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Arquivo : Pablo Laso

Real conquista o quinto troféu seguido. Por mais que o Bauru tenha tentado
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Giancarlo Giampietro

Não. A torcida do Barcelona realmente já não aguenta mais esta cena

Não. A torcida do Barcelona realmente já não aguenta mais esta cena

É um tópico um tanto traumático para o basquete brasileiro. O arremesso de três. Oscar Schmidt, que estava como torcedor na primeira partida, matava as suas. Marcel foi outro. Guerrinha também costumava guardar as suas, ainda que com um volume menor quando acompanhado de dupla tão estrelada. Esses caras conseguiram um título histórico em 1987, reeeeeeeeeeealmente histórico. Mas não formaram a geração brasileira mais vitoriosa que já existiu, algo que cabe às lendas dos anos 60. Durante sua história, há uma partida contra a Espanha aqui, outra com a Austrália ali que entram no campo do “se”. Caso tivessem passado por essas e outras, poderiam ter chegado à disputa por medalhas olímpicas e mundiais, e quem sabe…

Mas esse “se” em particular não entra em jogo. O esporte pode ser inclemente e rígido ao extremo, com base no resultado. O próprio Real Madrid que veio a São Paulo para ganhar o quinto troféu seguido, com uma vitória por 91 a 79,  é prova disso. A versão de 2013-14  da equipe foi um espetáculo. Praticava um basquete avassalador, mas não ganhou a Euroliga, não ganhou nada do que precisava. Tratando-se de Real, foi um fracasso. Mas, voltando, aqui não estamos falando apenas sobre o clube espanhol, mas, sim, sobre a final da Copa Intercontinental deste domingo e também sobre o time que derrotou, o Bauru, que traz o chute de três pontos à tona de uma forma com que muitos jamais poderiam nem mesmo sonhar. Antes de falar sobre o jogo em si, me permitam retomar o raciocínio cronológico.

Marcel já havia parado há tempos. Oscar ainda se arrastava pela quadra para encestar sem parar, vivenciando e atravessando uma troca de gerações. Enquanto Rogério Klafke e outros alas mais velhos já eram pronta e rapidamente relegados ao segundo escalão, Marcelinho Machado emergia para ser demonizado por seguir essa tradição do chuta-chuta, com a seleção tendo ainda menos sucesso em quadra. Mesmo que o ala carioca fosse um paradoxo ambulante. Ele claramente tinha os fundamentos e a visão de jogo para equilibrar as coisas, algo que apresentou na Copa América de 2005, por exemplo, e em muitos outros jogos. A praxe, porém, era que se perdesse a sanha do tiro exterior. Leandrinho também foi outro que, surgindo à esteira, nunca aliviou. O curioso é que esses dois chutadores, no plano de clubes e separadamente, tiveram belas carreiras e, em geral, cada um na sua, contra diferentes graus de exigência defensiva, foram bem-sucedidos. Não obstante, o arremesso do perímetro virou o grande vilão, o grande símbolo da derrocada brasileira.

Quando surge um Bauru, arremessando quase sempre mais do perímetro externo do que do interno, a recepção não poderia ser bombástica, com a licença para o trocadilho. À distância, fico imaginando os scouts e analistas mais arrojados da NBA conferindo as tabelas estatísticas produzidas pelo time do interior paulista.

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Vocês sabem que, hoje, há uma forte corrente na liga americana, baseada cegamente, ou não, em números que  prega o chute de longa distância como um dos caminhos a ser seguido. Eles vão te apresentar uma série de dados para dizer que esta bola precisa ser parte integral de qualquer sistema ofensivo que pense em ficar no lado azul da eficiência, e o Golden State Warriors desponta como um queridinho e como forte argumento dessa linha. Na final do Oeste, eles haviam batido outro dos times ‘nerds’, o Houston Rockets. Na decisão, o Cleveland Cavaliers também não poderia ser considerado uma equipe tímida nesse sentido.

Esse evangelho estatístico não prega tão somente a bola de três como salvação. Porque isso não existe, mesmo. O que existem são arremessos bem selecionados e equilibrados. Com o os lances livres, ué, que, na frieza de seus números, aparecem como fator tão relevante quanto. São, oras, os arremessos com maior índice de conversão. E não só isso: o sucesso também tem a ver com a sua destreza na hora de evitar essas mesmas bolas em sua defesa, no seu poderio reboteiro e mais. Mesmo para os fãs dos números o jogo não é unidimensional.

Aí aparece esse clube brasileiro chutando sem parar de fora, assustando a concorrência. Como aconteceu na primeira partida em São Paulo, na qual seus atletas tentaram 33 bolas de longa distância contra 32 de dois pontos, ao passo que acabaram batendo apenas 14 lances livres. Ainda assim, obtiveram uma vitória especial, para não se esquecer jamais.

De qualquer forma, o desafio estava na posto em quadra. De um lado, Andrés Nocioni admitia que não estava nada acostumado a enfrentar um time que abrisse seus dois grandalhões no perímetro, confiando no bombardeio. Do outro lado, o Bauru sabia que, para a segunda partida da final, esse tipo de jogada seria contestado e que deveriam encontrar outras formas de pontuar. Pois o Real conseguiu contestar, de alguma forma, no perímetro. E os bauruenses também olharam para outros setores para tentar contragolpear. Ainda assim, a matemática foi mais favorável aos merengues.

Vamos esmiuçá-la: neste domingo, Bauru ainda acertou 36% de seus chutes de fora. Não é uma marca de todo ruim, mas vale como algo bem caído perto dos 49% do Jogo 1. Aproveitamento à parte, acho que o que Real mais deve ter comemorado taticamente foi o fato de terem conseguido reduzir também o ímpeto de seu adversário, pelo menos no ponto em que foi mais ferido. De 9-17, Jefferson William e Rafael Hettsheimeir foram limitados a 1/6 no Jogo 2. Arremessaram 11 bolas a menos de trás da linha. Quer dizer, parece que a estratégia de Pablo Laso deu certo, que foi a de fazer as dobras no pick-and-pop e deixar sempre um homem grudado no pivô. Nem que, para isso, tivessem de ver Ricardo Fischer marcar 26 pontos, com 7-12 de quadra, além das seis assistências para apenas um turnover.

