo assistido pelo gerente geral do Phoenix Suns na plateia

Algo que um ou dois anos antes não estava nada previsto. Bogdan-Bogdan é o protagonista de uma das ascensões mais significativas do basquete europeu em tempos recentes. Nesta escalada, boa parte do roteiro era planejada. Mas também não dá para negar que a interferência de umas pitadinhas de sorte.

Em maio de 2010, ele mostrou as caras para um bom contingente de olheiros nternacionais no tradicional Nike International Junior Tournament, em Paris. O sérvio foi inscrito como atleta do FMP, clube que revelou dos anos 90 para cá gente como Teodosic, Zoran Erceg, entre outros, mas, pelo que consta, estava apenas emprestado. A ideia era usar o torneio juvenil como vitrine para seus habilidades, neste tipo de combinação que agentes e equipes de menor orçamento podem realizar. Deu certo.

Segue um relato do DraftExpress, serviço de scouting dos mais prestigiados que você vai encontrar: “Bogdanovic tem um jogo bastante versátil ofensivamente. Ele pode criar seu próprio arremesso, cortando pela direita ou pela esquerda e também faz seus arremessos do perímetro, mesmo que seu lançamento precise ficar mais rápido e consistente. Ele também pode pontuar de costas para a cesta e dá sinais de que um jogo de meia distância está surgindo, especialmente com a cesta da vitória que fez contra o Málaga, garantindo uma vaga nas finais. Ele não estava completamente integrado ao time e, em algumas ocasiões, ele levou essa coisa de vitrine bem literalmente. Estava um pouco faminto cuidando de seu próprio arremesso, forçando algumas bolas bem ruins e arriscando infiltrações difíceis”.

Antes ser alistado pelo FMP, o garoto jogou pelo Zvezdara e pelo Žitko Basket. Ao final de sua participação naquela competição juvenil, conseguiu o que queria: um contrato profissional, e com o Partizan Belgrado, aos 18 anos. Em duas temporadas, foi aproveitado em apenas 23 jogos da liga local. Em 2012-13, porém, já estava mais preparado para entrar de vez na rotação dessa potência sérvia. Estreou na Euroliga e na Liga Adriática, com médias de 5 pontos no torneio continental, mas sentindo o peso da concorrência elevada (acertou, por exemplo, apenas 10 de 33 arremessos que tentou em seis jogos). No campeonato nacional, os números subiram para 9,8 pontos e aproveitamento superior a 42% nos chutes, com 39% de três. Alguns degraus foram escalados, mas ninguém imaginava o que viria a seguir.

Bogdan-Bogdan, líder da horda

Bogdan-Bogdan, líder da horda

Aqui é importante explicar qual a realidade do Partizan hoje. Na Sérvia, os caras ganharam simplesmente os últimos 13 títulos. Sim, 13. No âmbito regional, ainda conquistaram seis das últimas oito Ligas Adriáticas, campeonato que reúne agremiações da antiga Iugoslávia. Nos Bálcãs, eles encaram concorrência chata – só foram campeões nacionais neste ano, por exemplo –, mas está claro que hoje são eles quem mandam por lá. Se for para olhar para o resto do continente, porém, a relativização deixa o clube pequeno. Seu orçamento é bem reduzido comparando com espanhóis, gregos e, especialmente, russos e turcos. Então o que eles fazem? Trabalham basicamente com atletas jovens, um ou outro americano disponível no mercado e veteranos sérvios, mas não os de elite: tanto que, na atual seleção nacional, não estão representados por nenhum atleta.

Para terem sucesso, dependem que esses garotos sejam realmente promissores e precocemente produtivos. O interessante é que, devido ao espaço e a visibilidade que acaba proporcionando, o time tem recebido também jogadores de outros países – na última Euroliga, contaram com três revelações francesas: o pivô Joffrey Lauvergne, outro semifinalista do Mundial e que já foi embora para a Rússia, e os armadores Leo Westermann e Boris Dallo. Todos saem ganhando: o Partizan ganha personagens talentosos para explorar, e os jovens recebem tempo de quadra para se desenvolverem e ganharem exposição.

