O Jogo 7 já é passado. Como fica a ressaca de Cavs e Warriors?
Giancarlo Giampietro
A reviravolta na vida de Richard Jefferson foi tamanha, tão positiva… Que ele tinha direito a falar o que bem entendesse, mesmo, ao ser entrevistado já como campeão da NBA. O veterano ala primeiro comemorou, tomando uma champanhe Moët. Depois, anunciou que aquele Jogo 7 havia sido o último de sua carreira. Estava aposentado. Acendeu um charuto. Por fim, disse que ia se dedicar a escrever, a produzir ensaios. Sim, ensaios. Talvez picantes. ''Eles podem ser eróticos, eu não sei, mas sei que vou escrever vários ensaios'', afirmou, sorridente.
Aos 35 anos, Jefferson agora se sente um homem livre, totalmente realizado. Conseguiu aquilo que lhe faltava, numa carreira com mais de 14 mil pontos, 4.500 rebotes e 32 mil minutos, desde que se profissionalizou em 2001, para ganhar US$ 110 milhões em salário. Tudo ótimo, mas ainda buscava um título, e, por isso, assinou com o Cleveland Cavaliers. E aqui está Jefferson, campeão, se sentindo o máximo, já que não só caçou o seu título como deu sua contribuição valiosa para a conquista, como surpreendente peça no tabuleiro das #NBAFinals.
Agora, com todo o respeito ao aposentado, não dá para nos alongarmos muito num texto pós-título para Cleveland, no dia seguinte à consagração definitiva de LeBron para falar sobre quais contribuições foram essas. Registre-se apenas que, com Kevin Love, Matthew Dellavedova e Iman Shumpert jogando muito mal, tapou vários buracos. Deu flexibilidade à defesa de Tyronn Lue e foi combativo, sempre um dos primeiros a se atirar por uma bola perdida. No ataque, ainda foi eficiente no ataque, aproveitando as rebarbas. Pronto.
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Agora, o curioso é o seguinte: se tudo tivesse dado certo segundo seus planos iniciais, o ala estaria bem longe de Oakland agora em junho. A ideia era que ele estivessem no Texas, mais precisamente em Dallas, clube com o qual já estava apalavrado, com a expectativa de compor uma linha de frente com outro craque histórico da liga, Dirk Nowitzki, e outro pivô superatlético dominante nos rebotes, DeAndre Jordan. Até que Jordan se perdeu naquele dramalhão todo no ano passado e decidiu ficar com o Clippers. Ao dar um passo para trás, o grandalhão estraçalhou os planos de Mark Cuban e Rick Carlisle. De time que pretendia lutar pelo título, o Mavs sabia que precisaria se esforçar o máximo para pelo menos chegar aos playoffs. Diferentemente do Cleveland Cavaliers, que também o havia procurado. Daí que, num ato raro, generoso, Cuban aceitou liberar o veterano, em conversa breve pelo telefone.
Até porque, convenhamos, no envelhecido elenco do Mavs, era até melhor, mesmo, espaço para o calouro Justin Anderson na rotação. E não é que Jefferson também tivesse estabelecido um vínculo emocionante com a franquia de Dallas. Já com uma vida de cigano pela liga, ele havia ficado apenas um ano por lá, mesmo, em 2014-15. Antes, havia feito escalas pelo breves pelo Utah Jazz e pelo… Golden State Warriors, entre outros.
Muito se falou nestas finais da situação estranha vivida por Anderson Varejão, por sua identificação com Cleveland, sua condição de ídolo por lá e por ter jogado pelos dois finalistas na mesma temporada. Mas Jefferson também tinha umas boas histórias para contar a respeito do balcão dos negócios da NBA e de como as dezenas de transações fechadas a cada temporada podem ter implicações a perder de vista.
