Jukebox NBA 2015-16: o Detroit Pistons vai chegar lá?
Giancarlo Giampietro
Em frente: a temporada da NBA caminha para o fim, e o blog passa da malfadada tentativa de fazer uma série de prévias para uma de panorama sobre as 30 franquias da liga, ainda apelando a músicas, fingindo que está tudo bem. A gente se esbalda com o YouTube para botar em prática uma ideia pouco original, mas que pode ser divertida: misturar música e esporte, com uma canção servindo de trilha para cada clube. Tem hora em que apenas o título pode dizer algo. Há casos em que os assuntos parecem casar perfeitamente. A ver (e ouvir) no que dá. Não vai ter música de uma banda indie da Letônia, por mais que Kristaps Porzingis já mereça, mas também dificilmente vai rolar algo das paradas de sucesso atuais. Se é que essa parada existe ainda, com o perdão do linguajar e do trocadilho. Para mim, escrever escutando alguma coisa ao fundo costuma render um bocado. É o efeito completamente oposto ao da TV ligada. Então que essas diferentes vozes nos ajudem na empreitada, dando contribuição completamente inesperada ao contexto de uma equipe profissional de basquete:
A trilha: “I’ll Be There”, por Jackson Five
Tá. Pode ser problema na cabeça, mas é assim que imagino a cena: noite de terça-feira, vitória suada sobre um gigante como o Oklahoma City Thunder, o pessoal da limpeza dando um trato no Palace de Auburn Hills, os jogadores sorridentes já endereçados a suas respectivas casas, e Stan Van Gundy soltando o gogó, sozinho, em seu carro, tentando chegar ao agudo impressionante do jovem Michael: “Iiiiii’ll beee theeeere”.
Na mesma noite, o Washington Wizards, ameaça na tabela do Leste, faz jogo duro contra o Golden State Warriors (justo quem!?), mas perde no final. E SVG enche o pulmão novamente: “Iiiiii’ll beee theeeere”.
Aí chega a quarta-feira, e o mesmo Wizards, concluindo sua longa viagem pela Costa Oeste, acaba perdendo para o hilário Sacramento Kings. Com os olhinhos fechados por trás do óculos e o bigode arqueado, o técnico-presidente do Pistons repete, cantando, na tradução, que “vai estar lá”. No caso, os playoffs.
Como estamos falando de Detroit, com todo o respeito a Stooges e MC5, não dava para fugir da Motown, certo? Por mais que Van Gundy, neste rolê aqui, pareça muito mais um parceiro de Eminem, cantando a dura realidade das ruas de uma abandonada “Motor City” do que qualquer outra coisa:
Mas, ok, chega de devaneio. Van Gundy tem todo o direito de estar feliz, de ver seu projeto seguir adiante, muito perto de uma vaguinha nos mata-matas do Leste. Mas certamente não estará mais exultante que o torcedor fanático dessa prestigiada franquia. Aquele tipo que se acostumou a lutar pelo título da conferência a cada temporada na década passada, quando o time era uma pedra nas botinas de LeBron e Dwyane, e depois teve se deprimir com o final desastroso da era Joe Dumars.
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Com a patinada feia do Chicago Bulls e o motor do Indiana Pacers empacando, o Pistons conseguiu abrir boa vantagem nessa reta final de temporada ao vencer seis dos últimos sete jogos. Perdeu apenas para o Atlanta Hawks, que, hoje, tem a defesa mais chata de toda a liga.
Não foi uma tabela tão difícil assim, é verdade, com Sacramento, Brooklyn, Milwaukee e Orlando pelo caminho. Mas, amigos, se é para chegar ao playoff, vale qualquer coisa, mesmo um placar de 92 a 91 contra o Bucks. Além do mais, os caras ainda bateram Charlotte e, mais importante, OKC – a data preferida no calendário de Reggie Jackson –, para ratificar essa boa sequência. Foi uma sequência importante, já que, neste mês derradeiro de temporada, as coisas vão ficar um pouco mais complicadas.
Mas o Pistons parece preparado, deixando sua inconsistência para trás. Algo normal, considerando que, na rotação de SVG, estão apenas dois trintões: Steve Blake e Anthony Tolliver. Com 29 anos, Aron Baynes está chegando lá. De resto, todos se posicionam entre os 19 de Stanley Johnson e os 26 de Marcus Morris.
Se essa galera ouvir o que o técnico tem a dizer, tudo tende a dar certo. Não que ele seja uma figura messiânica, ou qualquer coisa do tipo. Aliás, SVG é um adepto da autodepreciação, que costuma ir direto ao ponto, ganhando manchetes e as redes sociais com muita facilidade, em tempos de notícias por minuto. Política nunca foi o seu forte.
