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O Brasil na quartas, e Nocioni admite: “Deu a lógica”
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Giancarlo Giampietro

O Chapu afirma que ainda não se decidiu sobre a aposentadoria. "Sinto um vazio", diz após derrota

O Chapu afirma que ainda não se decidiu sobre a aposentadoria. “Sinto um vazio”, diz após derrota

Durante anos e anos, quando o assunto era Andrés Nocioni, o basqueteiro brasileiro se acostumou a reclamar barbaridade. Pudera: entre as muitas qualidades do  ala-pivô argentino, destaca-se o vigor, a disciplina, a determinação e a inteligência para defender,  predisposição ao sacrifício físico e para atacar os rebotes, e uma habilidade subestimada com a bola.

Além, claro, de muita catimba.

Essa é a reclamação maior: que ele não parava de bater, provocar, encher… a paciência de todo mundo quando era chegada a hora do clássico. Nas vésperas, ele adorava tirar uma frase ambígua da cartola para mexer com os nervos dos adversários.

Pois bem. Agora chegou a hora de ler o que o temido Chapu, um verdadeiro guerreiro em quadra, alguém que cuidou do serviço sujo para que Manu Ginóbili e Luis Scola brilhassem em Jogos Olímpicos, tem a dizer sobre o time que os derrotou, a seleção brasileira. Separo aqui alguns trechos de um texto de Nocioni em blog pela ESPN hermana:

“Na partida contra o Brasil deu a lógica. Havia muitos anos em que vínhamos vencendo os brasileiros, quando muitos esperavam um triunfo para eles. Uma hora chegaria esse dia. Eles, hoje, são uma equipe melhor, mais completa, chegando mais bem preparados para este jogo. Não há desculpas para a derrota. Somente nos resta felicitá-los e destacar o excelente trabalho que Rubén Magnano fez. Ele transformou o selecionado brasileiro, que agora pensa em equipe. Mudou a forma de o time jogar”, afirmou o jogador, que batalhou como sempre na defesa e na tábua de rebotes, mas sofreu no ataque – talvez até mesmo por conta do desgaste.

No texto, Nocioni, que vai jogar pelo Real Madrid na próxima temporada, fala também sobre a rara eliminação precoce sofrida pela Argentina nas oitavas de final da Copa do Mundo e o que isso representa futuro da equipe. Vale um destaque: ele não confirmou que essa tenha sido sua despedida da seleção.

“A sensação que este Mundial me deixou é bem estranha. Nunca me havia acontecido de ficar fora tão rapidamente de um torneio com a seleção argentina. Tenho uma sensação de vazio. Eu e o Leo Gutiérrez estávamos falando a respeito no quarto, e coincidíamos neste sentimento, que é novo para nós. Em outras oportunidades, na sequência de uma derrota havia sentido a tristeza, mas logo aparecia o orgulho ou a satisfação de ter chegado longe, ou de ter comprido um objetivo. Desta vez ficamos longe de nosso objetivo. É certo que, com as ausências de Ginóbili e Delfino, nossas aspirações mudaram. Mas, ainda sem eles, pretendíamos alcançar ao menos as quartas de final, e aí ver o que se passava no cruzamento”, escreveu.

“Nesta transição na seleção, não devemos apagar tudo de uma hora para a outra. Temos que acompanhar este processo e aportar nossa experiência. Este Mundial pode ter sido meu último torneio com a seleção, mas, até o momento, não tomei uma decisão definitiva. Não passa somente por uma questão esportiva. Há questões familiares, e já são muitos anos de estar com a equipe desde que fiz minha estreia em 1999. Quando o próximo torneio, o Pré-Olímpico de 2015, se aproximar, verei se vou jogar, ou não.”a


Escalação da Sérvia tem enigma para o Brasil responder
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Giancarlo Giampietro

Kalinic, nenhum minutinho de quadra na 1ª fase contra o Brasil

Kalinic, nenhum minutinho de quadra na 1ª fase contra o Brasil

Pode a mudança de um só jogador numa escalação mudar drasticamente o jeito de uma equipe jogar?

Ô, se pode.

Ainda mais quando você está trocando um pivô de 2,10 m e seguramente mais de 115 kgs por um ala de 2,03 m de altura e capacidade atlética acima do comum.

Pois, então: a Sérvia vai de Vladimir Stimac ou Nikola Kalinic em sua rotação contra o Brasil, em confronto pelas quartas de final da Copa do Mundo de basquete, nesta quarta? Pois é essa a dúvida que a comissão técnica brasileira deve estar ruminando em sua preparação para o embate que significa disputar uma medalha, ou não, nesta competição.

No duelo da primeira fase, vencido pelo Brasil por oito pontos, o técnico Sasha Djordjevic escalou um quinteto inicial gigantesco para bater de frente com os pivôs brasileiros de NBA. Os titulares regulares – Miroslav Raduljica e Nemanja Bjelica – estavam acompanhados por Stimac.

Já sabemos no que deu essa história: ainda que os sérvios tenham coletado muitos rebotes ofensivos e carregado a linha de frente brasileira de faltas, eles acabaram comendo poeira em quadra. A seleção brasileira conseguiu se virar muito bem defensivamente e acelerou horrores sua transição e venceu o primeiro tempo por 16 pontos – a vantagem chegou a ser de até 18.

Na volta do intervalo, Djordjevic, um cerebral armador nos tempos de jogador, voltou com uma formação muito mais leve para quadra. O pesadão Raduljica estava acompanhado de quatro atletas bastante leves. Seu companheiro de garrafão era o magricela Stefan Bircevic – e muito talentoso ofensivamente, com chute de três e facilidade surpreendente para o drible aos 2,10 m de altura –, enquanto dois armadores e um ala completavam a rotação: Stefan Markovic, Milos Teodosic e Bogdan Bogdanovic.

Sasha Djordjevic vai de Stimac novamente no 1º quarto?

Sasha Djordjevic vai de Stimac novamente no 1º quarto?

Também sabemos o desenrolar dessa história: os sérvios enfiaram 32 pontos na conta dos brasileiros– a maior quantia que a seleção levou em um quarto em seus primeiros seis jogos. Nem a Espanha, que marcou 30 pontos no primeiro quarto naquela surra que deram, conseguiu tanto.

A movimentação da equipe balcânica melhorou muito com os dois armadores e Bogdanovic em quadra. Os brasileiros tiveram problemas para perseguir os adversários fora da bola, permitindo muitas quebras de rotação e cestas fáceis para os oponentes. Dos 32 pontos, 12 foram marcados em cestas de três pontos – algo parecido com o que vimos no primeiro quarto argentino (cinco bolas de longa distância dez minutos).

Há seis dias já, a seleção tomou aquela virada, chegou a ficar atrás no placar por até sete pontos no início do quarto final, mas conseguiu reagir graças a uma defesa mais atenta no exterior e a uma participação decisiva de Tiago Splitter, com pontuação no garrafão e distribuição de jogo, e Marquinhos, recebendo os passes do pivô catarinense e matando seus tiros de fora. Detalhe: a virada da virada brasileira aconteceu ainda com a formação mais baixa da Sérvia em quadra. Para os cinco minutos finais, Stimac retornou, sem conseguir influenciar no andamento da partida – pelo contrário, a vantagem que era de três pontos, subiu para os oito finais.

É de se perguntar se Stimac vai deixar saudade no Unicaja Málaga

É de se perguntar se Stimac vai deixar saudade no Unicaja Málaga

Obviamente os técnicos de ambos os lados vão se debruçar sobre esse jogo, estudando o que deu certo e o que precisa ser corrigido. Virão os ajustes – e os ajustes extra, com cada um pensando qual poderia ser o movimento do outro. Uma das partes mais legais do basquete e que só os privilegiados que estão analisando a fita do jogo e fazendo anotações vão saber contar com precisão, até que a bola suba na quarta-feira.

A Sérvia usou Stimac por apenas oito minutos naquela partida, mas foram oito minutos em que o Brasil venceu por dez pontos. A escolha por esse pivô, que foi companheiro de Rafael Hettsheimeir no Unicaja Málaga e agora vai jogar no Bayern de Munique, só se justifica por um temor pelo jogo físico do adversário. Pois Stimac, do que vi durante a temporada, rende muito mais quando sai do banco, para dar suas trombadas ocasionais, atacar a tabela ofensiva e descansar rapidamente. Vez ou outra, o chute de média distância cai, mas ele não me parece uma arma que cause receio.

Além disso, a presença de Stimac ao lado de dois grandalhões acabou empurrando Nemanja Bjelica mais para o perímetro, com o ala-pivô marcando e atacando Marquinhos, de modo que algumas de suas habilidades foram anuladas. Tal como Bircevic – e com mais talento –, o jogador draftado pelo Minnesota Timberwolves é outro espigão que joga com uma naturalidade de armador com a bola. Ataca a cesta quase sempre frontalmente, apostando no seu chute de três pontos e seu corte de passadas largas. Também é um belo passador. É um cara que acompanhei bastante durante os últimos dois anos de Euroliga e que, pelo Baskonia ou Fenerbahçe. e quase nunca é escalado como um “3”, do jeito que pensou Djordjevic.