O armador brasileiro, que sai de cabeça erguida desse confronto e com a cotação internacional certamente elevada, teve espaços para atacar o garrafão, ao se ver diante de Gustavo Ayón e outros pivôs madrilenhos. Atacou o aro com sagacidade e fez o máximo que podia. O problema é que o Real estava disposto e contente em viver com isso, desde que a artilharia ao seu redor fosse controlada. E foi o que aconteceu.

Fischer jogou de igual para igual com os Sergios

Ofensivamente, Fischer jogou de igual para igual com os Sergios

Mas isso não quer dizer que Bauru aceitou essa armadilha e chutou sem parar de fora, a despeito da contestação. No geral, foram apenas cinco arremessos a menos nessa distância do que na sexta-feira. Mas alguns deles vieram no desespero dos minutos finais, quando precisavam diminuir a diferença dos campeões europeus para um ponto, num placar esdrúxulo que renderia a prorrogação. Fischer, aliás, foi o que mais tentou, com 5-8. Por outro lado, a equipe campeã americana tentou o dobro de lances livres dessa vez (28 contra 14). Um desconto precisa ser dado aqui devido ao excesso de faltas apitado contra os madrilenhos, que os deixou malucos. Não estou aqui acusando roubo ou falhas da arbitragem, mas apenas registrando que alguns dos lances livres batidos pelos bauruenses não foram resultado de ataques à cesta. Mas eles aconteceram. Fischer, mesmo, bateu oito lances livres e converteu sete. Hettsheimeir foi 12 vezes para a linha e acertou dez.

Se formos pegar, na real, os números dos três disparos básicos numa folha estatística, vamos ver que Bauru e Real tiveram volume ofensivo bem próximo: dois pontos (20-36 tentativas do Real x 14-29 Bauru), três pontos (10-26 x 10-29) e lances livres (21-29 x 21-28). , com 13 turnovers para os espanhóis e 11 para os brasileiros.

O que aconteceu foi que, na hora de buscar o jogo interno, o time de Guerrinha falhou. Do alto de seu 1,90m de estatura, Alex Garcia foi afastado da zona pintada quando viu Jonas Maciulis e até mesmo Andrés Nocioni dedicados à sua marcação. Seu jogo de costas para a cesta não funcionaria desta forma. Por isso, passou a atacar de frente, e matou 5-10 para somar 14 pontos. Taticamente, porém, seu papel foi reduzido. As investidas, então, foram mais tradicionais, com Hettsheimeir, e o pivô, que tem proposta do Estudiantes, da Espanha, falhou muito nesse fundamento. Em suas nove tentativas para dois pontos, converteu apenas duas, apresentando muita dificuldade em conversões próximas à cesta. Algumas notas a respeito: por favor, não vela o argumento canalha de que talvez ele esteja praticando tanto o chute de fora que tenha esquecido como fazer uma bandeja — o chute de média distância sempre foi sua principal arma; Rafael nunca teve o par de mãos ou o jogo de pés mais habilidosas em quadra… Para esse tipo de situação, lhe falta agilidade e munheca, precisando, por isso, de muito tempo e espaço para armar o gancho e fazê-lo funcionar; quando contestado, tende a perder o controle da bola ou subir desequilibrado e a falhar como aconteceu neste domingo, pois, além do mais, estava enfrentando uma linha de frente respeito. Enfim: o pivô brasileiro tem hoje uma grande arma, valiosa em seu repertório, mas apresenta buracos em seu jogo que impõem um limite ao seu potencial.

Ayón: 15 rebotes no jogo do título, oito ofensivos. Soberano na zona pintada

Ayón: 15 rebotes no jogo do título, oito ofensivos. Soberano na zona pintada

Outro buraco é o rebote. Em dois jogos e quase 72 minutos, ele apanhou apenas nove. Sozinho e contando apenas a tábua ofensiva, Ayón conseguiu oito no segundo confronto (no geral, foram 15 neste domingo e 17 em 56 minutos para ele). E isso não se explica por sua predileção ao chute de três, gente. Ele pode estar afastado da tabela no ataque, mas não é o que acontece na defesa. De todo modo, a esmagadora vantagem de 46 rebotes a 25 imposta pelo Real no jogo do título não cai apenas em seus ombros. Jefferson William (5 rebotes em 58 minutos) ainda está com a mobilidade muito reduzida). Rafael Mineiro (4 em 28) também pode ser mais atento no fundamento. Para Guerrinha, registre-se, a surra nos rebotes aconteceu devido à necessidade de o Bauru correr atrás do resultado desde o início. Seguindo o seu raciocínio, tiveram de atacar mais a bola e assumir riscos. Os riscos geraram oportunidades para o rival. O Real soube aproveitá-los e, mesmo quando não convertia na primeira tentativa, apanhava o rebote ofensivo (foram 21!) e davam sequência ao ataque, com 15 pontos de segunda chance, contra apenas dois do adversário. “Eram situações de desequilíbrio, e eles tinham reposta para tudo que tentávamos. Tínhamos de socorrer em uma outra situação, e eles se aproveitaram muitas vezes. Se for ver, cada jogador de destacou em um determinado momento”, afirmou o treinador brasileiro.

O curioso é que, ainda assim, o jogo foi parelho por muito tempo. A quatro minutos do terceiro período, a vantagem espanhola era de apenas 52 a 51. Depois, ficariam empatados em 53 a 53, por mais que Jaycee Carroll, com mais ritmo, acertasse (22 pontos em 31 minutos 7-14). Muito fora de uma zona de conforto, os madridistas juravam que o trio de arbitragem trabalhava contra, chiando uma barbaridade, a ponto de Sergio Rodríguez ser excluído e de Laso ficar em quadra apenas por vista grossa, de tanto que gesticulava a cada marcação que julgava equivocada. O Real não imaginava passar pelo que passou, gente — e isso não tinha a ver com soberba, mas com uma crença de que levariam um título para o qual se mostraram realmente motivados. Com seis minutos para o fim da partida, o placar ainda apontava 71 x 66.

