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Arquivo : Gustavinho

Com resultados e rusgas, Paco García e Mogi ameçam Bauru
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Giancarlo Giampietro

Só sorrisos no media day. Humor azedou em duas partidas

Só sorrisos no media day

Na cerimônia de lançamento do NBB 7 no clube Paulistano, o clima era de empolgação geral. Numa reunião com tantas personalidades e reencontros, era difícil que se escapasse, mesmo, do otimismo. Afinal, era um campeonato que estava para começar. Apenas o princípio de temporada, com planos e visões para serem testados. No caso de Paco García e seu Mogi, o sorriso era dos mais animados

Afinal, o espanhol estava no comando de um clube que foi uma das grandes surpresas da temporada passada, fazendo seu melhor campeonato nacional no formato recente, ao avançar nos mata-matas para desafiar o poderoso Flamengo nas semifinais. Sua maior conquista foi ter trazido de volta aos ginásios o torcedor da cidade. “O grande objetivo de todos nós é assentar as coisas boas que fizemos e conseguimos no ano passado. Sempre falo que não é tão difícil de chegar, mas, sim, de se manter nesse nível. Isso se faz assentando toda a nossa administração, a evolução que conseguimos como clube. A partir daí, é melhorar. E não melhorar apenas a classificação, mas também a estrutura em quadra”, afirmou ao VinteUm, na ocasião.

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Apenas duas semanas depois, porém, o treinador se via numa situação delicada,  tendo de contornar a insatisfação de parte seu elenco, um descontentamento que veio a público, às portas de um quadrangular duríssimo pela Liga Sul-Americana. Quer dizer: contornar não faz muito o estilo do espanhol. Ele prefere bater de frente, ir direto ao ponto, doa a quem doer. Um estilo que vem empurrando o clube na direção certa desde que assumiu o cargo em outubro de 2012, mesmo que tenha pisado em muitos calos e irritado muita gente no caminho. Enquanto ele ainda é o chefe, todavia, o Mogi vai acumulando resultados expressivos, com direito agora a uma impressionante vitória sobre o Bauru, fora de casa, para roubar o mando de quadra dos favoritos ao título do NBB, pela fase semifinal.

Mais sorrisos após a primeira vitória sobre Bauru, após 6 derrotas no duelo

Mais sorrisos após a primeira vitória sobre Bauru, após 6 derrotas no duelo

Trocas necessárias
O Mogi foi a grande surpresa do NBB 6, ao se colocar no grupo dos quatro melhores do campeonato, eliminando Pinheiros e Limeira em sequência, depois de terminar a classificação geral apenas em 12º. Uma arrancada que fez a diferença para o fortalecimento do projeto. O público abraçou a causa, e o investimento recebeu um bom aumento para o atual campeonato, com um patrocínio sólido. Com dinheiro, Paco promoveu uma reformulação no elenco. Saíram jogadores de extenso tempo de quadra nos playoffs, como os alas Marcus Toledo, Ted Simões, Jeff Agba e Sidão, mas chegaram outros nomes “importantes”, como o espanhol gosta de dizer.

Entre os reforços, os destaques foram o ala Shamell e o pivô Paulão, de fato atletas mais renomados no cenário brasileiro, se comparados com os atletas que colocaram a equipe na quarta posição geral do NBB. Mas o técnico também mostrava entusiasmo com o jovem pivô Gerson do Espírito Santo, de 23 anos, e do ala Tyrone Curmell, ex-Palmeiras – duas apostas que se provaram certeiras. Na sua concepção, o time saía mais forte dessa troca, para se mostrar competitivo em outro patamar. Desde que, claro, aceitando os preceitos estabelecidos. “Acho que melhoramos já em termos de qualidade individual, com contratações de jogadores que já mostraram na liga sua importância, mas sabem que têm de trabalhar não somente para eles, mas também para toda a equipe”, afirmou. “A verdade é que o padrão do time tem de vir com uma mesma ideia: que a equipe fique acima de qualquer individualidade. Chegaram muitos atletas novos, e eles têm de aceitar nossa filosofia.”

Veterano Shamell: aposta de melhor individualidade dentro de um coletivo?

Veterano Shamell: aposta de melhor individualidade dentro de um coletivo

Independentemente do nome dos jogadores, uma coisa não muda no trabalho de Mogi em quadra: é o treinador quem vai dar as cartas, com uma abordagem detalhista, incisiva, bastante exigente no dia a dia de treinos. Nos bastidores, fontes distintas indicaram ao blog um desgaste na relação entre o comandante e alguns de seus atletas mais experientes influenciou na troca de jogadores para esta temporada, independentemente do aumento do orçamento. Alguns atletas simplesmente não queriam pensar em renovação. As cobranças são incisivas, incessantes e podem incomodar (ou assustar) os atletas que não estejam tão acostumados com esse comportamento.

