Copa Intercontinental: Qual Real Madrid veio ao Brasil?
Giancarlo Giampietro
Estava conversando com o Paulo Bassul, gerente técnico da liga nacional, enquanto éramos todos expulsos de quadra nesta quinta-feira para a equipe merengue fazer apenas seu segundo treino com plantel completo nesta pré-temporada. O fato de terem recebido seus campeões europeus só agora — Rodríguez, Llull, Fernández, Reyes e Hernangómez — pode sugerir que seja um time, por ora, desconjuntado. Mas aí a lembrança das últimas duas potências que visitaram o Brasil para a disputa do título mundial ajuda a relativizar isso, mesmo.
O Olympiakos que venceu o Pinheiros em 2013 tinha um núcleo da seleção grega em torno de Vassilis Spanoulis, mas havia trocado muitas peças importantes. Na real, havia trocado basicamente toda a sua linha de frente, tendo perdido como Kyle Hines, Pero Antic, Giorgi Shermadini, Joey Dorsey e Kostas Papanikolau de uma só vez, além do armador Acie Law. Já o Maccabi derrotado pelo Flamengo havia passado por um processo de reformulação ainda mais drástico, a começar pela troca no comando técnico com a saída de David Blatt e a promoção de seu assistente Guy Goodes. Em quadra, saíram a maior parte de seus principais jogadores, com destaque para o armador Tyrese Rice, talvez o cestinha mais explosivo em toda a Europa hoje.
>> Não sai do Facebook? Curta a página do 21 lá
>> Bombardeio no Twitter? Também tou nessa
O Real inexplicavelmente deixou o pivô norte-americano Marcus Slaughter ir embora para o Darüşşafaka Doğuş, da Turquia. Seus tímidos números na campanha passada não dão a exata noção de sua relevância como defensor, ajudando muito na final contra o Olympiakos. Outros do garrafão que saíram foram os gigantes Ioannis Bourousis (agora no Olympiakos) e Salah Mejri (que vai tentar entrar no elenco do Dallas Mavericks). O grego e o tunisiano podem ser excelentes opções de jogo interior para qualquer equipe, mas a verdade é que terminaram a última temporada guardadinhos no banco de reservas, ou atrás dele, no caso de Mejri, quase sempre excluído do grupo dos 12. Não é fácil a vida de gigante nesses tempos de jogo mais flexível e veloz. As demais perdas foram o ala KC Rivers, que teve seus momentos, mas não vai fazer tanta falta assim, e o armador argentino Facundo Campazzo, que, sabemos, pode ser uma dor-de-cabeça em quadra, mas que não teve e nem teria muito espaço num elenco que tem dois excepcionais Sergios.
As novidades são poucas, mas de alto nível, como sempre:
– O ala-pivô Trey Thompkins, ex-Clippers, chegou a ficar mais de um ano parado por conta de problemas físicos, mas voltou com tudo na última Euroliga pelo Nizhny Novgorod, com um jogo aos moldes de Rafael Hettsheimeir. Boa presença na disputa dos rebotes e excelente arremesso de média para longa distância. Teve média de 14,5 pontos e 8,1 rebotes em sua primeira temporada na Europa, acertando 37,4% de seus arremessos de três, com 2,08m de altura e 25 anos de idade. Levando em conta a temporada perdida, talvez ainda esteja em evolução. É mais um cara que, em qualquer outro elenco, poderia atuar por 30 minutos tranquilamente e carregar um ataque. No Real, vai ser mais um coadjuvante de luxo.
– Outro grandalhão que chega é Guillermo ''Willy'' Hernangómez, de apenas 21 anos e 2,09m. Trata-se de um retorno, ou melhor. Revelado na base merengue, foi cedido por empréstimo ao Sevilla, no qual fez amizade e uma parceria de sucesso com Kristaps Porzingis, a ponto de ambos serem draftados pelo Knicks. Ele é um pivô às antigas, jogando quase sempre de costas para a cesta, com muita munheca e eficiência. Deve defender a Espanha por anos e anos, sendo protagonista na renovação da seleção. Percebam a inteligência, no preenchimento de eventuais necessidades do time: Thompkins joga de dentro para fora, Hernangómez é uma referência interna. Ao lado de Ayón, Reyes e Nocioni, compõem uma linha de frente que tem absolutamente de tudo.