Na fase de grupos, Stimac participou de todas as cinco partidas, 48 minutos no total (9 em média). Contra a Grécia, porém, praticamente sumiu da rotação: jogou um só minutinho. Em uma curva contrária esteve o ala Nikola Kalinic. De apenas 22 anos, a revelação do Estrela Vermelha teve seu maior tempo de quadra no torneio justamente nas oitavas de final, com 21 minutos. Se você for conferir suas estatísticas gerais, poderá falar a respeito dos 26 minutos que teve contra os egípcios. Mas essa não conta, tá? Fiquemos combinados. E a curiosidade que constatamos fica justamente pelo fato de ele não ter participado só de um confronto. Justamente com o Brasil.

Sinceramente, tentei verificar se foi alguma virose, gripe ou ataque de rinite, mas não consegui descobrir. Ainda que as chances de um Brasil x Sérvia nas quartas de final fossem altas, não dá para imaginar que Djordjevic tenha escondido o jogo na ocasião. Caso seu lateral não tenha enfrentado nenhum problema médico, talvez o técnico simplesmente considerasse que não teria papel para ele naquela partida? Vai saber. Não imagino, francamente, que ele vá repetir essa estratégia, depois do que o rapaz fez na grande vitória sobre os helênicos.

Kalinic anotou 12 pontos em 21 e ainda somou quatro rebotes e duas assistências. Mais do que os números, conta a velocidade e o arrojo que ele entregou para sua equipe, brindando o público em Madri com as seguintes jogadas:

Gostaram?

Não é todo dia que um atleta vai colocar Ioannis Bourousis ou um Kostas Papanikolau num pôster. E aí o Kalinic me faz isso de uma vez! No mesmo jogo, no mesmo tempo, com fal-e-cesta. Lances impressionantes que podem ser comemorados, mesmo, e que, segundo Bogdan Bogdanovic, encheu o time de confiança no intervalo. Mas não só isso: são duas jogadas que mostram o potencial do ala. Ele deu mais agressividade, mobilidade e opção de contra-ataque para seu time para ajudar a derrubar uma das melhores campanhas do torneio até então.

Só precisa ver se todo dia é dia. Tirando os 11 pontos que fez contra o Egito, o ala havia somado apenas 11 contra Espanha, França e Irã, mas tentando também apenas quatro cestas , acertando três delas. Quer dizer: as chances que teve, aproveitou, mas  a) parece não haver muito espaço para ele no time; b) talvez ele seja mais tímido, disputando apenas seu segundo torneio adulto com a seleção, vindo de 2,8 pontos por média no Eurobasket; c) ou que ele esteja sujeito realmente aos preceitos táticos de Djordjevic.

Se Kalinic estiver antenado, envolvido com o time, tem o tipo de capacidade atlética que vai requerer algum cuidado da defesa brasileira vai ter de lidar caso o sujeito seja, mesmo,e escalado. Fica o mistério, agora com menos de 24 horas de estudos dos técnicos, e a Sérvia precisando escolher qual cartada vai dar.


A contribuição vibrante de Marquinhos para a seleção avançar
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Giancarlo Giampietro

Marquinhos, vibrante

Já falamos aqui de um Leandrinho que anda mais contido, e, ao mesmo tempo, mais eficiente como pontuador nesta Copa do Mundo. Não é a única mudança notada em alguns dos personagens que tentam reconduzir a seleção brasileira a um pódio neste nível de competição. Na vitória contra a Argentina neste domingo, tão comemorada,  o armador Raulzinho roubou a cena, enquanto os pivôs esmigalhavam os argentinos no garrafão. Agora, se você for reparar bem, houve outro jogador que deu contribuição importantíssima na batalha mais próxima da cesta: Marquinhos. Sim, o Marcus Vinícius Vieira de Souza, mesmo, jogador que sempre teve seu talento ressaltado por estas quadras, mas que dificilmente foi confundido por um cara vibrante.

O ala da seleção brasileira apanhou oito rebotes no triunfo pelas oitavas de final, algo bastante incomum em sua carreira. Basta olhar os números proporcionados pela Fiba para perceber isso:

Marquinhos, números do Mundial, 2014, seleção

O senhor Tuto Marchand que nos perdoe, mas recomenda-se nem dar bola para as linhas estatísticas de 2007 e 2011 do torneio que carrega seu nome. A Fiba pode assumi-lo como algo oficial, mas sua conotação é muito mais de amistoso, um quadrangular preparatório para a Copa América, do que um troféu internacional que os times participantes estejam doidos para conquistar. Em suma: o nível de competitividade diminui. Não conta. Posto isso, Marquinhos então chega às quartas do Mundial com sua maior média de rebotes em jogos internacionais: 4,8.

Para alguém de 2,07 m de altura, não é exatamente uma façanha, é verdade, mas representa um avanço sensível se comparado com suas outras campanhas. Ainda mais que sua quantidade de minutos no Mundial não anda tão elevada assim (apenas 21 por jogo). Numa projeção por 30 minutos  por partida, seu rendimento subiria para 6,8.

Marquinhos, atacando também lá dentro – ainda que a preferência da casa ainda seja os tiros de fora, mesmo: são 4 por jogo em apenas 21 minutos, mas fundamentais para espaçar a quadra e dar um pouco de liberdade para os pivôs

Marquinhos, atacando também lá dentro – ainda que a preferência da casa ainda seja os tiros de fora, mesmo: são 4 por jogo em apenas 21 minutos, mas fundamentais para espaçar a quadra e dar um pouco de liberdade para os pivôs

No NBB, a média de sua carreira é de 4,3 rebotes por jogo, mas em praticamente 33 minutos de ação. Em seu melhor ano no fundamento, apanhou 5,5 por rodada vestindo a camisa do Pinheiros em 2008-09, mas em 38 minutos – no atual ritmo pela seleção, se tivesse esse tempo de quadra, sua média subiria para 8,6 rebotes, algo impressionante.

Até porque cabe uma diferença: Marquinhos tem altura e agilidade, mas fica muito menos próximo da cesta do que um Varejão ou um Nenê, por exemplo. Em atividade pelo Flamengo, diga-se, está quase sempre com a bola nas mãos, criando no perímetro, tentando uma avalanche de arremessos de três pontos (5,1 e 5,7 nos últimos dois campeonatos). Esse posicionamento se repete na seleção, com o ala bastante aberto. – de modo que os rebotes ofensivos são praticamente impossíveis de acontecer. O que não o impede de dar apoio aos pivôs na defesa.

Contra uma Argentina que puxava seus pivôs (ou falsos pivôs, digamos) para a cabeça do garrafão e a linha de três pontos, era imperativo que Marquinhos fizesse um bom trabalho de cobertura e na briga pelas rebarbas na tabela brasileira, ainda mais brigando com gente como Andrés Nocioni e Marcos Mata, que são ferozes e oportunistas ao atacar a tábua ofensiva. O ala brasileiro segurou o tranco, com 8 rebotes em 32 minutos, assim como havia feito na estreia contra uma França igualmente desafiadora, com Batum e Gelabale, assegurando 6 rebotes em 27 minutos.

Marquinhos x Marcos Mata

Marquinhos x Marcos Mata

Ter Marquinhos – e os alas em geral – mais próximos dos pivôs é uma carência constatada há tempos na seleção. Ironicamente, foi algo que um argentino, mesmo, apontou antes do clássico deste domingo. O ex-armador argentino Pepe Sánchez, hoje comentarista, via um ruído na comunicação entre a turma de fora e os pivôs. “Em todos estes anos, o time não tem mostrado entre  o jogo interior e o perímetro. Ou é perimetral, ou é interior. Talvez agora Marquinhos esteja fazendo um pouco isso”, afirmou. Bem-vindo seja o apetite.

A tendência do majoritária do torcedor brasileiro é valorizar o ataque e do “esporte-arte”, não importando a modalidade. No basquete, isso quer dizer que os holofotes geralmente estão dedicados aos cestinhas. A enterradas de levantar a torcida, bandejas acrobáticas e, claro, arrremessos de três pontos salvadores. São lances muito bonitos, claro. Natural, então, que o jogador brasileiro em geral esteja muito mais propenso a abraçar essa causa. Jogar pelo show.

Não dá para ser chato e condenar todo e qualquer lance que se enquadre nessa linha. Nem todo mundo precisa ser Ucrânia nessa vida. Atenção também, por favor, aos termos “majoritária” e “em geral”. Obviamente há diversas exceções para serem destacadas, como um Varejão, que sempre teve tino para lutar por rebotes, perseguir armadores na defesa e trazer o caos para a quadra. Alex Garcia sempre foi um exemplo. O cavalar Marcus Toledo, do Pinheiros, o Mineiro, do Paulistano, Daniel Alemão, do Mogi, e mais, e mais, e mais. Mas, bem, sabemos que a vocação de nossa base é direcionada para o aspecto ofensivo. E, ok, vence quem acerta mais bolas numa cesta, mesmo. Só não dá para achar o esporte é feito disso, como a atual guinada vivida pela seleção na Copa do Mundo nos evidencia.

É uma equipe combativa, que vai limitando seus adversários a apenas 68 pontos por jogo. Vencendo muito mais por seu comprometimento defensivo do que por iluminação ofensiva. Para sustentar uma boa retaguarda, obviamente é importante ter princípios, coordenação, comunicação, boa análise dos adversários e muitos outros fatores. Dentre eles, porém, nada supera o empenho. Não adianta o técnico cantar tudo em treinos e ao lado da quadra durante os jogos, se os atletas não estiverem dispostos a lutar pela bola. De modo intenso, como vem sendo o gratificante caso de Marquinhos.


