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Arquivo : maio 2014

Personagens dos playoffs: Nenê. Ele mesmo
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Giancarlo Giampietro

Nenê x Joakim Noah teve placar favorável ao brasileiro

Nenê x Joakim Noah teve placar favorável ao brasileiro

Nenê já está há 12 anos na NBA, e tem gente que ainda não se conforma: como pode alguém que combine tanta força física, velocidade e técnica não ser uma estrela na liga? Ou mesmo uma superestrela? No ataque, o pivô realmente sabe fazer um pouco de tudo. Seu chute de média distância cai de modo frequente a ponto de percisar ser marcado – e, se o defensor não o pressionar, pode pagar o pato com o brasileiro, ótimo passador, deixando alguém de frente para a cesta. Ele ainda pode bater em velocidade em direção ao garrafão. Aguenta o tranco jogando de costas e também sabe lidar bem com a eventual dobra. Completo.

E aí o grandalhão vai lá e arrebenta com Joakim Noah e o Chicago Bulls, numa rara série que terminou cedo nestes playoffs completamente alucinantes. Teve quem disse que já não era a hora, mas também teve quem se surpreendesse pelo fato de ele ter sido dominante por diversos jogos em sequência.

Ao final do confronto, mesmo alguém orgulhoso como Noah não teve como não elogiá-lo — dias depois de fazer das suas provocações, uma vez que obviamente ele não iria deixar passar despercebida a expulsão do adversário no Jogo 3. “Ele foi um monstro lá embaixo, você tem de dar muito crédito para ele”, afirmou. Vejamos, num vídeo editado pelo Coach Nick, do BBallBreakdown:

Então fica essa inquietação, mesmo, entre os americanos. O que acontece?

Aqui do nosso lado, embora Nenê não seja dos personagens mais comunicativos e falantes, temos mais base para falar a repeito, né? Contexto é tudo, e dá para começar falando sobre mentalidade. Fora religião, das poucas coisas que o pivô fala abertamente, sempre sai algo na linha do conjunto, espírito coletivo etc. No seu caso, não é baboseira, algo treinado. Acho que já escrevi isso aqui, então corre-se (sempre) o risco da repetição: mas qualquer um que o veja em ação, sabe que ele não está preocupado com números, com espetáculo para as câmeras, nem nada. De vez em quando sai uma cravada de top 10, mas é sabido que o cara faz e gosta de fazer o básico, e muito bem, obrigado. Com a ressalva de que “básico” aqui vale como “elementar”, “fundamental”, e, não, algo “trivial”. E não é todo mundo que dá conta disso.

“São todas as suas intangíveis”, afirma o treinador Randy Wittman. “Usso essa palavra para Nenê o tempo todo. Ele pode pontuar, arremessar, driblar, passar e pode defender. Quando não o temos em quadra, não existe outro que possa fazer todas essas coisas.”

Essa abordagem do jogo é muito bem-vinda pelos técnicos, mas pode ficar perdida em meio a tantos egos e marketing da liga norte-americana. Não é nada midiática. Ninguém vai por em slow motion um corta-luz perfeito ou um passe preciso para Marcin Gortat em movimento de high-low. Ainda mais que seu parceiro polonês não ajuda!  Ele tem aquele jeito é todo malucão, mas também se dá por satisfeito em por a bola no quadradinho por uma cesta simples. Para completar, a presença de Gortat também empurra Nenê para mais longe da cesta. Ele nunca atacou tão distante do aro assim, em toda a sua carreira. Além disso, seu número de cravadas é inferior à metade do que somava nos tempos de Denver.

Aliás, quem não se lembra das temporadas do Nuggets em que até mesmo Earl Boykins e Voshon Leonard arriscaram mais? O jogo discreto do são-carlense pode até mesmo ser ignorado, atropelado por seus próprios companheiros. Ao menos, em 2004, o ala Jon Barry ficou para trás. E como faz? Você tem um pivô com tantos recursos e permite que um cestinha medíocre como Voshon Leonard fique tanto com a bola? Loucura do técnico Jeff Bzdelik! Ou não. Foram várias as ocasiões que vimos George Karl, o sucessor, implorar publicamente para que o brasileiro fosse mais fominha, para que chamasse mais o jogo. Mas essa simplesmente não parece uma vocação natural para o atleta. É por isso que Wittman também diz: “Ter ele de volta nos ajudou muito”.

