Vinte Um

Raulzinho é a mais nova adição ao núcleo jovem do Utah Jazz. E aí?

Giancarlo Giampietro

Raulzinho esperou por dois anos, mas chegou a hora de botar no papel. Nesta quinta-feira, o armador assinou por três anos com o Utah Jazz para ser o sétimo brasileiro na NBA de hoje — e o 14o. na história. Existe uma grande diferença entre ser um jogador draftado pela liga e com um  contrato. ''Achei que era um sonho sendo realizado quando fui selecionado, mas agora vejo o que é o sonho de verdade'', disse o armador já diante dos repórteres de Salt Lake City, no último dia da liga de verão local.

Com o acordo oficializado, então é a hora de tentar entender o que cerca a vida de ''Raul Neto'' (HA-OOL, nos ensinam) em seu novo clube e o quanto esta movimentação pode interferir em seu desenvolvimento.

raul-neto-utah-jazz-sign

De cara, o que temos de informação: parece uma declaração óbvia para um clube que foi seguiu em seu encalço no Draft de 2013, mas a diretoria do Utah Jazz realmente adora seu prospecto de 23 anos. Durante a cobertura do All-Star Game em Nova York, tive a chance de conversar com o repórter Jody Genessy, setorista do clube pelo Desert News. Ele disse que o time não via a hora de trabalhar diretamente com o jovem atleta. A chance chegou, e as atividades já vão começar nesta semana, em Las Vegas. Segundo Genessy, porém, ele não vai jogar a liga de verão local, mas, sim, treinar com um grupo de veteranos do time.

(Um parêntese aqui: fico no aguardo pela reação de Rubén Magnano… O técnico, que apostou lá atrás num ainda adolescente Raulzinho,  esperava um papel de protagonismo para o atleta nos Jogos Pan-Americanos, e seria realmente interessante acompanhá-lo nessa empreitada. Ficou a ver navios nessa. A expectativa da CBB era a de que o armador se reapresentasse até esta sexta-feira para embarcar rumo a Toronto. Não rolou, por motivos óbvios. A dúvida: ele ainda vai jogar o Pan, mesmo perdendo tanto tempo de preparação? O torneio começa dia 20. Suponho que já esteja fora, e aí precisaria ver quem seria chamado para substitui-lo. Provavelmente alguém a serviço na Universíade, ficando a eventual vaga entre Gui Deodato, Deryk, Gegê, ou Henrique Coelho.  Vai rolar alguma mágoa? De todo modo, a seleção já está bem servida com Rafael Luz, Ricardo Fischer, Larry Taylor e Vitor Benite. Os dois mais jovens têm uma bela oportunidade para mostrar serviço agora.)

>> Não sai do Facebook? Curta a página do 21 lá
>> Bombardeio no Twitter? Também tou nessa

Voltando ao Utah Jazz, Raulzinho entra em um clube com elenco jovem e cheio de potencial para fazer barulho na próxima temporada. Se a campanha depois do All-Star Game serve de algum indício, o time vai brigar por uma vaga pelos playoffs em 2016, já que venceu 19 de suas últimas 29 partidas, com um aproveitamento de 65,5%. Sétimo colocado neste ano, o Dallas Mavericks teve 61,0% de rendimento, enquanto o New Orleans Pelicans, oitavo, ficou com 54,9%.

Capitaneada pelos braços infinitos de Rudy Gobert, a equipe passou a ter a defesa mais dura de toda a liga, e de longe. Há quem acredite que esse tipo de progresso em meio a um campeonato não se traduz automaticamente para o seguinte, uma vez que os adversários vão se debruçar em estudos e já desenhar os ajustes necessários. Ação e reação.

Engraçado: mesmo depois de assinar com o Utah Jazz, Raulzinho chegou a ser barrado por um segurança da arena do clube durante a rodada final da liga de verão local nesta quinta à noite. Teve de apelar aos novos companheiros para ter acesso liberado a área restrita

Engraçado: mesmo depois de assinar com o Utah Jazz, Raulzinho chegou a ser barrado por um segurança da arena do clube durante a rodada final da liga de verão local nesta quinta à noite. Teve de apelar aos novos companheiros para ter acesso liberado a área restrita

Ainda assim, o núcleo do Utah também naturalmente vai evoluir, como se espera com atletas tão jovens. Gordon Hayward (o principal criador do time, versátil e confiante), Derrick Favors (em progressão gradual e segura, rumo ao All-Star, se é que alguém repara ou liga) e, principalmente, Gobert cresceram uma barbaridade durante a campanha e ainda têm mais o que render. Esses são os principais nomes, hoje, mas o elenco que o gerente geral Dennis Lindsey reuniu oferece diversas alternativas para o técnico Quin Snyder. Os alas Alec Burks e Rodney Hood já tiveram seus lampejos. O canadense Trey Lyles, muito bem cotado desde o colegial, acabou de chegar para reforçar o jogo interior.