O ala não estava no elenco do Warriors no ano passado, como já dissemos. Mas, na formação campeã, havia um legado da sua parte. Seu antigo salário foi parte essencial para que o clube californiano contratasse Andre Iguodala em 2013, num pacote com o saudoso Andris Biedrins e múltiplas escolhas de Draft. Antes mesmo de servir moeda de troca por Iggy, ele foi adquirido em outra negociação, vindo do San Antonio Spurs, que tinha interesse em uma reunião com Stephen Jackson. O tresloucado ala estava mais valorizado à época. Então o Spurs precisou inteirar. Pagou uma escolha de Draft, que se transformou em Festus Ezeli. Por mais que tenha sido ridicularizado nestas finais, com dificuldade para dominar rebotes e finalizar perto da cesta, o nigeriano se transformou em uma peça valiosa em seu primeiro contrato. Com 26 anos, forte, alto e atlético daquele jeito, ele será cobiçado e vai receber propostas com salário acima de US$ 10 milhões anuais. Isso se não passar de US$ 15 milhões.
Dois anos depois, já com a aposentadoria em mente, o ala estava de volta a Oakland, onde também desempenhou importante papel como mentor dos jovens Curry, Thompson e, principalmente, Barnes, mas para ser campeão pelo time adversário. Esse Richard Jefferson destas finais ainda teria algum espaço no Golden State, por exemplo, como aconteceu nos playoffs de 2013, quando ele participou de sete partidas, com média de 5,6 minutos.
Para vermos como as coisas na liga funcionam de uma maneira torta até, com uma corrente de causas e consequências imprevisíveis. Obviamente que o gerente geral Bob Myers não se arrepende da troca por Iguodala, que é muito mais jogador. Mas jamais poderia imaginar que um refugo com RJ voltaria, três anos depois, para interferir na caminhada rumo ao bicampeonato. Essas coisas acontecem. É provável que cada time campeão da NBA neste século tenha causos semelhantes a esse. O Cavs, mesmo, tem outro: não fosse Mo Williams, a franquia não teria Kyrie Irving. Em 2011, meses antes do Draft, Maurice foi trocado por Baron Davis, com o Clippers cedendo uma escolha de primeira rodada de Draft para se livrar de um contrato maior. Essa escolha virou Irving. É uma ciranda.
Aí é de se pensar o que será de Cavs e Warriors para a próxima temporada. Sim, mal acabou, a gente mal recuperou a cor depois de suar frio no sofá com um inesquecível Jogo 7, mas a cabeça dos dirigentes já está a mil. Antes de os LeBrons voltarem para Cleveland para serem recebidos no aeroporto, fizeram uma parada animada em Las Vegas nesta madrugada de segunda. Têm todo o direito de cair na farra, de irem para as Bahamas, qualquer coisa. É passe livre. Mas os dirigentes, rapaziada, não param por enquanto. Na quinta-feira, o gerente geral David Griffin já tem um Draft pela frente, mesmo que o clube não tenha nenhuma escolha. Nem de segunda rodada. Depois, é montar o time para a liga de verão. Com uma folha salarial astronômica, o Cavs vai precisar de jogadores baratos para completar o elenco, como o ala Jordan McRae, que chegou no final do campeonato, ou um veterano como Dahntay Jones. Aí chega a hora de tratar com agentes livres. Só para meados de agosto e setembro que a cartolada vai respirar.
A conquista do título tira muito da pressão para cima de Griffin, naturalmente. Pelo menos no que se refere ao proprietário Dan Gilbert e aos torcedores. Enquanto tiver LeBron James sob contrato, porém, nunca se vai ter viver na bonança. As operações de um clube jamais podem se basear somente em efeitos de curto prazo. Pelo menos não entre aqueles mais organizados. A presença de LeBron muda um pouco isso. O craque provou nas finais que ainda pode ser a força mais devastadora da liga. Mas está entrando na reta final de sua carreira. Seja qual for o clube pelo qual estiver jogando, o de casa ou de outros mercados, ele quer sucesso para agora.
