Lucas Dias: depois da impaciência, o desenvolvimento
Giancarlo Giampietro
Ao falar sobre atletas jovens, o primeiro mandamento é ter precaução. A tentação, vocês sabem, é anunciar um futuro auspicioso. Depois, encontrar paralelos, para anunciar o “novo fulano de tal”. Se, nessa caminhada, as coisas não forem acontecendo conforme o “esperado”, aí é a hora de, cheios de decepção, martelar e desconstruir a promessa.
Lucas Dias, do Pinheiros, já passou por esse processo. Ele só tem 19 anos.
Aos 16, foi eleito o MVP do jogo internacional do Jordan Brand Classic, com 18 pontos, 12 rebotes e 4 tocos, em Charlotte. Dois meses depois, em São Sebastião do Paraíso, teve médias de 15,6 pontos e 8,4 rebotes na Copa América Sub-18 e ajudou a seleção a se classificar para o Mundial, sendo dois anos mais jovem que a maioria dos concorrentes. Pronto. A partir daí, o garoto entrou no radar, virou tópico obrigatório nos fóruns de discussão. O basqueteiro brasileiro em geral não está acostumado a receber esse tipo de notícia.
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Sua escalação no time principal do Pinheiros era cobrada, cada jogo era seguido de perto. Até que chegou o Mundial Sub-19 em 2013, na qual não só o ala-pivô como toda a equipe nacional teve uma campanha frustrante, com um décimo lugar amargo, depois de algumas derrotas bem feias. Aí, claro, já teve quem se apressasse em dizer que não dava mais para o garoto. Ainda mais que ele não conseguia entrar na rotação da equipe adulta do clube paulista e, no ano passado, viu um tal de Bruno Caboclo passar voando por lá. Caboclo virou a grande aposta, enquanto Lucas ficou, de certa forma, esquecido. Como se não houvesse espaço para dois queridinhos.
Mas essa fase de sumiço chegou ao fim. Na terça-feira, Lucas Dias conseguiu uma proeza no atual cenário brasileiro: um adolescente a ser o cestinha de um jogo de NBB. Foi na vitória sobre o Uberlândia por 107 a 86, em casa. Não só ele liderou todos os marcadores, com 23 pontos em 24 minutos, como saiu com 100% nos arremessos, com três bolas de três, cinco de dois e mais dois lances livres. Na sua idade – de novo: apenas 19 anos –, isso dificilmente vai se repetir por estas bandas.
Os 23 pontos se equivalem exatamente à metade do que ele soma na temporada. Quer dizer: foi disparada a sua melhor partida na temporada. Mas isso não quer dizer que tenha sido um acidente ou qualquer coisa do tipo, um evento que tenha surgido ao acaso. Desde o dia 17 de dezembro, na saideira de 2014, o ala vinha recebendo mais tempo de quadra com o técnico Macel, registrando 12 minutos contra o Bauru, 19 minutos contra o Franca e 15 contra o Palmeiras. Dá mais de 18 minutos por jogo nas últimas quatro rodadas do campeonato. Até então, em cinco partidas, ele havia ficado em quadra por 10 minutos em média.
No duelo com o clube alviverde, ele teve uma atuação para se esquecer, saindo zerado, tendo desperdiçado todos os seus oito arremessos. Que tenha sido mantido na rotação por Marcel, contudo, só depõe ao seu favor. Com o treinador mesmo disse ao VinteUm: “Comigo é assim: se você treinar como se joga, você joga. Na hora que aparecer um cara treinando como ele vai jogar… Na hora que for dominar, que mostrar como vai jogar no treino, eu não sou louco de não colocar para jogar”.
A liga D
Nesse ponto, para o garoto ganhar confiança, mais importante vem sendo sua participação na nossa liga de desenvolvimento, a LDB. Na semana passada, ele disputou a terceira etapa da competição sub-22, em Campinas. Após 17 jogos, o ala é o segundo cestinha até o momento, com média de 20,2 pontos, e o quarto reboteiro, com 9,4. “Acho que minhas participações ncontribuíram para o bom desempenho, e estou feliz por ter aproveitado as oportunidades contra o Uberlândia”, disse.
Algumas exibições em particular renderam recordes da LDB para Lucas. Na segunda etapa, em Joinville, contra o Grêmio Náutico União, ele somou 44 pontos e 55 no índice de eficiência, em 33 minutos, em vitória fácil por 95 a 56 – ao seu lado, o armador Georginho, 18 anos, também somou um triplo-duplo. Na ocasião, errou apenas 4 de 20 arremessos, com baixo volume no perímetro (1-3), além de coletar 16 rebotes e de ter cinco roubos de bola. Em Campinas, mais um jogo memorável: contra o Regatas (triunfo por mais que o dobro de diferença), o time da casa, converteu nove arremessos de longa distância e terminou o confronto com 37 pontos em 24 arremessos e 35 minutos, além de 9 rebotes, 3 assistências e 3 roubos de bola, para um índice de eficiência de 42.