Dono do Wizards, Ted Leonsis veste camisa de Nenê em jogo de gancho

Dono do Wizards, Ted Leonsis veste camisa de Nenê em jogo de gancho

E aqui chegamos a outro ponto: ter-ele-de-volta implica que ele estava fora. O pivô ficou afastado do Wizards por seis semanas, devido a uma lesão no joelho. Dessa vez, porém, o timing foi favorável ao jogador: ele conseguiu retornar pouco antes de a temporada regular se encerrar, a ponto de desenferrujar, estando ao mesmo tempo mais descansado.

Lesões: algo recorrente na trajetória de Nenê, que só teve quatro temporadas com pelo menos 90% dos jogos disputados e que em apenas uma ocasião, 2009-10, foi para a quadra em todas as rodadas, já recuperado de um câncer. Tantas ausências, claro, levaram os mais críticos a julgá-lo por chinelinho. Até porque, sempre que possível, alguém não vai perder a chance de arrebentar o joelho de modo proposital, claro, na primeira partida da temporada, com apenas três minutos de jogo.

Os problemas físicos foram tantos que causam, sim, danos psicológicos. Por exemplo: na penúltima partida desta temporada, Wittman usou o atleta por 24 minutos, acima dos 16 a 20 estipulados, dando a ele a chance de marcar 18 pontos, se soltando em quadra. Em vez de celebrar, o paulista disse: “Isso me surpreendeu um pouco. Foram cinco minutos a mais, mas tudo bem. Estou gostando do que vejo, mas espero que nós mantenhamos os minutos que havíamos combinado, porque se eu forçar muito a barra, posso acabar pagando o preço. Então espero que possamos controlar meus minutos um pouco”. Que jogador gosta de se preocupar com esse tipo de coisa?

Então fica assim, para a turma do amendoim. Chinelinho nos Estados, desertor no Brasil. Vai ser difícil esquecer as vaias que o pivô tomou no Rio de Janeiro naquele histórico jogo de pré-temporada contra o mesmo Bulls, mas que acabou nos proporcionando um episódio famigerado desses. A questão da seleção é mais complexa, discutida aqui, mas não deixa de ser irônico que aqueles torcedores enfezados de outubro agora tenham de sentar na poltrona em casa e conviver com isso, enquanto o pivô passava por cima do melhor defensor da liga.

Aqui cabe um parêntese também: dias depois da eliminação, Noah passou por uma cirurgia no joelho esquerdo, que o vai deixar de molho por dois a três meses. O francês havia acusado suas dores ainda nos vestiários do United Center, mas sem querer usar como desculpa. Não estava 100%, mas um JoJo limitado é chato o bastante para tirar o sono de muita gente. Menos Nenê, dessa vez.

O brasileiro, de qualquer forma, não foi decisivo apenas atacando. Na defesa, anulou Carlos Boozer quando requerido – como no quarto período do Jogo 5, após a lesão de Taj Gibson -, mas, principalmente, ajudou a cortar as linhas de passe que Noah adora explorar. “Eles me pressionaram muito, muito mais do que o normal”, diz o pivô, quando seu time ainda tinha chances. “Tenho de fazer um trabalho melhor para manter a bola viva e evitar o turnover.”

Com sua agilidade e envergadura, Nenê também pode ser um defensor implacável e versátil, combatendo no garrafão ou flutuando no perímetro de modo agressivo, a ponto de incomodar até mesmo armadores. DJ Augustin e Kirk Hinrich, no caso, nem representavam tanta ameaça.

