Vinte Um

JR Smith: da confusão ao encaixe para reforçar o Cavs

Giancarlo Giampietro

E aí? Não é que deu certo?

E aí? Não é que deu certo?

O supertimes tendem a dar muito certo. O Boston Celtics de Pierce, Garnett e Allen precisou de apenas um training camp para se entender perfeitamente e caminhar para o título, o primeiro da franquia desde a era Larry Bird, após 22 anos. Em Miami, levou um pouco mais de tempo para LeBron e Wade se acertarem e terem na quadra o mesmo entrosamento da sala de estar, ou do jatinho privado, no caso. Karl Malone não conseguiu o anel com o Lakres, mas foi até a final ao lado de Shaq, Kobe e Payton, mesmo numa temporada 2003-04 espalhafatosa e acidentada.

Agora, no momento de construir uma equipe, o gerente geral X não vai obrigatoriamente buscar sempre os melhores componentes, o que há de melhor disponível no mercado. Existe, ou deveria existir uma preocupação com o encaixe dessas peças, tanto do ponto de vista esportivo, como na questão do convívio social. Não que todo elenco de NBA requeira uma aura fraternal. Família Kerr, Família McHale… Coisa mais cafona. Se tiver, porém, tanto melhor. Apenas espera-se que os jogadores tenham um mínimo de respeito mútuo para que o projeto possa ser levado adiante.

Tudo isso para chegar ao Jogo 1 da final da Conferência Leste, também já conhecido como O Jogo de JR Smith – assim como a sétima partida entre Clippers e Spurs pertence a Chris Paul. O que o ala ex-Knicks fez na quarta-feira foi para deixar qualquer observador maluco, independentemente de sua ocupação ou filiação. Torcedor, jogador, técnico, olheiro, dirigente, do Cavs ou do Hawks. Todos de queixo caídos, por diversas razões.

Fato 1: JR anotou 28 pontos, seu recorde pessoal nos mata-matas, sendo que 24 deles vieram em arremessos de três pontos. Seu aproveitamento ultrapassou o limite do absurdo, com oito conversões em 12 tentativas de longa distância.

Fato 2: JR converteu, então, 66,7% de seus arremessos de fora. O Cavs, excluindo seus números, ficou em 2-14 (14,3%). O Hawks chutou 4-23 (17,4%).

Fato 3: Dos 28 pontos de JR, 17 aconteceram entre a marca de 3min27s do terceiro período e a de 9min59s do quarto. Foram cinco disparos de três nesse intervalo, vencido por Cleveland por 22 a 4, para que uma vantagem de 85 a 67 fosse aberta no placar. O time da casa reagiria, mas o estrago foi grande demais.

Fato 4: Sabe quantos pontos os demais reservas de David Blatt fizeram? Nenhum. Zero. Nada.

Fato 5: As oito cestas de três do ala representam a segunda melhor marca de um jogador que tenha saído do banco em uma partida de playoff. Jason Terry encaçapou 9 pelo Mavs em 2011.

Foi uma exibição especial de um talento especial, que pode assombrar os adversários se empolgado. Ao mesmo tempo, talento cujo detentor também afugentou muitos dirigentes durante a temporada – e toda a sua carreira, na real. Vale a pena ler uma reportagem de Brian Windhorst no ESPN.com, na qual ele detalha como o Knicks estava desesperado para se livrar de Smith, até o Cleveland topar a empreitada. ''Francamente, o Knicks estava tentando limpar seu contrato da folha salarial na próxima temporada, mas também queria afastá-lo do time. Reclamando sobre sua situação e o status decadente do Knicks, Smith não estava apenas falhando em produzir, mas também dando muito trabalho. Na verdde, o Knicks estava tentando encontrar um meio de se livrar deles há meses'', escreve.

Se o seu antigo time o estava tratando dessa forma, que tipo de problema ele poderia causar num vestiário que já andava um tanto turbulento? (Para não falar, claro, de todo o dossiê já público sobre sua prática avançada do lunatismo.) Foi o tipo de reflexão que o gerente geral David Griffin teve de fazer antes de levar o negócio adiante. A preocupação era tamanha que o cartola chegou a pedir autorização para o Knicks para conversar com o jogador antes de assinar qualquer coisa.

Para bater o martelo, teve cobertura. Sondou LeBron e Blatt e ouviu sim de ambos. O astro não só avalizou a troca, como também a incentivou. Disse que tomaria conta do reforço. O treinador também não se mostrou preocupado com a bagagem fora de quadra: se fosse pensar apenas no jogo, as habilidades de JR seriam perfeitas para um time que precisava de mais capacidade atlética no perímetro e mais arremesso. A combinação deu certo, como podemos notar, e nem mesmo a suspensão que sofreu por agressão a Jae Crowder foi recebida de forma negativa pelo clube. Windhorst relata: todos acharam o gancho de dois jogos exagerado, apoiando o ala. Provavelmente nenhum treinador tenha se empenhado tanto como Blatt vem fazendo, na hora de defendê-lo.

