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Euroligado: trote, susto e os 16 melhores
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Giancarlo Giampietro

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Foi um episódio assustador que, felizmente, não deu em nada e se transformou numa brincadeira sem nenhuma graça. O Panathinaikos recebeu o Barcelona em Atenas, na sexta-feira, para a saideira da primeira fase da Euroliga. Os dois times já estavam classificados. Era questão só de cumprir tabela, não era para chamar a atenção de ninguém.

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Mas aí algum desmiolado teve a seguinte ideia: ameaçar as autoridades de que uma bomba explodiria no ginásio olímpico da capital grega. Sim. Deu prazo até: ela estouraria em uma hora. O jogo estava no intervalo, com vitória tranquila do Barcelona, quando as autoridades evacuaram a arena. Ou quase evacuaram: integrantes da torcida organizada do time da casa não arredaram pé do ginásio… Depois de uma varredura completa no ginásio sem identificar nenhum explosivo, com cerca de uma hora de atraso, o jogo retornou. Era apenas um lamentável trote. Claro: melhor que seja assim, sem nenhum incidente, nenhum ferido. Mas não se faz uma coisa dessas.

Em quadra, as boas notícias se concentraram em Galatasaray, Nizhny Novgorod e Zalgiris Kaunas. Esses foram os times que conseguiram as últimas três vagas no Top 16 da Euroliga. O clube lituano, aliás, sofreu horrores para assegurar seu posto no…

Jogo da rodada: Zalgiris Kaunas 80 x 79 Dinamo Sassari

James Anderson comemora aquela que talvez tenha sido a cesta de sua vida

James Anderson comemora aquela que talvez tenha sido a cesta de sua vida

Na disputa pelas duas vagas restantes do Grupo A, o Zalgiris dependia apenas de seus esforços contra o lanterna Dinamo Sassari, uma das piores equipes da primeira fase. Antes de a bola subir, o clube fez uma bela festa para o legendário Arvydas Sabonis, seu presidente, que completava 50 anos. Estava tudo armado para uma grande celebração, né? Tanto que, ao final do primeiro tempo, o time da casa vencia por 49 a 37. Mas por pouco isso tudo não virou um desastre.

O Dinamo não entregou os pontos. Pelo contrário, resolveu brigar como não havia feito em sua primeira participação na Euroliga. Com uma defesa forte, permitiu apenas 13 pontos no terceiro período e descontou dez pontos do placar nessa. Manteve o ritmo no quarto final e virou o jogo, chegando a 75 a 66 com uma bandeja do armador dominicano Edgar Sosa, a três minutinhos do fim. Imagine o choque na belíssima Zalgiris Arena, uma das mais modernas da Europa? A essa altura, eles sabiam que o time precisava da vitória de qualquer maneira, uma vez que, no duelo de russos, o Nizhny Novgorod havia batido o Unics Kazan por 78 a 74. Se o Unics tivesse triunfado, os lituanos já estariam classificados. Não rolou, então teriam de resolver por conta própria.

Com sete pontos em sequência, quatro deles do cestinha americano James Anderson, o Zalgiris conseguiu reduzir a desvantagem para apenas uma posse de bola no minuto final. Cheikh Mbodj converteu um lance livre, após ter desperdiçado o primeiro, e levou o jogo a 78 a 75 para os visitantes. Robertas Javtokas converteu uma bandeja no ataque seguinte. Depois, os anfitriões mandaram Mbodj novamente para o lance livre e ele repetiu o expediente, errando o primeiro, convertendo o segundo (79 a 77). E aí veio o grande lance: com 7s1 no cronômetro, Anderson bateu para dentro, freou e subiu para o arremesso: não só fez a cesta, acertando a tabela, como sofreu falta de Giacomo Devecchi. Ele matou seu lance livre a 2s5 e garantiu a classificação.

A outra definição

Caiu o salário ou foi vitória mesmo? O Galatasaray comemora

Caiu o salário ou foi vitória mesmo? O Galatasaray comemora

O Grupo D tinha uma vaga em aberto, a do quarto colocado, entre Galatasaray e Neptunas Klaipeda, o estreante lituano, que jogava por dois resultados (ou uma vitória sua contra o Valencia, ou uma derrota do seu concorrente para o Olympiakos). O clube turco prevaleceu nessa, ao vencer seu jogo por 79 a 74, enquanto o Neptunas tomou um vareio na Espanha: 103 a 65.