“No começo, foi um pouquinho difícil”, admite Shamell, durante o final de semana do Jogos das Estrelas em Franca, ao VinteUm. “Ele é uma pessoa que leva o trabalho bem a sério. E tem um tipo de cobrança diferente. Quando cheguei,  eu não o conhecia, ele não me conhecia. Mas agora está tranquilo, a comunicação sai natural, e esse tem de ser o principal ponto, como em qualquer empresa. Entendo o que ele espera de mim para ajudar a equipe.  Você toma bronca e, depois, conversa o que tiver de conversar.”

Já com dez anos de residência no Brasil, divididos em duas passagens, Shamell é uma fonte muito interessante para abordar um tema que me intriga e que vai muito além das quatro linhas. A tese: o brasileiro não está tão acostumado assim a lidar com críticas, observações diretas, preferindo mais um rodeio, comentários que primeiro tateiam, para depois se expor o objetivo da conversa. Longe demais? Ou isso teria a ver com o desconforto que o estilo do treinador espanhol pode causar? “A reação inicial do brasileiro é de achar que o cara está te atacando, faltando com o respeito (quando se faz a crítica”, diz o americano. “É normal também. Há coisas que deixa você mal, bravo. Mas tem técnico que é assim, faz o que acha, e ponto. Há jogadores que aceitam, outros que não.”

Segundo Alemão, o clima é ruim só do lado do técnico

Mogi comemora lá no início da temporada, ainda com Alemão no elenco

Mas e o que pensa o jogador nacional a respeito? “Não sei se o brasileiro não está acostumado. Acho que poderia ser mais natural receber uma cobrança. Tem hora que você fica louco e pode extravasar, não tem problema, sem perder a educação. No nervosismo do jogo, é normal esse embate. O jogador talvez tenha de achar isso mais natural e, não, ficar tão incomodado”, diz o armador Gustavinho ao VinteUm, em conversa antes do início dos playoffs.

Gustavo é um dos remanescentes da campanha do ano passado e alguém que fala abertamente sobre a influência positiva do treinador em sua carreira e na equipe como um tudo. “Meu jogo melhorou muito com ele, principalmente na defesa. Tenho ajudado muito mais, estou mais bem colocado. Acabo me identificando com ele, por pregar esse início do jogo pela defesa”, explica.”Ele é um cara durão, uma filosofia do basquete europeu, onde se tem de respeitar as regras. Isso pode acabar incomodando outras pessoas. Tem de se adaptar a isso. Ao meu ver, é o diferencial, foi o que levou nossa equipe longe no ano passado. “

A crise
A temporada do Mogi, até aqui, pode ser considerada um sucesso. No Campeonato Paulista, sofrendo com algumas lesões e desentrosamento natural, o time caiu nas quartas de final, contra o Paulistano. Na próxima competição, veio um vice-campeonato inédito de Liga Sul-Americana, com derrota para o poderoso Bauru, e 21 vitórias pela temporada regular do NBB – sete a mais do que na sexta edição, com um aproveitamento muito superior, subindo de 43,7% para 70%, com o triunfos consecutivos. Nos mata-matas, depois de penarem contra Macaé, agora reencontram os bauruenses prontos para uma revanche, jogando de igual para a igual. Venceram o primeiro jogo fora (81 a 73) e tiveram o placar favorável no segundo até que Ricardo Fischer converteu um arremesso de longa distância a três segundos do fim (84 a 81).

O time apresentou um plano de jogo que deu certo. Desacelerou o ritmo da partida, para diminuir o volume do adversário, gastando o relógio com trocas de passe pacientes, acreditando no poder de definição de suas peças, com Shamell especificamente em uma jornada inspirada, anotando 16 de seus 27 pontos no quarto. As posses de bola bem trabalhadas também geraram maior equilíbrio defensivo, contendo, no Jogo 1, a artilharia perimetral do cabeça-de-chave número um. “Ele é muito detalhista”, diz Gustavinho. “Exige padrão defensivo, posicionamento. No ataque, um basquete mais solidário, com pelo menos três passes. Se não sai ninguém livre, aí é a hora de buscar uma definição em algum lance individual como do Shamell ou do Filipin.”

Ginásio Hugo Ramos cheio, um ganho para Mogi

Ginásio Hugo Ramos cheio, um ganho para Mogi

Essa visão de jogo se concretizou nas duas primeiras partidas da semi, mas não dá para dizer que tenha sido irrevogável durante toda a jornada. Especialmente no início do NBB. Após uma vitória sobre Uberlândia e uma derrota contra o Minas, a equipe foi cheia de dúvidas para as quartas de final da Liga Sul-Americana, envolvendo Bauru, Brasília e o Comunikt, do Equador, jogando como anfitriã. García havia jogado lenha na fogueira com críticas pesadas ao elenco, em público – um tipo de atitude também bastante citada para justificar o descontentamento de atletas com o treinador, que seriam eles que perdiam, enquanto todos ganhavam.

