Vinte Um

Arquivo : Bullets

Notas sobre o EuroBasket: a era espanhola e outras seleções
Comentários Comente

Giancarlo Giampietro

Três dos últimos quatro EuroBaskets terminaram assim

Três dos últimos quatro EuroBaskets terminaram assim

Depois de duas grandes semifinais, a disputa pelo título teve um pouco de anticlímax, né? A Lituânia perdeu o jogo já nos primeiros minutos.Mas claro que os espanhóis não estão nem aí para isso. Em seu período (quase) hegemônico no continente, a seleção talvez nunca tenha sido tão contestada como aconteceu neste torneio. Os caras penaram na primeira fase e poderiam muito bem ter sido eliminados pela Alemanha. Mas passaram e foram ganhando corpo. A defesa cresceu, os Sergios se soltaram e Pau Gasol foi enorme.

O título deste ano teve o prazer da reação em questão de dias e da revanche contra os franceses, na casa do adversário, com público enorme presente. Em termos de relevância de símbolo, contudo, nada supera o torneio que fez o seu MVP, com um dos melhores torneios individuais de que se tem nota no mundo Fiba: 23,0 pontos, 8,8 rebotes, 2,9 assistências, 2,3 tocos e aproveitamento inspiradíssimo nos arremessos (57,5% no geral, 66,7% de três e 80,5% dos lances livres), em 30 minutos, com apenas 1,2 turnover. Como bem constatou a conta da Synergy no Twitter, ele teve volume de jogo de LaMarcus Aldridge com a eficiência de um Kyle Korver. Só acrescentaria que, além disso, teve ainda de proteger o garrafão e a cesta de seu time como se fosse um Roy Hibbert.

>> Não sai do Facebook? Curta a página do 21 lá
>> Bombardeio no Twitter? Também tou nessa

Da frustração por sua primeira derrota numa final de EuroBasket em 2003, contra os próprios lituanos, à dominância 12 anos depois, Gasol encaminha com naturalidade sua segura candidatura ao Hall da Fama. Dentro desse seleto grupo, também há filtros. Não vou aqui me meter a besta e comparar quem foi o maior jogador europeu de todos os tempos, uma discussão que ganhou força nos últimos dias, muito por conta da exibição histórica do pivô espanhol, aos 35 anos. É uma discussão divertida para muitos, irritante para outros e que tende a ser interminável. Há quem se apegue demais ao passado, há quem desconheça o que foi feito até mesmo antes de Pequim 2008. Prefiro me abster dessa,  mas uma coisa dá para cravar: o craque está no pacote. Levantamento feito pelo HoopsHype nos mostra que ele tem mais prêmios de MVP (3) e foi mais vezes eleito a uma seleção de um torneio Fiba (8) do qualquer atleta.

O MVP histórico

O MVP histórico

*   *   *

Em termos de equipe, a seleção espanhola também já tem seu lugar assegurado na história, obviamente. De 2009 para cá, ganharam três de quatro EuroBaskets. Só falharam, mesmo, em 2013, na Eslovênia, quando foram superados pela França. Do título na Polônia, o primeiro do país, cinco chegaram ao tri em Lille: Gasol, Rudy Fernández, Sergio Llull, Felipe Reyes, Victor Claver, além do técnico Sergio Scariolo. É um núcleo que tem consistentemente chegado ao pódio em cada competição que disputa, também contando com Sergio Rodríguez e alguns desfalques deste ano como Calderón, Navarro, Marc Gasol e Ricky Rubio. Se formos mais generosos, podemos falar que, desde 1999, a Espanha só não esteve no pódio em 2005, quando Grécia, Alemanha e França foram premiadas. Em um intervalo de 16 anos, só mesmo superpotências como a União Soviética e a Iugoslávia podem superar isso, mas essa não seria uma comparação justa, devido à união de diversos países sob uma bandeira.

*   *   *

Que ano o dos madridistas Llull, Rodríguez, Reyes e Fernández, hein? Campeões da Supercopa, da Copa do Rei, da Liga ACB, da Euroliga e, agora, o do EuroBasket. Se suas residências já não tinham um espaço só para troféus, chegou a hora de rever a planta de casa. Agora, depois de um torneio desgastante, resta saber qual será o envolvimento do quarteto na Copa Intercontinental de logo mais contra o Bauru.