Foi uma jornada memorável para o Galatasaray, que enfrenta sérios problemas financeiros. Antes mesmo da conclusão da primeira fase, o clube já perdeu três jogadores por conta de inadimplência (“atraso de salários”): Furkan Aldemir, hoje do Philadelphia 76ers, Pietro Aradori, que foi para o Estudiantes, e Nate Jawai, que foi para o Andorra – ambos da Liga ACB espanhola.

Por conta das baixas e de desfalques, o técnico Ergin Ataman só utilizou sete jogadores numa partida dramática dessas.  Grande líder da equipe, Carlos Arroyo chamou a responsabilidade e anotou 24 pontos em 36 minutos. O pivô americano Patric Young, ex-New Orleans Pelicans e corajoso toda a vida de topar uma oferta de quem não paga, somou 13 pontos e 13 rebotes. Embora classificado e com a primeira colocação assegurada, o Olympiakos jogou para ganhar, mas o coração e/ou o desespero do time de Istambul pesou mais. Agora só fica uma dúvida: que tipo de elenco o Galatasaray vai apresentar na próxima fase.

Os grupos do Top 16
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O Grupo F vai ser uma pauleira que só. O CSKA é o favorito, mas o Fenerbahçe vem dando sinais de que talvez nesta temporada esteja realmente pronto para desafiar os times mais tradicionais. De qualquer forma, é impossível cravar aqui quatro favoritos para as quartas de final. Do outro lado, a chave ficou mais esvaziada, tendo como grande atrativo a dupla Real-Barça – garantia de dois clássicos espanhóis! O Maccabi, por sua tradição, também estaria em boas condições, não fosse seu desempenho bastante irregular até aqui.

Os brasileiros
Marcelinho Huertas foi o destaque da vitória do Barça sobre o Panathinaikos por 80 a 67. O armador está desfrutando de maior autonomia no ataque catalão para atacar. Em Atenas, foram 17 pontos, 9 assistências e 7/12 nos arremessos, em 30 minutos. Já JP Batista se despede da Euroliga com 7,8 pontos, 2,1 rebotes e 45,5% nos arremessos e 81,8% nos lances livres  em dez partidas. Na saideira do Limoges, contra o CSKA Moscou, ele jogou apenas 7 minutos. Agora o time se concentra na Eurocup, na qual divide grupo com Cantu (ITA), PAOK (GRE) e o Kimkhi (RUS).

Lembra dele? Linas Kleiza (Olimpia Milano)
Depois de um looongo inverno, o ala-pivô lituano saiu da hibernação ao anotar 29 pontos em 31 minutos pelo time italiano em vitória por 101 a 96 sobre o Turow Zgorzelec, da Polônia. Foi sua maior contagem pessoal na Euroliga, a partir de oito bolas de longa distância em estonteantes 13 tentativas. Detalhe: ele havia perdido as primeiras quatro bolas de longa distância. Depois matou suas oito em sequência. Até então, o jogador ex-Denver Nuggets e Toronto Raptors, contratado a peso de ouro, havia anotado 13 pontos na oitava rodada, contra o Bayern de Munique. Ao final da primeira fase, em sua terceira Euroliga, suas médias são de 8,6 pontos, 2,7 rebotes e 37,5% nos arremessos de três.

Tuitando

O jogo contra o Panathinaikos também teve esse detalhe: Pascual completou 500 partidas como técnico do Barcelona, pelo qual ganhou uma Euroliga (foi o primeiro treinador europeu a conseguir esse feito), quatro Ligas ACB e três Copas do Rei, desde 2008. Ele acabou de renovar seu contrato até 2017.


O Laboral Kutxa enfrentou o Estrela Vermelha, em Belgrado, com ginásio vasio. O clube sérvio, no entanto, encontrou um modo, digamos, pitoresco para colocar a torcida na arquibancada, distribuindo fotos da rapaziada pelos assentos. Fernando San Emeterio achou o maior barato.


As jogadas da semana!