Raulzinho bagunça com Argentina e faz aposta de Magnano valer
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Giancarlo Giampietro

Raulzinho, celebrado pelos veteranos, com justiça

Raulzinho, celebrado pelos veteranos, com justiça

Caçulinha quem? Vamos cortar quem?

Uma das principais figuras na já memorável vitória contra a Argentina foi o atleta mais jovem de uma seleção que já está na reta final de um ciclo, Raulzinho. Lembremos que a equipe convocada por Rubén Magnano a tem a média de idade mais velha do torneio: 31 anos. Abaixo dos 30, são apenas três atletas, com Tiago Splitter (29) e Rafael Hetsheimeir (28) chegando lá. O intervalo do segundo mais jovem para o caçula do time, de 22,  é de mais de meia década, uma eternidade no basquete. Neste domingo, porém, o armador reserva jogou como gente grande, como gente formada, justificando o grande voto de confiança que recebeu de seu treinador há algumas semanas.

Raulzinho primeiro ajudou a estabilizar a defesa, tanto na contenção das infiltrações de Facundo Campazzo, como na flutuação para tirar o espaço dos arremessadores argentinos. Depois, no segundo tempo, se aproveitando das diversas posses de bola extra proporcionadas por seus pivôs, se esbaldou no ataque para chegar a incríveis 21 pontos em apenas 24min20s.

“É muita felicidade pela vitória, mas acho que nosso objetivo é maior. A gente não veio para ganhar da Argentina. Vamos chegar ao mais alto possível e tem muito campeonato pela frente”, disse o jogador. “Hoje é curtir e amanhã já pensar na Sérvia.”

Foi uma grata surpresa. Mas nem isso faz jus ao que o jogador executou em quadra, dada a tensão envolvida no confronto. Vejamos:

1) jogo de mata-mata? Sim.

2) numa Copa do Mundo? A-hã.

3) contra a Argentina, eterno capataz? Confere.

4) saindo do banco com seu time já em preocupante desvantagem? Até isso.

E o armador deu de ombros, com calma e assertividade impressionantes e determinantes para a virada brasileira. Foram dois passes para cesta apenas, mas o jogo pediu outro tipo de atuação do rapaz – a bola vindo de dentro para fora, a partir das dobras que os pivôs forçavam (Nenê, Varejão e Splitter somaram 11 das 16 assistências do time), e restava a ele matá-la. A Argentina abriu espaços, como sempre gosta de fazer com os “baixinhos” brasileiros. Dessa vez pagaram caro.  Com o filho do Raul em quadra, o Brasil venceu seu arquirrival por 25 pontos de diferença.

Raulzinho bagunçou com seus defensores, acertando de todos os cantos. Veja seu gráfico de arremessos (que a Fiba, aliás, poderia caprichar um pouco mais, né? Que tal cores diferentes?):

Dentro e fora: o caçula da seleção teve paciência para ler o que a defesa argentina oferecia e se esbaldou

Dentro e fora: o caçula da seleção caprichou na batalha naval

Se você fizer as contas entre “bolinhas” e “tracinhos” acima, temos 9 em 10 arremessos convertidos (na conta, entrariam ainda mais dois lances livres). O brasileiro teve paciência para ler o que a defesa argentina lhe oferecia e se esbaldou a partir daí. Reparem que foram cestas de curta, média e longa distância. E mais: mesmo sendo agressivo buscando a cesta, ele não cometeu sequer um desperdício de posse de bola em seus 24 minutos. Diante de uma produção dessas, não havia como Marcelinho Huertas voltar para quadra, mesmo (15 minutos para o titular, nenhum ponto e nenhuma assistência).

Ao olhar as estatísticas de seu atleta mais jovem e o gráfico de arremessos acima, Magnano deve sorrir confortavelmente, e com orgulho também. “Raul estava preparado. Eu sabia que poderia contar com ele”, afirmou o técnico. “Senti muita confiança no arremesso. Tive oportunidades, e fui capaz de aproveitá-las”, respondeu o jogador.

Há questão de semanas, quando definiu o grupo para a Copa do Mundo, o argentino foi bastante contestado por optar pelo corte de Rafael Luz. Considerava as críticas cabíveis, considerando o quão bem o outro jovem armador de sua pré-convocação se apresentou nos primeiros amistosos do time e também no Sul-Americano. Hoje, é normal que o sentimento seja de dar mão à palmatória. Obviamente que Rafael está justificando a decisão. A questão, para mim, é que a presença de um não teria de significar a exclusão do outro – ainda mais por Rafael ser bastante atlético e forte. Basta ver os minutos distribuídos pelo treinador até aqui, para se constatar. Mas essa é outra história.

Raulzinho lá dentro

Raulzinho lá dentro

As dúvidas em torno de Raul aumentaram justamente devido ao seu desempenho no torneio continental, na Venezuela. Ao lado de Luz, Hettsheimeir e Augusto Lima, era um dos atletas de que se esperava mais naquele torneio, e ele não foi muito bem. Marcou 10,2 pontos por jogo, acertou 50% dos tiros de dois pontos – a parte boa. Mas acertou apenas três em 19 arremessos de três pontos (15,8%), com mais turnovers do que assistências (12 x 11). Alguns de seus desperdícios de posse de bola aconteceram em momentos cruciais de jogos parelhos contra Argentina (final da fase de grupos) e Venezuela (semifinal). Duas derrotas. Na ocasião, o armador realmente se atrapalhou em investidas individuais, diante de oposição muito inferior ao que está habituado a enfrentar na sua precoce carreira.

Raulzinho jogou na elite brasileira, pelo Minas Tênis, de 2008 a 2011, como um adolescente. Em 2010, com 18 anos, foi convocado de modo surpreendente por Magnano para disputar seu primeiro Mundial (ficou atrás de Huertas e Nezinho na rotação). Depois, se transferiu para o fortíssimo espanhol, jogando sempre na Liga ACB, primeira divisão do país, e liga nacional mais competitiva da Europa, sendo uma figura importante do Gipuzkoa Basket, mas ainda não um protagonista do certame (médias de 7,9 pontos e 2,7 assistências na carreira).

De todo modo, são bons números para alguém tão jovem. O suficiente para reforçar sua imagem no radar da NBA e ser convidado para o Nike Hoop Summit, o adidas Eurocamp e outros eventos que reúnem a nata das revelações internacionais. Nesse processo, jogou com personalidade e conseguiu se destacar a ponto de ser draftado pelo Utah Jazz em 2013, como o 47º no geral. A franquia o tem em alta conta, mas preferiu apostar primeiro no badalado universitário Trey Burke, deixando o brasileiro com seu desenvolvimento na Europa, mesmo. Ele agora se transferiu para o Murcia, que tem bom retrospecto no trabalho com jovens, como Augusto Lima pode comprovar.

Embora não jogue a Euroliga, no Murcia ele ao menos pode continuar aproveitando um calendário reduzido de jogos para afinar suas habilidades e alargar um repertório que já pode surpreender grandes adversários.  Na temporada passada, sua maior contagem de pontos foi de 17, que marcou na penúltima rodada contra o poderoso Real Madrid. Na campanha 2012-13, conseguiu seu recorde pessoal justamente contra o outro peso pesado espanhol, o Barcelona, com 25 pontos.

Quer dizer, em jogos chamativos, ele entregou seu melhor.

Agora, fazer isso contra a Argentina? Não estava no script de muitos, não. Talvez nem do Magnano.

Mas quem vai contrariá-lo agora?

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O jogo contra o Egito parece ter dado um empurrãozinho na confiança de Raul. Contra o time mais fraco do Mundial, o armador havia acertado todos a suas sete tentativas de cesta, incluindo uma enterrada. Se considerarmos que ele errou apenas um em 10 chutes contra os argentinos, temos a seguinte marca: nos últimos dois embates, seu aproveitamento de quadra foi de 16/17 (94%).

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A melhor marca de pontos de Raulzinho pela seleção principal era de 15 pontos, contra a Venezuela, na semifinal do Sul-Americano.

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A exibição do armador foi notada pela audiência internacional:

Este é o ex-treinador e hoje analista da ESPN americana fazendo uma pegadinha com os torcedores do Utah Jazz. Dante Exum disse adeus ao Mundial com a Austrália, enquanto Raulzinho segue em frente. Hoje, o brasileiro é um jogador superior, mas não é justo comparar também: o australiano está apenas iniciando sua curva de aprendizado em basquete de alto nível. Meses atrás, estava batendo bola no colegial em seu país. Num futuro breve, devem ser companheiros de time.


Brasil supera traumas, anula e Scola e mete 20 pontos na Argentina
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Giancarlo Giampietro

Nenê e seus comparsas dessa vez dominaram Scola, abrindo caminho para sacolada

Nenê e seus comparsas dessa vez dominaram Scola, abrindo caminho para sacolada

O começo de jogo não poderia ser mais preocupante. Luis Scola terminou o primeiro quarto com apenas dois pontos, e a Argentina estava na frente por 21 a 13, bombardeando da linha de três pontos. Então ficava aquela impressão: você tira o cabeleira do jogo e abre o perímetro. Se for brecar os tiros de fora, vai deixar o cara jogar? Como se as coisas fossem excludentes.