Xácomigo: LeBron disse que cuidaria de JR

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E aí veio essa atuação fantástica para o Cavs roubar o mando de quadra do Hawks na primeira partida para dar razão a todos. Cheio de confiança, Smith fez chover bolas de três em Atlanta, com alguns arremessos num grau de dificuldade altíssimo. Depois, figura que só, diria aos jornalistas presentes: ''Prefiro tentarsempre um arremesso contestado a um chute livre. É meio entediante quando você arremessa livre''. E não é que os números comprovam sua preferência? O ala converte 48% nos chutes marcados, comparando com os 40% quando está isolado.

É praticamente impossível que ele consiga repetir esse tipo de desempenho, e nada perto disso pode ser cobrado, mesmo. Mas o fato é que o cestinha se sente respaldado e tem liberdade para atacar, botando pressão na defesa adversária e abrindo a quadra para LeBron fazer das suas, assim como havia acontecido na campanha 2012-13 pelo Knicks, com um sistema aberto de Mike Woodson ao redor de Carmelo. Um grande contraste com o sistema de triângulos, um ataque que propicia liberdade nos movimentos (as jogadas não são rabiscadas), mas pede muito paciência para esperar boas oportunidades de finalização. Esse alto astral, essa lua de mel muito provavelmente não vá durar ad eternum, pois a volatilidade de Smith beira o incontrolável. De qualquer forma, pelos resultados apresentados até aqui, a aposta já valeu.

O chuta-chuta parece até meio desmedido em algumas situações? Sim, tem hora que o Cavs exagera como um tudo. Por outro lado, pensem nos pivôs do time: Timofey Mozgov, Kevin Love (antes) e, principalmente, Tristan Thompson. Os três têm uma presença intimidadora perto da tabela. O canadense devora a tábua ofensiva com voracidade – contra o Hawks, foram cinco; na temporada e nos playoffs, coleta 14% das sobras. No ranking de times, apenas o Dallas Mavericks coleta mais rebotes no ataque nestes playoffs. Faz mais sentido, então, ter um chutador como JR nessa configuração. Você quer que ele acerte tudo, claro. No caso de erro, contudo, há quem esteja lá para tentar compensar. As características de cada atleta se interligam. A partir daí se forma a química em quadra. No vestiário, lideranças como LeBron e Perk entram em cena.

Iguodala num gesto em prol da química da melhor campanha da liga

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Esse tipo de situação se repete em diversos times que ainda estão no páreo, em diferentes níveis. Pegue o Houston Rockets, por exemplo, e sua rotação no perímetro. Patrick Beverley faz uma falta danada, mesmo que não seja exatamente um armador de ponta. Não sei nem mesmo se dá para enquadrá-lo como um ''armador'', ''armaaaaador'', mesmo. E talvez nem precise. Afinal, James Harden é o condutor do ataque, quem controla a bola, enquanto Beverley oferece chute de três do lado contrário e muita pegada defensiva. Os dois se complementam. Não que um jogador como Goran Dragic ou Kyle Lowry (ex-jogadores do clube, especulados nos últimos meses como possíveis alvos de Daryl Morey) não possa dar certo, mas qualquer um deles exigiria um bom ajuste tático e técnico por parte do segundo colocado na eleição de MVP desta temporada. Beverley, diga-se, foi contratado antes mesmo de Harden, mas se tornou uma companhia perfeita. Agora vai virar agente livre. Em Houston, sua importância é amplificada. Sem um ala-armador como Sr. Barba ao seu lado, será que renderia com a mesma eficiência ou relevância?

Em Oakland, Andre Iguodala foi convencido por Steve Kerr a sair do banco de reservas. Não quer dizer que hoje seja um jogador inferior a Harrison Barnes. Entrando com a segunda unidade, porém, ao lado de Shaun Livingston, pode apertar a defesa e sufocar adversários, em teoria, inferiores, além de partilhar a bola e fazer o ataque fluir. Por outro lado, o envolvimento de Barnes com os titulares elevou sua produção. O jovem dá mais amostras de seu potencial. Agora, como seriam as coisas sem a companhia de chutadores como Curry e Klay ao seu lado? É mais fácil jogar como a terceira, quarta opção em quadra do que como a referência, o foco da segunda unidade, né? Como nos tempos de Mark Jackson.

O Atlanta Hawks como um todo talvez seja o maior exemplo disso, no qual o todo se tornou indiscutivelmente maior que a soma de suas partes – temos um supertime moldado de outra forma, sem superestrelas, mas com um nível acentuado de entrosamento e preparação. Essas são questões que qualquer torcedor deveria fazer antes de cobrar, comentar ou vibrar com qualquer contratação. Nem sempre o talento individual deve prevalecer. No caso de JR Smith, a verdade é que os recursos individuais nunca foram um problema. Difícil era enquadrá-lo. Ou melhor: encaixá-lo.