Semifinalista, Lituânia usou até Frankenstein pra ser o país do basquete
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Giancarlo Giampietro

Valanciunas, o futuro do país do basquete

Valanciunas, o futuro do país do basquete

O basquete comemora: a Lituânia está na semifinal da Copa do Mundo, pela segunda edição consecutiva, depois de ter batido a Turquia por 73 a 61 nesta terça-feira, num jogo que estava enroscado por três períodos, mas foi resolvido pela maior versatilidade – e talento puro, mesmo – dos bálticos no quarto final, em Barcelona.

Não foi a apresentação mais encantadora do torneio, uma que fique para a história, as a modalidade comemora, sim. Não deixa de ser gratificante testemunhar o sucesso alcançado por uma nação de estimados 3 milhões de habitantes (praticamente a mesma de Salvador) e área total de 65,300 km2 (três vezes menor que o Paraná) e que, com esses números relativamente tímidos, constitui um autêntico país do basquete.

Uma seleção com currículo de fazer inveja a qualquer país que não se chame Estados Unidos. O mesmo Team USA que bateu a Eslovênia nesta e que vão enfrentar na semifinal de quinta-feira, um adversário ao qual devem muito de seu apego religioso pela modalidade.

Frank Lubin, de jogador de time hollywoodiano a ídolo nacional na Lituânia

Frank Lubin, de jogador de time hollywoodiano a ídolo nacional na Lituânia

Sim, eu sei: direta ou indiretamente, todo basqueteiro deve reportar aos Estados Unidos, por intermédio de James Naismith. Ainda que tenha nascido no Canadá, foi em Springfield, no Estado de Massachusetts, que ele inventou essa brincadeira de bola ao cesto. Para os lituanos, porém, um dos patriarcas de fato tem outro nome: Frank Lubin.

Nascido em Los Angeles, filho de lituanos, Lubin era um pivô de pouco mais de 2,00 m de altura, que se formou pela UCLA – instituição que, nos anos 60 e 70, contaria com os jovens célebres Lew Alcindor e Bill Walton, vocês sabem. Lubin não fez nome como o futuro Kareem Abdul-Jabbar, mas pôde celebrar como campeão olímpico pelos Estados Unidos em Berlim 1936, a primeira edição do torneio olímpico – por aquele que teria sido o primeiro Dream Team, recebendo sua medalha dourada de ninguém menos que o próprio Dr. Naismith.

Depois da famigerada competição disputada no quintal de Adolf Hitler, Lubin aceitou um convite para conhecer e trabalhar como treinador na Lituânia, aonde seria como Pranas Lubinas – o que é muito mais legal, claro. Ele ainda veria, em 1937, o selecionado báltico conquistar seu primeiro EuroBasket, em Riga, na Letônia. Como jogador e técnico, ajudou a conquistar o torneio continental seguinte, em 1939, sendo MVP de uma competição em seu time fazia as vezes de anfitrião. Ele morreu aos 89 anos, de volta à Califórnia, em 1999, dois anos depois de entrar no Hall da Fama de sua universidade.

A noiva do Boris Karloff. Quer dizer, do Frankenstein. Mas não do Frank Rubin, que fique claro

A noiva do Boris Karloff. Quer dizer, do Frankenstein. Mas não do Frank Rubin, que fique claro

Se isso já não fosse instigante o bastante, saibam que Lubinas também poderia ser identificado como Frankenstein Lubin pelos seus compatriotas norte-americanos, num trocadilho óbvio com seu nome natural, mas que que também envolvia o time e o técnico pelo qual jogava nos Estados Unidos. Acreditem: ele defendia uma equipe amadora bancada pela… Universal Pictures, um dos pilares hollywoodianos. O treinador Jack Pierce fazia seus bicos como maquiador do estúdio. Quer dizer, mais provável que o basquete fosse o bico, né? Mas vamos lá: um de seus trabalhos foi a produção “The Bride of Frankenstein”, estrelada por Boris Karloff, o verdadeiro e único Frankenstein dos cinemas – Robert De Niro que nos perdoe. Segundo esse texto fantástico de Luke Winn para a Sports Illustrated, Lubin vestia fantasia e partia em direção aos torcedores antes dos jogos, em muitas das ações promocionais que faziam para os filmes da Univesal.