Hoje, Scola joga muito mais flutuando do que próximo da cesta. Segurar o velho carrasco na cabeça do garrafão e fiscalizar os arremessos eram tarefas que poderiam ser enquadradas no mesmo plano, e, quando isso passou a acontecer, o Brasil deslanchou em quadra, caminhando para uma vitória há muito tempo aguardada sobre os rivais sul-americanos em um mata-mata de respeito: 85 a 65, e a vaga nas quartas de final conquistada. A Sérvia é o próximo obstáculo, na quarta-feira.

"Wild Thing". Um dos melhores apelidos do basquete atual, fazendo justiça a um Anderson Varejão dominante nos rebotes: 5 ofensivos _ 8 pontos e 4 assistências numa grande atuação

“Wild Thing”. Um dos melhores apelidos do basquete atual, fazendo justiça a um Anderson Varejão dominante nos rebotes: 5 ofensivos _ 8 pontos e 4 assistências numa grande atuação

Na defesa e nos pormenores do jogo interno, os pivôs foram totalmente dominantes na zona pintada e seguraram o craque argentino com uma linha estatística irreconhecível: 7 pontos, 7 rebotes e 2/10 nos arremessos, mais os frustrados 3/8 nos lances livres. Além disso, Raulzinho veio do banco totalmente confiante, ignorando por completo a idade que seu RG mostra, 22 anos, caçula da equipe, marcando 17 pontos em 22 minutos, acertando 8 de 9 arremessos.

Uma revelação em quadra o armador, ajudando o Brasil a conquistar sua terceira vitória contra a Argentina em jogos em que Scola estivesse em quadra, depois de sete derrotas em nove confrontos. Os argentinos sentiram a falta de Manu Ginóbili durante todo o torneio – mas já haviam batido os brasileiros sem o genial ala-armador do Spurs antes. Dessa vez, porém, com um elenco cheio de improvisos, mesmo com o fator emocional e o retrospecto ao seu lado, não tiveram forças para lidar com a seleção brasileira.

Eles só se deram bem, mesmo, por dez minutos. No primeiro quarto, os brasileiros permitiram que os hermanos acertassem cinco bolas de fora, 15 pontos, equivalendo a 71% do escore deles. Pablo Prigioni, de uma hora para a outra, havia se transformado num Stephen Curry, acertando todos os seus chutes – terminou o primeiro tempo com 100% de quadra e 15 pontos na sua conta.  Sabemos que o veterano argentino não é tão produtivo ou arrojado assim com a bola em mãos. Nunca foi. Suas oportunidades surgiam com base na movimentação de bola de um ataque muito espalhado.

Sem referências internas, o adversário jogava com até cinco atletas flutuando. Por dez minutos e um pouco mais, a defesa brasileira simplesmente permitiu muitos chutes livres. A partir do momento em que acertou suas rotações – novamente com participação decisiva e muito mais atenta de Alex, Larry e Raulzinho – sim, o armador foi primeiro importante na defesa, para depois arrebentar no ataque, matando seus arremessos de todos os cantos. Ajudou, claro, o acúmulo de faltas de Scola também, que teve de descansar por quase todo o segundo período. Quando ele voltou, porém, sua presença não foi o suficiente para desequilibrar novamente a defesa no perímetro.

Garrafão: território brasileiro
As faltas anotadas contra Scola e sua ineficácia geral na partida foram consequências diretas do impacto dos pivôs brasileiros (mais tamanho, mais força física, mais agilidade e disposição para prevalecer no jogo sujo e nas pequenas tarefas). Splitter, Nenê e Varejão marcaram 21 pontos somados. Aí numa análise mais rasa, pode-se até pensar que foram mal, que espera-se muito mais deles, e tal cousa, e lousa, e maripousa, como diria o Alberto Helena. Mas realmente não dá para cobrar muito mais dos grandalhões, como outros números igualmente importantes atestam. Por exemplo: eles deram 11 das 16 assistências brasileiras.

O fato é que os três foram agressivos durante toda a partida e, aos poucos, com persistência e inteligência,  controlaram o garrafão – especialmente depois do intervalo. No terceiro período, a equipe nacional apanhou o dobro de rebotes ofensivos que havia obtido em toda o primeiro tempo, chegando a nove. Varejão foi o destaque aqui, atacando a tábua de ataque sem parar, atropelando um guerreiro como Andrés Nocioni no meio do caminho. O capixaba terminou cinco rebotes do lado argentino da quadra. Splitter apanhou mais três. O trio somou 21 rebotes. Para comparar, no total, a Argentina teve 26 (contra 39 do adversário). Ressalte-se aqui também os oito rebotes de Marquinhos, um fundamento que nunca foi o seu forte. O ala estava energizado.

Com mais posses de bola, oprimindo e desmoralizando a defesa argentina no jogo interno, o Brasil passou a afinar seu ataque, elevando atee mesmo sua produção nos tiros de fora, saindo de 2/11 no primeiro tempo (18,8%) para 8/18 na segunda etapa (44,4%). Outro mundo. A mínima troca de passes envolvendo os pivôs representava um desafio para os adversários, que formaram uma seleção sem envergadura e capacidade atlética. Tiveram muita dificuldade para contestar.

Depois de tomar 5 em 9 disparos até a metade do segundo quarto (55,5%), a seleção limitou seus oponentes a apenas 4 dos próximos 17 (23,5%) até que Salem Safar procurou sacudir as coisas no quarto final. Quando a vantagem brasileira já era superior a 10 pontos. Não seria o ala reserva argentino que alteraria o panorama do jogo. A essa altura, a Argentina estava basicamente rendida, sem ter a quem recorrer para fazer frente a um time muito mais atlético, sem nenhum vestígio de temor do seu lado. Dessa vez, não houve retrospecto, não Scola, nem nada que impedisse a seleção brasileira de avançar.


Desfalques, improvisos, Scola… qual Argentina encara o Brasil?
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Giancarlo Giampietro

Eles

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Muita coisa pode mudar e campeonato para campeonato. Manu Ginóbili joga um, perde o outro. Carlos Delfino aparece para suprir sua ausência, dependendo da fase e da motivação. Andrés Nocioni andou um tempão afastado, mas agora está batendo cartão. Fabricio Oberto se foi há tempos, Walter Herrmann regressou. Enfim, um fluxo constante. Tudo passa, menos Luis Scola.

O argentino fez alguns jogos bem fracos pelo Indiana Pacers este ano, dando a impressão de que seus dias de matador talvez estivessem chegando ao fim. Mas nada como uma temporada com sua seleção nacional para se reenergizar. E cá está o pivô, já histórico, liderando a tabela de cestinhas do Mundial, se levarmos em conta só os que ainda estão em competição. Ele e sua seleção prontos para desafiar novamente os brasileiros, com nova configuração ao seu redor.

E aqui chegamos a um ponto muito relevante sobre a versão 2014 da Argentina. Quando falamos em desfalques, pensamos rapidamente nos nomes – Ginóbili e Delfino. A ausência da dupla é muito sentida do ponto de vista atlético, mas também abala seu poder de imprevisibilidade. Nenhuma novidade nisso. Mas pouco se fala sobre as consequências dessas baixas em relação o papel de quem se apresentou e sobre qual seria a melhor forma de combiná-los. Enfim, o impacto na rotação.

Para quem gosta de numerar os atletas de 1 a 5 em quadra, fica o convite para se enquadrar os argentinos. Dos oito atletas que vêm sendo mais utilizados, teríamos algo como três da posição 1 (Prigioni, Campazzo e Laprovíttola), um da 3 (Mata) e quatro que seriam 4 (Scola, Nocioni, Herrmann e Leo Gutiérrez). Que tal? Faz sentido? Obviamente que não, e por isso que é sempre preciso muito cuidado na hora de rotular jogadores de basquete. Dependendo da dinâmica de cada time, tudo é muito volátil. Vejam Oberto tentando matar a charada: “Estão jogando com posições trocadas. Um quatro, Scola, que joga de cinco. Um mix de três com Chapu e Walter. Um mix de 1, com Campazzo e Prigioni. Em vez de ter uma posição forte, cada um ajuda o outro”, disse (segundo declarações coletadas pelo site BásquetPlus.com).

Nocioni não vem fazendo o melhor Mundial possível, um tanto sacrificado pelas combinações diferentes do elenco agentino. Mas ainda é um leão na defesa e nos rebotes, para quem nunca vai faltar confiança. Sem contar a catimba, claro

Nocioni não vem fazendo o melhor Mundial possível, um tanto sacrificado pelas combinações diferentes do elenco agentino. Mas ainda é um leão na defesa e nos rebotes, para quem nunca vai faltar confiança. Sem contar a catimba, claro

Antes que alguém pegue carona com o ex-pivô do Spurs sobre Nocioni ser um 3 e tal, tal, tal, saibam que, na real, nos últimos dois anos ele jogou como o ala-pivô/4/PF (se quiserem muito, escolham…) pelo Baskonia. Com liberdade para atacar de todos os cantos da quadra, mas quase que defendendo grandalhões na defesa. Com sua força física, determinação e inteligência, não foi problema. A ponto de ser contratado pelo Real Madrid. Para Herrmann, ainda mais lento, vale o mesmo. Se Lamas fosse, então, encarar seu elenco de modo estratificado, teria sérios problemas. Muita gente boa não ia nem poder entrar em quadra.

