Real acaba com jejum na Euroliga e consagra Nocioni
Giancarlo Giampietro
“Basquete não é só arremessar, passar, driblar… Basquete também é ter coração. E ele tem um coração enorme.”
Em quadra, fazendo de tudo para conter as lágrimas, com tanto o que desabafar, foi com essa frase que o técnico Pablo Laso explicou a importância de Andrés Nocioni para a conquista do título da Euroliga pelo Real Madrid, a tão aguardada novena do clube, com vitória por 78 a 59 sobre o Olympiakos. A nona taça continental, aumentando sua distância para os demais concorrentes, como o maior campeão da competição. Foi uma definição perfeita para resumir o que havia acabado de testemunhar na cabine do Sports+, ao lado dos companheiros Maurício Bonato e Ricardo Bulgarelli.
>> Não sai do Facebook? Curta a página do 21 lá
>> Bombardeio no Twitter? Também tou nessa
O Chapu foi para a quadra tanto na semifinal como na revanche deste domingo, com intensidade e garra absurdas, fazendo coisas que parecem impossíveis para alguém que beira os 36 anos. A correria desenfreada na transição defensiva, alguns atropelos rumo ao rebote e um par de tocos em que alcançava a bola no segundo andar. Quem poderia dizer que ainda tinha essa energia toda dentro de si? Ele estava por todos os lados, parecendo o ala de 11 temporadas atrás, quando escoltava Manu Ginóbili e Luis Scola rumo ao ouro olímpico em Atenas. Foi como se realmente tivesse voltado no tempo e recuperado uma energia de garoto. Ele realmente queria o título continental. Não só o garantiu, como também acrescentou ao seu currículo o título de MVP do Final Four.
“Você se sente satisfeito porque há muitas e muitas horas de trabalho para chegar a esse ponto, com muita dor no joelho, dor no no tornozelo, todos os dias, e tudo por isso, para uma conquista dessas”, afirmou o argentino, que terminou a etapa decisiva da Euroliga com médias de 12,0 pontos, 6,5 rebotes, 1,5 assistência e 1,5 toco. Números modestos, não? Que de modo algum vão quantificar o impacto que o veterano teve em quadra pelo Real, saindo do banco. “Ele é um veterano, mas ao mesmo tempo nos demonstrou ser jovem”, diz Rudy Fernández. “Essa força que tem na quadra nos deixa todos mais confiantes. Acontece logo de cara, quando vemos que o Chapu está jogando bem.”
O que nos remete a seus primeiros dias como jogador merengue, tendo chegado para simplesmente cobrir a saída de um craque como Nikola Mirotic, aquele que, taticamente, era o grande diferencial da equipe – um ala-pivô com habilidade para produzir dentro e fora, muito mais ágil e talentoso que a maioria dos atletas com quem duelava na Europa, talento que a NBA pôde admirar em seu primeiro ano de Chicago Bulls. Muitos, aliás, poderiam estranhar a opção por sua contratação. Afinal, era um perfil totalmente diferente. E que, por melhor que estivesse jogando pelo Baskonia, já está em reta final de carreira, torcendo para que não fosse a campanha em que, após anos e anos de batalha, estivesse quebrado. O argentino simplesmente dizia: não vou me equiparar a Mirotic em técnica, mesmo, mas talvez possa oferecer combatividade, aspereza e fibra ao time. Depois da festa no vestiário, confirmou a tese aos jornalistas presentes: “Foi para isso que vim aqui”.
É, pois é.
Georgios Printezis, também um leão ao seu modo, Brent Petway, Bryant Dunston, Othello Hunter… A linha de frente toda do Olympiakos pôde ver o quão combativo o Chapu ainda pode ser, entregando tudo o que tinha em quadra por um título inédito em seu currículo. Um troféu que Manu Ginóbili conquistou antes de se mudar para San Antonio, mas que Luis Scola não tem em sua coleção. Essa dupla vai ser sempre a referência quando formos pensar da geração dourada argentina, não tem jeito. São os craques da técnica, da definição dos pontos. O título da Euroliga e um raro prêmio individual, porém, vêm numa ótima hora, no ocaso de sua carreira, para se elevar o status de Nocioni – ele também é um craque ao seu modo, um craque de coração.
Algumas fotos da comemoração do argentino, com certa indiscrição:
* * *
Se um grande campeão precisa passar por grandes provações, testes, o Real Madrid seguiu o script à risca. O time havia batido na trave nas últimas duas finais, entrando para a decisão sempre como favorito. A gestão Florentino Pérez deu atenção especial ao departamento de basquete e liberou os cofres para fazer grandes contratações. O elenco deste ano conta com nove atletas que jogaram a última Copa do Mundo e mais dois americanos de ponta no mercado europeu. Uma versão dos galácticos, por assim dizer. Tudo para acabar com o jejum de títulos europeus, que durava desde 1995. Com dois fiascos seguidos, imagine a pressão para cima de Pablo Laso, não importando o nível de basquete apresentado durante a temporada regular. Na campanha passada, houve um momento que sua equipe era, para mim, a melhor do mundo. Um estilo vistoso demais e avassalador em sua execução. De nada adiantava. Muita gente queria sua cabeça em meados de junho, julho. Pois o técnico sobreviveu e foi premiado com o título. Mesmo que não estivessem mais encantando como antes, foi algo justo. Não é lá muito fácil concordar com um ala enjoado como Rudy Fernández, mas ele tem razão ao dizer: “O basquete nos devia algo assim. Obrigado a todos que confiaram em nós”.
* * *
Se houvesse como dar um prêmio de Co-MVP, ele deveria ser entregue a Jaycee Caroll. Aliás, os estrangeiros todos do Real roubaram a cena em Madri, para aliviar a barra das estrelas e queridinhos nacionais. Sergio Llull foi muito bem nesta decisão (com 12 pontos, 4 assistências e ótima defesa para cima de Spanoulis), mas Rudy Fernández, Sérgio Rodríguez e, principalmente, o capitão Felipe Reyes estiveram muito abaixo do esperado, visivelmente tocados pela pressão da final em casa. Carroll já parecia jogar um rachão, colocando em prática seu arremesso indefectível. Tem aquela munheca que lança a bola com um tanta rotação que, quando há um contato com a rede, parece que ela vai se enganchar, ou causar tanta fricção que poderia gerar fumaça. No terceiro período, quando o Olympiakos ensaiava mais uma de suas marchas assustadoras para virar o placar, esse gatilho anotou 11 de pontos em sequência, com direito a três bolas de fora, para apaziguar um pouco os ânimos madridistas. No final, foram 16 pontos em 20 minutos, com 80% no perímetro, além de também ter ajudado na contenção de Spanoulis. Vejam só:
* * *
Foi um domingo de conquista dupla para o Real. De manhã, seus garotos faturaram o Adidas Next Generation Tournament, a versão juvenil da Euroliga, derrotando o Estrela Vermelha por 73 a 70 na decisão. A sensação eslovena Luka Doncic ganhou o prêmio de melhor jogador do evento, com médias de 12,3 pontos, 8,0 rebotes, 5,0 assistências e 1,3 roubo de bola, em 9 partidas. Ele só tem 16 anos. O torneio era sub-18. Quem também é mais jovem que a maioria dos concorrentes e comemorou ao lado de Doncic? O paulistano Felipe da Gama, pivô de 2,18 m e apenas 17 anos. Um projeto de longo prazo, mas de ótimo potencial, o único brasileiro presente em quadra nesse final de semana festivo na Europa.