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Nos minutos finais, porém, Sergio Lllull (21 pontos, 6 assistências, 5 rebotes, 7-17 nos arremessos e o prêmio de MVP) converteu algumas grandes jogadas, acompanhado pelo reforço Trey Thompkins (17 pontos, 7-8, em 21 minutos)  e assessorado pelo adolescente Luka Doncic, que sobrou com um rojão na mão após a despedida de Rodríguez e segurou a bronca sem dar a mínima, como se já fosse campeão do mundo e duas vezes medalhista de prata que nem Felipe Reyes. Aos 16 anos? Impressionante. Quando os chutadores erravam, lá estava Ayón espanando geral no garrafão para dominar os rebotes. Como na sequência que aconteceu basicamente entre 4 e 3 minutos para o fim, quando apanhou três em sequência para, basicamente, garantir o título — era quando a vantagem já estava na casa de dois dígitos, e ao Real valia mais gastar o cronômetro do que uma cesta rápida.

Para os jogadores de Bauru, faltou gás no final. A rotação merengue, mesmo sem Rudy Fernández, Jeffery Taylor e, depois, Rodríguez, teria feito a diferença. Guerrinha disse que não conseguia tirar Fischer por muito tempo de quadra (fora 35min38s para o armador titular). No final, correndo atrás do placar,e estavam todos desgastados.

Outro ponto interessante de contraponto foi a opinião de cada um dos técnicos sobre o que teria feito a diferença, e uma, na real, não exclui a outra. Para Guerrinha, o que complicou tudo foi a sequência de 12-0 para os europeus em coisa de cinco minutos, que teriam ditado o restante do jogo. Para Laso, porém, o que pesou, mesmo, foram os minutos finais, para os quais estava preparado. “Entendia que eram 80 minutos de jogo. Tivemos nossos altos e baixos durante esse período, mas, para o quarto decisivo, estávamos bem, crescendo”, afirmou. O brasileiro, porém, se dá ao direito de questionar, citando a qualidade do elenco oponente: “Fico pensando às vezes como seria o Real Madrid com a nossa estrutura, se teriam feito um jogo parelho”, afirmou Guerrinha, na coletiva. “São perguntas que temos de fazer.”

Mas, bem, este é outro “se” que não entra em jogo. Fato é que, como disse Fischer, os 12 pontos finais não contam a história do jogo. Caso Hettsheimeir tivesse mais felicidade em suas incursões debaixo da cesta, caso Llull errasse um outro arremesso pressionado, as coisas poderiam ter sido diferentes. Quiçá. Pegando emprestada uma expressão típica dos espanhóis: só não me parece que, nessa vitória merengue e derrota bauruense, seja justo falar apenas sobre as bolas de três pontos.


O Bauru sempre vai ter essa noite de sexta na qual derrotou o Real
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Giancarlo Giampietro

Independentemente do que aconteça no domingo, Bauru ao menos já vai ter a noite de sexta-feira para a sua história. Não é sempre que você pode enfrentar um Real Madrid, nove vezes campeão da Europa. Mais rara ainda é a chance de comemorar uma vitória para cima deles, como aconteceu no Ginásio do Ibirapuera, com jogo estendido até a última posse de bola e placar de 91 a 90.

Fischer matou o jogo com uma bandeja simples

Fischer matou o jogo com uma bandeja simples

Com uma defesa muito firme no final do segundo período e um ataque arrasador na abertura do terceiro, o Real chegou a abrir 17 pontos de vantagem quando haviam corrido precisamente 2min01s da segunda etapa (47 a 32). A partir daí, porém, o time baixou a guarda, conscientemente ou não, e, quando seus atletas se deram conta, a diferença já havia despencado. Ao final do quarto, o marcador apontava 62 a 59.  O time espanhol ainda chegou a abrir mais sete na última parcial, mas, àquela altura, a dinâmica do duelo era outra. O Bauru acreditava firmemente que era possível encará-los, e o público presente entrou na pilha, se inflamando.

Estava novamente em prática o ataque que havia arrebentado com a concorrência brasileira e continental há questão de meses. Um ataque bem diferente, diga-se, daquele que alcançou a final do NBB e teve rendimento sôfrego contra o Flamengo. Você pode não aprovar o volume de chutes de longa distância (33 de 65 no geral). Algumas delas foram forçadas, especialmente no primeiro quarto, quando o time estava nervoso com o grande palco, as luzes e os antagonistas. No segundo tempo, porém, não dá para negar que a bola girou no perímetro, passou em mais mãos, e foi aí que começou a chover arremessos de três pontos, com mais intensidade até do que os refrescantes e salvadores pingos do lado de fora, depois de uma semana de calor infernal em São Paulo.

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Entre os atiradores estavam novamente os pivôs, Rafael Hettsheimeir e Jefferson William, combinando para 9-17, com 6-9 para o ex-madrilenho, numa verdadeira aberração estatística, até mesmo para o Golden State Warriors, o Houston Rockets e qualquer outra equipe da NBA ou da Europa que busque cada vez mais o tiro exterior como um caminho “eficiente”. O fator que causa espanto é que seus grandalhões tenham um aproveitamento deste nível e com volume elevado. “Se for pegar as estatísticas, vai ver que fomos superiores em praticamente todos os fundamentos. Só perdemos nas cestas de três, e, sim, o acerto dos pivôs fez a diferença”, afirmou o técnico Pablo Laso — no geral, ambas as equipes converteram 48% de trás da linha, mas os brasileiros converteram seis a mais. Ele só esqueceu de mencionar as assistências (19 a 13, que também comprovam a maior fluidez do segundo tempo). “Alguns dos arremessos estavam até bem defendidos, mas eles fizeram”, completou o armador Sergio Llull, sentado ao seu lado. Sim, esse time do Bauru tem disso: quando estão com confiança, até mesmo alguns chutes que parecem destinados o ar — e não à cesta — caem. Em alguns momentos, Hettsheimeir não parecia nem mesmo ter o controle da bola e já efetua o disparo.

“Isso é o nosso forte. O Bauru montou um time com grandes chutadores e é algo que ajuda muito. Abre a quadra. Tanto que, no último ataque, o Guerrinha montou uma jogada como todos abertos, e o Fischer, nosso menor jogador, ficou praticamente sozinho para fazer a cesta. É algo que ajuda bastante”, afirmou Jefferson.