Mas sua abordagem não foi convencional. Sem Manu ou Cabeza, poderia term simplesmente promovido o ala Selem Safar para o quinteto titular. Agora, mesmo que ele tenha feito grande partida contra Porto Rico na estreia, parece não ter a confiança do treinador para jogos mais duros. O que ele fez? Puxou uma dupla armação da cartola, até para ganhar mais velocidade e arrojo a partir do drible.  “Essa de trocar posições acho que saiu da melhor maneira possível. Não creio que Júlio goste de jogar desta forma, com a dupla armação, porque nunca jogamos assim. Mas não há ouros criadores de jogo que não sejam os armadores. Não há outras alternativas”, afirma Pepe Sánchez, justamente o condutor do time campeão olímpico em 2004 e hoje um excepcional analista.

Essas “posições trocadas” também foram adotadas, forçosamente ou não, na linha de frente, para acompanhar Scola. Aqui acontece o mesmo: Lamas não parece disposto a confiar minutos significativos a seus atletas mais jovens. Marcos Delia recebeu apenas 7,8 minutos em quatro partidas (ficando fora de uma, inclusive). Matías Bortolín (muito promissor) e Gallizzi só entraram nos minutos finais de uma lavada para cima de Senegal. Em seu conservadorismo, o treinador priorizou os veteranos a todo custo. Agora, isso não impediu que quebrasse alguns padrões a partir daí.

Delía seria o único 5 do time (por favor, só não se refiram a ele como um “cincão”, uma vez que ele faz tanta sombra em quadra como uma caneta esferográfica). Talvez ganhe mais tempo de quadra contra o Brasil, especialmente no primeiro período, para tentar frear um pouco o jogo interno brasileiro. No decorrer da partida, porém, espere por muitas rotações com Scola, Herrmann e Nocioni juntos. Três alas-pivôs atacando e combatendo em conjunto, talvez fazendo mais uso de marcação bem recuada, em zona, para fechar o garrafão. “Delía pode dar minutos de oxigenação para a equipe, mas a realidade é que precisam fazer com que joguem Chapu e Luis todo o tempo que puderem, e viver ou morrer com isso”, diz Sánchez.

É um caminho que Lamas se vê obrigado a seguir, por dois motivos. Ninguém parece ter dado conta da falta de Juan Gutiérrez. Claro que ele não está no nível técnico de muitos dos nomes aqui já citados. Mas é alto, rodado e encarou bem os pivôs brasileiros em Londres 2012.  Sem esse tipo de cobertura defensiva, teve de se virar. O segundo ponto: não deixar que Scola fique por muitos minutos num combate mano-a-mano com gente que é mais alta e muito mais atlética. Daí viria um risco inadmissível: um acúmulo de faltas para o craque – tal como aconteceu no choque com Andray Blatche e as Filipinas – seria provavelmente mortal para suas pretensões contra o Brasil. Se no último clássico, nas Olimpíadas, o treinador conseguiu resguardar o pivô, que recebeu “apenas” 29 minutos, isso aconteceu só por ter Ginóbili e Delfino também ao seu dispor. Isto é, tinha outras fontes produtivas de onde tirar pontos. No Mundial de 2010, porém, só lhe deu um minutinho de descanso. Esperem um manejo parecido neste domingo.

Pepe Sánchez pede: quanto mais Chapu e Luis, melhor

Pepe Sánchez pede: quanto mais Chapu e Luis, melhor

A despeito dos improvisos constatados, os veteranos acreditam que a Argentina já desenvolveu um bom conjunto na primeira fase da Copa para poder encarar – e derrubar o Brasil, até por notarem algumas falhas no próprio adversário. Sánchez recorre ao amistoso que disputaram no mês passado, em Buenos Aires. “A partida em Tecnopolis ficou na retina. O Brasil não sabe lidar com isso. Nestes anos todos, o time não mostra uma conexão entre o jogo interior e o perímetro. Ou é perimetral, ou é interior. Quiçá Marquinhos agora esteja fazendo um pouco isso, mas nós temos Chapu, Leo, Walter, que são jogadores que fazem essa conexão. Nós conseguimos complicá-los muitos quando nos fechamos e oferecemos o tiro externo, cortando-lhes o pick-and-roll e os obrigando a arremessar”, afirmou o ex-armador.

Confiante, não? Mas não se pode tomar seu comentário como soberba. Fato é que essa (des)conexão destacada por Sánchez é o que vem sendo pedido por aqui desde os mesmos amistosos. Ele só usa um termo diferente. A “conexão” seria produto (ou mesmo a causa) de um ataque mais fluído, com mais movimentação dos laterais e dos próprios pivôs, algo que vem faltando ao time de Magnano nas situações de meia quadra.

Além do mais, o próprio Sánchez parece depositar muito mais fichas no aspecto emocional do confronto deste domingo do que nos aspectos táticos, ainda que não veja ainda a seleção brasileira com uma “consistência europeia” – mesmo que o adversário não jogue mais de modo acelerado. É aquela coisa: nem sempre a cadência significa coordenação.  “Tivemos dificuldades contra os europeus (na primeira fase). Em um cruzamento com o Brasil, há coisas diferentes. É um clássico, que se joga de outra maneira, e isso pode nos ajudar. O que melhor mostramos até agora foi o coração, a energia, a entrega, e isso pode pesar contra o Brasil. Contra os europeus, pesa menos, porque têm um plano tático que seguem à risca. A consistência da outra equipe executando está custando muito para nós. Se pudermos envolver o Brasil num jogo mais quente, sanguíneo… Anos atrás teria sido o contrário, mas hoje temos de maximizar nossas possibilidades. Estamos no limite.”

Herrmann, futuro flamenguista, muito forte próximo ao aro. Talvez as mais largas mãos da Copa

Herrmann, futuro flamenguista, muito forte próximo ao aro. Talvez as mais largas mãos da Copa

Pensando neste limite, é muito provável que a equipe vá até onde Scola puder levá-la. Quanto menor a frequência de Ginóbili em torneios com El Alma, como os hermanos tratam o time internamente, mais natural foi o crescimento da liderança do camisa 4. Hoje, seu pulso firme já interfere em questões muito além das quadras, como pudemos ver durante a crise política aberta antes do início da preparação – foi a voz mais assertiva entre os jogadores. Além disso, há diversos relatos sobre o modo cuidadoso como trata as revelações do país. De grandes gestos como levar o espigão Marcos Delía em sua bagagem para um período de treinamentos em Indiana, pagando tudo, a pequenos mimos: durante este Mundial, deu uns quatro pares de tênis para Tayavek Gallizzi. Um grande personagem, que merece todo o respeito.

Sua influência no campo ofensivo é um problemaço para se resolver. Neste sazonal mundo Fiba, o cabeleira bota para quebrar tanto perto como longe da cesta. A variação é grande não só em suas fintas, mas nos pontos em que recebe a bola para atacar. Isso requer muito mais estudo e atenção a detalhes por parte de treinadores e jogadores. Você pode preparar um scout com diretrizes, mas nem sempre há uma solução clara, uma vez que este craque pode te ferir tanto com os arremessos de média para longa distância, como também pode por a bola no chão e partir para a cesta com leveza surpreendente para alguém tão forte e que pode parecer pesado à primeira vista (no caso da audiência brasileira, já é à quinta, à sexta vista, mas tudo bem).

Com três pivôs fortes, experientes e atléticos para marcá-lo, a defesa brasileira não deveria recorrer de primeira a marcação dupla. Se isso for acontecer, as rotações precisam estar afinadas para que seus arremessadores não sejam liberados. Neste Mundial, os argentinos têm cinco jogadores queimando a redinha nos chutes de longa distância: Scola (60%), Mata (58,3%), Herrmann (50%), Safar (46,2%), e Prigioni (43,8%). Os veteranos Nocioni e Leo Gutiérrez, por outro lado, não vêm tão bem no fundamento, respectivamente com 27,3% e 32%, assim como Campazzo (27,8%), mas melhor nem pagar para ver.

Outra questão que requer atenção decorre dos ataques em que Scola vai flutuar na cabeça do garrafão. A ideia inicial tende a ser uma jogada em dupla com o armador da vez. Com Campazzo e Laprovíttola, Julio Lamas não verá problema em forçar a troca e fazer seu baixinho atacar um grandalhão (por sorte, os três pivôs da NBA são excelentes nesse tipo de situação de aparente desequilíbrio). De todo modo, o ideal seria que cada atleta seguisse grudado ao seu oponente, impedindo o mismatch, para que Scola também não tenha um instante de liberdade para receber o passe de volta e subir para o arremesso. Uma terceira via que os argentinos podem buscar a partir daí é o corte pelo fundo de um Nocioni ou de um Herrmann em que eles assumem o poste baixo e a assistência em high-low para punir defensores mais baixos.

É a tal da conexão em que Pepe Sánchez aposta. O entrosamento que a Argentina acredita impor ao redor de seu pilar ofensivo, não importando as peças que tenha disponíveis. Caberá mais uma vez ao Brasil de Magnano tentar desmantelá-los..


Brasil x Argentina: o clássico em números
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Giancarlo Giampietro

Neste domingo, tem Brasil x Argentina pela Copa do Mundo de basquete (17h no horário de Brasília). Acho que vocês já sabem, né? Seguem então alguns links relacionados ao jogo e, logo abaixo, um apanhado de números da história recente dos confrontos:

161 – minutos Luis Scola passou em quadra nas primeiras cinco rodadas do campeonato (32,2). Foi o quinto que mais jogou, atrás de Andray Blatche (Filipinas), Gorgui Dieng (Senegal), Bojan Bogdanovic (Croácia) e Samad Nikkah Bahrami (Irã).