Nenê anula Carlos Boozer, para desgosto da torcida do Bulls

Nenê anula Carlos Boozer, para desgosto da torcida do Bulls

A relevância do brasileiro para o Wizards, todavia, vai além de sua técnica. Em Washington, o jogador assumiu naturalmente um papel de mentor, num elenco pouco experiente e carente de boas referências depois do convívio com JaVale McGee e Andray Blatche.Na hora de enfrentar um time encardido como o Bulls de Thibs, então, era necessário que assumisse a iniciativa, até para facilitar a adaptação de John Wall e Bradley Beal a uma nova realidade. Cabia a ele guiar sua galerinha. Mesmo assim, com a vaga nas semifinais do Leste garantida, ainda fez questão de falar de seus dois novos irmãozinhos.

“Estou muito feliz por Bradley Beal e John, porque muita gente disse coisas ruins sobre eles, que os dois não conseguiriam  jogar bem nos playoffs”, disse o pivô, provavelmente se referindo a cornetas da capital norte-americana, uma vez que, no geral, os dois jovens foram bastante elogiados durante a temporada. “Tiro o meu chapéu para eles.”

“Acho que tudo o que a gente enfrentou foi necessário para nos dar maturidade, experiência. Tudo acontece por algum motivo, e essa é a razão para estarmos nessa posição. Estivemos aprendendo nos últimos dois anos, e agora é o nosso momento”, continuou.

A reverência precisa se feita, antes de tudo, para o próprio pivô, que teve médias de 17,8 pontos, 6,5 rebotes, 3,3 assistências e 1,5 roubo de bola, matando 54,8% dos arremessos em quatro partidas. Nem o péssimo aproveitamento nos lances livres, de 30% – com poucas tentativas, diga-se -, afetou sua produção. Nenê foi muito mais agressivo, elevando sua média de 11,2 arremessos por jogo na temporada regular para 15,5 na primeira rodada dos playoffs.

Por quatro partidas, Nenê realizou aquilo que muitos projetam para seu basquete. Não que sinta-se obrigado a dar qualquer tipo de satisfação. “Eu só ligo para aquilo que posso controlar. Sou muito profissional e estou muito maduro para lidar com isso. Já passei por várias situações difíceis”, afirmou ao Washington Post. “Quem odeia, odeia, não tem o que fazer. Só podemos controlar aquilo que trabalhamos aqui, nossa atitude, nosso jogo. Isso é algo que os críticos não podem mudar. Vamos jogar duro e com muita paixão. Quem odeia conhece o passado. Eu conheço o presente. Mas o futuro só deus sabe.”

Bem, o futuro imediato coloca Nenê e Gortat de frente com dois pesos pesados do Indiana Pacers, Roy Hibbert e David West. Mais dois problemões para o brasileiro encarar, contra os quais faria bem manter o nível apresentado contra Noah, Gibson e Boozer. “Se não existissem aqueles que nos odeiam, não conseguiríamos atingir nossos objetivos, sabe? Acredito que podemos surpreender se jogarmos do modo certo. Acredito nos meus companheiros  e que podemos fazer algo especial”, disse. Obviamente, para Wall, Beal, Ariza e Wittman a recíproca hoje é bem verdadeira


A cesta decisiva – e o migué – de Lillard
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Giancarlo Giampietro

Damian Lillard não quer nada o que ver com isso. O cronômetro a 0s9 do fim, seu time dois pontos atrás do placar? Pffff, tô fora dessa, cara. Não é à toa que ele se coloca lá do outro lado da quadra, com diversos companheiros e adversários posicionados entre ele e a reposição de Nicolas Batum. Podem reparar no vídeo abaixo: o armador do Blazers está vagando pela quadra até que o francês é autorizado a fazer o passe. “La-la-ri-la-lá”, parece estar cantando.

Até que… Partiu!