Sem maquiagem ou roupas estranhas, Lubinas ser um astro, mesmo, na Lituânia, aonde passou a ser conhecido como o “Avô do Basquete”. De qualquer forma, outros americanos, entre eles Konstantinas Savickas (que nasceu em Punsk, mas emigrou para a América do Norte quando criança), também foram instrumentais para ensinar e, naturalmente, popularizar o basquete por lá. Savickas, por exemplo, foi o treinador da seleção nacional até pouco antes do Europeu de 37.

Na equipe campeã naquele ano e em 1939, os grandes nomes ainda eram descendentes diretos como Juozas Jurgela,  Vytautas Budriunas,  Feliksas Kriauciunas e Pranas Talzunas, boa parte da região de Chicago. Depois do primeiro título, a Lituânia ganhou o direito de sediar a edição seguinte. Para tanto, o governo autorizou a construção do Kauno Sporto Hal (o hall dos esportes de Kaunas), que, na verdade, recebia só jogos de basquete. Teria sido o primeiro, digamos, templo construído apenas para a prática do bola ao cesto, algo que viraria realmente um culto por lá.

A esperança de sediar mais uma vez o torneio em 1941 e de lutar pelo tricampeonato acabou da pior forma, com o estouro da Segunda Guerra Mundial. A Lituânia se viu disputada por russos e alemães no início dos anos 40 e acabou anexada novamente na composição da União Soviética. Lubinas conseguiu escapar com sua família saindo de um navio da Estônia. A reconstituição desses fatos ajuda a entender bem a paixão do país pelo basquete, não? Era como se a modalidade representasse o sonho de independência, prosperidade e glórias.

Um outro Time dos Sonhos, por diversas razões

Um outro Time dos Sonhos, por diversas razões

A ponto de o time de 1992, a primeira seleção lituana constituída após a corrosão do antigo império comunista, ganhar a aura de um conjunto secular, sob a liderança do gigantesco Arvydas Sabonis. É uma grande história que envolve grandes craques de basquete, orgulho nacional, redenção e até mesmo o Grateful Dead. Virou imperdível documentário, já abordado por estas bandas.

Desde então, o mundo do basquete se habituou a dividir o pódio com os lituanos. Eles foram semifinalistas simplesmente por cinco torneios olímpicos em sequência, levando o bronze de Barcelona 1992 a Sydney 2000 – em Atenas e Pequim, terminaram em quarto. Sem contar que o ouro soviético de 1988, sabemos todos, é, no mínimo, 85% lituano, com seus jogadores atuando por um país que, de unido, só tinha o nome – se não bastasse o talento inigualável de um Saboni, com algumas cirurgias a menos, ainda contavam com Kurtinaitis, Marciulionis e Chomicius. Na Europa, também ganharam duas pratas, incluindo a do último campeonato, mais um ouro em 2003 e um bronze em 2007. Curiosamente, em termos de Mundial, têm menos sucesso que os russos, com apenas um bronze na última edição, contra duas pratas conquistadas pelos rivais.

Como eles fazem isso? Basta paixão e dedicação?

Claro que não.

No texto de Luke Winn para a SI, o secretário geral (ou: generalinis sekretorius) da federação Mindaugas Balciunas enfatiza o trabalho de formação de seus professores. “A razão para que a Lituânia seja tão forte é nosso sistema de preparação dos treinadores”, afirma o dirigente que ajudou a criar em 2010 até mesmo um programa de mestrado para técnicos, em parceria com a Universidade de Worcester, na Inglaterra (!?) e a Academia Lituana de Edudação Física, pela qual se formou. “Desde então, ele têm persuadido membros da atual seleção, incluindo o ala Linas Kleiza, a se inscreverem nesse curso”, relata Winn. Os estudos podem ser feitos  à distância. Mas o fato é que, nas escolas do país, já são diversos os bacharéis ensinando a molecada.

Acho que isso ajuda a entender um pouco, né?