– Por fim, temos o ala sueco Jeffery Taylor, ex-Hornets/Bobcats. Um jogador de 26 anos que não conseguiu emplacar na NBA, a despeito de ter saído da Universidade de Vanderbilt com bons indicativos. Tem físico e recursos técnicos para cumprir outra função da moda, o ''3 & D'', aquele ala que se mata na defesa e, no ataque, abre para o chute de três, especialmente na zona morta, deixando a turma mais talentosa com espaço para agredir a cesta. Taylor, porém, está se recuperando de uma entorse no tornozelo e, segundo Pablo Laso, não deve jogar em São Paulo. Se voltar à forma, é um ala comprido, atlético, com envergadura e velocidade para cobrir o perímetro. Na Europa, talvez possa até render Nocioni eventualmente como um strecht four, dependendo de como foi sua recuperação de uma cirurgia no tendão de Aquiles, ano passado.
São três contratações de impacto para o mercado europeu, mas que, no timaço do Real, acabam sendo apenas pontuais. A base é a mesma de uma equipe que ganhou absolutamente tudo que disputou pela jornada 2014-2015: Supercopa (que é aquele troféu que todos dizem não valer nada, até que vencem…), Copa do Rei (o mata-mata espanhol), a Liga ACB (que não é 'La Liga' das estrelas, mas ainda é o campeonato nacional mais forte do mundo) e a Euroliga. Detalhe: nos três títulos locais, venceram o Barcelona na decisão. Aí tudo fica mais prazeroso, não é verdade?
Então é assim: mesmo que não tenham treinado muito, desentrosamento não serve como desculpa. O maior adversário para eles — além, claro, do Bauru — talvez seja o que Bassul chama de ''bode''. Como em ''bode geral'' de tudo, depois de oito de seus jogadores terem voltado há pouco de emocionantes e desgastantes competições por suas seleções. Conforme já dito, eram cinco defendendo a Espanha num EuroBasket que começou de modo preocupante, suscitando sussurros de derrocada, e terminou com um título extremamente prazeroso. Eles voltaram de Lille para Madri na segunda, fizeram uma festa danada e, na quarta, já estavam cruzando o Atlântico. O mesmo raciocínio vale para Jonas Maciulis, cuja Lituânia encontrou, mais uma vez, uma forma de bater times mais talentosos no papel para chegar à final e garantir uma comemoradíssima vaga olímpica. E ainda temos os latinos Nocioni e Ayón, que também jogaram uma barbaridade na Copa América e fecharam o torneio com sentimentos opostos: a Argentina de Chapu eliminou o México de ''Gus'' (como Laso o chama…) nas semifinais e impediu o bicampeoanto americano dos caras e também os jogou para o balaio geral do Pré-Olímpico mundial.
Mas não se enganem: não existe soberba, nem ressaca pela temporada vitoriosa que experimentaram. É o contrário: o fato de terem feito a rapa no continente só os motiva para esse torneio, para estender a sequência histórica. Seria o quinto troféu desde setembro de 2014. E estamos falando do Real, gente. Um clube com ambições desmedidas, sempre atrás de recordes. Ganhar as quatro taças foi algo inédito na Europa. Se levarem a Intercontinental agora, irão além. E todos os atletas merengues que abriram o bico durante a semana e o técnico Pablo Laso bateram nessa mesma tecla. Lembram, inclusive, que nos últimos dois anos ficaram perto de disputá-la e, ao fracassar na Euroliga, ficaram fora. Eles jogam com uma camisa que pesa muito, e, para o basquete, não deixa de ser uma novidade a disputa de uma competição internacional. Vamos ver o quanto essa ambição pode espantar o bode na hora de entrar em quadra.