Nesse contexto, Bogdanovic, em seu quarto ano de casa, foi alçado ao patamar de jogador-chave, sob a orientação do técnico Dusko Vujosevic. Esperavam dele uma produção consistente para conseguir, quiçá, uma campanha respeitável na Euroliga e manter a hegemonia balcânica. O ala-armador, do ponto de vista individual, superou todas as expectativas. Um fator que contribuiu para isso: uma grave lesão de joelho sofrida por Leo Westermann, que aumentou sensivelmente as responsabilidades de seu companheiro. Ele teve de ficar com a bola muito mais tempo em mãos – muito mais do que estava acostumado – e viu seu progresso ser bastante acelerado. Cometeu um caminhão de turnovers (3,4 por jogo), é verdade, mas teve liberdade para errar até se tornar também uma atacante mais confiante e com mais recursos ao final da jornada.

Ao analisá-lo quatro verões depois daquele torneio juvenil em Paris, Jonathan Givony viu um jogador formado. “O Bogdanovic se aproveitou da lesão para assumir  um papel muito mais proeminente no ataque como um condutor de bola primário e também como facilitador. Sua versatilidade é impressionante, liderando a equipe em pontos, assistências, tocos e taxa de uso, enquanto vai acertando 40% da linha de três”, afirma. “Não há dúvida de que, nesse meio tempo, ele emergiu como o prospecto mais intrigante da geração nascida em 1992 na Europa.”

Bogdanovic teve médias na Euroliga de 14,8 pontos, 3,7 assistências e 3,7 rebotes, além de 1,6 roubo de bola, em 31 minutos. Carregava uma carga pesada e conseguiu triplicar seus números em um ano, ajudando o Partizan a se classificar para a segunda fase do campeonato, o Top 16. Em sua melhor atuação, marcou 27 pontos em casa contra o CSKA, liderando uma rara vitória sobre um dos favoritos ao título, matando 10 de 16 arremessos. Fez também 24 pontos e 5 assistências contra o Bayern de Munique e o Zalgiris Kaunas e 25 pontos e 5 rebotes contra o Barcelona. No final, foi eleito a “estrela ascendente” do campeonato, entrando numa lista em que constam Ricky Rubio, Nikola Mirotic, Erazem Lorbek, Andrea Bargnani, Danilo Gallinari e Rudy Fernández.

Seu basquete, então, em uma temporada saiu de coadjuvante para algo muito acima do que o clube de Belgrado poderia pagar. Antes de ser selecionado pelo Phoenix Suns no Draft da NBA em 27º, foi transferido para o Fenerbahçe, no qual vai substituir seu xará Bojan Bogdanovic e será treinado pelo legendário Zeljko Obradovic (só precisa ver se Obrado estará com saco para aguentar mais um ano num elenco cheio de estrelas, mas que fracassou de modo retumbante no ano passado, causando ataques histéricos no técnico). Antes de sair do Partizan, deixou sua marca nas finais do campeonato sérvio: com 30,8 pontos, 4,8 rebotes e 4,2 assistências, liderou mais uma vitória contra o arquirrival Estrela Vermelha para conquistar seu quarto título nacional, também o 12º seguido do clube. Passou a ser idolatrado pelos torcedores, a ponto de sua conta no Twitter ser: Líder da Horda. Então tá, né?

Pela seleção foi convocado pela primeira vez já para o EuroBasket do ano passado, com 21 anos. Teve médias de 9,4 pontos e 4,3 rebotes em 26 minutos, com 43,4% nos arremessos. Foi elogiado por Sasha Djordjevic, como uma das maiores promessas do basquete europeu. Na Copa do Mundo, depois de tudo, joga por 27,3 minutos, abaixo apenas de Bjelica, e soma 11,4 pontos, 2,7 rebotes e 2,6 assistências, com 49,2%, mantendo média próxima a 40% nos tiros de três em ambas as campanhas. Contra o Brasil, foram 12 pontos, 6 rebotes, 2 assistências, 2 tocos e 5/9 nos arremessos, em 26 minutos.

O gerente geral do Suns, Ryan McDonough, estava no ginásio em Madri e adorou o que viu. “Ele foi muito eficiente e conseguiu os arremessos que gosta de fazer, nos seus lugares preferidos. As cestas vieram com os pés plantados, a partir do drible e em infiltrações. Estou impressionado com sua capacidade para criar jogadas. Ele pode fazer um monte de jogadas que a maioria não consegue”, analisou em entrevista ao jornal AZ Central. “E o Bogdan tem essa atitude, e digo isso para o bem. Ele é competitivo, muito valente, confiante. Não vai recuar diante de ninguém.”