Alex x Llull. No poste baixo, sem que ninguém pudesse pará-lo

Alex x Llull. No poste baixo, sem que ninguém pudesse pará-lo

Há algo de heterodoxo no basquete bauruense que é interessante e que, quando funciona, cria uma bagunça tática, mesmo, e que o técnico Guerrinha registrou em sua coletiva, na sequência dos espanhóis. Quando o time está a pleno favor, as posições se invertem: se os pivôs estão no perímetro, o pequeno e brabo Alex está lá perto da cesta, oprimindo adversários de sua altura, mas que não têm como segurá-lo num jogo de pancada e habilidade de costas para a cesta. Há também a ameaça das infiltrações de Ricardo Fischer e, com a chegada de Leo Meindl, o time ganha outra opção interessante nessas trocas, uma vez que o jovem ala tem presença muito mais física que a de Robert Day.

“Você sabendo usar a bola dos três ela é fantástica. Ela nos colocou na vitória. É a nossa característica, mesmo, de arremesso, mas também usamos o Alex no poste baixo, que foi onde ele definiu o jogo nos minutos finais, sempre com a ameaça do arremesso de fora. A gente pode trocar as funções, isso faz parte do jogador moderno”, afirmou o técnico Guerrinha.

Rafael numa de suas incursões internas para fazer a cesta: no final das contas, teve aproveitamento inferior no garrafão ao dos tiros de fora

Rafael numa de suas incursões internas para fazer a cesta: no final das contas, teve aproveitamento inferior no garrafão ao dos tiros de fora

Bem, os chutes de três podem ter pavimentado a reação, mas foi uma bandeja, debaixo do aro, que garantiu o triunfo, não? Saibam que foi uma jogada quase que improvisada. “Nós fizemos um movimento que nem nossos jogadores conseguiam direito, porque não deu tempo de treinar. Mas desenhamos. Já tinha conversado algo com o Ricardo. O Alex falou para não perdemos o que foi passado, que era para cumprir à risca. E foi bem feito, terminando numa bandeja”, disse Guerrinha. Fischer acrescenta: “A gente tinha uma outra jogada. Ele desenhou para acabar em mim a bola, ou, consequentemente, no Alex, e felizmente caiu para mim e consegui sair livre e acertar”.

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Saiu aí a vitória, com uma simples e tranquila (na medida possível) finalização do armador, que teve uma grande atuação. Fischer, porém, era o primeiro a dizer nas entrevistas que, por mais especial que tenha sido a vitória, que tenha uma sensação de façanha, eles não poderiam se empolgar muito sabendo que, no domingo, às 12h, tem mais. E tem, mesmo. Da parte do Real, é algo que até mesmo os bauruenses esperam: eles virão mais preparados, tendo visto agora, de perto, o poderio do chute exterior de seu adversário. Não só isso, mas muitos outros detalhes. O sábado será um dia de muito estudo, para que depois os atletas sejam municiados de muita informação. Então aí vai precisar ver, mesmo, o quão eficiente os arremessos de Bauru poderão ser, com a oposição mais concentrada neles. “No primeiro tempo, eles não conseguiram”, disse o técnico merengue. “Não fomos surpreendidos. Conhecíamos bem esse estilo, e foi acerto deles. Não é que tenhamos jogado contra ninguém. É o campeão das Américas.”

Para segurar Alex, Laso também deve muito provavelmente usar mais o massudo Maciulis. Coisas do tipo, os ajustes por uma taça. Para ficar com ela, o Bauru precisa ganhar novamente, já que não existe empate no basquete e uma derrota por um pontinho também forçaria a prorrogação. O título, dãr, é o que vale mais. De qualquer forma, pelo menos por 40 minutos, os brasileiros se sentiram confiantes e otimistas de que era possível. “Já foi uma noite de sonho. Ganhar do Real Madrid por meio ponto já é isso. Sensacional, mas agora acabou a euforia”, afirmou Fischer.

*   *   *

Algumas notas sobre os bauruenses:

Ricardo Fischer fez uma partida excepcional ofensivamente, uma atuação que certamente eleva sua cotação no mercado internacional. Em conversa por telefone na semana passada, o armador já havia dito que, a despeito do final melancólico que teve a seleção, sua primeira experiência para valer com a equipe fez bem para sua cabeça. Voltou para casa com a sensação de que poderia competir com alguns dos melhores do mundo na posição, ainda que ciente de que há muito o que precisa melhorar, especialmente do ponto de vista físico e na defesa. Nesta sexta, foi batido facilmente em arranques de Lllull e Rodríguez, mas a verdade é que os espanhóis costumam ter sucesso contra a maioria de seus marcadores, mesmo. Do outro lado, porém, compensou com um controle de jogo que comprova o quão rapidamente vem amadurecendo. Depois de um início de jogo atabalhoado, voltou do banco de reservas mais sereno e assumiu as rédeas de sua equipe. De 12 turnovers cometidos no primeiro tempo, Bauru conseguiu limitar as besteiras para apenas três no segundo, e muito disso passou pela segurança de jogo de seu armador, que terminou com 12 pontos, 8 assistências e apenas dois desperdícios de posse de bola em 31 minutos, convertendo 4 de 10 arremessos.

Alex Garcia teve mais uma de suas partidas em que entrega um pouco de tudo ao time. Foram diversas as situações, gente, em que ele aparecia como a última barreira defensiva do time brasileiro, na cobertura do garrafão, pronto para desarmar tanques como Felipe Reyes e Gustavo Ayón. Fazendo falta, ou não, dá para se dizer que levou a melhor na grande maioria desses embates. Isso tem a ver com o seu senso de posicionamento, a força e a capacidade atlética ainda acima da média. Some-se a isso as oito assistências e os sete rebotes, e temos um perfeito “glue guy”, o homem da liga. Mas não podemos nos esquecer dos seus 12 pontos, sendo oito deles em arremessos nos arredores da cesta, com a importância tática já acima relatada. Se for para reclamar de algo, apenas lista-se os três lances livres que desperdiçou em 29 minutos. É impressão minha, ou, aos 35 anos, Alex está jogando o melhor basquete de sua carreira?