Agora, só vale ressaltar que o volume nos arremessos de fora contra o Regatas (19 tentativas) foi algo simplesmente irreal, que não se traduz para nenhum campeonato de ponta. É preciso sempre fazer a devida contextualização, claro, levando em conta o nível dos adversários. Se for para conferir seu aproveitamento nos arremessos, temos 59,8% nas bolas de dois pontos, 32,2% nas de três e 76,5% nos lances livres. Quer dizer, ainda há o que melhorar em termos de eficiência. De todo modo, no geral, os números impressionam e servem para devolver a confiança ao jovem talento.
De volta ao time dos marmanjos, Lucas entrou em quadra no primeiro quarto, substituindo o veterano Felipe Ribeiro, quando o placar estava 8 a 7 para sua equipe. Quando saiu, com 11 pontos marcados, restavam apenas 46 segundos na parcial, o time da casa já vencia por 28 a 13. O Uberlândia não esmoreceu, tentou uma reação nas parciais seguintes, até sucumbir no período final. Apenas dois pontos do ala saíram no que poderíamos chamar de “garbage time”, quando o time de Marcel já tinha o resultado praticamente garantido, a 3min50s do fim. Isto é: seu desempenho foi fundamental para o Pinheiros a encerrar uma série de quatro derrotas no NBB.
Amadurecimento
Houve, sim, uma preocupação com o desenvolvimento de Lucas desde aquele malfadado Mundial. Há muitos que questionam a decisão do técnico Demétrius de ter usado o ala-pivô como um sexto homem, alegando que, quando ele entrava em quadra, o jogo já estava praticamente definido, deixando o principal talento daquela seleção numa posição, no mínimo, desconfortável. Era entrar para resolver, então?
O problema é que, quando retornou ao Pinheiros, havia um zum-zum-zum sobre uma falta de concentração ou empenho do garoto. Acontece muito mais do que se imagina, ainda mais quando, sem muito esforço, o jovem jogador pode fazer 20 pontos num jogo – hoje consagrado no basquete nacional, o ala Marquinhos já ouviu bastante nesse sentido. Uma coisa é dominar na sua categoria, porém. Outra é competir diariamente com adultos como Shamell, Olivinha, Morro etc.
Nesse contexto, a ascensão meteórica de Caboclo, vindo de Barueri, pode ter sido um ponto de virada para seu ex-companheiro. Pergunte no clube paulista sobre a dedicação do xodó do Toronto Raptors, e a empolgação impressiona. O menino simplesmente não saía do ginásio – padrão de trabalho que vem sendo mantido no Canadá, aliás. Suando bastante, o ala conseguiu ser o primeiro atleta sair direto do basquete brasileiro para a NBA em 11 anos – era algo que não acontecia desde Leandrinho, em 2003. Não tem como acompanhar um processo desse de perto e não ser afetado.
“É, mexeu muito com a turma da base a ida do Caboclo”, diz Marcel. O que todos precisam ter consciência é de que cada um tem sua história. “Cada talento tem o seu tempo para amadurecer. O caso do Bruno é uma exceção pelo físico dele. É um cara de 2,08 m com envergadura de 2,35 m, coisa que você não vai achar facilmente por aí. Se ligassem para mim e falassem que estava com um rapaz desses, eu iria buscar na hora. Mas esses que ficaram provavelmente vão ser adultos no ano que vem. E aí talvez possam sair”, afirma o técnico. Além disso, é preciso lembrar que Caboclo, jogando a LDB de ponta a ponta, participando também do Paulista sub-19, passou muito mais tempo em quadra na temporada passada do que Lucas, que estava em tempo integral com o time adulto.
A caminhada segue
No clube paulista, antes mesmo da elevada produção recente, a percepção em torno Lucas já era altamente positiva. Mas é sempre melhor ver os resultados na prática, não? Resultados de muito treino. A turma do Sub-19, por exemplo, pode trabalhar até em três períodos. “Ele vem muito bem, numa ascensão”, diz Claudio Mortari ao VinteUm. Hoje supervisor, Mortari dirigiu Lucas diariamente em sua transição da base para o adulto, acompanhando de perto os altos e baixos. “Agora, é como digo, depende muito mais daquilo que o cerca fora da quadra, daquilo que ele tem como motivação interna e o que realmente queira. O trabalho necessário nós vamos oferecer. Os recursos técnicos ele já tem. Ele, o (armador) Humberto e o Georginho têm muito potencial. Vão ser? Tomara que sim. Mas não dá para afirmar, já que muito depende da resposta deles.”