Importante dizer que, se no Partizan era o dono da bola, pela Sérvia ele só vai recuar em relação aos seus companheiros mais tarimbados. Na equipe semifinalista, a prioridade ainda fica para Teodosic e o jogo interno com Raduljica e Nenad Krstic. Aos 22 anos, há tempo pra tudo. Bogdanovic tem a idade de revelações brasileiras como Raulzinho, Lucas Bebê e Cristiano Felício. Porém, sem discutir a questão de quem seria mais talentoso que o outro, é fácil constatar que está num estágio de desenvolvimento muito mais avançado, já voando alto na carreira. É preciso apenas entender em que condições ele cresceu, qual foi o cenário para que ele pudesse chegar lá antes da maioria.


Sobrando, EUA vencem 1ª semi e vão atrás do 4º ouro seguido
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Giancarlo Giampietro

O Manimal Faried somou só 9 pontos e 6 rebotes na semi. Irving foi o cestinha com 18

O Manimal Faried somou só 9 pontos e 6 rebotes na semi. Irving foi o cestinha com 18

A Turquia venceu o primeiro tempo, enquanto a Eslovênia pelo menos se manteve perto. A Ucrânia estava acima no placar no início do segundo período. A concorrência faz o que dá, mas os Estados Unidos não se incomodam muito. Nesta quinta-feira, eles viram a Lituânia terminar o primeiro tempo apenas oito pontos atrás, mas fizeram mais um segundo tempo demolidor para assegurar vitória tranquila (96 a 68) e se classificar para a final da Copa do Mundo

Mesmo com todos seus desfalques, praticamente um time inteiro que Mike Krzyzewski poderia ter escalado para o torneio, o Team USA segue em frente, muito bem, obrigado, com 62 vitórias seguidas. Sob o comando do Coach K, são 74 triunfos, em jogos oficiais ou amistosos, e apenas um revés – a semifinal do Mundial de 2006 no Japão, contra a Grécia de Theo Papaloukas. Pense bem nisso: 62 vitórias seguidas. Isso vale lugar em alguma edição do Guinness Book, certamente.

Curry: 13 pontos em 13 minutos, com quatro faltas, e foi tudo bem até aqui

Curry: 13 pontos em 13 minutos, com quatro faltas, e foi tudo bem até aqui

LeBron, Durant, Melo, Westbrook, Love, Griffin, Aldridge, Paul, Kobe e George estão fora (apesar que é preciso levar em conta que outros times também estão sem alguns de seus principais nomes). No primeiro quarto da semi, Davis, Harden e Curry cometeram muitas faltas e foram sacados. E nem isso influenciou de modo decisivo o jogo. O elenco ainda é muito talentoso e atlético, oprimindo seus adversários até o momento.

Alguns times conseguiram complicar o ataque norte-americano com marcação por zona, alternando com mista e individual. O pesado garrafão da Turquia, com Omer Asik e Oguz Savas, assessorados por ótimos reboteiros como Furkan Aldemir e Keren Gonlum, também deu um baita trabalho, conseguindo empatar a disputa nas duas tábuas, ajudando seus times a desacelerar o jogo. Mas ainda não apareceu na Espanha quem pudesse sustentar qualquer sustentar um equilíbrio por mais de 30 minutos, que foi o caso dos turcos. Perdiam só por seis pontos quando o quarto período começou, até levarem 32 a 17 naquela parcial.

A Lituânia, na semifinal, arrefeceu na volta do intervalo, tomando 33 a 14 de cara. Foi a oitava parcial em que os norte-americanos bateram a marca de 30 pontos. Na verdade, até agora, dos 32 quartos que jogaram, eles ficaram abaixo dos 20 pontos em apenas em cinco ocasiões, incluindo os dois primeiros contra Asik & Cia.  Em termos defensivos, o melhor desempenho aconteceu na estreia contra a Finlândia, quando venceram o segundo período por 29 a 2.

Com a Espanha vendo tudo de fora agora, o favoritismo dos Estados Unidos fica mais acentuado. A França tem capacidade atlética e possibilidades defensivas para complicar. A Sérvia tem mais balanço: pode jogar de modo físico na defesa e atacar com leveza, dentro e fora. A certeza é que, quem sair da segunda semi, nesta sexta-feira, vai precisar fazer um jogo praticamente perfeito para evitar o quarto ouro em quatro grandes competições seguidas para os Estados Unidos.