Na primeira rodada, sua equipe venceu o Uberlândia por 90 a 80. Se o placar parece bom, esqueça. Os anfitriões chegaram a abrir 20 pontos no terceiro quarto, relaxaram e acabaram permitindo que os mineiros fizessem 35 pontos na parcial final. O que despertou a ira do técnico. Disse que era inadmissível. “Fico preocupado por que parece faltar ambição. Se você está ganhando por 20 pontos, tem de buscar ganhar por 30, e não relaxar. Não quero um time medíocre, quero um time com ambição”, disse ainda no ginásio, aos repórteres do Globo Esporte.com, da região de Mogi e Suzano. Era apenas a estreia. Na segunda rodada, para piorar, derrota por 61 a 60 para o Minas, novamente em casa. “Se não aceitam jogar como equipe e fazer sacrifício em quadra, fica difícil. O basquete não é um jogo de nomes, é um jogo de homens. O time não jogou nada. Eu passei vergonha pelo jogo que fez meu time”, disparou. Ficou tenso o negócio.

Alemão abriu fogo contra seu técnico

Alemão abriu fogo contra o técnico

O pivô Daniel Alemão, que também havia sido peça valiosa durante o NBB 6, não aguentou. “O clima não está nada agradável por parte dele (o técnico) e das coisas que faz. Infelizmente ele tem esse jeito e somos ainda obrigados a acatar essa ideia. A gente está focado em trabalhar e melhorar a nossa parte, a parte dos jogadores, para tentar resolver entre a gente dentro da quadra. Somos nós que jogamos, então somos nós que ganhamos e perdemos”, disse à TV Diário.

Bem, o veterano não teve pudor algum, né? Bota “infelizmente” nisso. Do seu lado, Paulão procurou contemporizar. “Entre os jogadores, o clima é o melhor possível. O técnico tem a forma de trabalhar, e como jogador a gente tem que pelo menos entender o que ele está pedindo. Temos que jogar e fazer o que ele pedir, já que ele é o comandante do time”, diss à TV Diário.

Contra-ataque
Ao tomar nota das declarações do pivô, Paco não fez questão alguma de botar panos quentes no assunto e só fez a previsão do tempo piorar. “O clima não está muito bom porque o técnico fala quando as derrotas vêm. Eu falo claramente, e gostaria que todo mundo ao meu redor falasse claro também. Não acredito que um atleta possa não ter 100% de vontade e 100% de intensidade. Sei como eu estou, mas não sei como estão os atletas, pois isso é uma coisa de cada um.”

Durante a crise, o espanhol usou seu blog para prosseguir no ataque. Disse que não sabia mais o que esperar de sua equipe em quadra, tendo a exibição contra o Minas em mente. “Falta de intensidade, defesa nula (apesar do placar reduzido, não nos equivoquemos), muito lentos no ataque, caminhando sobre o piso e, além disso, entregando a partida quando a tínhamos em mãos, com quatro pontos acima e quatro lances livres errados, bola perdida e duas faltas tão absurdas como desnecessárias, tudo em apenas 40 segundos”, escreveu. “A atitude de alguns jogadores me preocupa, e muito. As desculpas e mais desculpas apontando sempre o mesmo: o treinador. Quase ninguém reconhece seus próprios erros, e assim é difícil progredir.”

No final, o time conseguiu se classificar para a semifinal, eliminando o Brasília. Ufa. De volta ao NBB, enfrentou um período de instabilidade, com seis vitórias e quatro derrotas nos próximos dez jogos. Em 2015, embalou, sofrendo apenas mais três derrotas até os playoffs. Alemão foi dispensado no início de dezembro.  “Foi um desgaste das duas partes, uma pena, mas a relação estava muito desgastado. O Alemão um grande jogador e faz falta até hoje”, afirma Gustavinho.

Diário de bordo
Paco trabalhou no basquete espanhol por mais de dez anos como assistente de técnicos renomados, entre eles o falecido Manel Comás, apelidado de Xerife, um dos técnicos mais vitoriosos da Liga ACB – e que chegou a ser cotado como técnico da seleção brasileira em 2007, antes do acerto com Moncho Monsalve. Em 1995-96, começou a carreira como treinador principal, nas divisões menores espanhola. Em 1998, pelo Breogán, conseguiu aquele que talvez seja seu maior feito: subir à primeira divisão com o título da hoje LEB Oro, um campeonato muito difícil. Trabalhou também com o Valladolid e o Lleida na elite. Em 2011, deixou o país para dirigir a seleção da República Centro-Africana.