(A ponto de gerar de uma das cenas mais constrangedoras diante dos microfones para uma superestrela da NBA de que temos nota. Em 2012, ainda em Orlando, numa coletiva como outra qualquer ao final de um treino, simplesmente disse aos jornalistas que Dwight Howard estava tentando derrubá-lo nos bastidores. Não foi uma insinuação. Disse que todas as letras. E aí o pivô, numa coincidência absurda, se aproxima do entrevistado e o abraça, fazendo algum gracejo, sem saber que o técnico havia acabado de soltar uma bomba daquelas. Imagine quando foi avisado do que havia acontecido…)
Numa liga imensa em sua abrangência mercadológica, mas que ainda funciona como um “mundo pequeno” em seu cotidiano, a franqueza do bigodudo pode assustar. A ponto de, quando desempregado, ter sua contratação pela ESPN vetada por David Stern – éo que jura o expatriado Bill Simmons. Stern simplesmente não podia conviver com a ideia de ter uma metralhadora dessas pronta para ser disparada em um veículo de imensa audiência.
As intempéries de SVG – seja com a liga em geral, com um árbitro ou um unicórnio – podem ganhar mais repercussão, mas não deveriam ofuscar seu trabalho. Em oito temporadas como técnico principal, ele só teve uma campanha abaixo de 50% de aproveitamento, sua primeira em Detroit. De resto, alternou entre os 51,2% em sua estreia pelo Miami e os 72% em dois campeonatos pelo Orlando Magic, incluindo 2009, quando foi campeão do Leste.
Sua linha de conduta é dos técnicos que cobram uma barbaridade. Da mesma forma que atende aos jornalistas: falando o que pensa. Cobra, mesmo, e deve ter hora que cansa, com Shaquille O’Neal não se cansa de alardear. Em geral, porém, se os jogadores quiserem ouvir, tendem a crescer. Dwyane Wade, Udonis Haslem, Caron Butler, Dwight Howard, JJ Redick, Courtney Lee, Ryan Anderson, Trevor Ariza e Marcin Gortat foram alguns jogadores jovens claramente influenciados pelo treinador. Está acontecendo agora com Reggie Jackson e Andre Drummond. Outros veteranos também se beneficiaram e nunca jogaram tão bem em outras mãos, como Rashard Lewis e Hidayet Turkoglu.
A formação com os dois alas altos versáteis ao lado de Dwight Howard acabou revolucionando a liga, tão influente quanto os sete segundos ou menos de Mike D’Antoni. Não espere que o técnico-presidente se gabe por isso. “Não havia como um deles sair do banco, sendo reserva de um cara inferior na posição 4, então decidimos abrir a quadra. Não sou tão esperto assim para inovar algo. Só joguei com o que tinha”, afirmou em entrevista ao SB Nation.
“Ele cobra muito. Mas ele é justo”, diz Reggie Jackson, na mesma matéria. “É alguém de quem você até pode discordar algumas vezes, brincar e ter seus argumentos, mas, no final, é uma questão de querer chegar ao topo da montanha. Não importa o que aconteça, estamos apenas tentando nos ajudar um ajudar o outro e descobrir onde podemos ir. A sensação que passa é que o técnico está reunindo as peças do quebra-cabeça. Estamos começando a nos entender. Agora cabe a nós crescermos juntos e nos amadurecer, para entender o que é preciso a cada noite, não importando quem enfrentamos.”
A pedida? Escapar do Cleveland Cavaliers na primeira rodada e tentar fazer série dura mesmo sem mando de quadra, confiando na leitura de Van Gundy e no poderio físico de Drummond no garrafão.
A gestão: ok, confesso. Essa história de acúmulo de cargos, de presidente e técnico, não agrada muito. A própria história da NBA está aí para provar que não costuma dar muito certo. Mas Stan Van Gundy foi mais esperto do que ególatra. É dele a última palavra no departamento de basquete, dependendo a partir daí de um simples visto do proprietário Tom Gores canetar. Até bater o martelo, porém, o chefinho ouve bastante gente.
Seu braço direito é o experiente Jeff Bower, que trabalhou por seis anos pelo Hornets, com mais altos do que baixos em sua gestão. Ele tem o cargo de gerente geral, sendo responsável pela coordenação dos scouts e também no contato diário com os demais clubes, com o escritório da liga e demais atividades corriqueiras na operação de um clube. Muito necessário. Como técnico, Van Gundy já fica tempo demais assistindo a vídeos, pensando em estratégias com seus assistentes e orientando os jogadores, tudo nos mínimos detalhes.
