Nova geração chinesa conquista vaga olímpica. E o que mais rolou na Ásia?
Giancarlo Giampietro
A China venceu neste sábado a Copa da Ásia/Campeonato Asiático/Torneio da Ásia/AsiaBasket/seja lá qual for o nome da competição. Jogando em casa, venceu todas as suas nove partidas até vencer as Filipinas na final, por 78 a 67, e conseguir a classificação ao Rio 2016. É o nono time garantido, se juntando, vocês sabem, a Argentina, Austrália, Brasil, Espanha, Estados Unidos, Lituânia, Nigéria e Venezuela.
Faltam agora apenas três vagas, que serão decididas no sistema de Pré-Olímpico mundial, ficando os filipinos, vice-campeões continentais pela segunda vez consecutiva, e o restante da galera à mercê do cofre da Fiba. Ninguém sabe ainda o que a federação está tramando para completar os 12 times das Olimpíadas.
Não consegui ver muito da competição asiática. Então pedi socorro a um scout da NBA que, nas últimas semanas, trabalhou como observador de uma das melhores seleções do torneio. Seu trabalho era estudar os adversários e passar tudo mastigadinho para a comissão técnica. Em seu currículo, também consta serviços para clubes do continente. Então era uma fonte confiável para ajudar a entender o que se passava por lá com mais segurança.
Vamos, então, a algumas notas sobre as seleções:
China
Em constante contato com dirigentes e técnicos chineses, prestando consultoria para as ricas equipes do país, esse scout já tem bastante familiaridade com o elenco reunido para tentar reaver o título asiático, que em 2013 ficou com o Irã. Mesmo que esse plantel tenha uma idade de média bastante baixa, de 24 anos. A mesma do Canadá da Copa América, para comparar. Sua expectativa foi confirmada: a nova geração chinesa tende a dar trabalho nas próximas competições globais da Fiba.
O time tem média de altura de 2,03m. É difícil encontrar um plantel mais espichado que esses. Dando uma zapeada pelo EuroBasket, vemos que atingiram a estatura média da imponente Sérvia. A Croácia e a Grécia tiveram 2,02m. A França, 2,01m. Isso faz diferença, ainda mais na Ásia. Tanta envergadura incomodou demais os oponentes na fase final do Campeonato Asiático. Depois de limitar o Irã a apenas 28,6% nos arremessos pela semifinal, seguraram os filipinos em 35,4% e, principalmente, em 25% na linha de três.
Agora, de nada adianta o tamanho se não há talento para sustentá-lo é o caso da seleção chinesa. O pivô Zhou Qi, de 19 anos, é um autêntico prospecto de NBA. Diversos olheiros estavam rezando para que o garoto ficasse no último Draft e pudessem escolhê-lo no final da primeira rodada. Não foi o caso. Os candidatos chineses têm uma estrutura de apoio maior e mais complexa que a da maioria. Já ganham um bom salário pela liga local e, de um jeito ou de outro, são vistos como embaixadores da nação. Os interesses ao redor deles vão muito além do campo esportivo, digamos.
Na final, Qi somou 16 pontos e 14 rebotes, descolando impressionantes 12 lances livres em 32 minutos. O detalhe é que ele já havia chegado ao double-double no primeiro tempo, com 12 pontos e 10 rebotes em 17 minutos. Foi dominante e ajudou a equipe a assumir o controle da partida antes do intervalo. “Esse garoto é para valer. O único empecilho para ele, hoje, é o corpo magrelo. Mas não me preocupo com isso. Acho que pode fortalecer com o tempo, por ser muito jovem ainda. Em termos de habilidade com a bola, está acima da média”, diz o scout.
Agora o engraçado nesse time chinês é que o papo de “Torres Gêmeas” não cola. Na real, os caras têm todo um verdadeiro condomínio de arranha-céus, escalando outros rapazes como Wang Zheling, de 21 anos e 2,14m, Li Muhao, 23 anos e 2,18m, além do nosso velho conhecido Yi Jianlian, de 2,13m, que faz as vezes de veterano aos… 27 anos.
Esse é um aspecto interessante dessa nova configuração: não se trata mais apenas de dar a bola para Yi ou Yao e deixar que a estrela resolva tudo por conta. Yi ainda é o principal jogador do país, claro. Teve médias de 16,7 pontos e 8,8 rebotes em apenas 26,7 minutos, e está muito bem, obrigado, nesse ritmo. Mas há agora uma sólida base de jogadores ao seu redor para se explorar, como o armador Guo Ailun, de 21 anos e 1,92m, que segurou as pontas na decisão contra os explosivos filipinos Jayson Castro e Terrence Romeo.
Guo teve média de 10,9 pontos e 4,0 assistências, surgindo enfim como uma opção para desbancar Liu Wei (35 anos) do time titular. Já o ala Zhou Peng, de 25 anos, é o gatilho do time, para espaçar a quadra no perímetro. Com 2,06m de altura, fica difícil de bloqueá-lo.