A atual seleção lituana não conta com ninguém do porte de seus grandes nomes dos anos 80, ou de um Sarunas Jasikevicius, que se despediu da equipe após Londres 2012 e se aposentou nesta temporada – hoje é assistente do Zalgiris. Mas há uma combinação interessante de veteranos como os gêmeos Lavrinovic, o ala Simas Jasaitis e o pivô Paulius Jankunas com uma nova geração liderada por Jonas Valanciunas, o xodó do Toronto Raptors, que, aos 22, é um dos cinco atletas de 25 anos para baixo do elenco. A tradição vai seguindo adiante, como não pode deixar de ser.

“Nós somos um país pequeno”, admite Sabonis. “E o basquete é o melhor caminho para mostrarmos ao mundo quem nós somos.”


Jogos patrióticos: a praga da naturalização no basquete
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Giancarlo Giampietro

Se eles fazem, nós fazemos também. Se você tem, eu quero também.

E por aí a gente segue, com Larry Taylor armando a seleção brasileira e comandando uma virada – de final frustrado – contra a Rússia. E vamos com Serge Ibaka enterrando todas e bloqueando adversários que não estão habituados a enfrentar um pivô tão atlético assim.

Esses são os dois casos mais óbvios para se discutir. Mas o problema vai muito além: hoje até o Azerbaijão –  o Azerbaijão!!! – recruta quatro jogadores americanos para defender sua seleção nas eliminatórias para o Eurobasket. Virou uma praga.

A cidade de Laramie, no Wyoming, não chega a ser um pólo turístico atraente, não deve ser referência para muita coisa, mas uma coisa dá para cravar: está a mundos de distância, cultural e geograficamente, de Baku, a capital azerbaijana. A identificação entre o Wyoming e o Azerbaijão deve ser a mesma entre um são-paulino e um corintiano. Nenhuma. Então como explicar que um de seus rebentos, o ala Jaycee Carroll, um cestinha de mão cheia pelo Real Madrid, tenha o passaporte do longínquo país situado na Eurásia? Ele nunca jogou por um clube de lá – sua carreira europeia passa por Itália e, agora, Espanha.

É a mesmíssima situação de Bo McCalebb, que ajudou a eliminar algumas potências tradicionais do esporte no último campeonato europeu, jogando pela Macedônia que ele visitou pela primeira vez justamente apenas para tirar o seu passaporte.

Não há como justificar uma coisa dessas.

Serge Ibaka, do Congo

Serge Ibaka, do Congo ou da Espanha?

E aí entra a parte em que aceita-se as ressalvas: mas o Larry joga em Bauru há anos e só precisa aprender “impávido colosso” para completar nosso hino; o Ibaka foi jovem para a Espanha… Sim, não chega a ser algo tão cínico, deslavado, sem vergonha como os casos dos pontuadores McCalebb e Carroll. Há um vínculo, pequeno que seja, em seus casos. “Nunca vou esquecer de que lugar eu vim, mas estou orgulhoso de vestir o uniforme da Espanha e representar este país”, afirma Ibaka. Mas dá para ir mais a fundo nessa.

Serge Jonas Ibaka Ngobila chegou ao país ibérico em 2006, com 16 anos, estritamente para jogar basquete. Ele já havia disputado competições de clubes avalizadas pela Fiba em seu Congo natal, pelo Interclub de Brazzaville, sua cidade natal. Defendeu primeiro o time de base do CB L’Hospitalet e depois fez sua estreia na LEB Oro, fortíssima segunda divisão. De 2008 a 2009, passou a jogar pelo Ricoh Manresa. De lá partiu para Oklahoma City. Façam as contas: foram três anos. Certamente serviram para burilar uma joia rara, que avançou tecnicamente. Mas é o suficiente para ele se tornar espanhol? E mais: quando foi convocado por Sergio Scariolo, ele ainda não tinha a papelada, embora a federação do país tivesse garantias de que o processo seria acelerado e concluído para que ele prontamente jogasse no Eurobasket do ano passado.

É a mesmíssima situação de Larry, que foi convocado em 2011 e não pôde disputar o Pré-Olímpico porque a burocracia não permitiu. De todo modo, o breve contato com Magnano convenceu o argentino de que valeria, sim, brigar para ter o americano em Londres, e a CBB promoveu intenso esforço para contar com o estrangeiro. Esse é o ponto importante no causo: nunca partiu dele o pedido de cidadania e de uma convocação.