Até por sustentar um programa de base que hoje deveria servir de referência no país, com a influência de gente como o diretor João Fernando Rossi e a coordenadora Thelma Tavernari, os abnegados dirigentes do Pinheiros estão sempre ouvindo cobranças, principalmente externas, sobre a utilização desses garotos em seu elenco principal. Mas essa transposição não é tão simples assim. Com bom patrocínio, tendo se habituado a competir por títulos anualmente, o clube tem de se manter competitivo – mesmo que seu orçamento não seja dos mais vultuosos do país.
Existe, sim, um desejo de aproveitar mais os garotos, ainda mais depois da conquista do título paulista sub-19. Pode acontecer num futuro breve. Para a próxima temporada, quem sabe? Ainda está muito cedo para dizer, tanto do ponto de vista estrutural, com da própria curva de aprendizado dos garotos. Nessa curva, ainda que eles não estejam jogando muitos minutos, isso não quer dizer que não possam evoluir. Agora sob a orientação de Marcel, Lucas e seus companheiros têm mais um ano para o desenvolvimento, num cenário de bem menos pressão.
“Renovação você não faz por decreto. É algo que você conduz com tranquilidade e faz por necessidade e com a competência de quem está chegando – a importância que cada garoto vai dar para essa oportunidade. Não tem uma fórmula mágica. Se tivesse, eu, por exemplo, não lançaria só um Oscar, mas um monte. Teria uns 45 caras como o Oscar na minha mão, o que não foi o caso”, diz Mortari. “O que precisa é ter essa dimensão, essa paciência. Pode acontecer como num vestibular, em que o cara passa o ano inteiro estudando e, chega a hora h, acaba não acontecendo absolutamente nada. É preciso mantê-los nos seus lugares, conversando, mas confiando, com a expectativa sempre altamente positiva, valorizando o que se faz em quadra diariamente.”
Lucas vem reconhecendo as ferramentas excepcionais que estão ao seu dispor e vem tirando proveito delas. Como ele disse ao site da LNB: “O Brenno (Blassioli) ou o Bruno (Mortari) estão sempre me ajudando. Nós fazemos diversos treinos individuais. Isso me dá muita confiança para as partidas e as coisas vem acontecendo naturalmente”. Depois das naturais turbulências, as perspectivas se mantêm otimistas.
“O Lucas é um talento acima da média, como um lateral de 2,08 m de altura e bom arremesso, além de ser um garoto de coração enorme”, afirma o ala-pivô Felipe Ribeiro, 35, ao VinteUm. Contratado no ano passado pelo Pinheiros, Felipe agora tem a oportunidade de acompanhar o ala de perto e diariamente, estando muitas vezes do outro lado. Para ele, já não há dúvida de que o garoto pode prosperar no perímetro. “É muito complicado julgar um garoto muito cedo, se ele vai ser um 3 ou um 4, mas acho que para trilhar uma carreira gloriosa, a posição 3, para ele, pelo arremesso, seria a melhor”, diz.
“Se fôssemos deixá-lo aqui no mercado doméstico, ele já seria um jogador pronto. Você poderia colocá-lo em qualquer time como um 3, mais até como 4, e ele conseguiria jogar. Mas hoje a gente não tem no Brasil um lateral de 2,08 m, além do Marquinhos. Acho que ele poderia ser um substituto à altura e até fora do país ele poderia se destacar”, completa Felipe.
Isso não significa que o atleta deva estacionar em quadra e apenas arremessar de três, como ainda pode acontecer com frequência, aliás. Pela versatilidade mostrada na base, com ótima presença nas tábuas ofensiva e defensiva, como reboteiro e bloqueador, seria um crime enquadrá-lo. Ter Marcel no comando do time adulto, então, serve como um alento. “Meu sistema de jogo não olha número de posição, mas a capacidade do jogador de exercer várias funções. Por exemplo, o Lucas pode arremessar de três, pode jogar de posição 4 e até de 5, como fez no juvenil. É um jogador que marca o número 2, o 3. Tem agilidade para isso.”
Não dá para esperar que Lucas vá dominar as defesas do NBB a cada rodada, como fez contra o Uberlândia. Não dá para cobrar do ala muito mais do que já lhe é exigido em seu próprio clube, diariamente, nos treinos. Nada é garantido, mas ao menos percebe-se que, agora tranquilamente, segue a curva de desenvolvimento de um jovem talento.