Filipinas
Derrotados pelo Irã na final em casa em 2011, agora repetem a prata. Para um país tão apaixonado pelo basquete, os Smart Gilas têm ficado de coração partido muitas vezes para o meu gosto. Na Copa, por exemplo, para surpresa geral, fizeram jogos duros contra Croácia e Argentina e foram derrotados no finalzinho, caindo na primeira fase. Por fim, somem aí, minha gente, o fato de terem sido preteridos pela Fiba como sede do próximo Mundial (que ficou justamente com a China). Não é bacana vê-los sofrer tanto assim.
A naturalização de Andray Blatche é uma piada do ponto de vista esportivo, mas rende dividendos óbvios. Teve médias de 17,8 pontos, 9,2 rebotes, 1,4 roubo de bola, 1,1 toco e 1,2 assistência, com 2,1 turnovers no torneio, em 25,8 minutos. Tudo isso com um tornozelo torcido no meio da competição. O que talvez possa valer como a tal da bênção em meio a uma desgraça. “A torção o obrigou a jogar mais perto da cesta, o que é mais valioso para a equipe, em vez de ele tentar ser armador, ala e pivô ao mesmo tempo”, diz o scout.
De qualquer forma, Blatche não foi o suficiente para fazer os filipinos subirem um degrau no pódio. Na final, contra caras do seu tamanho, marcou 17 pontos em 27 minutos, mas foi pouco efetivo. Quando foi para o perímetro, também deu as suas forçadas usuais, com 1/5 nos arremessos de três. A China tinha meios de lidar com o americano sem precisar desequilibrar sua defesa, podendo vigiar de perto os perigosos atiradores exteriores. Castro e Romeo não conseguiram esquentar a munheca em nenhum momento.
Se formos pensar, as Filipinas são algo parecido com Bauru em termos de abordagem ofensiva, com chutadores espalhados pela quadra sob orientação de Tab Baldwin, um treinador para o qual seu olheiro compatriota chama a atenção. “Muito inventivo e inteligente na hora de explorar as fraquezas dos oponentes. Esse cara é legítimo e devemos ouvir mais sobre ele no futuro”, afirmou.
E agora o que será dos Gilas? Não acho absurda a noção de que eles teriam chance no Pré-Olímpico. Esse olheiro também acredita que é possível que aprontem algo. Mas tudo vai depender dos caminhos desenhados pela Fiba. Fato é que o time ainda vai ficar mais forte com a provável adição de Jordan Clarkson no ano que vem e com o retorno do pivô June Mar Fajardo, de 25 anos e 2,11m, que estava lesionado e é aparentemente o único grandalhão nativo decente para dar alguma folga a Blatche ou para fazer uma dupla mais alta com ele. Outra peça a ser considerada é o ala Bobby Ray Parks, um cestinha fogoso de 22 anos, que passou batido no último Draft, mas vai tentar a sorte na próxima temporada da D-League.
Irã
Teria chegado ao fim o show do Hamedi Haddadi?
(Façam cara de espanto seguida por uma expressão de consternação, por favor.)
O superpivô (asiático, no caso) 11,5 pontos e 7,8 rebotes em 23,6 minutos, com 2,8 turnovers, 1,0 toco. 4,9 lances livres e 50,7% nos arremessos. Esses são números que podem deixar Chris Kaman, Marcin Gortat, Erick Dampier e Vitaly Potapenko orgulhosos, mas não impressionariam Shaquille O’Neal, Kareem Abdul-Jabbar, Tim Duncan, Moses Malone e Wilt Chamberlain, né?
Parece que o Senhor Tempo enfim se aproximou de Haddadi com seu recado inevitável. Mas há também outro motivo para entender o que aconteceu nesta copa asiática, segundo o scout. “Os técnicos recrutados pelas seleções estão em geral num nível mais alto também do que nos últimos anos. São mais inteligentes e estão sabendo como lidar com ele. Sempre disse que você precisa dar um jeito de afastá-lo do garrafão, tirá-lo de perto da cesta na defesa. Se fizer isso, o Irã se torna facilmente vencível. Nosso time conseguiu. Desenhamos algumas jogadas que criaram muitos problemas para eles, nesse sentido. Mas muitas equipes fizeram isso, colocando-o no perímetro”, disse.
Além disso, o ala Samad Nikkhah Bahrami jogou no sacrifício e também não conseguiu produzir da forma como se acostumou no continente, com 13,8 pontos, apenas 41,7% nos arremessos, criando pouco também para os companheiros, com 1,6 assistência. Até que desembestou na disputa pelo bronze com o Japão, marcando 35 pontos:
Coreia do Sul
“Não acredito que a Coreia perdeu para o Catar”, foi o que me disse o scout sobre a partida que acabou colocando os sul-coreanos no terceiro lugar do Grupo F, resultando num confronto com o Irã pelas quartas de final. Aí, por mais que os dois principais jogadores adversários estivessem longe da melhor forma, pesou a experiência. Mas o time deixou boa impressão nos olhos deste americano. “Eles estão no caminho de se tornar uma força na Ásia. São supertalentosos. Sua linha de frente está ficando mais alta, jogando duro, e seus armadores são jovens e muito habilidosos. Contra a China, eles foram superiores durante quase toda a partida, mas os juízes roubaram a vitória deles.”