Os dois assumiram novas nacionalidades estritamente por razões profissionais, esportivas. Pela forma que os processos foram tocados, não dá para negar: foram dois jogadores contratados por suas seleções, não importando o quão identificados estivessem com a nova terra. Ainda que mais amenos que os reforços do Azerbaijão, são casos diferentes e mais graves, por exemplo, que o de Luol Deng.

Larry Taylor, de Bauru

Larry Taylor, de Chicago e Bauru

O ala do Chicago Bulls, líder da seleção britânica, que nasceu em Wau, no Sudão (agora território do Sudão do Sul). Mas calmalá: enquanto o pai, um parlamentar, ficava para trás, sua família deixou a cidade foragida durante guerra civil e chegou ao Egito, em Alexandria. A mãe e oito filhos, Luol com três anos. Eles foram reencontrar o Deng sênior apenas cinco anos depois, em Londres, com o devido asilo político arranjado.

O garoto aprendeu tudo muito rápido, a começar pela nova língua. Começou a jogar basquete para valer e, aos 14, já tinha um convite para atuar por um colegial dos Estados Unidos, onde estudou e jogou até chegar ao time de Duke e, posteriormente, ao Bulls.

As constantes migrações deixam sua história um pouco mais cinzenta. Talvez o ala deva mais aos EUA por sua carreira de atleta. Mas qual passagem foi mais importante para que ele e seus irmãos prosperassem? Pelo que podemos ler neste artigo aqui do Guardian, dá para chutar que foi na Inglaterra em que sua família encontrou paz e estabilidade. Foi um claro recomeço.

Nas Olimpíadas, vimos que a Grã-Bretanha tinha bons pivôs, mas dependia quase que exclusivamente do talento do ala para sobreviver em meio a rivais de muito mais tradição. Não que isso importe muito em termos de regulamento, preto-no-branco. Mas, eticamente, não custa perguntar: como se virariam sem Larry e Ibaka o Brasil, com a turma da NBA toda reunida, e a Espanha, vice-campeã olímpica em 2008 sem nenhum reforço extracomunitário? Pode ser que caíssem um pouco de rendimento, mas seria algo tão drástico? Eles realmente precisavam apelar para esta via?

A resposta, como sempre, cai para o cinismo. “É assim que as coisas funcionam”.

Então tá, né? Esperem só até ver, então, a seleção olímpica do Turcomenistão em 2032.

*  *  *

Dia desses, o chapa Jonathan Givony – diretor do serviço de scouting Draft Express, cara mais do que viajado no basquete – saiu em uma cruzada contra alguns de seus seguidores no Twitter que não toleravam suas observações irônicas sobre os procedimentos adotados pela FEB.

Começou assim:  “E isso sem o benefício de ‘recrutar’ qualquer mercenário do Congo e de Montenegro”, em referência ao ouro dos Estados Unidos em Londres. Aí pegou fogo. Foi torpedeado.

Luol Deng, Grã-Bretanha

Luol Deng, um contexto mais cinzento

Muitos defenderam que Ibaka e o ala Nikola Mirotic, montenegrino também importado e que já defendeu o país até mesmo em categorias de base, podem ser espanhóis, sim, senhor, por terem chegado como adolescentes. O problema é que eles vão exatamente para serem jogadores de basquete e ficarem a serviço de um novo país.

 “Linas Kleiza e muitos outros jogaram no basquete colegial e universitário nos EUA. Deveríamos também recurtá-los para jogar na nossa seleção? E por que motivo?”, perguntou. “Desculpem, mas Mirotic deveria estar jogando por Montenegro contra Sérvia e Israel. Ele só não está porque não fazia sentido financeiramente.”

Com o passaporte espanhol, naturalizado, Mirotic tem muito mais facilidade para descolar bons contratos na liga espanhola, e o Real Madrid também agradece. “É a definição de um mercenário. E haverá muitos mais como ele nos próximos anos. E está errado.”

*  *  *

Em entrevista ao Daniel Neves, aqui do UOL Esporte, a diretoria do departamento feminino da CBB, Hortência, afirma sobre a possibilidade de importar uma armadora: “Se aparecer uma jogadora que se encaixa ao nosso estilo, não vejo porque não naturalizar. Mas não vamos naturalizar qualquer uma. Estamos acompanhando tudo o que está acontecendo e vamos avaliar a capacidade das jogadoras, que não precisam necessariamente jogar na LBF. Aí decidiremos se vamos trazer uma estrangeira ou não.”


