A sete meses dos Jogos, CBB apela ao autoritarismo e constrange jogadoras
Giancarlo Giampietro
Post atualizado às 12h15.
Vocês já devem ter visto aqui no UOL Esporte, creio: a CBB (Confederação Brasileira de Basquete) extrapolou qualquer limite de bom senso e lucidez ao dar um jeito para que a Justiça Desportiva intime as sete jogadoras – e seus clubes – que se recusaram a participar de evento-teste olímpico no Rio de Janeiro no final de semana passado. Por que a negativa? É que as atletas (em tese) e suas equipes defendem uma reformulação no departamento técnico da entidade. O mesmo que não conseguiu conduzir nenhuma seleção feminina sequer ao grupo das oito melhores nas últimas duas Oimpíadas e Copas. Chocante, não?
Quer dizer: a (indi)gestão de Carlos Nunes agora não se mostra intransigente apenas para defender sua incompetência. Também deu para ser opressiva e autoritária, adotando medidas de um regime ditatorial que caça aqueles que manifestam descontentamento com o que acontece por aí.
Exagero?
Só se seus dirigentes realmente acreditarem que a recusa de uma convocação merece ser tratada como questão judicial. Por que diabos uma jogadora de basquete precisa ir ao tapetão para justificar que não quer defender a seleção brasileira? Os motivos independem. Isso não é guerra, caceta.
(Aos reacionários de plantão, não me venham dizer que se trata de um “dever”. Pelo contrário: deveria ser um prazer jogar basquete, ainda mais pela seleção. Mas chega uma hora em que alguém precisa bater o pé e peitar uma entidade que só pratica desmandos.)
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“A CBB vai seguir dentro das leis, respeitar todos os regulamentos e fazê-los cumprir. Existe uma hierarquia na modalidade como em todo o esporte e essa hierarquia será respeitada”, afirmou a entidade em nota endereçada ao UOL Esporte.
Leis? Uma convocação agora é lei?
Hierarquia? Que hierarquia respeitável é essa a de uma entidade que depende desesperadamente da coleta de dinheiro público ano a ano para sobreviver? Que autoridade tem um órgão desses para querer se impor com truculência, constrangendo “rebeldes” com uma intimação absurda para depoimento?
Além de truculenta, é uma atitude covarde a da CBB, que, aparentemente, só se enerva contra os mais fracos. E, por “fraqueza”, só escrevo aqui no sentido político: Adrianinha, Tainá Paixão e Tati Pacheco (América de Recife), Gilmara e Joice (Americana/Corinthians), Jaqueline e Tássia (Santo André).
Vamos voltar um pouquinho no tempo só, para 2013.
Fico aqui pensando se Vanderlei – que é chapinha de muitos dos selecionáveis e, mais importante, muito próximo a alguns de seus agentes – chegou a cogitar o mesmo tipo de ação contra aqueles que pediram dispensa e tanto frustraram Rubén Magnano, o argentino que é seu principal e talvez único trunfo dentro do departamento técnico.
Veja bem: não é que os jogadores que não se apresentaram para jogar a Copa América merecessem a intimação. Evidentemente que não. Mas a ideologia da CBB teria mudado tanto assim em dois anos e meio? Ah, mas eles estavam cansados, lesionados ou sem contrato. Não importa: ninguém é obrigado a aceitar uma convocação. Cada um tem seus motivos. E, no caso das sete que ficaram fora, fato é que a causa é maior: elas estão dizendo “não” agora para poderem sorrir (“sim, sim, sim”) lá na frente. É um posicionamento político – algo que, em nosso país, infelizmente, ainda pode ser encarado por muita gente como crime ou baderna.
“Existem leis a serem cumpridas e vamos até o fim para que as jogadoras se apresentem. Caso contrário, imagino até que possam sofrer punições. Este é um evento que é tratado com prioridade pela CBB. Não vamos aceitar que não se apresentem por causa de um movimento político”, afirmou Vanderlei ao UOL Esporte.