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Ao se recusar a levar adiante as negociações com o Minnesota Timberwolves por Kevin Love, a gestão do Golden State Warriors deu prova do quanto eles gostam de Klay Thompson. Flip Saunders exigia a presença do ala em um pacote por seu astro e ouviu não atrás de não (de Steve Kerr, Bob Myers, Jerry West e Stephen Curry). Então não é que Thompson vá precisar de um forte lobby para a hora que iniciar as negociações de renovação de seu contrato. Se as conversas se estagnarem, por algum motivo, ele certamente terá o apoio do Coach K. Thompson fez um primeiro tempo sensacional contra os lituanos, carregando o ataque sem Harden e seu parceiro Stephen Curry ao lado. Os dois estavam com problemas de falta. Durante o torneio, o ala tem sido o jogador com mais tempo de quadra, agradando não somente pelo arremesso de três pontos que é uma pintura, mas também pelo seu poderio defensivo (16 pontos, 2 tocos, 3 rebotes e 3 assistências em 25 minutos).

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Um dado apresentado pelo estatístico Mr. Chip, bastante interessante para se por em perspectiva esta equipe americana:

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Mindaugas Kuzminkas, ala do Unicaja Málaga, foi um dos destaques do primeiro tempo, conseguindo 12 pontos em 11 minutos, naquele que talvez seja o melhor momento de sua carreira. Acompanhei o lituano durante a temporada da Euroliga e foi difícil ver algo mais que cinco minutos consistentes do lateral, que é bastante alto e magro. Sem querer pegar no pé: Kuzminskas tem seu apelo, sim. Joga bem fora da bola, se posiciona bem para receber os passes e tem bons instintos na tábua ofensiva, mas, aos 24 anos e 11 meses, ainda está tomado por altos e baixos. Nas Olimpíadas, já ficou fora de duas partidas e recebeu 9 minutos em média, apenas. Contra os americanos, somou 15 pontos e 9 rebotes. O agente gostou.

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Tá certo que, em boa parte de suas investidas, o lituano estava marcado por ninguém menos que o Mr. Barba. Saco de pancadas da mídia americana durante toda a temporada, James Harden conseguiu expandir a zoação para a Europa com seu primeiro tempo pavoroso na defesa. Foi levado para passear no parque um ataque atrás do outro, até ser sacado pelo Coach K. Daí que…

 


Este é o Tyrece Rice, armador americano que foi MVP do Final Four e campeão da Euroliga 2013-14 pelo Maccabi Tel Aviv. Dizendo que, basicamente, a mãe dele consegue fazer cesta contra o Harden, e que não é piada. Além disso, ele fala que a única razão pela qual sua avó não conseguiria é porque a pobre velhinha está com alguns problemas no pé. Agora. Saudável, também faria a cesta. Afe, hein?

Curioso o jeito desbocado de Rice. Ele acabou de assinar com o Kimkhi Moscou, e não deve ir para a NBA tão cedo. Aí também fica fácil para aloprar. Bem, no segundo tempo, Harden voltou disposto a calar tudo e todos. Segurou bem Jonas Maciulis, que é um ala muito mais gabaritado que Kuzminskas, e deslanchou no ataque, para terminar com 16 pontos. Deve ter conferido o celular no intervalo.

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Boogie não gostou do modo como Valanciunas usa os cotovelos

Boogie não gostou do modo como Valanciunas usa os cotovelos

DeMarcus Cousins não vai ter a chance de brigar por rebotes e pontos contra os irmãos Gasol neste Mundial, mas ao menos foi bastante útil na semi. Jonas Valanciunas deixou Anthony Davis pendurado de faltas no primeiro período, e aí o Boogie veio para a quadra para oferecer mais músculos ao Team USA e, digamos, administrar essa situação. Na medida do possível, né? Difícil falar em Cousins e “administrar” na mesma frase.  No primeiro tempo, ele foi punido com uma falta técnica ao partir em direção de Valanciunas (ele havia tomado um safanão do lituano no gogó). Ao final do jogo, alguns jogadores se estranharam em quadra na hora de se cumprimentarem, talvez com resquício desse entrevero. Vou checar e atualizo aqui. Tanto Davis como DeMarcus foram excluídos com cinco faltas.