Uma das coisas mais legais da noite no Ibirapuera foi poder olhar para um lado, virar para o outro e se deparar com lendas do basquete brasileiro como Oscar, Paula, Hortência, Helen, ou contemporâneos como Larry (barrado por Mogi, mas presente na festa e aplaudidíssimo pela torcida de Bauru), Shamell, Giovannoni e tantos outros. Sobre o público, não peguei o número oficial, mas imagino que tenha sido algo em torno de 4 a 5 mil. Bem aquém da capacidade do ginásio. Ainda assim, era uma torcida engajada, que conhecia do jogo e soube empurrar Bauru no segundo tempo

Uma das coisas mais legais da noite no Ibirapuera foi poder olhar para um lado, virar para o outro e se deparar com lendas do basquete brasileiro como Oscar, Paula, Hortência, Helen, ou contemporâneos como Larry (barrado por Mogi, mas presente na festa e aplaudidíssimo pela torcida de Bauru), Shamell, Giovannoni e tantos outros. Sobre o público, não peguei o número oficial, mas imagino que tenha sido algo em torno de 4 a 5 mil. Bem aquém da capacidade do ginásio. Ainda assim, era uma torcida engajada, que conhecia do jogo e soube empurrar Bauru no segundo tempo

Gui Deodato: podem falar o que for do entrosamento de verões passados que tem com esse grupo, mas o jovem ala foi aquele que entrou na maior roubada. Na quinta-feira, estava em Rio Claro sofrendo para fechar a série contra Pinheiros, pelas quartas do Paulista. Do nada, tinha a missão de perseguir atacantes perigosos como Jaycee Carroll e Sergio Llull. Porém, compenetrado, usando sua envergadura e agilidade lateral, fez um trabalho admirável e foi importante demais na reação de sua ex-nova equipe, se é que isso faz sentido.

Leo Meindl mostrou no segundo tempo os lampejos que justificam a opinião geral de que fará parte por um tempo da seleção brasileira. Ainda há buracos em seu jogo que precisam ser trabalhados, como a visão de quadra quando driblando em direção à cesta (foram dele quatro dos 15 turnovers do time). Também tem o físico, algo que precisa ser martelado. Mas há outras características que lhe são naturais e  difíceis de se ensinar. Como o tino e o arrojo para pontuação. Meindl se comportou como se fosse a coisa mais natural do mundo anotar 15 pontos contra o Real Madrid, em apenas 22 minutos.-

Jefferson William fez apenas o seu quinto jogo desde que se recuperou de uma ruptura no tendão de Aquiles. Sair dessa, meus amigos, é uma batalha. O fato de ele poder estar em quadra para curtir uma final dessas já é uma vitória para o ala-pivô. Poder ter contribuído para o triunfo, então, nem se fala. Anotou 10 pontos em 27 minutos e, é verdade, pegou apenas três rebotes e teve problemas na defesa contra o americano Trey Thompkins, no quarto período. De todo modo, ao matar 3 de 8 arremessos de longe, se firmou como uma arma a ser respeitada pela defesa do Real, já cumprindo um papel tático muito relevante para sua equipe.

Rafael Mineiro jogou 14 minutos, anotou apenas 2 pontos, mas tem de ser elogiado. Sua capacidade defensiva é anormal. Acho que escrevi isso durante a Copa América, então corro o risco aqui da repetição: mas você não vai encontrar facilmente por aí um jogador do seu tamanho e com tanta mobilidade e seu senso de posição. O pivô foi bem na marcação de gente como Reyes, Thompkins e Gustavo Ayón, fechando espaços e portas, devido a sua movimentação lateral que é digna de um armador. Só contei uma posse de bola na qual ele foi batido, quando Thompkins conseguiu cortá-lo pela esquerda para fazer a bandeja no segundo tempo. E só. Ele é como se fosse um canivete suíço na defesa, cumprindo tarefas difíceis que nem sempre são percebidas.

Rafael Hettsheimeir começou a partida claramente pressionado. A bola estava fervendo em suas mãos. Foram diversas as vezes no primeiro tempo em que recebeu passes tranquilos e se atrapalhou na hora de subir na cesta. Quando o jogo estava no pau, nos minutos finais do quarto período, porém, lá estava o pivô batendo palmas em quadra, chamando o jogo. Uma senhora transformação, conduzida pelo volume de jogo externo. O camarada Ricardo Bulgarelli cantou esta, e com razão: deve ter sido sua melhor atuação ofensiva desde aquele embate histórico em Mar del Plata com Luis Scola, rumo à vaga olímpica. Foram 27 pontos em 38 minutos (descansou apenas por 1min48s). Pegou apenas três rebotes, por outro lado, e deve ficar atento a esse fundamento no segundo jogo. Desconfio que, para domingo, o Real possa fazer uso por mais minutos de sua formação “supersize”, procurando atacar a tábua ofensiva.


Copa Intercontinental: Qual Real Madrid veio ao Brasil?
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Giancarlo Giampietro

Copa Intercontinental, São Paulo, Real Madrid

Estava conversando com o Paulo Bassul, gerente técnico da liga nacional, enquanto éramos todos expulsos de quadra nesta quinta-feira para a equipe merengue fazer apenas seu segundo treino com plantel completo nesta pré-temporada. O fato de terem recebido seus campeões europeus só agora — Rodríguez, Llull, Fernández, Reyes e Hernangómez — pode sugerir que seja um time, por ora, desconjuntado. Mas aí a lembrança das últimas duas potências que visitaram o Brasil para a disputa do título mundial ajuda a relativizar isso, mesmo.

O Olympiakos que venceu o Pinheiros em 2013 tinha um núcleo da seleção grega em torno de Vassilis Spanoulis, mas havia trocado muitas peças importantes. Na real, havia trocado basicamente toda a sua linha de frente, tendo perdido como Kyle Hines, Pero Antic, Giorgi Shermadini, Joey Dorsey e Kostas Papanikolau de uma só vez, além do armador Acie Law. Já o Maccabi derrotado pelo Flamengo havia passado por um processo de reformulação ainda mais drástico, a começar pela troca no comando técnico com a saída de David Blatt e a promoção de seu assistente Guy Goodes. Em quadra, saíram a maior parte de seus principais jogadores, com destaque para o armador Tyrese Rice, talvez o cestinha mais explosivo em toda a Europa hoje.