Sinceramente, não há como responder a uma declaração destas. Pelo menos não quando confrontada com os pedidos da oposição. Mas é o modo que o diretor e seu presidente encontram para se defender de problemas conhecidos por qualquer pessoa ligada ao basquete nacional. Se você não tem resultados práticos para apresentar, vai na porrada, mesmo.
“Tudo está pronto para a Olimpíada”, diz Carlos Nunes, beirando a insanidade. “Esta situação (de manifestação dos clubes) não deveria existir. Deveríamos nos preocupar com outras coisas. Seleção é seleção. Se os clubes querem fazer movimento político, que alguém se candidate à presidência da CBB em 2017”, completou.
Também imagino que a turma do “deixa disso, pelo menos por enquanto, pois Olimpíada é Olimpíada” também tenha muitos integrantes, defendendo a tese de que os descontentes demoraram muito para se organizar e que não é hora para discutir.
Eu diria que é o contrário também: que aqueles que decidiram boicotar o evento-teste estão se preocupando exatamente com aquilo que deve ser discutido. Que um quinto lugar ou um pódio no Rio 2016 não significam nada diante da crise alarmante que vive sua entidade. E que, pela iminência do grande evento em que a CBB fará as vezes de anfitriã para a elite mundial da modalidade, a pressão está em cima deles, e, não, das jogadoras. A proximidade dos Jogos tende a deixar a entidade encurralada. É a hora exata para pressionar e exigir, tal como fizeram os argentinos.
A primeira pergunta que fica agora é até onde as partes estão dispostas a ir. As jogadoras estão mesmo dispostas a abrir mão de um sonho carioca olímpico? Elas teriam apoio de mais compatriotas? Atualização: Pelo visto, a julgar pelas declarações de Ricardo Molina, presidente do Corinthians/Americana, não é bem o caso. Um dos líderes do movimento de oposição, ele diz que a “CBB ganhou o jogo”. Existe a sensação de que as jogadoras estarão todas disponíveis para a próxima e cobiçada convocação de Barbosa. E a melhor jogadora do país não está nem aí também.
A segunda dizia respeito aos rapazes. Os jogadores da seleção masculina poderiam se solidarizar? Só se tivesse uma causa consistente e que durasse até o Rio 2016. Ministério e patrocinadores, que pagam a conta, também estão convidados a opinar…
Na temporada em que a LBF (Liga de Basquete Feminino) ganhou o apoio e parceria da LNB (Liga Nacional de Basquete), a CBB, em vez de dar seu apoio – se não financeiro, já que está virtualmente falida, mas ao menos institucional – se distancia. Agora se vê em guerra justamente com a modalidade que lhe deu as últimas glórias em competições de primeira linha, aquela que era candidata perene por mais de uma década ao pódio olímpico e já foi motivo de orgulho e politicagem da cartolada nacional. Algo que não surpreende, convenhamos. Mas que deixa essa intimação judicial ainda mais repugnante.
Atualização: a assessoria da CBB entrou em contato com este blogueiro para esclarecer que a entidade não tem ligação alguma com a intimação e que o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) tem total independência em sua tomada de decisões. O tribunal simplesmente teria acolhido denúncias – ou dicas, digamos – de “pessoas ligadas ao basquete” para convocar as jogadoras para prestar depoimento. Os clubes, que teriam “coagido” as atletas a encampar o boicote, também estão notificados. E a CBB também assegura que nenhuma jogadora será punida – pudera, também: desde quando a seleção feminina dispõe de mão-de-obra volumosa para descartar atletas?
Sobre a alegada independência do tribunal, melhor ler esta matéria aqui assinada por Lúcio de Castro: Paulo Schmitt, procurador-geral do STJD do Futebol, também é consultor jurídico da (indi)gestão de Carlos Nunes. Ele ganha milhões com o basquete brasileiro.