As semifinais da Copa do Mundo em números
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Giancarlo Giampietro

Gente, vocês querem números? Faltam apenas quatro jogos para o sonho de uma Copa do Mundo de basquete de verão terminar. Com quatro times em disputa, sendo que um vai sair de mãos abanando, assim como aconteceu com Brasil e Espanha. Mas, isso, claro, vocês já sabiam. Vamos com outros dados, então:

No poderoso ataque americano, tem até para DeRozan. Dale, cravada

No poderoso ataque americano, tem até para DeRozan. Dale, cravada

102,3 – Os EUA têm o melhor ataque da Copa, e o restante não chega nem perto. Com 102,3 pontos por jogo, abriram quase 20 de vantagem para a Espanha, que agonizou diante da defesa sufocante dos franceses nesta quarta. Entre os que ainda estão no páreo, a Sérvia aparece em segundo, com 80,1, ajudada pela sacolada que deram no Brasil. A Lituânia anotou 76 pontos em média, enquanto a França tem 72,9 (apenas a 14ª no geral).

68,8% – Sérvia e França estão empatados com este fraco aproveitamento em seus lances livres, valendo as 17ª e 18ª posições no ranking geral. Os EUA, com 71,3%, aparecem em 13º. A Lituânia tem 75,2%, em quarto. Por curiosidade, as Filipinas lideraram o quesito, com 79,6%.

44 – Este a gente colocou no primeiro dessa texto dessa série estatística, mas, depois da tragédia espanhola, vale o reforço: foi em 1970, há 44 anos, a última vez em que o país anfitrião viu sua seleção comemorar o título: a Iugoslávia. O que, nos tempos de hoje, nem vale: eram vários países em um, sendo que três deles disputaram a atual edição: Croácia, Eslovênia e Sérvia.

A vitalidade de Jonas Valanciunas, estrela lituana de apenas 22 anos e o quinto reboteiro do Mundial, com 8,6

A vitalidade de Jonas Valanciunas, estrela lituana de apenas 22 anos e o quinto reboteiro do Mundial, com 8,6

28 – É a média de idade da Lituânia, o time mais velho entre os semifinalistas. O restante? França e Sérvia empatam com 26 anos, enquanto os Estados Unidos têm 24. Este talvez seja o dado mais relevante para colocar em perspectiva a campanha brasileira, com uma seleção de 31 anos. Todas essas quatro potências já têm uma base armada para o próximo ciclo olímpico.

23,8 – Surpreendentemente, o ala Klay Thompson é o jogador americano que mais tempo fica em quadra no Mundial, com 23,4 minutos, contra os 23 cravados de Kyrie Irving. No total, isso representa apenas três minutos a mais (164 a 161). O pivô Andre Drummond, convocado basicamente como apólice de seguro num eventual embate com a Espanha que agora jamais vai acontecer, somou 38 minutos, quase uma partida de Fiba inteira (6,3 por partida).

22,1 – O quanto a França arremessa de três pontos por jogo, o maior número entre os quatro semifinalistas, mesmo que eles tenham, de longe, o pior aproveitamento (ridículos 31,6%). EUA, Lituânia e Sérvia estão todos na casa de 19 chutes de longa distância por rodada, com os lituanos, claro, tendo a melhor pontaria: 40%. Culpa do pivô Darjus Lavrinovic, que tem acertado surreais 62,5% de seus arremessos, e do armador Adas Juskevicius (57,1%). O Brasil se despediu do torneio com 16,9 tentativas e 37,3% de acerto.

20 – Erros para a Espanha em arremessos de três pontos em sua derrota para a França, tendo tentado 22 disparos. Ok, é um número que pertence muito mais fase anterior, mas, nestes tempos de redes sociais em ebulição por conta desse processo chamado “Festa da Democracia”, todo mundo parece acreditar que jornalismo é manipulação, né? Então tomem aqui a prova mais clara. (Na verdade, o número é fundamental para explicar a classificação francesa, com uma linha defensiva assustadora, que arrepiou os espanhóis: um time desse nível acertar apenas 9,1% de seus chutes de fora? #sacrebleu).

13,9 – Dos 48 jogadores que ainda podem jogar o Mundial nesta reta final, Miroslav Raduljica, quem diria, é o cestinha, com 13,9 pontos. Logo em sua cola vem o Anthony Davis, mas pode chamar de Monocelha, com 13,7. Passaram quatro equipes que não dependem tanto assim de um jogador para carregar o ataque. Verdade seja dita: era o mesmo caso do Brasil. Entre os 20 principais pontuadores, em média, do torneio, apenas Kenneth Faried, com 13,0, se junta ao sérvio e a seu compatriota nessa. Desta forma, José Juan Barea ao menos pode acrescentar esta linha em seu currículo: “*Cestinha da Copa do Mundo de basquete 2014, com 22,0 pontos – só não perguntem, por favor, qual foi a campanha do meu time”.

