David Blatt ainda não ganhou o título. Mas merece reconhecimento
Giancarlo Giampietro
No auge da crise do Cavss, antes de Timofey Mozgov, Iman Shumpert e JR Smith, quando muitos especulavam uma possível demissão de David Blatt, como se fosse o futebol brasileiro, chamei um scout internacional da NBA para conversar. Não posso revelar quem, mas dá para garantir que, dentre os olheiros da liga, era um dos que poderia falar com mais propriedade para avaliar o que se passava em Cleveland, por ter acompanhado bem de perto mesmo os trabalhos do técnico na Rússia e em Israel. E aí? O que dizer de tanta pressão?
“O Blatt não fez nada até agora, então isso é normal”, afirmou ao VinteUm, com ênfase em nada. Mas como nada? O cara havia acabado ganhar uma Euroliga. Foi medalhista de bronze nas Olimpíadas de Londres 2012. Ganhou um EuroBasket também, sem contar as dezenas de taças nacionais com o Maccabi. Foi o que interpelei. “Mas ele venceu o quê, mesmo?”, continuou. “Aquela competição em que o melhor jogador é… Quem? Alguém que não consegue nem jogar na NBA.”
Admito que me surpreendi com as respostas. Esperava uma voz que saísse em defesa de Blatt, até por vir de alguém baseado na Europa. Mas depois fui entendendo. O que o scout dizia não era necessariamente sua opinião. Só estava ecoando o que muita gente andava dizendo naquele ti-ti-ti longe das câmeras. “O problema não é o conhecimento tático dele. Isso ele tem de monte, embora a aplicação na NBA possa ser diferente. Pelo talento dos jogadores, as coisas podem até ser mais simples. Mas, para os americanos, ele é visto como um técnico novato, mesmo.”
A série
>> Jogo 1: 44 pontos para LeBron, e o Warriors fez boa defesa
>> Jogo 1: Iguodala, o reserva de US$ 12 m que roubou a cena
>> Jogo 2: Tenso, brigado… foi um duelo para Dellavedova
>> Jogo 3: Cavs vence e vira a série, dominando. Ou quase isso
O que nos leva a uma discussão que não pode ser ignorada. Se, nos gramados, o eurocentrismo é o que impera, no basquete, obviamente, o eixo está na América do Norte. Mesmo nascido em Boston no dia 22 de maio de 1959, David Michael Blatt fzez high school em Framingham, cidade localizada naa região metropolistana de Boston que conta com alta concentração de emigrantes brasileiros, se graduou na prestigiadíssima Universidade de Princeton. Mesmo assim, é tido como um forasteiro na grande liga, por ter se formado como jogador e técnico em Israel, mesmo.
Tá. Mas qual o problema? Não vou deixar de implicar com aqueles que ainda julgam a liga americana como teatro, marketing etc. Isso é delírio. Só não dá para ser bitolado do outro lado também. Existe vida basqueteira fora dos Estados Unidos e da Association. Blatt, com seu currículo de mais de 15 anos na estrada, merecia mais respeito. Não o teve no início e, mesmo agora, também não vem reconhecendo o respeito devido. Ainda assim, está a duas vitórias de um título que seria histórico em diversos sentidos e poderia servir como um marco nessa questão.
O emprego ideal, e de muita pressão
A conversa com o scout europeu aconteceu em janeiro. O mês em que – vocês se lembram, né? – o astro tirou umas semaninhas de férias para, oficialmente, controlar dores no joelho e nas costas, mas que, sabe-se, também usou para arejar a cabeça, se distanciando de uma campanha frustrada, que transitava em torno dos 50% de aproveitamento. Antes de se afastar, o superastro regional deixava claras suas reservas em relação ao treinador nas conversas com jornalistas. Disse o olheiro: “Aí é o caso de conquistar o respeito de todos. Conquistar o respeito de LeBron. E LeBron o está testando“.
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Quando Blatt assumiu o Cavs, tinha perspectivas de melhoras no elenco, mas, internamente, a chance de contratação de LeBron ainda era considerada um tanto remota. O proprietário da franquia, Dan Gilbert, foi quem o escolheu pessoalmente, com James ou sem James, tinha como meta a classificação para os playoffs. Foi essa pressão que culminou na demissão de Mike Brown, inclusive. Em poucas semanas, no entanto, a realidade do treinador estreante (não dá para dizer “novato”) mudou profundamente. As expectativas bombaram.
