Aaron Gordon perdeu em tempo real, mas vai ganhar na memória
Giancarlo Giampietro
Vitória moral existe no esporte? Creio que sim, embora, para os que perdem, em tempo real, não haja consolo nenhum. Mas a história dá conta disso, ainda mais com tantos meios diferentes para registro disponíveis hoje. Daí que a competição de enterradas da NBA de 2016, desconfio, vai ser lembrado para sempre como o torneio de Aaron Addison Gordon, californiano de San Jose, 20 anos e 2,06m de altura. A aberração atlética do Orlando Magic que, com toda a licença brega possível, tomou conta dos sonhos e do imaginário coletivo da NBA na noite deste sábado.
Por causa disto:
Ou disto:
E que tal esta? Que os jurados simplesmente não conseguiram entender, ver tudo em tempo real, e aí fica a dúvida se não era o caso de defender e exigir, nos dias de hoje, o auxílio do vídeo antes de se dar uma nota. Por outro lado, quem se importa com isso? Digo: Aaron Gordo – e seu irmão, Drew – obviamente acreditam que ele foi roubado e que deveria ter vencido. Mas, a julgar ao menos pela repercussão instantânea, o sentimento da maioria é de que ele havia tomado conta do evento e vencido a parada.
Zach LaVine, que fique claro, é um doente incontrolável. Também foi impressionante. Seu tempo de voo é praticamente o de uma ponte entre Cogonhas e Santos Dumont. Aliás, se na transmissão da TNT, Charles Barkley dizia que o garoto não havia saltado exatamente da linha do lance livre. Que teria queimado ao salto, por assim dizer. Só não nos esqueçamos que Michael Jordan, em sua cravada mítica, também invadiu o garrafão:
Mas o garoto lutava não só contra o ala do Orlando e mas também contra suas próprias memórias do ano passado, quando ressuscitou o torneio com um desempenho de deixar a NBA inteira embasbacada. Em Toronto, não era mais novidade. Então, acho que tenho de admitir isto: se não tivesse visto a jovem promessa do Minnesota decolar antes, talvez estivesse hoje absolutamente chapado pela carga de adrenalina imposta por ambos os finalistas.
Além disso, o que pega é que, por ser o atual campeão e até por ter recebido as melhores notas desde o início, tinha a teórica vantagem de se apresentar por último. Só não esperava enfrentar um competidor tão criativo e assustador como Gordon. A partir do momento em que seu concorrente passou a convocar a mascotinha simpática digna do mundo de Walt Disney para participar da festa, LaVine esteve sob pressão. E, aqui num sofá castigado na Vila Guarani, ofuscado. Ou, talvez seja melhor colocar desta maneira: quando ele estava enterrando, a liga toda ainda estava pensando, assimilando e se emocionando com o que Gordon havia acabado de fazer. Não deu tempo, não teve break.
(E, por favor, sem chilique: é só uma opinião de uma só pessoa, e não a verdade absoluta. O Giampietro sênior, papai VinteUm, por exemplo, preferiu LaVine. A madrugada já havia ido longe quando recebi esta mensagem: “O Gordon teve um salto dobrando os joelhos para transpor o mascote que foi um show. Mas gostei mais do conjunto do LaVine, que foi mais bonito e consistente, lembrando muito o Jordan. Se bobear, ganha ano que vem, novamente”. Acrescento aqui que seu gesto em reverência ao rival, quando recebeu o troféu, o foi muito bacana, de aguçada sensibilidade, entendendo que talvez fosse o caso de ambos serem nomeados campeões.)
É irônico que o melhor torneio de enterradas desde a #Vinsanity de 2000 tenha sido realizado justamente em Toronto, com Tracy McGrady de jurado e Vince Carter longe dali, talvez nas Bahamas.
Para fechar, só resgato aqui uma notinha que fiz no ano passado, sobre o “show das enterradas”. Vamos deixar de ser chatos, né?
É uma balança difícil, uma discussão que talvez não tenha fim, a procura pelo equilíbrio entre o que é “certo” e “puro” com o que seja “espetacular”, numa conotação que, para alguns, singifica “espalhafatoso”. Sempre que um jogador for encarar a cesta para tentar suas acrobacias, esse debate vai ser resgatado, para tentar entender o que poderia estar dando errado, ou certo, no basquete. Uma coisa realmente exclui a outra? São poucos os que chiam, se é que eles existem, sobre o concurso de arremessos de três pontos. Afinal, o ato do chute seria algo legítimo da modalidade, sua finalidade. A glamorização das cravadas já significaria a corrupção. Por outro lado, é claro que também há quem só saiba valorizar acrobacias na quadra e ignore tantos outros elementos ricos e decisivos do jogo como o ângulo de um corta-luz e o corte fora da bola. Mas a melhor solução não seria tentar sempre conciliar as coisas? Encontrar o meio termo nesse tipo de – sério, mesmo!? – polêmica? Hoje essa coisa de bola ao cesto já envolve muita gente, digamos, grandinha, espichados ou mais velhos. Enterrar faz hoje parte do jogo.
O que se viu na noite deste sábado foi maravilhoso. Foram dois atletas desafiando o senso comum e as regras da física em geral.