Vinte Um

Copa Intercontinental: como está o Bauru?

Giancarlo Giampietro

ricardo-fisher-guerrinha-pabo-laso-and-gustavo-ayon-press-conference-intercontinental-cup-2015-eb15-photo-fiba

O Real Madrid venceu tudo o que disputou na temporada passada. Para o Bauru, foi quase. Depois do Campeoanto Paulista, da Liga Sul-Americana e da Liga das Américas, que o credenciou para a Copa Intercontinental, acabaram varridos pelo Flamengo na final do NBB. Mas dá para dizer que aquele Bauru da final brasileira não era o mesmo de fevereiro, de uma sequência invicta que passou da casa de 30 partidas. (Para constar: o Fla não tinha nada com isso. Estava voando em quadra e atropelou, mesmo.)

“Acabou o gás'', afirma ao VinteUm o armador Ricardo Fischer, para, depois, fazer um comentário muito interessante: ''Nosso time é muito competitivo, e a gente não acreditava no que estava acontecendo. Até ficamos nervosos com a situação, mas simplesmente não ia, não acontecia. A gente tentatava, mas não saía. Tivemos um pico muito grande na temporada por muito tempo. Nos playoffs, contra a Franca, já havia sido mais difícil. Aconteceu contra Mogi novamente, e aí veio a final. Lembro muito de, antes do Jogo 2, em Marília, ver muita vontade no vestiário. A vontade era imensa. Mas, no começo do jogo, logo errei uma bandeja. O Murilo pegou o rebote e perdeu também debaixo da cesta. Ali deu para ver.”

Bom, estamos agora no início de uma nova temporada? Vida nova, certo?

Hã… Nem tanto.

>> Não sai do Facebook? Curta a página do 21 lá
>> Bombardeio no Twitter? Também tou nessa

Como o técnico Guerrinha gosta de dizer, o clube enfrentou uma série de ''intercorrências'' em sua preparação para um torneio tão relevante e contra um adversário tão imponente. A lista de percalços:

– Quatro de seus jogadores estiveram a serviço da seleção brasileira (Hettsheimeir só no Pan e Ricardo Fischer, Leo Meindl e o importado Rafael Mineiro em Toronto e na Copa América). Para Fischer e Meindl, o calendário foi mais ou menos assim: “Cheguei domingo de manhã, me apresentei quinta à tarde e já teve jogo no sábado'', relata o armador.  Mineiro começou a treinar apenas agora com a equipe, depois que Limeira foi eliminado na primeira fase do Paulista e, depois, saberíamos, encerraria as atividades do time adulto para o restante da temporada.

Rafael bate um papo com os ex-companheiros de Real, Rudy e Felipe. Jogaram juntos na temporada 2013-2014, embora o pivô mais tenha ficado no banco. Foi uma campanha prejudicada por uma artroscopia que o brasileiro teve no início da temporada. Depois, o pivô ainda jogou pelo Málaga. Agora existe a possibilidade de retornar à Europa

Rafael bate um papo com os ex-companheiros de Real, Rudy e Felipe. Jogaram juntos na temporada 2013-2014, embora o pivô mais tenha ficado no banco. Foi uma campanha prejudicada por uma artroscopia que o brasileiro teve no início da temporada. Depois, o pivô ainda jogou pelo Málaga. Agora existe a possibilidade de retornar à Espanha

– Hetthsheimeir chegou um pouco antes, mas se mandou para os Estados Unidos, onde fez testes pelo San Antonio Spurs. Segundo consta, fez bons treinamentos por lá, agradou aos treinadores, mas não deve ser contratado neste ano. O que acontece: os times da NBA querem conferir tudo de perto. Obviamente o antenadíssimo departamento de scouting internacional do clube texano tinha diversas notas sobre o pivô brasileiro, complementadas pelo que viram no Pan. Daí que acharam que era o momento de seus treinadores conferirem o jogador de perto. Isso demonstra interesse, mas serve também para um acúmulo maior de informações, pensando no futuro.  Achar uma vaga no atual elenco, com Duncan, Aldridge, West, Diaw, Marjanovic e Bonner, seria complicadíssimo — e nem sei se valeria a pena para o já veterano, que já teve o prazer de vestir a camisa do Real, mas sem mal sair do banco, lembrem-se, quando voltava de lesão. Mas nunca se sabe quando você vai precisar de um grandalhão com boa pontaria no tiro de fora, certo? Entre embarque e desembarque, o atleta se ausentou por 10 dias.

(PS: agora Rafael está sendo sondado de modo mais agressivo pelo Estudiantes, da Espanha. Sinto que há o interesse de voltar à Espanha, mas é algo que só vão discutir após a Copa Intercontinental e, eventualmente, após o giro pela NBA, com jogos contra New York Knicks e Washington Wizards pela frente. Segundo o técnico Guerrinha, para fechar com qualquer clube que não seja uma franquia da grande liga, há uma multa rescisória a ser paga.)

– As lesões: Murilo Becker está fora de combate, se recuperando de uma cirurgia devido a um deslocamento de retina no olho esquerdo. O veterano pivô simplesmente não consegue se livrar dos problemas físicos e se divertir em quadra. Alex sofreu uma pancada no joelho e perdeu alguns dias preciosos de treino também. Jefferson William está voltando de uma lesão no tendão de Aquiles, uma das piores para um jogador de basquete. ''Sentimos muito a falta dele nos playoffs.  Taticamente é importantíssimo. Além de ser matador, ele movimenta bem nosso time, com muita mobilidade”, diz Fischer. “Na questão médica, ele está totalmente liberado, 100%. Agora é o tempo de ele voltar, de ganhar ritmo de jogo,'', completa. Jefferson disputou apenas três partidas pelo Campeonato Paulista (uma contra Limeira e duas contra Mogi) e acertou 36% de seus arremessos, sendo 5-17 (29,4%) de três pontos. Foram 10,3 pontos e 6,3 rebotes em 25 minutos. O talentoso e esguio ala-pivô é peça-chave para o esquema bauruense. Obviamente o atleta não vai chegar na forma ideal. mas estará em quadra.