E, por acaso, faz sentido falar de ''outros mercados''? O cara acabou de ganhar um título. Abraçou Kyrie Irving em quadra como se ele fosse um irmão mais jovem, e o cestinha realmente tem um longo caminho pela frente. Vai abrir mão dessa companhia? Pois é. Não era para essas questões entrarem em pauta. Mas já estão, a partir do momento em que Adrian Wojnarowski, o superfurão da NBA, escreve que essa possibilidade circula pelos bastidores da liga. Antes do Jogo 7, o jornalista publicou artigo dizendo que um título lhe abriria as portas para mais algum movimento ambicioso em sua carreira, por já ter quitado sua dívida com Cleveland. Em sua coletiva neste domingo, diga-se, o craque fez questão de falar sobre o cumprimento da promessa.
De certa forma, pela estrutura dos vínculos que LeBron tem armado, a especulação era obrigatória. Quando voltou a Ohio, assinou por um ano, com a opção de renovação por mais uma segunda temporada. No ano passado, quando a franquia negociava com Kevin Love, Tristan Thompson (representado por sua agência) e Iman Shumpert, repetiu o mesmo processo. Não só esse tipo de vínculo lhe dá flexibilidade como também coloca Gilbert contra a parede. Era a melhor forma de assumir, extraoficialmente, o controle sobre a situação, ao mesmo tempo que se vingava do bilionário que incendiou a franquia e a cidade no momento em que o jogador foi para Miami.
O torcedor do Cavs, agora, espera que Wojnarowski esteja errado. É preciso dizer que o repórter/articulista não é dos maiores fãs de LBJ na cobertura da NBA. Quando não está se limitando a cantar escolha por escolha do próximo Draft e antecipar grandes trocas, as #WojBombs acabam se voltando mais para a bajulação ou importunação de personagens diversos. James está na lista de alvos a serem incomodados. Não está clara a motivação por trás da birra. Se o texto mais recente é, ou não, produto desta birra, vamos saber a partir de julho, quando o mercado reabrir.
Outro tema mais nebuloso envolve Kevin Love. Após dois anos de parceria com LeBron (ou algo perto disso…), o ala-pivô ainda não se integrou totalmente ao time. Teve uma boa fase na segunda metade desta temporada, jogou bem contra Detroit e Atlanta pelos playoffs, com double-doubles de média e os chutes de três caindo. Na final, porém, mal conseguiu ficar em quadra até despertar para o Jogo 7 – sem nos esquecermos da concussão, claro. Não é pouco, mas você espera mais de alguém com o segundo salário do clube. Por mais bonito e confortante que tenha sido o final da temporada, Griffin não vai se deixar levar por questões sentimentais. E aí é matutar se vale a pena investir tanto assim em seus talentos, ou se vale buscar um negócio por jogadores mais atléticos e, de preferência, com bons arremessos. Afinal, Channing Frye – que também evaporou contra o Warriors –, mas já está mais que testado como uma peça complementar tática.
Quem vai estar livre para negociar com a liga é JR Smith. Numa bizarrice dessas, o contrato do ala lhe deu até o dia 16 de junho, quinta passada, data do Jogo 6, um prazo para decidir se validaria, ou não, seu último ano de contrato. Como não se meteu em confusão, arremessou bem e ainda marcou como nunca, JR tomou a decisão econômica mais esperta e agora espera receber uma bolada, ou pelo menos o dobro dos US$ 5,3 milhões que estavam previstos. Para o próximo campeonato, o Cavs já está com a folha salarial estourada em mais de US$ 12 milhões, caso LeBron continue com seu salário de US$ 24 milhões.
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Obviamente que LeBron conta com ele. Vai depender dos cheques de Gilbert – ou da insanidade de algum concorrente que queira se arriscar com ele sem ter um veterano astro ao seu redor para vigiá-lo. Mais dois atletas vão para o mercado: Timofey Mozgov (livre) e Matthew Dellavedova (restrito). Ambos banidos da rotação nas finais, mas ainda importantes para composição do banco. Numa série melhor-de-sete, você pode fazer sacrifícios. Numa temporada regular de 82 partidas, não. Mas haja grana, gente. Cada tostão aplicado no trio vai implicar em multas pesadas.