No final, terminaram com a sexta posição, fora até mesmo da zona de classificação para o Pré-Olímpico mundial, para o qual vão também iranianos e japoneses, que foram aqueles que justamente derrotaram o Catar nas quartas de final.
Índia
Galera, ao que tudo indica, este era o time imperdível da competição. Favor não confundir com “imbatível”, pois eles perderam oito de suas 11 partidas, terminando em oitavo, ainda que com uma campanha pior que a das duas equipes que vieram logo em sequência – Jordânia e Palestina.
Vejam o relato do scout: “Foi uma surpresa vê-los. Eles têm alguns pivôs que chamam muito a atenção, por serem grandes, talentosos e atléticos. Os três são provavelmente melhores que o Satnam (Singh, o gigantão de 19 anos 2,19m de altura, que estava treinando na IMG e acabou draftado pelo Dallas Mavericks. Ele vai jogar pelo Texas Legends, filial do clube na D-League. A opinião majoritária dos scouts é de que ele é muito mais uma jogada de marketing do que um prospecto. Vamos ver.).”
“No jogo contra o Irã, eles estavam jogando pau a pau, porque um desses pivôs (Amritpal Singh, 24 anos e 2,07m) conseguia marcar Haddadi no um contra um. Do outro lado, ele ainda matava os arremessos de média distância, e o Haddadi não conseguia acompanhá-lo. O cara é ágil, ativo, um belo arremessador mesmo e provavelmente poderia ter jogado numa universidade de nível decente nos Estados Unidos se eles o tivessem enviado para cá, em vez do Satnan. Aí que, com cinco minutos para o final do primeiro quarto, esse grandalhão indiano comete a segunda falta.”
“O técnico o deixou em quadra até o final do período, e ele ficou com duas faltas, mesmo, até o final. Com um minuto no segundo período, ele cometeu a terceira, e o técnico não o tirava. Não dava para não rir com aquela situação. E aí, com cinco minutos faltando para o segundo, vem a quarta falta. Foi uma falta boba numa disputa de bola. Aí um dos assistentes chamou um jogador para entrar em quadra. Quando o treinador percebeu, o mandou se sentar, deixando o cara com quatro faltas. A dez segundos do fim, o que acontece? Ele faz a quinta falta no meio da quadra, tentando roubar a bola de um armador. A Índia perdia por uns sete pontos só nesse momento. Não dava para acreditar, mesmo, a gente ficou morrendo de rir. Só para você saber, antes eles tinham um técnico americano que estava trabalhando bem por lá (Scott Flemming), mas eles o dispensaram em maio quando a federação passou por algumas mudanças. Contrataram esse cara que era um treinador de um time juvenil feminino (Sat Prakash Yadav), totalmente inepto.”
Aí eu pergunto se, por acaso, o técnico não vinha do críquete, ou algo assim. A resposta: “Engraçado você mencionar isso. Teve uma jogada no final de um quarto, com 2s8 no cronômetro. Ele pediu tempo. E a ideia dele foi, mesmo, fazer com que seu armador cruzasse a bola por toda a quadra com um lançamento que parecia de críquete, tentando alcançar um de seus pivôs embaixo da cesta. Além disso, o armador deles fazia sempre uma comemoração de críquete quando acertava a cesta”.
Um dos destaques do time foi ooooooutro Singh. Amjyot Singh, de 2,03m e 23 anos.
Palestina
Essa talvez seja a melhor história. Os palestinos não disputavam um torneio com chancela da Fiba desde 1970, quando ainda competiam pelo Campeonato Africano. Na ocasião, terminaram com a sexta colocação, com um triunfo sobre a Somália, por 104 a 71, e três derrotas, em Alexandria, no Egito. Antes disso, na edição de 1964, terminando em terceiro, com duas vitórias, sobre a Tunísia e o Senegal, e três derrotas, em Casablanca, no Marrocos.
Pois é. São 45 anos de lá para cá, e os caras fizeram uma campanha bem digna, terminando em décimo, mas com seis vitórias e cinco derrotas. O primeiro triunfo aconteceu logo na rodada de estreia contra as Filipinas, algo histórico. Depois, ainda venceram o Kuwait e Hong Kong, pela fase preliminar. Na segunda etapa, pelo Grupo E, porém, foram superados por Índia, Japão e Irã e acabaram eliminados dos mata-matas. Ainda bateram o Cazaquistão e foram superados pela Jordânia.
O ala Jamal Abu-Shamala, nascido nos Estados Unidos, foi o líder da seleção, com 21,5 pontos e 8,5 rebotes, descansando menos que três minutos por partida. Formado pela Universidade de Minnesota em 2009, teve teve seu melhor momento como jogador profissional, depois de breve passagem pela D-League e de ter falhado em deixar sua marca no basquete mexicano. “Ele foi um atleta mediano na universidade, mas é bom arremessador e joga com o coração”, diz o scout.