O que uma bela reportagem da Sports Illustrated nos mostrou é que ele soube usar os recursos do bilionário Gores para levar esse trabalho minucioso para além da sala dos treinadores. Segundo Michael Rosenberg, em um ano e meio, o escritório do Pistons passou de um dos mais enxutos da liga a um dos mais povoados, com 18 contratados. São três gerentes gerais assistentes, quatro scouts dedicados exclusivamente a jogos da NBA, seis olheiros para jogos internacionais e universitários, além de caras dedicado a estatísticas avançadas e estratégia. Uma das metas dessa turma? Simplesmente assistir a todos os 1.230 jogos da NBA nesta temporada.
“Quando você documenta mais de mil jogos, a ideia não é achar o segredo para o título. Não é assim que funciona. A meta é encontrar diversas pequenas dicas, pistas – ver aquilo que os outros times ainda não enxergam e se aproveitar disso”, escreve Rosenberg. Basicamente: todo mundo sabe quem é Tim Duncan, LeBron James ou Kobe Bryant. Agora, será que todos estão cientes do que Jonathon Simmons faz pelo Spurs, ou que Jon Leuer produz pelo Phoenix Suns? Informação nunca é o bastante. Você nunca sabe que tipo de oferta pode chegar ao seu WhatsApp.
Esse trabalho está apenas começando. Bower afirma que a aposta em Reggie Jackson, para quem ofereceram US$ 80 milhões, já é um reflexo desse processo ambicioso. Vamos monitorar o que vem por aí. A troca por Tobias Harris em fevereiro já foi outro movimento bastante interessante da franquia, assim como seria o negócio riscado por Donatas Motiejunas, vetado supostamente por um problema grave em suas costas. Vamos monitorar.
Olho nele: Tobias Harris
Courtney Lee rendeu duas escolhas de segunda rodada em fevereiro ao Memphis. Já Jeff Green valeu uma escolha de primeira. Dias antes, o máximo que o Orlando conseguiu por Harris foi a garantia de se desfazer de seu salário, enquanto Scott Skiles acreditava que a chegada dos veteranos Brandon Jennings e Ersan Ilyasova seriam o suficiente para colocar o Magic de vez na briga pelos playoffs. Muito pouco, não? Nem tanto, de modo surpreendente, segundo a avaliação dos scouts da liga.
Aqueles que não enxergavam muita coisa no ainda jovem ala, de apenas 23 anos, agora devem estar revisitando o caso. Em Detroit, Harris progrediu em praticamente todos os quesitos. Vem sendo mais explorado no ataque e correspondendo. Produz mais pontos e assistências, menos turnovers e melhora no aproveitamento de quadra e também nos tiros de três pontos. Sua média de rebotes caiu, mas seu índice de eficiência subiu em geral. Além disso, causa o maior impacto ofensivo de sua carreira. Que tal?
É curiosa a resistência a Harris. É um ala forte e ágil, com diversos recursos para chegar à cesta. Ele tem de ser marcado na quadra toda, podendo te machucar de média para longa distância e sendo forte e atlético o bastante para finalizar perto da tabela. Sua chegada deu mais dinamismo ao time, em relação a Ilyasova. No ano que vem, deve retornar ainda melhor, depois de um training camp com SVG, enquanto o valor de seu salário vai cair consideravelmente neste novo mercado.
Um card do passado: Walter Herrmann. Na temporada 2008-09, a última em que a Motown participou dos playoffs, Rasheed Wallace ainda estava lá, assim como Richard Hamilton e Tayshaun Prince, do grupo campeão em 2004. Chauncey Billups havia sido trocado logo no início da temporada, por Allen Iverson, num negócio que daria muito errado. O elenco ainda contava com Arron Afflalo antes da fama e com um jovem Amir Johnson, de apenas 21 anos. Enfim, vários personagens interessantes que poderiam ser recuperados aqui.
Mas se você lê “Herrmann, Walter” na lista, não tem como fugir, de tanto carisma, mesmo que ele tenha ficado apenas 5,5 minutos em média em quadra na série contra o Cleveland Cavaliers, na qual o time foi varrido de quadra, logo na primeira rodada. Chegava ao fim ali uma sequência de oito temporadas com participação na fase final, com direito a duas finais e seis decisões de conferência.
O craque argentino chegou relativamente tarde aos Estados Unidos – e ao mesmo tempo cedo. Estava apenas com 27 anos, mas vindo de lesões e de uma história trágica em sua vida pessoal. Ainda assim, teve seus momentos, especialmente na temporada de estreia, pelo Charlotte Bobcats, em 2006-07, entrando no ritmo durante o campeonato para fazer 19,6 pontos por jogo no mês de abril. Depois, seria trocado para o Pistons, compondo rotação para Flip Saunders. Em 2009, retornaria ao basquete espanhol. O que podemos dizer é que, na NBA de hoje, de pivôs mais flexíveis e maior espaçamento de quadra, teria muito mais sucesso.