Enquanto o time não se ajustava, com troca de indiretas entre as estrelas, sendo atingido no tiroteio, o treinador virou um saco de pancadas. Foi criticado em massa na mídia americana, sem o respaldo de seu principal jogador, teve de aturar notícias de que Tyronn Lue, seu braço direito, estivesse até mesmo pedindo tempo por suas costas. A coisa estava feia. Blatt entrou, então, em modo de autodefesa e passou a encarar os jornalistas nas coletivas. O que não ajudou em nada o cultivo de sua imagem, ganhando a pecha de arrogante – pois, para essa tal da imprensa, funciona assim: constrói-se uma tese que deve ser comprovada de qualquer jeito; se a fonte não acredita nessa tese, ou se a rebate, insiste-se; a fonte se irrita, e aí, pronto, já virou “pedante”.
Não era uma transição fácil de modo algum. Era o trabalho dos sonhos, mas também um emprego que você só pode vencer – e no qual tem tudo para perder. Digo: foi para a final? Ganhou o título? “Que bacaninha, parabéns”, ouve-se. “Com o LeBron, até eu”. Falhou?! “Ah, mas como pode, sua mula!?”, seria o discurso alternativo. Aliás, até mesmo Phil Jackson já foi desacreditado por só vencer com estrelas, a despeito de 11 anéis e do fato de Jordan, Pippen, Shaq e Kobe terem ganhado um anel pela primeira vez sob sua orientação. Desses, apenas Shaq conseguiu ser campeão dirigido por outro profissional. Seu nome? Pat Riley, alguém que já teve de lidar com o camisa 23 de perto.
É tudo LeBron, por causa de LeBron. Um jogador com muito poder e que sabe como usar esse poder. Um jogador inteligente demais, também fora de quadra, sendo já um verdadeiro homem de negócios, com plena noção de sua relevância. A ponto de ser consultado para tudo o que seus times fazem, bancando, em Cleveland, a contratação de JR Smith, por exemplo (“Deixe ele comigo”, disse ao gerente geral David Grrifin). Essa dinâmica muito provavelmente valeria para qualquer clube que o contratasse, mas dentro do Cavaliers, obviamente que a situação fica ainda mais delicada, por ter toda uma cidade – um Estado, na verdade – na palma da mão. Em Miami, uma figura como Pat Riley, com a ajuda de Dwyane Wade, ainda poderia contra-argumentar um pouco, tentar equilibrar o diálogo. Foi nesse ponto que o gerente geral David Grrifin teve uma atuação decisiva. Quando muita gente especulava uma demissão de Blatt já na virada do ano, o cartola veio a público e bancou o técnico, dando um recado a sua estrela. Eles teriam de se acertar.
Quando James retornou, o craque se comportou, maneirou e interrompeu o processo de fritura de um treinador com quem evidentemente não havia desenvolvido empatia. Passou a se empenhar muito mais em quadra e, quando os reforços chegaram, engatou a quinta e foi adiante. De arestas, retoques, só restou mesmo a relação de Kevin Love com o grupo. Com o acúmulo de resultados positivos, porém, mesmo esse tópico um tanto espinhoso – e que custou um Andrew Wiggins – foi contornado até o momento em que o ala-pivô sofreu uma infeliz lesão no ombro em choque com Kelly Olynyk, sendo afastado das quadras. Depois, foi a vez de Kyrie Irving cair pelo caminho, primeiro com uma preocupante tendinite no joelho direito e depois com uma fratura na rótula sofrida no Jogo 1.
Se, lá atrás, durante a entrevista, esse scout pudesse enxergar o que se passaria em maio e junho, certamente a aposta seria a de que o Cavs cairia preocemente nos playoffs. Um erro de contas do treinador contra o Chicago poderia até mesmo ter concretizado essa previsão, quando Blatt pediu um tempo que não tinha, mas a arbitragem não percebeu, até que Tyronn Lue interviesse e afastasse seu colega. A infração resultaria em falta técnica e posse de bola para oponente. Muito provavelmente o Bulls voltaria a Cleveland com um 3 a 1 no placar. Aí vai saber…
Nesta mesma partida, tivemos o último desencontro escancarado entre LBJ e Blatt, quando o técnico, para a jogada decisiva, estava pensando em usar o ala na reposição (faz sentido, em teoria, devido a seu tamanho, visão de quadra e habilidade no passe). LBJ, claro, se recusou e disse que iria para o arremesso. Matou uma bola incrível e empatou a série. Nas entrevistas, porém, cada um disse a coisa certa, sem ferir o ego do outro. Blatt também reconheceu seu ato impensado, agradeceu a Lue, mas foi um pouco além, ao dizer que esse tipo de coisa acontece. Comparou os desafios de sua profissão aos de um piloto de caça, pelo grande número de decisões que ambos precisam tomar. Virou piada na internet, com uma série de colagens o envolvendo com Tom Cruise e seu clássico da Sessão da Tarde, Top Gun. Isso foi no mês passado.