116 – já Leandrinho foi aquele que ficou menos tempo sentado no banco brasileiro, com 116 minutos (23,2) de ação, apenas 63ª maior média do torneio.

77,7% – é o aproveitamento da Argentina contra o Brasil com Luis Scola em quadra, em nove jogos desde o Mundial 2002. Foram sete vitórias (Mundial 2002, Copa América 2003, 2 na Copa América 2007, Mundial 2010, Copa América 2011 e Olimpíadas 2012) e duas derrotas (Copa América 2009 e 2011).

Huertas, efetivado como titular com Moncho, numa rara vitória sobre Argentina de Scola (2009)

Huertas, efetivado como titular com Moncho, numa rara vitória sobre Argentina de Scola (2009)

37 – no Mundial da Turquia 2010, Scola arrebentou a defesa brasileira com 37 pontos, numa atuação verdadeiramente histórica (recorde individual de seu país no torneio). Sabe quantos minutos ele descansou na ocasião? Um. Apanhou ainda nove rebotes, deu três assistências e matou 14 de seus 20 arremessos, para um aproveitamento absurdo de 70%.

Hettsheimeir brilhou em 2011. Pivô é o segundo mais jovem da seleção hoje aos 28 anos

Hettsheimeir brilhou em 2011. Pivô é o segundo mais jovem da seleção hoje aos 28 anos

31 – anos é a idade média do elenco brasileiro, o mais velho do torneio. Apenas três de seus atletas estão abaixo dos 30 (Raulzinho, o caçula, com 22, Hettsheimeir, 28, e Splitter, 29). A média de idade argentina é de 28 anos, com sete atletas abaixo dos 39 (o mais jovem é o pivô Matías Bortolín, de 21 anos, que jogou apenas quatro minutos no torneio até aqui).

21,6 – A média de pontos de Scola neste Mundial. É o cestinha argentino e também o cestinha entre os atletas que ainda estão vivos na disputa por pódio. José Juan Barea, estrela de Porto Rico, anotou 22 pontos por jogo na 1ª fase, mas já está eliminado.

19 – os pontos de Rafael Hettsheimeir na última vitória brasileira no clássico, em Mar del Plata 2011, uma atuação marcante e surpreendente, em 22 minutos. Na atual Copa do Mundo, o pivô perdeu espaço na rotação e anotou só 13 pontos no total, em 59 minutos. Huertas anotou 17 pontos naquele jogo, seguido pelos 14 de Marquinhos e outros 13 de Giovannoni.

18 – maior pontuador do Brasil na primeira fase, com 13,6 em média, Leandrinho foi apenas o 18º na lista de anotadores da fase de grupos, numa prova de um ataque dissipado para a seleção – não há concentração nas mãos de um só atleta.

Splitter tinha apenas 17 anos em 2002, para seu primeiro Brasil x Argentina. Jogou 2 minutos

Splitter tinha apenas 17 anos em 2002, para seu primeiro Brasil x Argentina. Jogou 2 minutos

10 – atletas das seleções jogam ou já jogaram partidas oficiais na NBA: seis brasileiros (Alex, Marquinhos, Leandrinho, Varejão, Splitter e Nenê) e quatro argentinos (Nocioni, Herrmann, Scola e Prigioni). O armador Raulzinho já foi draftado no ano passado pelo Utah Jazz.

9 – jogadores vão disputar a próxima temporada do NBB: Alex, Marcelinho, Marquinhos, Hettsheimeir, Larry, Giovannoni, Herrmann, Laprovíttola e Marcos Mata. O Flamengo tem quatro deles, enquanto o Bauru aparece com três.

8 – o primeiro confronto de mata-mata entre as duas gerações aconteceu no Mundial de 2002, Indianápolis, pelas quartas de final. E não é que, 12 anos depois, oito atletas que estiveram em quadra naquele dia 5 de setembro estão listados para o jogo deste domingo? Diz muito sobre a (falta de) renovação de ambos os times. Pela Argentina, Luis Scola, Andrés Nocioni e Leo Gutiérrez. Pelo Brasil, uma penca: Alex, Marcelinho, Anderson Varejão, Splitter e Giovannoni. Se Leandrinho tivesse saído do banco, seriam nove. O cestinha brasileiro naquela ocasião é hoje diretor de seleções da CBB: Vanderlei Mazzuchini (20 pontos).l

4,5 – a média de pontos das vitórias argentinas nos últimos dois confrontos entre as seleções.

4 – por quatro temporadas, Scola e Splitter foram companheiros de clube, no Saski Baskonia, da Liga ACB. São amigos de longa data. Juntos, ganharam a Copa do Rei em duas ocasiões (2004 e 2006). Já o armador Pablo Prigioni acompanhou o pivô catarinense por seis temporadas.

3 – a Argentina ocupa a terceira posição no Ranking da Fiba vigente. O Brasil aparece em décimo.

 


Argentina acelerou mais que o Brasil na 1ª fase. E neste domingo?
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Giancarlo Giampietro

Alex é um dos veteranos do Mundial. Mas ainda acelera como poucos

Alex é um dos veteranos do Mundial. Mas ainda acelera como poucos

Na onda de medição de estatísticas ditas avançadas do basquete, uma das mais interessantes á de “pace”. Ao pé da letra, mesmo: ritmo. O ritmo de jogo de cada time, o número de posses de bola que cada equipe usa durante os 40 minutos.

Em sua prévia sobre os confrontos de oitavas de final da Copa do Mundo, o jornalista John Schuhmann, do NBA.com, apresentou o ritmo de ataque de cada uma das 16 seleções que seguem na disputa pelo título. Para minha surpresa, a Argentina teve uma proposta mais acelerada do que o Brasil na primeira fase.

Justo a Argentina que, em sua rotação, tem um dos conjuntos mais lentos de todos os 24 elencos inscritos. Nos cálculos do analista, nossos vizinhos usaram 74 posses de bola em média nas cinco primeiras partidas, contra 72,6 da seleção brasileira. Pode não parecer muito numa primeira piscadela, mas é o suficiente para separar cinco equipes (é a diferença entre o 11º colocado e o 16º).

Para comparar, a Espanha tem 75,8 (em quinto), enquanto os Estados Unidos deixam todos os concorrentes comendo poeira, com 85,8 (em primeiro). Run, baby, run! Tendo em vista o ritmo empregado pelo Team USA, os dois rivais sul-americanos parecem tartarugas. O que não chega a ser uma surpresa, do ponto de vista deles. Agora, ver o Brasil abaixo da Argentina nesta relação só comprova a grande influência de Rubén Magnano sob seus comandados.

Quem se lembra do tempo em que esta geração brasileira, mesmo, era julgada por suas precipitações com a bola e os ataques tresloucados? Essas assertivas ficaram no passado já. Todavia, diante dessa 16ª posição brasileira no ranking – ainda mais com fracos adversários como Egito e Irã, com uma transição defensiva esburacada pesando positivamente na conta –, será que não é o caso de pensar se o time não poderia arrancar um pouco mais?

Huertas, em contragolpe, pode ser classificado na categoria de "mago"

Huertas, em contragolpe, pode ser classificado na categoria de “mago”

(E, tá certo, aqui abro espaço para todo os que queiram reclamar: “Caceta, mas não está bom nunca?! Vai ser do contra assim lá em Buenos Aires, meu irmão!” )

(…)

(Agora voltamos.)

Acho que a pergunta é justa se formos considerar as características dos atletas brasileiros convocados – ou do basquete brasileiro em geral. Mesmo que seja o time mais veterano do torneio, a característica geral do plantel é de velocidade, mesmo entre os grandalhões. Varejão, Nenê e Splitter são muito mais rápidos que a média de gente de seu tamanho. Inteligentes, ágeis, experientes, também rendem bem em situações de meia-quadra por seus respectivos clubes, mas, em quadra aberta, acho são bem produtivos, sim.

Leandrinho Barbosa, o Vulto Brasileiro, representa um contragolpe de um jogador só – Marquinhos, com suas passadas largas, também é difícil de ser pego. Huertas dificilmente corre com o brasileiro, mas, quando recebe sinal verde, encanta com seu controle de bola em disparada. Raulzinho e Larry também têm boa “largada”, assim como o incansável Alex. Enfim, já passamos aqui por grande parte da seleção. Deste grupo, diria que apenas Rafael Hettsheimeir não se beneficia diretamente de uma proposta de jogo mais arrojada.

Magnano obviamente pode apresentar os resultados da primeira fase para dizer que a cadência recomendada é a correta – o time foi o segundo que menos cometeu desperdícios de bola, por exemplo, com 11,4 por jogo (contra 14,7 dos norte-americanos). De fato, com essa abordagem, foram quatro vitórias e uma derrota pelo Grupo A.

Agora, qual foi justamente o melhor momento de sua equipe no Grupo A? Acho que não há dúvidas de que tenha sido o primeiro quarto contra os sérvios, não? Justamente um dos períodos em que a equipe mais golpeou em velocidade, para alcançar os seguintes números: 5 assistências para 9 cestas de quadra, 9/14 nos arremessos (64%). Uma execução de primeira.