Vásquez, Kleiza e o selo NBA no mundo Fiba
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Giancarlo Giampietro

Há diversas percepções por aí fora de como se encarar os jogadores – e o jogo em si – da NBA. Tem gente que considera todos superatletas, capazes de tudo a qualquer hora, outros que vão falar que não muitos deles passam de fraudes, mãos-de-pau, produtos de marketing. Durante o Pré-Olímpico mundial, temos a possibilidade de fazer algumas observações e arriscar algumas considerações. Dá para navegar entre os  dois grupos com facilidade. E não precisa de extremismo, precisa?

Greivis Vasquez, superastro na Venezuela

Greivis Vasquez, superastro na Venezuela

Peguemos, então, a vitória da Lituânia sobre a Venezuela, transmitido direto de Caracas nesta terça-feira, como exemplo.

(E pensar que houve um tempo que esse tipo de jogo só chegava por cá em informações mastigadas via despachos de agências internacionais ou microprogramas produzidos pela federação internacional, e olhe lá. Mas avancemos.)

O garotão Jonas Valanciunas, grande aposta do Toronto Raptors para a próxima temporada – embora ainda sem contrato assinado –, teve dificuldades em se enturmar com a arbitragem e enfrentar a pressão e os anfitriões. Acontece: ficou carregado de faltas.

Os outros dois mais veteranos de NBA, Linas Kleiza e Greivis Vasquez, não tiveram problema com isso e se sobressaíram. Cada um ao seu modo.

O ala lituano, do Raptors, estava num dia de máquina mortífera. No sentido de que matava tudo e o que aparecia em sua frente com facilidade, rapidez e eficiência. Caixa, caixa e caixa, jogando fora da bola, se movimentando subitamente para aparecer livre, receber o passe e convertê-lo em assistência. Também brigou nos rebotes e deu um ou outro chega-pra-lá em quadra para devolver a agressividade com a qual jogavam os donos da casa. Terminou com 28 pontos, cinco rebotes e 11 chutes convertidos em 16 tentados (68,8%, uau).

O ala-armador venzuelano, do Hornets, também teve uma linha estatística chamativa: 24 pontos, sete assistências, cinco bolas de três convertidas em nove que chutou. A diferença foi o modo como chegou a esse montante. Dominando a bola, batendo para os dois lados, procurando espaço muitas vezes onde não tinha – e ainda assim os encontrando, numa prova de seu talento, mas também forçando uma porção de arremessos bicados.

Linas Kleiza, Lituânia

Linas Kleiza, máquina mortífera lituana

O quanto disso ocorre porque assim é Vásquez ou porque é desse jeito que a Venezuela precisa vê-lo jogando, teríamos de perguntar para o agitado Eric Musselman para saber. Do outro lado, Kleiza tem uma função bem definida e dois ótimos armadores para lhe servir (olho em Mantas Kalnietis, que a cada torneio aparece em evolução pelo time báltico), e fica de bom tamanho assim mesmo, já que não possui muitos recursos no drible e também não tem a vocação mais atirada para o passe.

Na NBA, estamos falando de dois meros coadjuvantes, com um ou outro lampejo – Kleiza consegue matar seus chutes aqui e ali, Vásquez se concentra mais na distribuição de jogo e vai bem nas assistências. Mas pouco do que eles produzem pode realmente mudar a cotação do dólar.

Mãos-de-pau? Bem, se a gente realmente for adotar tudo da “cultura de futebol” de que Magnano fala e reclama, com razão, essa acepção faria sentido.

Mas não somos sempre assim, né? O que não nos empurra a dizer que são dois gênios. Não vão ser dominantes assim a toda rodada.

Podemos ver, no entanto, que suas habilidades estão em acima da média naquele microcosmo de 24 jogadores convocados entre lituanos e venezuelanos. E isso diz muito sobre o tipo de jogador que a NBA mantém e, sim, desenvolve em seus clubes.

PS: Veja o que o blogueiro já publicou sobre Lituânia e Venezuela em sua encarnação passada


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