Selfie de campeão oficial? Sempre com Sergio Llull

Selfie de campeão oficial? Sempre com Sergio Llull

*    *    *

A França conseguiu um prêmio de consolação com o bronze em Lille. Para quem jogava em casa e com um timaço, pode parecer pouco. Do ponto de vista histórico, porém, é muito valioso. É o que Tony Parker disse: o país não ganhou tantas medalhas assim em grandes eventos. Em 37 aparições no EuroBasket, a seleção tem agora seis bronzes. Quatro deles, porém, foram conquistados antes dos anos 60. Então tem isso. O maior consolo, porém, é saber que Gasol não vai mais tão longe assim em sua carreira. A Espanha seguirá competitiva, mas não será a mesma sem ele. Do seu lado, ainda que Parker e Diaw não tenham jogado nada, os franceses contam hoje com a produção mais profícua de talentos na Europa. De Colo tem 28 anos. Batum, 26. Lauvergne, 24. Gobert e Fournier, 23. Todos com longa estrada pela frente. A eles vão se juntar muitos garotos que estão fazendo a transição do juvenil para o profissional e são considerados prospectos de NBA. O DrafExpress, por exemplo, já lista mais quatro atletas que podem se candidatar com sucesso no ano que vem.

*    *    *

O que dizer da Lituânia? Bem… Não dá para criticar um time que conseguiu uma dificílima vaga olímpica na Europa. É algo com o que Alemanha, Croácia, França, Grécia, Itália e Sérvia sonhavam para valer. Mas também não dá para deixar de registrar que, se pelo segundo torneio seguido eles deram um jeito de chegar à decisão, pela segunda vez tomaram uma surra na disputa pelo ouro. Há um relaxamento, claro, depois de assegurar o primeiro objetivo que era a vaga direta para o Rio 2016. Agora, contra os espanhóis, creio que o que pesou, mesmo, foi o desnível técnico de um time para o outro. A equipe lituana possui uma série de sólidos jogadores e um talento acima da média em Jonas Valanciunas, mas tende a avançar nas competições com a força de seu conjunto, com caras que jogam juntos há muito tempo. Jonas Kazlauskas, um cara de certa forma subestimado, também merece muitos elogios, ajudando a fazer desse todo algo maior que a soma de suas partes.

*    *    *

A Sérvia chegou com expectativa de título. Acabou saindo sem medalhas. Talvez tenham sido derrotas importantes para o amadurecimento do time vice-campeão mundial. Aleksandar Djordjevic tem falado todas as coisas certas e exerce forte influência sobre seus atletas para usar a decepção deste ano para o bem. É muito mais time que a Lituânia, apesar da derrota na semi e creio que teria feito uma grande final contra Espanha ou França. Mas acontece. Eles foram os primeiros a admitir que sentiram o peso do favoritismo, contra um adversário muito bem preparado, pouco badalado e de ombros leves. Kazlauskas dobrou sempre que pôde para cima de Teodosic depois de corta-luzes e tirou a bola das mãos do genial armador. Além disso, com Valanciunas, Javtokas e Kavaliauskas, não precisou fazer dobras em cima de Raduljica, podendo manter a turma do perímetro grudada nos chutadores sérvios. Outra boa sacada foi colocar Mindaugas Kuzminskas para marcar Nemanja Bjelica, eliminando o mismatch tático que o ala-pivô geralmente representa.

*    *    *

Como bem escreveu Austin Green, do blog Los Crossovers, a Itália que vimos no EuroBasket é afeita ao anarquismo — ideologia, aliás, que teve fôlego mais longo do que o habitual no país. Era, desde sempre, o grande desafio de Simone Pianigiani. Pegar um monte de cestinhas e conseguir alguma coesão entre eles. Não aconteceu. Ainda assim, o time conquistou a vaga, terminando com a sexta posição, de tanto talento ofensivo que tinha. Gallinari fez uma grande competição e é aquele que tem o senso coletivo mais apurado. A bola, porém, ficava a maior parte do tempo nas mãos de Marco Belinelli, alguém que foi promovido a principal play-maker, mas que, embora mate bolas de fora, não é tão criativo assim. Andrea Bargnani, para variar, jogou estourado, foi um fiasco nos rebotes. Chega a ser até cômico o quão fominha é o ex-número um do Draft. O dia em que Bargs receber um passe na cabeça do garrafão e não arremessar já estará  em sua aposentadoria. Alessandro Gentile é mais jovem que todos eles, mas talvez seja o de personalidade mais forte, de modo que foi aquele com a maior média de arremessos por partida, batendo Belinelli por pouco. Em suma: um bando de free-lancers que ainda precisam crescer muito como equipe para lutar por medalhas na Europa.

*    *    *

Devido à dupla Vesely-Satoransky e à vitória sobre a Croácia, a República Tcheca foi o azarão que fez mais barulho no torneio. Em sétimo, a seleção se garantiu ao menos no Pré-Olímpico mundial. Para o futuro, porém, quem merece mais atenção é a Letônia, que terminou em oitavo com seus veteranos e tem uma fornada bem quente vindo por aí, liderada por Kristaps Porzingis e Davis Bertans, mas que também aposta em Timma, os irmãos Kurucs, Pasecniks, Kohs, Smits, Gromovs e Silins.