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O Real inexplicavelmente deixou o pivô norte-americano Marcus Slaughter ir embora para o Darüşşafaka Doğuş, da Turquia. Seus tímidos números na campanha passada não dão a exata noção de sua relevância como defensor, ajudando muito na final contra o Olympiakos. Outros do garrafão que saíram foram os gigantes Ioannis Bourousis (agora no Olympiakos) e Salah Mejri (que vai tentar entrar no elenco do Dallas Mavericks). O grego e o tunisiano podem ser excelentes  opções de jogo interior para qualquer equipe, mas a verdade é que terminaram a última temporada guardadinhos no banco de reservas, ou atrás dele, no caso de Mejri, quase sempre excluído do grupo dos 12. Não é fácil a vida de gigante nesses tempos de jogo mais flexível e veloz. As demais perdas foram o ala KC Rivers, que teve seus momentos, mas não vai fazer tanta falta assim, e o armador argentino Facundo Campazzo, que, sabemos, pode ser uma dor-de-cabeça em quadra, mas que não teve e nem teria muito espaço num elenco que tem dois excepcionais Sergios.

As novidades são poucas, mas de alto nível, como sempre:

Thompkins agora briga por rebotes pelo Real

Thompkins agora briga por rebotes pelo Real

– O ala-pivô Trey Thompkins, ex-Clippers, chegou a ficar mais de um ano parado por conta de problemas físicos, mas voltou com tudo na última Euroliga pelo Nizhny Novgorod, com um jogo aos moldes de Rafael Hettsheimeir. Boa presença na disputa dos rebotes e excelente arremesso de média para longa distância. Teve média de 14,5 pontos e 8,1 rebotes em sua primeira temporada na Europa, acertando 37,4% de seus arremessos de três, com 2,08m de altura e 25 anos de idade. Levando em conta a temporada perdida, talvez ainda esteja em evolução. É mais um cara que, em qualquer outro elenco, poderia atuar por 30 minutos tranquilamente e carregar um ataque. No Real, vai ser mais um coadjuvante de luxo.

– Outro grandalhão que chega é Guillermo “Willy” Hernangómez, de apenas 21 anos e 2,09m. Trata-se de um retorno, ou melhor. Revelado na base merengue, foi cedido por empréstimo ao Sevilla, no qual fez amizade e uma parceria de sucesso com Kristaps Porzingis, a ponto de ambos serem draftados pelo Knicks. Ele é um pivô às antigas, jogando quase sempre de costas para a cesta, com muita munheca e eficiência. Deve defender a Espanha por anos e anos, sendo protagonista na renovação da seleção. Percebam a inteligência, no preenchimento de eventuais necessidades do time: Thompkins joga de dentro para fora, Hernangómez é uma referência interna. Ao lado de Ayón, Reyes e Nocioni, compõem uma linha de frente que tem absolutamente de tudo.

– Por fim, temos o ala sueco Jeffery Taylor, ex-Hornets/Bobcats. Um jogador de 26 anos que não conseguiu emplacar na NBA, a despeito de ter saído da Universidade de Vanderbilt com bons indicativos. Tem físico e recursos técnicos para cumprir outra função da moda, o “3 & D”, aquele ala que se mata na defesa e, no ataque, abre para o chute de três, especialmente na zona morta, deixando a turma mais talentosa com espaço para agredir a cesta. Taylor, porém, está se recuperando de uma entorse no tornozelo e, segundo Pablo Laso, não deve jogar em São Paulo. Se voltar à forma, é um ala comprido, atlético, com envergadura e velocidade para cobrir o perímetro. Na Europa, talvez possa até render Nocioni eventualmente como um strecht four, dependendo de como foi sua recuperação de uma cirurgia no tendão de Aquiles, ano passado.

São três contratações de impacto para o mercado europeu, mas que, no timaço do Real, acabam sendo apenas pontuais. A base é a mesma de uma equipe que ganhou absolutamente tudo que disputou pela jornada 2014-2015: Supercopa (que é aquele troféu que todos dizem não valer nada, até que vencem…), Copa do Rei (o mata-mata espanhol), a Liga ACB (que não é ‘La Liga’ das estrelas, mas ainda é o campeonato nacional mais forte do mundo) e a Euroliga. Detalhe: nos três títulos locais, venceram o Barcelona na decisão. Aí tudo fica mais prazeroso, não é verdade?

Então é assim: mesmo que não tenham treinado muito, desentrosamento não serve como desculpa. O maior adversário para eles — além, claro, do Bauru — talvez seja o que Bassul chama de “bode”. Como em “bode geral” de tudo, depois de oito de seus jogadores terem voltado há pouco de emocionantes e desgastantes competições por suas seleções. Conforme já dito, eram cinco defendendo a Espanha num EuroBasket que começou de modo preocupante, suscitando sussurros de derrocada, e terminou com um título extremamente prazeroso. Eles voltaram de Lille para Madri na segunda, fizeram uma festa danada e, na quarta, já estavam cruzando o Atlântico. O mesmo raciocínio vale para Jonas Maciulis, cuja Lituânia encontrou, mais uma vez, uma forma de bater times mais talentosos no papel para chegar à final e garantir uma comemoradíssima vaga olímpica. E ainda temos os latinos Nocioni e Ayón, que também jogaram uma barbaridade na Copa América e fecharam o torneio com sentimentos opostos: a Argentina de Chapu eliminou o México de “Gus” (como Laso o chama…) nas semifinais e impediu o bicampeoanto americano dos caras e também os jogou para o balaio geral do Pré-Olímpico mundial.

Mas não se enganem: não existe soberba, nem ressaca pela temporada vitoriosa que experimentaram. É o contrário: o fato de terem feito a rapa no continente só os motiva para esse torneio, para estender a sequência histórica. Seria o quinto troféu desde setembro de 2014. E estamos falando do Real, gente. Um clube com ambições desmedidas, sempre atrás de recordes. Ganhar as quatro taças foi algo inédito na Europa. Se levarem a Intercontinental agora, irão além. E todos os atletas merengues que abriram o bico durante a semana e o técnico Pablo Laso bateram nessa mesma tecla. Lembram, inclusive, que nos últimos dois anos ficaram perto de disputá-la e, ao fracassar na Euroliga, ficaram fora. Eles jogam com uma camisa que pesa muito, e, para o basquete, não deixa de ser uma novidade a disputa de uma competição internacional. Vamos ver o quanto essa ambição pode espantar o bode na hora de entrar em quadra.


E o melhor time de basquete do mundo hoje é…
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Giancarlo Giampietro

O Indiana Pacers defende que é uma maestria. Mas, não, não estamos falando da rapaziada de Frank Vogel. E não adianta se deslocar para a Costa Oeste americana, por mais que o San Antonio Spurs de Gregg Popovich siga funcionando muito bem, obrigado.