>> Qual Real Madrid chega para a Copa Intercontinental?

Por essas e outras, Guerrinha admite que a preparação não foi a ideal. Aliás, nem esteve perto do ideal. Nesse sentido, comparando com o Pinheiros de 2013 e o Flamengo de 2014, o representante brasileiro deste ano talvez chegue pela primeira vez com mais questões para resolver do que seu adversário europeu. Vamos ver.  “Não desenvolvemos a preparação para este campeonato do modo como gostaríamos, para dar ritmo'', afirma o treinador. “Os últimos dois jogos contra Mogi foram muito importantes para dar o espírito. Pois o jogador fica naquela também: quer jogar o Mundial, não quer se machucar, então acaba se dosando. Mas as partidas contra o Mogi são sempre de muito pegada e servem (para dar esse ritmo). A equipe enfrentou, foi valente, e crescemos muito. Mas se perguntar se chegamos no ponto ideal, digo que não.''

bauru

 Na fase regular do Campeonato Paulista, poupando de modo considerável seus principais nomes, deixou Wesley Sena e Carioca jogarem, a equipe do interior paulista venceu quatro e perdeu seis. Foi o suficiente para lhe garantir a quarta posição do Grupo A, ficando acima de Franca e Limeira (que também não jogou com força máxima). Por isso, agora nas quartas estão enfrentando o primeiro do Grupo B, o Mogi. Registre-se que Bauru perdeu as duas fora de casa. A primeira foi por 89 a 84. A segunda, por 89 a 88. É de se imaginar jogos quentes, mesmo, com o perdão do trocadilho. (PS sobre Sena: o pivô de 19 anos foi muito bem, com uma produção encorajadora para alguém tão jovem, algo raro no Brasil. Falei com ele neta quinta. Uma hora sai o texto sobre ele.)

''O Real é uma potência que está reivindicando jogar a NBA. O clube joga um campeonato muito mais forte que o nosso. Mas é da nossa vontade, do nosso querer, diminuir essa diferença com muita disposição, de querer diminuir essa diferença'', afirma Guerrinha, que é o primeiro a admitir, contudo, que conceitos como garra e vontade não serão o suficiente para fazer frente ao Real. ''Nos brasileiros estamos acostumados a jogar com a emoção. Os europeus em geral se baseiam na razão. E esse time do Real tem isso: eles sabem direitinho o que procurar em quadra, os desequilíbrios defensivos, os mismatches. Eles atacam isso. O ideal era trabalhar o time por um mês, para tentar diminuir essa margem de diferença de elenco e realidade que temos para ele, mas não foi possível. Esse vai ser o nosso desafio, de não cair só no emocional, de vontade.''

Diria que esse é apenas um dos tantos desafios que Bauru tem pela frente. Dependendo do grau de comprometimento e do preparo físico dos atletas do Real, Bauru vai ter de se superar para buscar o título.

*   *   *

Sobre a questão dos jogadores de aluguel, já abordada aqui no UOL Esporte pelo chapa Fábio Aleixo. Bauru contratou o pivô Rafael Mineiro e repatriou o ala Gui Deodato, que iniciou sua carreira pelo clube, agora cedido pelo Rio Claro. O curioso é que o jogador estava em quadra na noite desta quinta-feira, em casa, para vencer o Pinheiros e fechar o duelo pelas quartas de final do Paulista. Foi um quinto e último confronto emocionante, definido apenas na prorrogação (por 88 a 87), no qual Guilherme anotou 16 pontos em 15 arremessos, errando muito nos chutes de fora.

''Quando perdemos o Murilo (por causa de um problema no olho) fomos atrás do Rafael. Foi um pedido dos jogadores. Já o Gui é uma espécie de recompensa, pois fez parte do nosso time na última temporada inteira, foi criado lá. Já havíamos combinado'', afirmou Vitor Jacob, diretor do Bauru. O discurso foi repetido pelo técnico Guerrinha: de que houve até mesmo uma demanda por parte dos atletas para se reforçar o elenco.

Do ponto de vista ético e esportivo, não me parece a melhor solução. Afinal, este não é o Bauru que vai dar sequência à temporada — pode ser que Mineiro continue no time, mas ambas as partes teriam de chegar a um consenso quanto ao seu salário, que provavelmente não poderá seguir no patamar dos tempos de Limeira. O Flamengo fez o mesmo no ano passado ao acertar com o pivô americano Derrick Caracter, que, no final, acabou não acrescentando muito.

O treinador bauruense, de todo modo, lembra que esse expediente vem de longa data. ''Desde que comecei no basquete, em 1976, na Argentina é histórico levar jogadores como reforço. Na nossa mais ainda. Em 1980 fomos para a Iugoslávia com Franca e levamos o Marcelo Vido e um americano. Em 1983, aqui no Ibirapuera, foi o mesmo: eu e o Gerson reforçamos o Sírio'', afirmou.

A dúvida é saber o quão facilmente Mineiro será integrado. Guerrinha aposta no entrosamento que teve com Fischer, Hettsheimeir e Meindl na seleção. Sobre Gui, o encaixa é muito mais natural, obviamente. Para contar: Bauru também tentou resgatar Larry Taylor, mas o americano não foi cedido pelo Mogi.