Filho do mítico Manute Bol dá os primeiros passos no basquete
Comentários Comente

Giancarlo Giampietro

Bol Bol, filho de Manute Bol

O legado do mítico Manute Bol, o jogador mais alto da história da NBA, com 2,31 m de altura, pode ter sequência em quadra – e não é que a liga tenha encontrado algum outro gigante como sucessor, desde a aposentadoria do brilhante Yao Ming.

Ainda estamos longe desse patamar.

Mas acontece que o Yahoo norte-americano divulgou hoje uma presença cuirosa em jogos de escola elementar no Kansas: trata-se de Bol Bol, filho do falecido ex-jogador. Cursando o sétimo ano – na faixa de idade entre 12 e 13 anos –, o garoto por enquanto leva tudo na diversão, claro.

Mas é inevitável pensar que ele possa seguir uma carreira no esporte. Ainda mais considerando o detalhe de que ele mede, pasme!, 1,95 m de altura. Aos 12, 13, anos. Ah, tá. Sem contar que, magrelo que só, lembra, muito, o ex-pivô de Bullets, Warriors e 76ers. Também ajuda o fato de que o jovem Bol Bol também sabe jogar, ué, com um pacote de habilidades já bem mais versátil do que o pai apresentava. Veja:

A história é até boa demais para ser verdade.

*  *  *

Um dos maiores tesouros que já perdi foi um VHS oficial da liga, “NBA Jam Session”, de 1993, de edição simplesmente impecável – e vocês perdoem o sentimentalismo, que essa fita foi perdida num desses empresta-mas-não-volta, ok? Era, basicamente, um capítulo para cada fundamento/jogada, no pacote básico: enterradas e bandejas acrobáticas, tiros no estouro do relógio, as tramas coletivas que resultavam em belíssimas cesta, assistências absurdas etc. Mas também tinha espaço para os esforços defensivos, sem se resumir apenas aos “pregaços” do além. De todo modo, pensando em Manute Bol, na hora me lembrei da sequência abaixo, que vi pela primeira vez naquele mesmo VHS, que veio na bagagem de um amigo retornando da Disney – ou via TraxArt, não me recordo. Era época de trocar cards com o James no shopping (não tentem entender, são referências bem pessoais mesmo. De todo modo, naqueles dias, o combo basquete/hip-hop era o patins, o skate, a coqueluche adolescente da vez). Agora chega de devaneio e vamos ao vídeo:

Incrível, não?

Manute Bol tinha disso: verticalizava o jogo de um modo aparentemente inatingível. Ainda mais assistindo a isso numa época em que estapear a rebarba da tabela era uma vitória para qualquer moleque – não que hoje, um bocado de tempo, sofá  e… hã… refrigerante depois, seja diferente. 😉

Bol x Bogues

Manute ao lado de Bogues, de 1,63m de altura

Estamos falando de um sujeito que conseguia bloquear o sagrado sky hook de Abdul-Jabbar. Que media quase 70 centímetros a mais do que o lendário, ao seu modo, Mugsy Bogues (foto ao lado).

Em duas temporadas, ele liderou a liga em média e número total de tocos: foram 5,0 por partida com novato pelo Washington Bullets em 1985-86 e 4,3 pelo Golden State Warriors em 1988-89, quando caiu nas mãos do Dr. Frankensetein, vulgo Don Nelson. Na NBA de hoje, ele não teria espaço, seria muito vulnerável.  Mas, na liga dos pivôs gigantes dos anos 80 para os 90, apesar de sua  fragilidade física (tanto em termos de resistência, como em mobilidade, força e capacidade atlética), conseguiu jogar por dez anos, terminando com média de 3,3 bloqueios na carreira em apenas 18,7 minutos. É muita coisa: numa projeção de 36 minutos, seriam 6,4 por jogo. No total, ele somou mais tocos (2.086) do que pontos na carreira (1.599). Peculiar, no mínimo.

*  *  *

No dialeto de sua tribo Dinka – a mesma da qual a família de Luol Deng saiu –, Manute significa “benção especial”. Se a sua carreira de jogador, embora totalmente ineperada, tenha sido um tanto ordinária em termos de sucesso em quadra, como aposentado Bol foi um ativista irremdiável, envolvido com ações diversas em suporte de seus conterrâneos num país devastado pela guerra civil.

Chegou a recusar o cargo de ministro dos esportes sudanês devido a uma exigência de conversão ao islamismo. A partir daí, passou a ser tratado como persona non grata pelo governo e precisou da ajuda de diplomatas e políticos norte-americanos para se exilar no Egito e, então, retornar aos Estados Unidos. Trabalhando em eventos especiais de TV – que abusavam de sua altura, claro – ou em pesquisas e instituições para levantamento de fundos. Essa luta só terminou com sua morte em 2010, precocemente aos 47 anos.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>