Recusa de Scott Machado ao Spurs em 2012 ganha outro contexto após duas demissões
Giancarlo Giampietro
Não sei bem como me posiciono na hora de falar sobre “O que aconteceria se… ?”, sobre rotas alternativas, caminhos hipotéticos, saca?
É meio que da “natureza humana” (gasp!) ficar repensando as coisas? Remoendo, remexendo? Talvez. Mas é fato também que nem todo mundo age desta forma. São admiráveis também essas pessoas resolutas, que avançam como um trator, só mirando para a frente, sem volta. Desde que tenham um pouco de escrúpulo, claro.
Todo esse papinho filosófico para levantarmos uma pergunta daquelas, envolvendo Scott Machado:
“E se ele tivesse dito sim ao San Antonio Spurs?”
Foi uma lembrança do leitor “HFavilla”, em nosso post anterior sobre a dispensa do armador pelo Golden State Warriors. A de que o brasileiro nova-iorquino estava prestes a ser selecionado pelo clube texano no Draft do ano passado, na 59ª posição, mas forçou a barra para que Gregg Popovich o deixasse em paz.
Escreveu o “HFavilla”: “O erro do Scott aconteceu na noite do Draft, quando desprezou o San Antonio Spurs, que tem um armador que, apesar de estar no seu auge técnico, já é veterano e não possui nenhum reserva consistente ainda, fazendo com que o time procure por muitas alternativas. Passaria uns 2 anos evoluindo na Europa? Sim, provavelmente, mas é assim que as coisas funcionam por lá”.
Lembremos aqui o que Scott falou ao vizinho Balassiano em 2012: “O San Antonio Spurs me queria, e eu acabei recusando. Disse ao Aylton (Tesch, seu agente na época) que preferia tentar a sorte nas Ligas de Verão, porque sabia que iriam me mandar jogar fora dos Estados Unidos, algo que eu não queria. Foi uma decisão rápida, na hora mesmo, e que acabou dando certo. Logo depois o Houston Rockets me chamou pra jogar”.
Bem, nada na liga norte-americana é definitivo, como Scott agora já sabe bem. O que “dá certo” numa semana pode não se sustentar no mês seguinte. Contratado pelo Rockets, demitido pelo Rockets. Contratado pelo Warriors…
Reparem no termo que ele usa: “Uma decisão rápida, na hora mesmo”. Por ímpeto, claro. Scott cresceu em Nova York como jogador de basquete, uma cidade com muita tradição em seus playgrounds e colegiais, tendo revelado dezenas e dezenas de talentos que viriam a se tornar profissionais, especialmente armadores – Stephon Marbury, Sebastian Telfair, Mark Jackson são alguns exemplos de uma lista vasta. Neste contexto, imagine a expectativa, a pressão (também financeira), a ansiedade de um garoto da megalópole quando ele se aproxima da liga. Embora não tivesse o maior cartaz, o brasileiro fez um bom trabalho pela modesta universidade de Iona, entrou no radar dos scouts e desenvolveu legítima ambição de ser um cara de NBA.
Daí que, quando as coisas não saem conforme o esperado – descolar um contrato garantido na noite do Draft –, por vezes você se sente impelido a tomar um atalho, a querer resolver as coisas na hora. Foi a decisão que o armador tomou. Em vez de se colocar sob a alçada de uma franquia que é notória no desenvolvimento de seus atletas, preferiu se tornar um agente livre para ampliar seu leque de negociações. Fechou rapidamente com o Houston Rockets, mas acabou perdido nos planos do irrequieto gerente geral Daryl Morey.
Agora, as ressalvas. Os calouros selecionados na segunda rodada de um Draft também não têm presença certa na NBA, diga-se. Depende muito da equipe, de suas necessidades imediatas e do quanto gostam de um determinado jogador. Por exemplo: em 2008, o Bulls se empenhou horrores para ter o turcão Omer Asik. O Portland Trail Blazers o escolheu como o número 36 daquele recrutamento, mas foi convencido a repassá-lo para Chicago em troca de três escolhas futuras de segunda rodada. Três! Quer dizer, o gerente geral John Paxson realmente queria Asik.
No caso de Scott e do Spurs, ao fazer a escolha na penúltima posição da lista, não saberemos dizer se o Spurs estava necessariamente enamorado por Scott. Seria o caso de perguntar para Popovich ou RC Buford algum dia desses. Depois da recusa do brasileiro, o time optou pelo ala-armador Marcus Denmon, da universidade de Missouri. E não deu outra: Denmon iniciou sua carreira como profissional no basquete francês, sendo campeão nacional pelo Élan Chalon ao lado do pivô Shelden Williams.
Neste ano, Denmon participou da liga de verão de Las Vegas pelo Spurs. Quer dizer, estão monitorando o rapaz, de 23 anos. Na rotação do time, teve de dividir espaço com Nando De Colo e Cory Joseph, que são prioridade, e terminou com médias de 10,8 pontos, 2,8 assistências e 2,6 rebotes, em 21,8 minutos. O que ele faz de melhor é arremessar de fora, e ele mandou bala da linha de três pontos sem piedade (26 chutes no total, mais de cinco por jogo), que é sua especialidade. Acertou 38,5% desses disparos, um bom aproveitamento para as peladas que são esses confrontos. Pensando em seu progresso, seria um eventual substituto para Gary Neal, sendo moldando da mesma forma (em termo de vocação ofensiva), mas ainda com deficiências no drible. Não está pronto para a grande liga ainda, mas não é o mesmo que Rockets e Warriors acham o mesmo sobre Scott?
Há outros casos de escolhas de segunda rodada de Buford e Popovich que ainda não foram aproveitados no elenco principal. Entre os americanos, o ala-armador Jack McClinton (51 em 2009) e o pivô James Gist (hoje um nome top na Euroliga, 57 em 2008) são dois exemplos recentes. Temos também diversos jovens europeus nessa condição: o húngaro Adam Hanga em 2011 (também 59), o inglês Ryan Richards em 2010 (49), o centro-africano Romain Sato em 2004 (52), entre outros. Mas aí as coisas fazem mais sentido: são os clássicos casos de “stash picks”, quando as franquias da Europa fazem a seleção com o plano de já deixá-los nas ligas europeias para desenvolvimento.
Enfim, ser selecionado pelo Spurs e virar um jogador de NBA no futuro, então, não é uma ciência exata. Por outro lado, que o brasileiro não estava pronto também para a liga fica claro.
Mas, sabendo o que sabemos hoje, será que ali, nos minutos finais de uma looonga noite de 28 de junho de 2012, quando foi abordado pelos diretores do time texano, será que a resposta seria diferente?