As dificuldades do ataque brasileiro em situações de meia quadra já estão bem documentadas. Contra um garrafão poderoso como o da Espanha ou uma defesa extremamente atlética como a da França, o aproveitamento dos arremessos de quadra despencou. Diante dos franceses, talvez o convite para a corrida não fosse uma boa ideia. Agora, contra os irmãos Gasol? Ainda que eles estejam assessorados por quatro armadores de alto nível, é muito melhor do que desafiá-los no mano-a-mano na zona pintada.

A Argentina não tem, claro, nenhum Gasol ao seu lado. Por mais que Luis Scola seja um dos melhores pivôs do mundo Fiba, seu impacto num jogo está praticamente direcionado todo para o ataque. O craque é muito mais vulnerável na defesa, podendo ser atacado com frequência. Desde que com bom movimento de bola. Do contrário, seu time tende a fazer boas rotações defensivas, com dobras vindo de ambos os lados, variadas, para atrapalhar os pivôs brasileiros.

Se o Brasil tentar acelerar, no entanto, há pouca gente do outro lado que consiga se manter no páreo. Facundo Campazzo, Nicolás Laprovíttola? Sim, tranquilamente. Pablo Prigioni? Talvez. Agora, por mais que deem um duro danado em quadra, Andrés Nocioni, Marcos Mata, Walter Herrmann e Léo Gutiérrez teriam muita dificuldade. Para não falar de Scola.

Influente Magnano se vê novamente na posição de enfrentar seus compatriotas

Influente Magnano se vê novamente na posição de enfrentar seus compatriotas

Não que Magnano deva jogar todo o seu planejamento para o alto, orientando que seus atletas virem todos aríetes em quadra. Aliás, correr não significa precipitar. Não são sinônimos, se e a movimentação dos jogadores estiver bem esboçada. Num basquete cada vez mais competitivo, estudado e de atletas imensos, uma definição rápida tende a ser jogada mais eficiente, propensa a menos erros.

É de se esperar que, durante a fase de preparação, o argentino também tenha coordenado muitas ações de transição mais oportunistas, de acordo com as situações apresentadas numa partida. Talvez seja a hora empregá-las um pouco mais neste confronto específico?

Historicamente, o Brasil é o que acelera, e a Argentina, administra. Se os papéis não estão exatamente invertidos neste Mundial, percebe-se uma alteração significativa em suas dinâmicas. Se esse padrão do Mundial for mantido no jogo deste domingo, temos aí mais um componente tático bastante interessante no tabuleiro de Magnano e Lamas, que vai além do emocional.


Contido, mas intenso, Leandrinho se reinventa na seleção
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Giancarlo Giampietro

Leandrinho: 13,6 pontos, 55,3% nos arremessos em 23 minutos

Leandrinho: 13,6 pontos, 55,3% nos arremessos em 23 minutos

Leandrinho já passou por alguns momentos difíceis com a camisa da seleção brasileira. Pessoalmente, me lembro do desfecho da Copa América de 2007, em que teve a bola da semifinal contra a Argentina em mãos e acabou forçando um disparo de três pontos, que não foi dos melhores. Valia uma vaga olímpica, e o deixou o ginásio sozinho, bastante chateado.

Ele havia acabo de fazer uma temporada espetacular na NBA, na qual foi eleito o melhor sexto homem. Antes que os mais sarcásticos façam alguma piadinha a respeito (re-ser-va!!!), é bom lembrar que um certo Manu Ginóbili ganhou o mesmo troféu no ano seguinte. Toni Kukoc e Detlef Schrempf também são outros estrangeiros que entram nessa lista. Nada mal. E foi um prêmio merecido: o “Vulto Brasileiro” havia contribuído com 18,1 pontos e 4 assistências por partida para um Phoenix Suns de artilharia pesada.

A derrota mais dolorida, em 2007

A derrota mais dolorida, em 2007

Não importando que jogasse ao lado de Steve Nash, Amar’e Stoudemire, Shawn Marion, num time extremamente entrosado e completamente heterodoxo, depois de uma campanha dessas, a expectativa em torno do atleta era imensa rumo ao Pré-Olímpico de Las Vegas. Aos 24 anos, tentou assumir essa responsabilidade, com média de 21,i pontos, mas com 16,1 arremessos por partida (6,1 de três, com 37,7% de aproveitamento), e 23 turnovers no total para 28 assistências. Na partida específica pela semifinal, contra os argentinos, vejamos, ele até maneirou: 12 chutes, seis conversões, e 16 pontos, mas com quatro desperdícios de posse de bola.

O que ficou na cabeça, de todo modo, foi aquele chute. Tomou chumbo de tudo que é lado, incluindo deste que aqui escreve. Desde então, a relação do público brasileiro com o ala, na hora de falar exclusivamente de seleção, tem sido um tanto abalada, uma desconfiança que tem com base a propensão para decisões descontroladas com a bola.

Agora, se for para falar do Leandrinho desta Copa do Mundo de basquete, essas críticas já não colam mais. É algo que já se manifestava nos amistosos e que se confirmou nos jogos para valer: passadas cinco rodadas, temos um jogador de perfil bem diferente em quadra.

Mesmo com Magnano, seu volume nos disparos de fora ainda era elevado: tanto no Mundial 2010 como em Londres 2012, ele sustentou média de cinco por partida, com um aproveitamento apenas razoável  (36,6%). A questão não é demonizar meramente o arremesso de longa distância. Mas é difícil imaginar que um atleta vá ficar livre o suficiente no ataque para praticar um volume tão elevado. Além do mais, para alguém com num dos primeiros passos mais acelerados do basquete mundial, acabava sendo desperdício estacionar no perímetro em busca dos chutes.

Neste Mundial, a mentalidade é completamente oposta. Vemos um Leandro Barbosa muito mais concentrado em atacar seu marcador, em sistematicamente explodir em direção ao garrafão. Algo muito bem-vindo, pois são raríssimos os adversários que vão conseguir parar em sua frente. Para atrapalhá-lo, só mesmo de modo coletivo, uma segunda linha atenta, bem postada, para lhe fechar a porta nas infiltrações. Em tráfego, o paulistano já tende a perder rendimento.

Por ora, o brasileiro tem executado suas investidas com muita eficiência, no tempo certo, sem exagerar na dose. É o cestinha do time com 13,6 pontos, mas cometeu apenas três turnovers em cinco jogos e vem convertendo 54,8% de suas bolas de dois pontos (obviamente que nesta conta também entram as bandejas isoladas de um vulto em contra-ataque, mas o número já é expressivo o bastante).

Em geral, ele tentou quase o dobro de chutes de dois em relação aos de três (31 a 16 – e são 9,4 tentativas por jogo, no geral). Porque, sim, as bolas de longa distância ainda estão lá: 3,2 por jogo. Para o mais purista, pode parecer muito, mas basta notar que Marcelinho tem chutado 3,5 por jogo, com metade dos minutos (11,8 contra 23,2), para relativizar. De qualquer forma, basta ver seu aproveitamento neste fundamento, de espetacular 56,2%, pare perceber que a seleção só pode estar mais adequada. Se quiser descontar as três bolas convertidas em três tentativas contra o Egito, tudo bem também: ficaríamos em 6/13 (46,1%). Incluindo esta aqui, que não é a ideal, mas sobrou para ele:

Além da redescoberta eficiência ofensiva, outro fator do jogo de Leandrinho que tem impressionado na competição é sua vitalidade, sua energia. Não que antes não acontecesse. Podem acusar o novo jogador do Golden State Warriors de tudo, menos de alguém que fuja da raia. Pelo contrário. Mas nota-se um atleta muito mais intenso e compenetrado em quadra, fazendo sua envergadura e sua agilidade surtirem mais efeito no campo defensivo, na briga pela bola. Admito que me foge da cabeça agora o jogo em que foi brigar pelo rebote de ataque, talvez tentando uma enterrada de cara e que acabou tomando um tombo feio no meio do garrafão. Foi na estreia contra a França? Enfim, o tipo de lance que influencia uma partida para muito além da bolinha de três ou a do que o “beep-beep” no contra-ataque.

Enfim, é um competidor distinto, mais sereno com a bola em mãos, mas também dedicado a pormenores do jogo, que estava enferrujado nos primeiros amistosos – não jogava desde o dia 4 de março, devido a fratura na mão seguida por cirurgia. Essa parada, aliás, pode também ajudar explicar sua forma física atual, talvez um ou dois degraus acima de muita gente, uma vez que sua “pré-temporada” começou bem antes.

Leandrinho, atacando lá dentro

Leandrinho, atacando lá dentro

A intenção aqui não é eleger o ligeirinho como o “Destaque Oficial da Seleção”. O legal é tentar realmente assimilar as ações de uma equipe que vai ganhar ou perder como conjunto. Não é questão de apelar a um clichê corporativo, que  em muitas ocasiões vira uma blindagem conveniente. Mas verdade é que o na equipe nacional não há um Pau Gasol, um Dirk Nowitzki, um craque que assuma, ou esteja bem preparado para assumir o protagonismo – e são bem poucos os que têm, registre-se. Isso pode fazer falta aqui e ali, em momentos decisivos principalmente, mas também abre as mais diversas perspectivas. Dá liberdade. Na hora de falar sobre os argentinos, obviamente que você tem de pensar em “parar ou atrapalhar Scola”. Para a seleção brasileira, como faz? A ameaça está dissipada. Em teoria, o time pode surpreender nesse sentido, dependendo da criatividade de Magnano e seus atletas.