Com Steve Kerr, a bagunça seria a mesma?
O “se” não entrou em jogo, e o Cleveland varreu o Boston, bateu o Chicago em seis partidas e tornou a varrer um oponente, o Atlanta Hawks, justamente o time que não perdeu sequer uma partida em janeiro, com 17 vitórias consecutivas. E como ele fez isso?
O jeito azarão de ser
“Essa é a coisa mais incrível que a mídia americana provavelmente irá ignorar: este é o modo como as equipes do Blatt sempre avançaram na Europa. Foi a mesma história com o Maccabi no ano passado”, disse ao VinteUm outro scout da NBA, com base nos Estados Unidos, mas com bastante trânsito no mundo além das fronteiras da liga. Um fato: quem teve a oportunidade de acompanhar a Euroliga 2013-2014 sabe o tamanho da surpresa que foi a conquista do Maccabi Tel Aviv, derrubando, nos playoffs, Olimpia Milano, CSKA Moscou e Real Madrid – os dois últimos com orçamento muito superior.
Na final, o Real era amplamente favorito. Depois da zebra, a conclusão que se tirou foi a de que, no mano a mano, a única posição em que o time israelense superava o espanhol era no banco, no comando técnico. “Esse tipo de resultado acontece com boa frequência na carreira do técnico: o sucesso enquanto azarão”, diz o olheiro. Foi da mesma forma que sua Rússia derrotou a Espanha, na casa do adversário, para conquistar o campeonato europeu de 2007.
O fato de não ter tanta pressão assim não é o único fator que une as equipes passadas de Blatt com o Cavs, claro. É aqui que podemos falar mais sobre o impressionante trabalho tático dos campeões da Conferência Leste. A ênfase, natural, vai para a defesa da equipe. Mas Blatt será o primeiro a corrigi-lo se for para bater só nessa tecla. Ele insiste que não dá para separar o ataque da marcação. As coisas andam juntas, interligadas. (Phil Jackson já se cansou de repetir essa frase também, assim como outros profissionais de ponta. É um conceito básico, mas que a gente pode deixar escapar com facilidade.)
Com um elenco pouco entrosado, desde o início, , o treinador americano-israelense tomou uma decisão pragmática – e que se tornou ainda mais sensata devido ao acúmulo de desfalques. Desacelerou o jogo ao extremo. O Cavs tem o ritmo mais lento de todas as 16 equipes dos playoffs, amarrando o jogo do Golden State Warriors. A média da decisão tem sido de 93,7 posses de bola. Na temporada regular, sua equipe jogou para 94,8 posses – contra 100,7 dos campeões do Oeste. É preciso dizer que, nos mata-matas, o time de Steve Kerr já estava numa toada mais controlada (96,6 posses, mas ainda bem mais acentuada).
No ataque, a abordagem individualista em torno de LeBron não é para atender a caprichos do craque. Mas, sim, para reforçar esse controle do jogo, consumindo tempo a cada posse, metodicamente, fazendo de tudo para limitar as oportunidades de corrida do Golden State. Uma abordagem com mais trocas de passe, em velocidade, sem o talento de Irving e Love, talvez pudesse causar muitos turnovers ou arremessos desequilibrados, e, a partir daí, os contra-ataques. “É realmente fantástico. O Cavs não tem ninguém além de LeBron que consiga criar um arremesso quando ele sai de quadra”, afirma o scout americano.