Batum está com cara de que queria fazer pelo menos uns 15 pontinhos por jogo, vai...

Batum está com cara de que queria fazer pelo menos uns 15 pontinhos por jogo, vai…

9,9 – Por falar em cestinhas, esta é a média de pontos de Nicolas Batum no torneio. O ala do Blazers, acreditem, lidera a seleção francesa nesse quesito. Joffrey Lauvergne tem 9,4, Thomas Heurte, 8,4, Boris Diaw, 7,9, e por aí vamos… Incrível.

4 – A França falhou em marcar que 70 pontos em quatro de seus sete jogos na competição. Se formos descartar os dados computados contra Egito e Irã, restaria apenas uma partida, então, em que cruzaram essa… Nada fantástica marca. E foi contra quem? Justamente a Sérvia, seu adversário das semis, vencendo por 74 a 73. Mas, ‘bora lá repetir todo mundo: “Cada jooooogo é uma históooooria”.

1 – Apenas um time não tem sequer um atleta com contrato de NBA em seu elenco: a Sérvia. Raduljica jogou o campeonato passado pelo Bucks, foi trocado para o Clippers e acabou dispensado, como já foi amplamente divulgado, embora a turma em geral insista em ignorar isso. O ala Bogdan Bogdanovic foi draftado pelo Phoenis Suns neste ano, em 27º, mas vai seguir sua carreira na Europa, pelo Fenerbahçe, talvez por mais dois anos, antes de pensar numa transferência. No clube turco, terá a companhia de Nemanja Bjelica, jogador já selecionado pelo Minnesota Timberwolves. Quem sabe Flip Saunders não decide dar uma chance para o ultratalentoso ala-pivô num futuro próximo? Sem Kevin Love, há vagas. E aqui vale um destaque importante: é muito tentador escrever que a Sérvia não tem sequer um jogador de NBA. Porque, a julgar pela cobertura geral do Mundial, só importa quem joga nela, né? Só o selo de aprovação da liga atestaria a qualidade de um atleta. Aí vem a Sérvia, e… Pumba.

0 – Nenhum jogador naturalizado vai disputar as semifinais. Quem chega mais perto disso é o Kyrie Irving, que nasceu na Austrália, mas se mudou com o pai, mais um desses ciganos e jogadores americanos, aos dois anos de idade. Sábia decisão a dele, já que os Boomers têm dono: Patty Mills, e ninguém tasca. Sem contar que, em 2020, será a vez de Dante Exum. Ah, a França tem suas importações também, mas em outras circunstâncias. Tanto Florent Pietrus como Mickael Gelabale procedem de Guadalupe, que fica no Caribe, mas ainda é território francês. O ala reserva Charles Kahudi é de Kinshasa, no Congo, mas fez toda a sua carreira no país latino, algo mais que recorrente.


A Espanha chora mais uma vez
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Giancarlo Giampietro

Espanha, baloncesto, basket, basketball, França, Copa do Mundo, Madri

Geração dourada realmente reunida. Torneio em casa, hora de celebrar com a torcida, e os grandes astros dos Estados Unidos nem estavam por perto, mesmo. A Espanha com a confiança lá em cima. E vem uma derrota chocante.

Aconteceu sete anos atrás, no EuroBasket 2007, voltou a ocorrer neste ano na Copa do Mundo, num filme que os irmãos Gasol e toda a família real espanhola do basquete não esperavam rever tão cedo. Sete anos atrás, eles foram desbancados pela Rússia de Andrei Kirilenko, Viktor Khryapa – e dos importados JR Holden e David Blatt, claro. Agora foi a vez de perderem para a França por 65 a 52, fazendo, sem brincadeira, Madri chorar. Vocês sabem que cronistas esportivos adoram carregar na tinta, ser piegas, e tal. Neste caso, o dramalhão especial foi real. Quem não estava atônito no ginásio estava ocupado com prantos, mesmo.