Para ver o melhor time de basquete do mundo hoje, saindo de Indianápolis, o jeito é levantar voo, deixar a Flórida para trás, cruzar o Oceano Atlântico e, atenção tripulação, se preparar para o pouso na capital espanhola.

Real Madrid 2013-2014, um esquadrão com resultados impressionantes

Real Madrid 2013-2014, um esquadrão com resultados impressionantes

O Real Madrid está jogando demais nesta temporada.

Ok, você pode até argumentar que eles não ganhariam nunca uma série melhor-de-cinco-ou-sete do Miami Heat de LeBron James ou mesmo do Pacers. Provavelmente não venceriam, mesmo.

Mas que hoje, se formos abstrair o nível de competição, sem querer comparar Euroliga, Liga ACB ou NBA, numa realidade paralela em que só exista o basquete geral, puro – com o perdão da viagem, e sem o uso de lisérgicos –, o Real é a equipe que está praticando o melhor jogo no planeta.

Foi essa a impressão que tive ao sair da cabine de transmissão do Sports+ há três semanas, após uma de suas exibições pela Euroliga: um atropelo para cima do Zalgiris Kaunas, em Madri (95 a 67).

Só não deu para escrever a respeito na hora por falta de tempo. Além do mais, era preciso um pouquinho de prudência também, e avaliar outros times, outros torneios, ponderar um pouco. Agora, pronto.

Dois parágrafos acima, o termo “exibição” não foi gratuito: mais que jogando, o Real hoje está se apresentando ao público. Pode parecer um tanto exagerado, deslumbrado, mas recomendo: se não é assinante do Sports+ (que transmite a Euroliga com exclusividade*), ou do Bandsports (Liga ACB, o campeonato espanhol), vá a qualquer First Row, Roja Directa online da vida e reserve uma horinha ou mais de seu tempo para ver.

É um time extremamente veloz, de jogo solto, uma característica acentuada desde que Pablo Laso assumiu o clube depois de uma passagem um tanto frustrante do bambambã Ettore Messina. Não tem um brutamontes no time. Felipe Reyes, o eterno reboteiro, que adora o jogo de contato físico, talvez seja quem mais chegue perto desta definição, mas, para os que o conhecem de outros carnavais, sabe que seria exagerado julgá-lo desta maneira. E o gigante grego Ioannis Bourousis pode até parecer um quebra-ossos, mas tem jogo mais refinado, voltado para o perímetro, com bom arremesso.

Aliás, bons chutadores não faltam no elenco. Seu aproveitamento na Liga dos Campeões do basquete hoje é de 42,3% de longa distância, com três atletas convertendo 50% ou mais de seus disparos: o jovem ala Daniel Diez, o próprio Borousis, Dontaye Draper e o ridículo Nikola Mirotic, com 64% (!? – falemos mais sobre Mirotic depois).

(Quem fica mordido com isso é o Sergio Llull. O talentoso armador espanhol, cobiçado e cortejado há anos pelo Houston Rockets, é o segundo que mais chuta entre os madridistas, por mais que converta apenas 28,6% de suas tentativas. É um caso sério, aliás. Em suas primeiras seis temporadas no campeonato, teve aproveitamento de 34,9%, é verdade. Mas esse já seria um rendimento muito baixo para a Europa. E ele não para de chutar, algo que irrita ainda mais quando vemos o quão explosiva é sua passada rumo ao garrafão. Agora levante a mão quem já ouviu história parecida em algum canto do NBB?)

Voltando: sobre a velocidade do Real. Não é que eles saiam correndo a quadra feito malucos com as calças pegando fogo. De acordo com o  site gigabasket.org, eles usam em média 75,5 posses de bola por partida – a terceira marca mais acelerada da competição, coladinho no próprio Zalgiris e no Budivelnik Kiev e não muito distante do pelotão que se estende até o oitavo lugar. A média de toda a liga, para se ter uma ideia, é de 72,8.

Sergio Rodríguez está jogando o fino com seu visual Los Hermanos

Sergio Rodríguez está jogando o fino com seu visual Los Hermanos

De qualquer forma, quando você assiste a um jogo deles, tem a impressão de que  estão por todos os lados, dominando a quadra em sua totalidade. A bola e os atletas não param. A troca de passes e posições é incessante, de um lado para o outro, do garrafão para o perímetro externo, da linha de fora para a zona pintada.

No final, temos o time que mais deu assistências na até aqui (189, contra 177 do segundo colocado, o Lokomotiv Kuban, 152 do terceiro, o Olympiacos, ou 148 do décimo, o Fenerbahçe, para se ter uma ideia). Eles também lideram o ranking de assistência a cada turnover, o da mira de três pontos, estão em segundo em aproveitamento de dois pontos, são quarto em rebotes e enterradas e oitavo em total de lances livres cobrados.

Está bom?

Não, porque tem mais: a agilidade e intensidade do time também contam para um excepcional rendimento defensivo – é aquele que também mais acumulou tocos e roubos de bola, com uma postura bastante agressiva, que coloca muita pressão em cima da bola, para facilitar seus contra-ataques.

Com toda essa exuberância estatística, o clube merengue lidera o Grupo B com nove vitórias em nove rodadas. Ao lado do Olympiacos, que está na dianteira do Grupo C, são os únicos invictos da Euroliga, com a melhor campanha.

Aqui cabe outra intervenção, então: epa, grupos? Sim, grupos: os 24 clubes estão divididos em quatro chaves na primeira fase. Mas isso não torna injusto confrontar campanhas diferentes, ainda mais se apegando a tantos números? Sim, sim. O Fenerbahçe, por exemplo, encabeça o Grupo A, com sete vitórias e duas derrotas, mas vá olhar seus adversários. O time do legendário Zeljo Obradovic está lidando com superpotências como Barcelona e CSKA Moscou, dois dos maiores orçamentos do continente e candidatos perenes ao título. O Real, por outro lado, tem no Anadolu Efes seu principal adversário. Não dá para comparar, mesmo.

Bourousis, o brutamontes, ou quase, do Real

Bourousis, o brutamontes, ou quase, do Real

Mas aí vai uma réplica, então: não é que o time de Laso está apenas vencendo sem parar. Eles, na verdade, estão trucidando a concorrência. Em nove jornadas, somaram 212 pontos de saldo – média de 23,5 por jogo. Seu ataque é feroz: 803 pontos acumulados, 89,2 por partida.