E ainda tem o prodígio australiano Dante Exum, aparentemente efetivado como armador titular, tendo apenas 19 anos. Para uma escolha número cinco de Draft, é natural que a cobrança seja em outro patamar. Nesse sentido, a primeira campanha entre os profissionais foi tímida, para dizer o mínimo. Os críticos mais apressados, no entanto, ignoram o contexto. Se Bruno Caboclo teria dificuldades em deixar a LDB e a reserva do Pinheiros para se provar nos Estados Unidos, o que dizer de um carinha que jogava com adolescentes na Austrália? Que Exum tenha começado 41 jogos como titular e segurado as pontas na defesa, com sua agilidade e envergadura, já é um feito e tanto.

Basta observá-lo em quadra por um ou dos minutos para salivar com seu potencial — por mais talentosos que Hayward, Favors e Gobert sejam, esse garoto pode se tornar algo maior, pasme. Não é garantia, mas ainda há muito o que sair dali, e Snyder tem reputação excelente no trabalho de fundamentos com os atletas. Em sua primeira partida nesta temporada de verão, encarando defensores encardidos como Marcus Smart e Terry Rozier, do Boston, Exum já botou para quebrar, até sair de quadra com uma torção no tornozelo. Estamos falando do dono da posição, mesmo.

Para desgosto de Trey Burke, que tinha plena fé de que chegaria à NBA para ser um armador de ponta. O baixinho, que custou duas escolhas de Draft ao Utah também em 2013, ainda não conseguiu encontrar uma zona de conforto em meio aos cachorrões. Seus dribles de hesitação não são o suficiente para conseguir a separação mínima para seus arremessos. Em duas temporadas, ele só acertou 37,4% de seus arremessos de quadra, 32,4% na linha de três, e não é que tenha compensado tantos erros com um bom número de lances livres (só cobra 1,8 por partida) ou controle de jogo apurado (mira muito mais a cesta que seus companheiros). Sair do banco, como pontuador, talvez seja o seu destino, ainda que precise elevar sua eficiência para cumprir bem esse papel.

Ninguém da franquia vai falar abertamente a respeito, até para não avariar ainda mais sua cotação, mas não é segredo que o clube tenha se decepcionado com Burke. Os scouts mais otimistas esperavam que estivesse saindo um líder da Universidade de Michigan, um jogador com personalidade e recursos técnicos para compensar o que fica devendo em físico. Não aconteceu até o momento. Ainda que só tenha 22 anos, ele não evoluiu nada entre a primeira campanha e a segunda. Dá para dizer que tenha regredido, inclusive. Se for para investir tanto em alguém, a bola da vez vem da Austrália.

Como fica Raulzinho nessa, então? Em tese, ele foi contratado para ser o terceiro armador da equipe. Foi o que a diretoria lhe passou, ao sondar a possibilidade de ele deixar o basquete espanhol para cruzar o Atlântico. Na NBA, porém, as coisas avançam com uma velocidade impressionante, e talvez baste uma proposta razoável por Burke para que o brasileiro seja promovido.

Se for para falar em hipóteses, no entanto, talvez o mais simples seja o próprio jogador desbancar a concorrência no dia a dia de treinos. Admiradores dentro do clube ele já tem. Agora resta confirmar essas sensações na prática. O que o atleta entrega desde já é a visão de quadra fora do comum, a predisposição ao passe, característica que cai bem a qualquer grupo, mas principalmente no tipo de ataque que Snyder projeta. É um perfil que já difere. ''Só quero aprender a cada dia. Quero melhorar meu jogo. Ainda não falei com o técnico, mas vai ser a escolha dele os minutos que jogarei. Estou aqui para fazer meu trabalho'', afirmou o armador.

Mesmo que, num primeiro momento, encontre dificuldades, acredito que, a longo prazo, a decisão de encarar a nata do esporte nos Estados Unidos é a mais indicada. Por quê? Raul sempre foi um armador muito arrojado. A experiência na Espanha foi muito valiosa para que aprenda a cadenciar as coisas, a maneirar em seu ritmo de jogo, mas por vezes pode ser um tanto amarrada. É com um jogo agressivo que ele pode render mais. A despeito da capacidade atlética bem mais elevada que ele vai encarar daqui para a frente, as dimensões mais espaçadas e a própria velocidade do jogo tendem a favorecê-lo, a deixá-lo mais solto. E fazer coisas do tipo:

Em Utah, o armador vai ter de melhorar de modo significativo seu arremesso de três pontos para ter mais chances (em sua carreira pela Liga ACB, converteu míseros 22,9% em suas tentativas). Na defesa, o trabalho de pernas no deslocamento lateral será exigido como nunca viu antes. Enfim, há muito o que aprimorar, para além de seu talento natural. Vamos esperar para ver. Por enquanto, Raulzinho vai curtindo seu sonho. Para valer.

PS: um contrato de freelancer que começou neste mês deixará a atualização do blog um pouco intermitente durante a disputa dos Jogos Pan-Americanos.