Difícil dizer qual revés é o pior, mais dolorido: perder a decisão como anfitrião, ou cair tão cedo no torneio? Desconfio que a segunda, até pela sensação para eles de que é o final de uma era e de que os campeões deles não mereciam um desfecho desse jeito – depois de um título mundial em 2006, duas pratas olímpicas e dois troféus continentais em 2009 e 2011. Para os jogadores, no calor da quadra, outro fator não pode ser subestimado: a crescente rivalidade com os franceses. Se você acha que o basqueteiro brasileiro se deprimiu nesta semana, espie só como andam os espanhóis nas redes sociais – horas depois do revés, os tópicos mais comentados eram dominados pelo tema. Sinta o peso:

A orelha do técnico Juan Orenga está ardendo, com a mídia de lá pegando muito mais pesado do que o pessoal por aqui. Pudera: o cara não tem apenas um, mas dois Gasols no garrafão. São quatro armadores de primeiro escalão no elenco. Jogando em casa. Não havia outro resultado aceitável que não o ouro ou, pelo menos, uma derrota dramática para os Estados Unidos.

Porque, dãr, se no EuroBasket os americanos não jogam, no Mundial o Team USA não falta. Acontece que, apara eles, a aura do seu rival, que lhe bateu em Pequim e Londres, estava exaurida, depois de ausências se acumularem: LeBron, Durant, Carmelo, Paul, Westbrook, Love, Griffin, Aldridge e, caceta, até George. Então aí está: o sentimento entre os espanhóis foi que, a partir do momento que Durant anunciou que não iria mais defender sua seleção, o favoritismo havia mudado de lado. Que eles seriam, mesmo, os grandes candidatos ao título. Sentimento reforçado pelos acontecimentos da fase de grupos.

Eles só esqueceram de combinar tudo isso com a França, time que já haviam surrado na primeira fase e que estava também com uma longa lista de ausências. Eles contam cinco baixas, dois titulares absolutos entre eles: Tony Parker e Joakim Noah + Nando De Colo, Alex Ajinça e Ian Mahinmi. Se fossem mais honestos, contariam apenas quatro, já que o Mahinmi não deveria contar. ; )

Se cada jogo é uma história, como brasileiros e sérvios provaram mais cedo, não havia motivo para os Bleus entrarem em quadra em Madri sem acreditar em melhor sorte. Daí que, após a chocante vitória, Boris Diaw disse tudo: “Nós tínhamos a motivação para vencer, e eles tinham a motivação para não perder”. O Diaw é uma figuraça. Fácil falar desse jeito quando seu time saiu vencedor, né? Mas, segundo o que consta, o ala-pivô francês está cheio dessas sacadas, inteligente pacas.

O líder e poeta Boris Babacar Diaw-Riffiod

O líder e poeta Boris Babacar Diaw-Riffiod

Em termos de motivação, os franceses mostraram que estavam imbatíveis, mesmo. Abraçaram o plano tático desenhado por Vincent Collet – que, se antes do Mundial não estava na sua lista de melhores técnicos do mundo, agora não pode faltar –, competiram para valer, ignoraram as circunstâncias desfavoráveis (não se importaram com uma arbitragem evidentemente tendenciosa/caseira, por exemplo), relevaram quaisquer desfalques e fizeram uma partidaça.

Vai ser difícil encontrar uma exibição tão boa na defesa como a que esses caras fizeram no fechamento das quartas de final. Os Bleus simplesmente seguraram a Espanha em 52 pontos. Isso dá 13 pontos por período, por 10 minutos. Isto é, 1,3 ponto por minuto, para um time que conta com Pau Gasol, Juan Carlos Navarro, Rudy Fernández, Sérgio Rodríguez, José Calderón e tantos outros luminares ofensivamente. Absurdo, sufocante.

O que pega é o seguinte: tirando Rudy Gobert (que pede um texto próprio, antes da semifinal contra a Sérvia, prometo), a França pode nem ter muita estatura. Mas eles têm envergadura, que é a medida que mais importa, na verdade. Diaw, Batum, Gelabale, Gobert, Forent Pietrus, Lauvergne: eles são muito compridos. É braço para todo lado, fechando linhas de passe, desencorajando as assistências, apressando e amedrontando arremessos. Eles não forçam turnovers, não defendem de modo adiantado, mas atrapalham muito a conclusão dos lances. Não subestime isso de modo algum. Afeta até mesmo um adversário qualificado como a Espanha, a ex-favorita ao ouro.