Quando Chandler Parsons se tocou, já era tarde demais. Um baita migué, daqueles que a gente faz desde que começou a jogar basquete. Lillard fez seu papel direitinho saiu em disparada em sua semiparábola, pronto para fazer o que mais gosta:

Muitos questionaram a decisão de McHale de colocar Parsons em Lillard, em vez de sua peste chamada Patrick Beverley. Bem, o ex-superastro do Boston Celtics fez uma série de bobagens durante todo o confronto, mas não sei bem se essa está conta. Primeiro: Beverley está passando mal há dias, mal treinando direito, provavelmente jogando à base de drogas. As lícitas, no caso. E este era o último instante de um jogo que durou mais de 1h53, depois de algumas duras batalhas já acumuladas nos últimos dias. Além disso, hoje pode soar absurdo, mas Parsons conseguiu se fixar na rotação do Rockets já em seu ano de novato, sendo um cara de segunda rodada de Draft, devido ao seu empenho defensivo. Acreditem, já existiu esse dia. Além do mais, é um cara esguio, ágil e alto. Ideal para atrapalhar a recepção. Né?

Realmente tem o que se discutir aqui. Mas o fato é que, uma vez concluída a jogada, o ala acaba dando razão aos críticos. De modo algum ele poderia ter dado aquela separação inicial para Lillard, com tão pouco tempo no relógio. Nas fotos (mais abaixo), temos a impressão de que ele estava perto para contestar o chute mortal de um craque emergente. Se for pensar no pieque, até que talvez ele tenha se recuperado bem… Só que não. Nada disso: a bola já estava bem distante das mãos de seu adversário quando ele chega para o toco. Pior: nem mesmo um corta-luz foi posicionado no caminho do atleta do Blazers. Não há contato de Mo Williams antes de seu companheiro engatar a quinta.

Com o vídeo congelado em 11 segundos, temos Lillard já praticamente esperneando para mostrar o quão livre ele estava. Já eram no mínimo duas passadas de distância para qualquer marcador mais próximo. E aí que cabe uma outra pergunta para McHale: que diabos James Harden estava fazendo em quadra? Difícil tirar sua superestrela, né? Mesmo quando o figura já é reconhecida como um dos piores defensores de toda a liga. Reparem que Harden fica perdido com Wes Matthews ali na cabeça do garrafão, mesmo que o ala esteja praticamente de costas para a linha de passe.

Damian Lilllard, clutch, inbound play, Game 6, Blazers, Rockets

Com míseros 0s9 por jogar, obviamente não dá tempo de pensar: “Ferrou”, quando a bola chega às mãos do armador, mesmo que o batalhão de estatísticos do Rockets soubesse que Lillard mata 42% de seus arremessos de três tanto em situações de calmaria ou correria (parado ou em movimento). Mas já era, mesmo.

“Nós falamos especificamente para eles que não era para permitir chutes de três”, disse McHale, culpando seu elenco — muitos acreditam que foi seu último jogo como treinador do time. “Não parece que foi verdade. Um puta arremesso. Um puta arremesso. Ficou livre. Puta arremesso. E lá foi o jogo”, disse Jeremy Lin (em tradução livre demais até, porque obviamente Jeremy Lin não fala coisa feia). “É o pior sentimento que já tive na minha vida”, completou o pobre coitado do Parsons.

Um tiraço para a história, em semanas eletrizantes de basquete. Milhares de pessoas permanecendo no ginásio, dançando, gritando, mesmo com o jogo encerrado há tempos. A primeira vitória numa série de playoffs para o Blazers desde 2000. É claro que Lillard queria a bola.

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Por outro ângulo, praticamente dentro da quadra. Reparem nas palminhas:

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As fotos:

Ângulo para deixar o chute mais épico (e mais difícil do que foi)

Ângulo para deixar o chute mais épico (e mais difícil do que foi)

Oi, Parsons, bom dia? Lá foi a bola

Oi, Parsons, bom dia? Lá foi a bola

A separação entre Lillard e Parsons

A separação entre Lillard e Parsons

Lillard para a TV

Lillard para a TV

Damian Lillard 2014, Brandon Roy novembro de 2008: bombas contra Rockets

Damian Lillard 2014, Brandon Roy novembro de 2008: bombas contra Rockets

Deixa falar, deixa cantar, deixa rimar. Lillard, senhor de Portland

Deixa falar, deixa cantar, deixa rimar. Lillard, senhor MC de Portland

It's Lillard Time!

It’s Lillard Time!