É um domínio sem precedência numa competição dessas e que ganha ressonância na Liga ACB. Em casa, o Real Madrid tem dez vitórias em dez rodadas – enquanto o Barça já perdeu três vezes. Além disso suas médias de pontos são de 89,4 somados por jogo, para um saldo 22,8 a cada triunfo. É impressionante.

Como construir algo desse nível, com essa intensidade? Bem, Laso tem em mãos um elenco em que aquele papo todo de que “aqui não há titulares, somos todos um time, unha e carne” se sustenta. Sua rotação é extensa, com 11 jogadores ganhando tempo consistente. Os minutos são divididos entre os 25min52s de Rudy Fernández aos 11min52s do armador Dontaye Draper – o caçula Diez, o 12º jogador, recebe 6min02s em média e vai aproveitando as surras que o time aplica para ir para a quadra.

Os jogadores abraçaram a causa. Não há relatos de gente reclamando, chorando por mais minutos, arremessos, ainda que muitos deles sejam mais do que capacitados para carregar qualquer equipe. Aqui, o papel de cada um está bem definido. Pegue, por exemplo, o modo como o treinador utiliza seus armadores. O americano Draper joga bem a ponto de ser naturalizado para defender a Croácia em competições de seleção – veja bem o país… Não estamos falando de qualquer Azerbaijão ou Catar. No Real, ele começa praticamente todos os terceiros períodos, sem ganhar um minuto sequer na primeira metade de jogo, dividida entre Llull (geralmente no primeiro quarto) e Sergio Rodríguez (no segundo).

Llull e o Real Madrid estão motivados a deixar o Olympiacos para trás

Llull e o Real Madrid estão motivados a deixar o Olympiacos para trás

Esse tipo de entrosamento e planejamento está longe de ser algo de fácil ou simples execução – basta observar a dificuldade que Xavier Pascual, no Barcelona, e o próprio Messina, no CSKA Moscou, vêm tendo neste início de temporada para administrar elencos igualmente volumosos e talvez mais caros.

No caso do Real, além do sucesso em quadra – que jogador vai ousar reclamar em meio a uma campanha dessas? –, há outro fator que ajuda o controle de Laso sobre o grupo: a frustração pela derrota na decisão da temporada passada para o Olympiacos. A equipe abriu 17 pontos de vantagem no primeiro quarto, mas tomou uma virada desconcertante, deixando escapar um troféu que não erguem desde 1995. A frustração virou determinação.

Para os merengues, chegou a  hora. De serem os melhores – ao menos da Europa.

*  *  *

Na segunda fase da Euroliga, os 16 clubes restantes estarão divididos em dois grupos, e o Real vai ter adversários mais fortes pela frente para ser testado. A essa altura, contudo, desnecessário dizer que a preocupação é toda desses próximos rivais. Chegou a hora de falar um pouco sobre alguns dos Galácticos do basquete:

– Quem vai querer lidar com um Nikola Mirotic hoje em dia? O MVP de outubro da Euroliga está impossível: 62,8% nos chutes de dois, 64% de três e 86,8% nos lances livres. Tipo arma letal. Tem médias de 15,0 pontos, 5,3 rebotes 1,2 roubo de bola, 1,0 toco e1,2 assistência em 24 minutos. Com esse tipo de dominância, seu próximo passo parece realmente a NBA. É essa a expectativa do Chicago Bulls, que o draftou em 2011. Num momento tão duro para a torcida órfã de Derrick Rose, o rendimento do ala-pivô deve servir de alento. Dinheiro não seria um problema: caso decida ir para os Estados Unidos, uma vez que seu salário, pelo tempo de espera, já não precisaria mais seguir os limites impostos na escala tradicional dos novatos.

Sergio Rodríguez é, hoje, o melhor armador do mundo fora da NBA. Maduro, mas sem perder a criatividade, sai do banco para comandar a segunda unidade de Laso, desequilibrando as partidas combinando talento e agressividade, dos dois lados da quadra. Soma 11,7 pontos, 5,3 assistências, 1,7 roubo de bola em pouco mais de 20 minutos de média, com 55,3% nas bolas de dois pontos e 47,4% nas de 3. Afe.

– Num time com tanta gente boa, Rudy Fernández é aquele que se comporta como o astro, digamos – o topete está sempre muito bem alinhado. Fica muito claro em sua postura marrenta em quadra e na adoração da torcida.  Embora sua personalidade irrite um pouco, não há como negar que seu jogo é bastante vistoso e basicamente exemplifica o estilo da equipe: leve, atlético, com facilidade para se deslocar com e sem a bola. Médias de 13 pontos, 4,4 assistências e 3,3 rebotes, matando 59,5% dos chutes de dois e 93,3% dos lances livres.

Sergio Llull não está na sua melhor fase no ataque, mas é o melhor defensor da equipe no perímetro. Quando usado ao lado do xará Rodríguez, faz da vida dos armadores adversários um inferno, pressionando demais o drible.

Tremmell Darden chegou ao clube no meio da temporada pessada, sem poder jogar a Euroliga – vindo do Zalgiris Kaunas. O americano formado pela Niagara University caiu como uma luva no quinteto inicial, cumprindo muito bem um papel de “glue guy”, com vigor físico, energia e agilidade para complementar Fernández nas alas.

– O tunisiano Salah Mejri e o norte-americano Marcus Slaughter dão gás e asas à rotação de pivôs de Laso, complementando muito bem o jogo terrestre e raçudo de Felipe Reyes.

Jaycee Carroll seria um ótimo concorrente para disputar um torneio de três pontos em qualquer lugar do mundo. Sai do banco ao lado de Rodríguez e seria uma resposta do Real aos Ben Gordons do mundo. Quando está quente, saia de baixo.

*PS: Ok, abram espaço para o merchan: acompanho o time de transmissão do canal com os chapas Maurício Bonato, Rafael Spinelli, Marcelo do Ó e Ricardo Bulgarelli. É o canal 28/228 (HD) da Sky, com transmissões basicamente todas quintas e sextas-feiras e reprises espalhados pela programação. Lá você também segue muitos jogos da NBA, como o Indiana Pacers x Miami Heat da semana passada.


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