Acho que, depois de um longo convívio com essa geração, já chegou a hora de maneirar com rótulos, né? De parar com essa busca incessante por heróis – e que, se der errado, viram vilões rapidamente. Jogadores, torcedores e críticos já caíram todos nessa armadilha. Em mais um confronto decisivo com a Argentina, sete anos depois de Las Vegas, com cobranças bem mais comedidas e diante de defensores muito mais lentos, o Leandrinho deste Mundial pode ser ainda mais eficiente para tentar vencer este clássico. Sem alarde e sem forçar a barra.

Histórico de Leandrinho em torneios Fiba após a NBA

Histórico de Leandrinho em torneios Fiba após a NBA


Brasil é o 3º pior nos lances livres na Copa. O que acontece?
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Giancarlo Giampietro

Splitter matou 71,8% de seus lances livres nos últimos playoffs

Splitter matou 71,8% de seus lances livres nos últimos playoffs. Fotos de Gaspar Nóbrega/Inovafoto/Divulgação

Ao atualizar o retrospecto do clássico Brasil x Argentina de 2002 para cá, os confrontos que envolvem personagens da atual geração, foi preciso relembrar o que se passou em quadra no último embate – e triunfo dos nossos vizinhos ao Sul: o jogo válido pelas quartas de final das Olimpíadas de Londres 2012. Fuçando em relatos do jogo, o que aparece de familiar?

Trechos como este: “A seleção penava para alcançar a marca da mediocridade: 50%, nos lances livres. Foram 12 desperdiçados em 24 batidos. Se pelo menos seis amais tivessem caído…”.

Os números do embate estão aqui, mas vale nos concentrarmos neste fundamento. Naquele duelo decisivo, os brasileiros acertaram apenas 12 em 24 tentativas. Não é que os argentinos tenham cumprido uma jornada exemplar: erraram nove de 28 arremessos da linha (68% de rendimento). Mas 68%, convenhamos, é algo bem melhor do que 50%, numa conta que lhes valeu sete pontos preciosos numa vitória por 82 a 77.

Não sejamos simplistas, porém: numa conta óbvia, se o Brasil tivesse convertido seis chutes a mais, teria vencido, claro. Mas o mesmo poderia ser dito para duas bolas de três pontos, três de dois ou, quem sabe, dois turnovers ou três faltas a menos. Lance livre perde e ganha jogo. Assim como um rebote ofensivo cedido ou caputrado, um passe a mais no ataque etc. O basquete é um jogo de detalhes – mas são muitos os detalhes para se observar.

Ao final da fase de grupos da Copa do Mundo, fui dar uma espiada nas estatísticas gerais das equipes. Até me dar conta de uma coisa. Fazer qualquer comparação generalizada sobre as seleções caba sendo um exercício um tanto fútil. Como julgar quem tem o melhor o ataque, ou a melhor defesa, se os adversários não foram os mesmos?

O Brasil, por exemplo, enfrentou três pedreiras em seu caminho (Espanha, França e Sérvia), passou por um adversário inexpressivo (Irã) e atropelou o time mais fracote da competição (Egito). No Grupo C, a Turquia lidou com os Estados Unidos e não tiveram nenhum sparring (baaaaaaaba de verdade) para esbofetear. E aí? O que é mais difícil? O que influencia mais os dados computados? A única avaliação justa a ser feita seria entre os concorrentes de uma mesma chave, que tiveram a mesma tabela.

Posto isso, há um dado, sim, que pode ser avaliado de maneira universal, pois independe de quem está do outro lado a quadra, pois a ação do jogo está parada. Já sabe qual? Claro que sabe: o lance livre, justo aquele em que o Brasil surge com sua pior cotação. Com sofrível 61,1% de acerto, dentre os 24 times da primeira fase, a equipe de Rubén Magnano superou apenas duas: República Dominicana e Egito. Quer dizer: dos oito times eliminados, apenas os egípcios – que tomaram nesta quinta-feira a maior lavada brasileira na história dos Mundiais – ficaram abaixo.

“Tivemos um denominador comum no torneio: O baixo aproveitamento de tiros livres. Precisamos treinar, mas não em 45 dias de concentração, em 365 dias do ano”, afirma Magnano. Mas sabe quando ele soltou essa declaração? No dia 8 de agosto de 2012, após a derrota para seus compatriotas. Esse é o problema: as aflições de dois anos atrás ainda estão aqui vivinhas da silva.

Naquele jogo – mais uma vez – fatídico, Tiago Splitter errou seis de seus oito arremessos. De todas as qualidades excepcionais que o pivô oferece num jogo de basquete, certamente o lance livre não era uma delas. O que não quer dizer que não tivesse salvação. Trabalhando com Chip Engelland em San Antonio, o catarinense conseguiu elevar seu rendimento de 54,3% em sua primeira temporada (2010-11) de NBA para 69,9% no último campeonato, tendo chegado a 73% em 2012-13. Não é o ideal ainda, mas representa um progresso notável. Como explicar, então, que, no Mundial, ele esteja convertendo apenas 44%?

Varejão: 68,1% pelo Cavs neste ano e 53,8% pela seleção no Mundial

Varejão: 68,1% pelo Cavs neste ano e 53,8% pela seleção no Mundial

Não pára por aí. Ocorre que Anderson Varejão (53,8%) e Nenê (60%) também estão abaixo do que costumam produzir.

O capixaba acertou 62,7% em sua carreira de NBA, nunca ficando abaixo dos 51,3% de seu segundo ano em Cleveland. Desde então, só evoluiu, a ponto de converter 70,4% nos últimos três campeonatos. De novo: dá para melhorar, mas já é algo bem decente comparando com a maioria de seus pares. Já o paulista acertou 67,4% desde que entrou na liga americana em 2002. Em seu pior ano, foram 57,8%, também a sua primeira campanha por lá (excluindo 2007-08, em que disputou apenas 16 jogos, de modo atípico).

Então, de novo, qué pasa?

É a bola diferente? Menos carga de treinamento? Pressão?

Pode acontecer, claro, mas também não é que os pivôs não estejam habituados a situação de maior tensão.

Entre os três, apenas Nenê cai de modo significativo neste fundamento se formos comparar seus números de temporada regular com os playoffs da NBA (de 67,4% para 59,9%). Mas é preciso dizer que esse dado foi bastante abalado por sua última campanha nos mata-matas, a primeira com a camisa do Washington Wizards, neste ano, no qual ficou ficou abaixo da linha da calamidade: 34,6%, acertando apenas 9 em 26. Por outro lado, pelo Denver Nuggets, numa amostra bem maior (sete anos!), o rendimento foi de 63% – 3% a mais do que neste Mundial. De qualquer forma, temos no mínimo um “empate técnico”.

Splitter também despencaria de 68% para 62% nos mata-matas, mas ficar limitado a esta queda seria sacanagem. O que torpedeia seus números foram os horripilantes 37,2% de 2012, ano em que foi até mesmo atacado propositalmente em confronto com o Oklahoma City Thunder (o “hack-a-Splitter”).  Nos anos posteriores,  saltou drasticamente para 78,8% e 71,8% – com o San Antonio Spurs alcançando as finais em ambas ocasiões. Varejão, por sua vez, repete nos playoffs a mesma média dos jogos “que não valem nada”: 62,9%. De novo: todos superiores ao que temos visto nos últimos dias.E aí?

Ginásio cheio, jogos importantes: brasileiros estão habituados

Ginásio cheio, jogos importantes: brasileiros estão habituados

Bem, em jogos internacionais, levando em conta a falta de resultados, e a suposta “maior responsabilidade” de servir à pátria (argh), alguém poderia levantar a tese de que esse seria um bom motivo para entender o intervalo que existe entre o que produzem por seus clubes e pela seleção. Mas isso seria realmente mera especulação. Apenas aqueles que estão mais próximos dos atletas podem avançar neste campo com mais propriedade.

Outro ponto importante que não pode ser relevado: se estamos falando aqui apenas dos pivôs, é porque os lances livres batidos pela seleção se concentram nesta trinca. Algo recorrente num jogo de basquete, claro, já que os grandalhões estão trombando muito mais sujeitos a trombadas e tudo o mais.  Dos 95 cobrados em cinco jogos, 51 foram deles (53%). Os alas Marquinhos, Alex e Leandrinho chutaram 27 (28%). Huertas, 11, Raulzinho, apenas um e Larry, nenhum (12%). Um jogo mais agressivo dessa turma em direção ao aro também poderia balancear as coisas e elevar o percentual geral do time. Quando se fala em jogo interior, perto da cesta, isso não quer dizer ações exclusivas com os pivôs. Agora, independentemente de seus tropeços, os três talentosos atletas não podem deixar de ser abastecidos e explorados.

De qualquer forma, temos aqui um mistério que comissão técnica brasileira ainda não resolveu e que se arrasta de modo preocupante para enfrentar um adversário que tem mais essa vantagem no aspecto emocional: terminaram a primeira fase com a terceira melhor média do torneio (76%), abaixo de Espanha e Filipinas. Mantida essa média, temos aí um detalhe que já estaria no papo para a Argentina. Restaria, então, aos brasileiros vencerem as outras pequenas e igualmente importantes batalhas de um jogo de basquete.