Com uma estratégia simplista ao extremo, mas abusando do talento do maior jogador de sua geração, encontrou-se uma forma de diminuir os erros. E aqui temos a melhor defesa para o elevado número de arremessos do ala, algo que ele mesmo vem frizando: não é que queira chutar tanto. Na verdade, ele detesta isso esse volume e a baixa eficiência no seu aproveitamento. Mas esse é o único jeito que esta versão do time tem para atacar, na sua concepção – e na de Blatt. Ajuda ter um craque desses, mas não é que ele esteja num nível superior ao que fez pelo Miami nos últimos três anos. E não estamos vendo nenhum Dwyane Wade ou Chris Bosh ao seu lado hoje.
LeBron tem sido acionado cada vez mais de costas para a cesta, geralmente do lado esquerdo do garrafão. Executa mais alguns dribles e aí parte para o ataque. A eficiência não é a mesma dos tempos de Miami Heat, mas não se trata de acidente. Mesmo que a bola não caia, sua penetração já pode causar o mínimo de desequilíbrio defensivo, dependendo do quanto os pivôs se deslocarão na cobertura, ajudando Tristan Thompson e Timofey Mozgov na coleta de um cada vez mais provável rebote ofensivo, outro fator limitador para contragolpes. A ideia é não deixar o adversário correr de modo algum, mesmo que seu próprio ataque seja sacrificado. Num duelo franco, com tantos desfalques, não haveria como Cleveland encarar.
O jogo de transição foi o ponto mais forte do Warriors na temporada, com média de 20,7 pontos nesse tipo de ataque. Nas finais, o número caiu quase pela metade (11,7). No Jogo 3, desta terça, foram apenas quatro. Se Thompson ou Mozgov não conseguem a coleta ofensiva, os demais jogadores têm a ordem de recomposição imediata, e isso vem acontecendo religiosamente. O foco principal fica em Steph Curry, que não tem liberdade alguma a partir do momento que cruza a linha central. Matthew Dellavedova se tornou seu carrapato mais detestável, mas Shumpert também vai muito bem nessa missão de contenção em velocidade, devido aos seus reflexos e elasticidade, sendo um terror na linha de passes. Tristan Thompson também é um dos pivôs de maior mobilidade na liga, encarando a turma do perímetro sem suar muito, quando necessário.
Isso tudo cria um desconforto evidente para o Warriors, expressado em diversas ocasiões pelo próprio Steph Curry, balançando a cabeça negativamente, sem parar, em quadra. A novidade que Steve Kerr havia apresentado neste campeonato foi a combinação de uma defesa eficiente, a mais dura da liga, e jogo em velocidade, solto no ataque. Seu sistema defensivo está funcionando. A outra metade da conta é que não está fechando sem as oportunidades de contragolpe. Em meia quadra, Curry está jogando sob pressão constante, e o ataque como um todo não tem encontrado espaçou e fluidez diante do empenho e consciência tática de Dellavedova, a flexibilidade de Thompson e LeBron e a presença física de Mozgov na retaguarda. A equipe californiana talvez estivesse preparada para enfrentar outro adversário. Mas já houve tempo também para se ajustar a esta nova realidade.
As #NBAFinals, no entanto, não estão definidas. É preciso ver se o Cavs vai ter perna para manter esse ritmo defensivo, se o quarto período do Jogo 3 foi apenas um descuido, um relaxamento depois da construção de larga vantagem. A viagem de Oakland para Cleveland foi problemática para todos, e o intervalo para a quarta partida é mais curto. Iman Shumpert tomou uma bordoada no ombro, mas não sofreu lesão. Dellavedova teve desidratação e câimbras fortes, mas também deve ir para o jogo. A rotação fica ainda mais abalada, de todo modo. São mais preocupações para Blatt contornar.
Se concluir a virada, o treinador ‘forasteiro’ terá eliminado três dos quatro tmais bem votados na eleição de melhor da temporada (Brad Stevens, Mike Budenholzer e o comandante do Warriors) e quatro dos sete melhores (incluindo Tom Thibodeau). Juntos, eles ganharam 1.044 pontos na eleição, de 1.170 possíveis. Blatt ficou com três pontinhos, por três votos como terceiro melhor da temporada.
Que Blatt e Kerr estejam se enfrentando é uma situação bastante curiosa, pelo fato de o ex-jogador, dirigente e comentarista ter feito uma proposta para que o técnico do Cavs se juntasse a sua comissão. Os dois chegaram a fechar um acordo verbal, até que Dan Gilbert entrou na história. Apesar de todos as dificuldades que está enfrentando, Kerr ao menos pode dizer que conhecia– e respeitava – seu oponente.