De resto, o certo é que Griffin já vai precisar buscar um substituto para Richard Jefferson na rotação. Dahntay Jones encaixa no perfil de veterano bom de vestiário, testado em batalhas, mas é mais baixo, menos atlético (hoje, porque no auge era uma encrenca que só) e não tem o chute. Em suma, não parece jogador para rotação de NBA. Parece uma tarefa simples. Comparando com as decisões sobre Love e JR, essa é bem mais tranquila, mas também deve ser precisa. No ano passado, com Shawn Marion, não deu certo.
Essas são algumas questões para os campeões. Então imagine como fica a agenda de quem perdeu a final?
Reunindo seus cacos, o Golden State Warriors ao menos já sabe que Stephen Curry está fora do #Rio2016, o que é providencial para se preservar seu joelho e talvez para afastá-lo de mais uma situação de estresse. Se é que, depois do que o Team USA executou no último Mundial, existe a possibilidade de os americanos se estressarem em competições de seleção. Klay Thopson e Draymond Green parecem dispostos, todavia. Andre Iguodala? Improvável.
Esse é um trâmite mais simples também, embora seja sempre arriscado, pelo excesso de jogos para seus astros. O assunto mais complicado será uma eventual reformulação da equipe. E aí vale a mesma reação, ponderada e assustada: mas vai desmontar um elenco de 73 vitórias na temporada regular, um recorde que não será ameaçado tão cedo? Tem de questionar isso, mesmo. Não é porque o time levou uma virada inédita na decisão, que o mundo caiu. Eles ficaram a apenas um triunfo do bicampeonato e de um lugar garantido no panteão.
Quando deixou que Harrison Barnes e Festus Ezeli virassem agentes livres restritos, ao final de seus primeiros contratos de calouro, a diretoria da franquia sabia muito bem o que estava fazendo. Deste modo, Bob Myers se permitiu um luxo: com título ou não, teria a flexibilidade para reforçar uma base bastante vitoriosa e talentosa, podendo também cobrir qualquer oferta pela dupla. E aí há o caso de males que vêm para o bem: se o desempenho do ala e do pivô foi desastroso nas finais, também pode esfriar os ânimos de eventuais interessados.
Para os que observaram Barnes e Ezeli só nestas finais, porém, fica o aviso: estejam preparados para tudo, inclusive para que a soma do salário da dupla passe dos US$ 35 milhões na próxima temporada. Simplesmente porque, com o teto salarial subindo para US$ 95 milhões, haverá muito dinheiro para se gastar. A expectativa da liga é de loucura disseminada por todo o país. O que acabou de acontecer em Oakland e Cleveland vai afastar aqueles que não estavam tão animados assim com os prospectos, mas o conjunto da obra de ambos ainda pode prevalecer para seus admiradores. Os dois são jovens ainda e vêm de um programa com cultura vencedora. O Warriors obviamente torce para que o mercado tenha esfriado para valer.
Mesmo que eles aceitem ofertas, Bob Myers só espera que esse tipo de acordo demore um pouco para acontecer, para que eles tenham a possibilidade de flertar com… Kevin Durant. Sim, aquela história de novo. Em janeiro, o clube já estava preparado para entrar no leilão pelo astro, caso ele decidisse encerrar seu contrato. Já faz suas semanas que a temporada de OKC acabou e ainda não tivemos uma pista. Com o Golden State amargando o vice-campeonato, esse namoro só ficaria mais interessante. No caso de receberem um sinal positivo de Durant, os diretores teriam de fechar algumas trocas paralelas para limpar salário. Barnes não voltaria de modo nenhum. Seria um baita presente de consolação.
Mas, veja bem.
Muito desse eventual drama depende da palavra de dois dos cinco melhores jogadores da liga. Se LeBron ousar sair de Cleveland, a liga será consumida por mais um pandemônio. Se Durant disser que seu tempo em OKC chegou ao fim simultaneamente, a Internet simplesmente deixaria de existir. Guerra civil não poderia ser descartada.
Esses são os grandes nomes com os quais todos os 30 clubes da liga sonham. Richard Jefferson, de qualquer maneira, passou por aí para nos dizer como pequenas negociações também podem ter suas consequências. Não chegam a ser tão emocionantes como um Jogo 7, mas podem causar impacto numa partida dessas.
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