La Bomba estourou contra a Espanha

La Bomba estourou contra a Espanha

Os donos do ginásio acertaram apenas 32,3% de seus arremessos de quadra. Isso é praticamente inclassificável, considerando as circunstâncias. Pau Gasol marcou 17 pontos em 31 minutos, porque é Pau Gasol. O restante do seu time? Apenas 35 pontos! Sim, 12 atletas totalizaram 35 pontos, menos de 3 pontos por cabeça. Marc Gasol e Serge Ibaka, dupla que, na NBA, ganha mais de US$ 25 milhões por temporada, acertaram apenas dois de 14 arremessos.

Atingindo esses números na defesa, nem tem problema atacar de maneira horrorosa. Não é que a França tenha feito uma exibição de gala. Seu ataque só aproveitou 39,3% dos arremessos. Mas estava tudo dentro do plano. Digo: obviamente prefeririam acertar mais (risos). Mas a ordem óbvia era girar a bola, trocar passes, gastar o cronômetro o máximo possível. Um ataque controlado, de abordagem para lá de sistemática e para lá de curiosa – e que merece mais atenção.

Se você for pegar o nível de capacidade atlética que os franceses apresentam em seu elenco, de primeira sai a ideia de que poderiam formar um dos times para correr mais no torneio. Mas não tem nada disso. Eles gostam de um bom e velho ugly basketball. Em francês, deve dar algo como basket-ball de la m…e. É um jogo muito feio, arrastado, que vai te exigir o máximo de paciência, que vai te extrair a alegria. Mas foi mais ou menos deste modo como eles se tornaram campeões europeus no ano passado, tendo batido os espanhóis na semifinal, inclusive. Sem Tony Parker, decidiram levar essa proposta ao extremo. E, pelo menos por uma notite em Madri, deu mais que certo.

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A pergunta engraçadona que todo mundo fez ao final do jogo: “Quem precisa de Tony Parker quando se tem um Thomas Heurtel?”

Muito original, né? Mas pode me incluir nessa: foi realmente a primeira coisa que bateu na telha quando o armador do Baskonia resolveu roubar toda a cena nos tensos minutos finais do confronto, quando os espanhóis ainda alimentavam o sonho de uma virada. O jogador de 25 anos anotou 9 de seus 13 pontos nos quatro últimos minutos, quando voltou para a quadra para no lugar de Antoine Diot.

Heurtel, no caminho certo

Heurtel, no caminho certo

Quem deve ter comemorado: o italiano Marco Crespi e a diretoria do Baskonia, que vão receber para as próximas Euroliga e Liga ACB um jogador muito mais confiante. Huertel é muito talentoso com a bola. Foi um dos eleitos pelo time basco para substituir Marcelinho Huertas, desde que o brasileiro foi levado pelo Barcelona. Para um armador, porém, nunca foi muito afirmativo em quadra. Após um jogo desses, justamente no país aonde joga durante a temporada, improvável passar incólume.

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Como o veterano e espirituoso Marc Stein, jornalista do ESPN.com, disse: “Vai ser difícil encontrar um jogador de basquete que tenha vivido um ano mais feliz do que Boris Babacar Diaw-Riffiod”. Com esse nome já não tem quem fique triste. Mas, se for para ganhar o EuroBasket, seu primeiro título da NBA, voltar a bater a França e, no meio da jornada, assegurar mais US$ 15,5 milhões em contrato e um vale Royale with Cheese do McDonald’s mais próximo, melhor ainda.

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A semifinal de sexta-feira tem, então, França x Sérvia. Respectivamente os segundo e terceiro e colocados do Grupo A, duas equipes vencidas pelo Brasil na primeira fase. Sorteio camarada o da Fiba… Quem vencer, para quem chegou agora, pega o time que sair de EUA x Eslovênia.

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Não é a primeira vez que falamos de carma nesta Copa do Mundo, mas, enquanto as seleções não pararem de manipular a tabela, vamos insistir: essa é a segunda derrota em dois jogos da Espanha contra a França desde que se enfrentaram nas Olimpíadas de 2012. Naquela ocasião, vocês vão se lembrar, houve uma grande suspeita de que teriam entregado um jogo para o Brasil na fase de grupos de modo que pudessem controlar a posição em que ficariam na tabela. A ideia era cair do outro lado da chave dos Estados Unidos. No meio do caminho, escolheram, então, encontrar os franceses. Que ficaram pês da vida com a história. Teve soco de Nicolas Batum em Rudy Fernández e muito mais em quadra. Agora estamos aqui, comentando esse desfecho inesperado e um tanto trágico.