O acusado de entrega-entrega da vez é… a Austrália!
Giancarlo Giampietro
Um torneio Fiba sem a acusação de que alguma seleção tenha feito marmelada e entregado um jogo não teria validade histórica nenhuma. Vocês se lembram do bafafá envolvendo os espanhóis em confronto com o Brasil, nas Olimpíadas de 2012, não? Sempre acontece dessas, mesmo que nunca se comprove. É quando um time dá uma boa espiada na tabela e acaba mexendo seus pauzinhos para pegar o caminho supostamente mais fácil. Na ocasião, os espanhóis, depois de terem sido surpreendidos pela Rússia, teriam feito uma forcinha para cair para a terceira posição do Grupo B, atrás também do Brasil, para escapar de um confronto com os Estados Unidos na semifinal.
Pois bem. Agora é a vez de a Austrália assumir essa bronca, e com sucesso. Nesta quinta-feira, última rodada da primeira fase da Copa do Mundo, os Boomers foram derrotados por Angola por 91 a 83, se posicionaram no terceiro lugar do Grupo D, abrindo mão de brigar pela ponta, e incentivaram um zum-zum-zum que só. Num torneio cheio de jogos parelhos com Filipinas, Senegal e até mesmo a Coreia do Sul, uma zebra dessas não seria de se estranhar tanto assim. O problema, meus amigos, é que hoje é possível ver todas as partidas do torneio nesta Internet. Tem repórter e dedo-duro para tudo que é lado, né? Então, se você vai adotar procedimentos, digamos, estranhos, a chance é de 100% de que alguém vá perceber. Como o irado Goran Dragic. O armador esloveno, cujo time está envolvido na disputa de posições com os australianos, disparou no Twitter:
Basketball is a beautiful sport, there is no room for fixing the game like today Australia vs Angola!! @FIBA should do something about that!
— Goran Dragic (@Goran_Dragic) September 4, 2014
(Traduzindo: o basquete é um esporte bonito, e esses australianos de uma figa não deveriam estar fazendo corpo mole contra Angola! A Fiba deveria tomar providências e mandar esses caras para as cucuias, isso se não for o caso de mandar para um lugar muito mais quente e um pouco mais abaixo!)
Mexer com os nervos do Goran Dragic desse jeito não é uma coisa legal, gente. Podem perguntar para o Leandrinho o quão simpático é o armador do Phoenix Suns. Eleito para o terceiro quinteto da NBA na temporada passada, na melhor fase da carreira, ele foi um dos poucos jogadores top da liga que se apresentou para bater uma bola no Mundial, e aprontam uma dessas com ele?
Mas, epa, pera lá! ''Aprontam''. Dá para insinuar, mesmo, que a Austrália tenha brincado de entrega-entrega hoje?
É, dá. Infelizmente. Vamos a alguns fatos curiosos.
Começa que o ala Joe Ingles (11,8 pontos e 3,5 assistências) e o pivô Aron Baynes (17,2 pontos e 7 rebotes), suas principais figuras uma vez que a formiguinha Patty Mills se lesionou, foram poupados e nem pisaram em quadra. O armador Matthew Dellavedova e o pivô David Andersen, outros dois importantes atletas, também titulares, jogaram quatro minutos cada. Nenhum deles declarou sentir alguma lesão.
O caçulinha – e maior aposta do país – Dante Exum jogou por 31 minutos. Nas quatro partidas anteriores, havia somado 34 (8min30s por confronto). O ala Chris Goulding, que já chegou a marcar 50 pontos na liga australiana e só havia participado de um jogo até aqui, com dez minutos, também encarou os angolanos por 30 minutos. O pivô Nathan Jawai, afastado durante praticamente toda a temporada europeia por conta de dores de uma lesão na coluna, foi outro a jogar 30 minutos cravados, após 26 no total. E por aí vamos, né?
São três atletas de talento, que contribuiriam para muitas seleções. Goulding, por exemplo, já foi logo marcando 22 pontos para cima dos angolanos, provavelmente dando um susto – nos seus compatriotas. Mas ele simplesmente não parecia fazer mais parte dos planos do técnico Andrej Lemanis até esta quinta-feira. O mesmo treinador que havia deixado claro também, antes do tapinha inicial do torneio, que Exum ficaria no banco, sem muitas responsabilidades. Foi titular hoje e teve a bola em mãos por longas sequências. A Austrália tinha a chance de assumir a primeira colocação do grupo, e reagiria desta forma?
Ainda assim, os Boomers venceram o primeiro tempo por 42 a 29. Será… Será, então, que todas as contas estavam erradas? Será que, no fim, não haveria risco de eles terminarem com a segunda posição do Grupo D, entre Eslovênia e Lituânia, caindo desta forma na mesma chave dos Estados Unidos (pensando nas quartas de final)? Será que, oras, resolveram adotar a humildade no meio do confronto, pensando que de nada valia fazer planos pelas quartas, se não se concentrassem antes nas oitavas?
Muitas ponderações poderiam ter sido feitas nessa linha, mas não deve ter sido o caso. Na volta do intervalo, tomaram 62 pontos em 20 minutos, com direito a 34 no terceiro período e acabaram perdendo por 91 a 83. Pode parecer prepotência australiana, não? Quem seriam eles para pensar matematicamente, para fugir dos Estados Unidos, sem se importar com a Turquia (seu próximo rival) no meio do caminho? O que pega é o seguinte, porém: abaixo do Team USA e da Espanha,
Quem se consagrou nessa foi o jovem pivô Yanick Moreira, que somou o double-double mais volumoso do torneio até aqui, com 38 pontos e 15 rebotes. Malemolência do adversário à parte, olho no angolano, hein? Ele vem sendo trabalhado pelo consagrado Larry Brown na South Methodist University e fez também bons jogos contra eslovenos e mexicanos. Só não dá para esperar que seja o futuro superpivô africano, como seus oponentes permitiram acontecer.
E por que interessaria aos Aussies a derrapada? Porque, segundo o pragmatismo deles, era mais fácil tentar cair para o terceiro lugar do que tentar o primeiro. Se a Lituânia derrotasse a Eslovênia e, no caso de um triunfo sobre a Angola, os australianos se meteriam num empate tríplice com os europeus, mas com provável desvantagem no saldo de cestas. Então decidiram trucar: assimilaram a segunda derrota e, depois, ficaram na torcida para os lituanos. Deu certo: os bálticos venceram por 67 a 64 e desbancaram os eslovenos da primeira posição com base justamente no confronto direto. Os ex-iugoslavos, com quatro triunfos e um revés, escorregaram para segundo. Caso passem pelas oitavas – em duelo com a República Dominicana –, terão os Estados Unidos pela frente nas quartas. E adeus briga por medalhas.
Agora imaginem Dragic espumando, com dificuldade para dormir até? No seu hotel, os Boomers, todavia, podem sorrir sarcasticamente. Certamente viram o duelo que fechou o grupo. Mas e vocês, rapaziada, como explicar aquele quarto período?'', poderão questionar. É que no quarto período, a Eslovênia marcou míseros dois pontos com seu armador, permitindo a virada. Uma baita entregada. Mas de outro tipo.