Um dos trechos cândidos e ácidos do blog de Paco, sobre sua demissão cogitada (25/01)

Um dos muitos trechos cândidos e ácidos do blog de Paco, sobre sua demissão cogitada. “Não sei o tempo que me resta em Mogi…” Texto publicado em 25/01. Algo raro de ver/ler por estas bandas desde o afastamento de Paulo Murilo

Foi a serviço do país africano, que não tem muita tradição no mundo Fiba, mas revela bons jogadores como o ala Romain Sato, que o espanhol começou a abastecer seu blog. “Era uma boa forma de manter o contato com os amigos e com a família. De contar o que estava fazendo, o que estava acontecendo.  Quando retornei da África, parei. E foi muita gente me ligando, me mandando mensagens dizendo: ‘Cara, tem de continuar’. Quando cheguei ao Brasil em 2012, esse interesse me motivou a retomá-lo. Falamos de tudo um pouco”, diz.

De tudo mesmo: só em 2015 já são 43 posts publicados, com análises de partidas, elogios e críticas a adversários, protestos contra a liga e lembrando sempre todos os percalços que a equipe enfrentou durante a temporada, em especial suas lesões. Foi para os playoffs num astral bem melhor que o de novembro, quando encerrou aquele mesmo post de ataque e defesa contra críticos sem pisar no freio,  para ficar numa metáfora que dialoga com seu texto: “É uma fase exigente, como eu quero ser.  É evidente que, como já escrevi em mais ocasiões, às vezes tenho a sensação de caminhar em uma velocidade distinta de meus jogadores e do meu próprio clube”, afirmou. “O que conseguimos na temporada passada não pode ser repetido com boas palavras, mas apenas com exigência, trabalho e feitos. É nisso que estamos. Até que possa, até que me deixem.”

Esse tempo difícil ficou para trás, mas, como diz Gustavinho, não significa que tudo tenha ficado tranquilo desde então. Esse é um termo que não faz parte da linha de conduta do treinador. “Mas não foi depois disso que as coisas normalizaram. Continuam (assim). Eu já briguei várias vezes com ele e brigo até hoje. Mas a gente se respeita. O Paco gosta de falar que aperta o treinamento, que não deixa ganhar duas, três seguidas e se acomodar. Está sempre cobrando, querendo sempre mais, querendo melhorar, o que às vezes pode até deixar todo mundo nervoso, achando que não é possível. Mas é o jeito dele, e você percebe que o time se acostuma”, afirma o jogador. “Com a vitória.”

 


Gerson, a novidade intensa do Mogi no NBB 7
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Giancarlo Giampietro

Gerson, Mogi das Cruzes

As cravadas que se tornaram rotina. Mas tem muito mais no jogo do pivô

Sabe aquela do coisa faça o que eu digo, só não faça o que eu faço, né? Pois bem. Para qualquer atleta é fácil olhar para o jornalista, para o técnico, ou para o torcedor, antes ou depois de um jogo, e falar sobre a importância da de jogar duro numa quadra de basquete, pregar o jogo com energia máxima como o caminho viável para as vitórias.

Em sua primeira temporada como profissional no basquete brasileiro após se formar em quadras universitárias norte-americanas, o pivô Gerson do Espírito Santo bateu muito nessa tecla: da “intensidade” de como defende o Mogi das Cruzes a cada rodada. Mas, se esse termo corre o risco de ficar banalizado em meio a tanta gente que o emprega, o discurso do jovem de 23 anos talvez não faça justiça ao que tem feito pela equipe paulista, terceira colocada no NBB 7, para se tornar uma das revelações da temporada.

“O Gersão é um monstro. É um cara que dá a vida pelo time, no rebote ofensivo, na ajuda em bloqueio, na execução do bloqueio, que são coisas que as vezes podem passar desapercebidas. Esse trabalho sujo que ele faz, essa entrega dele não tem preço”, afirma o armador Gustavinho ao VinteUm. “Ele é um cara que chega a ser até bitolado no basquete. Treina mais que todo mundo, ama jogar, mesmo.”

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Quando você vê o jogador descendo a quadra, não tem como desviar a atenção. Trata-se de um pivô de 2,05 m de altura com agilidade e explosão física fora do comum para alguém de sua estatura. Vai ser difícil encontrar um grandalhão tão atlético por estas bandas: um baita achado no mercado para o Mogi, uma das melhores contratações, em termos de custo-benefício da sétima edição do campeonato nacional. Para quem já estava familiarizado com o estilo do pivô, todavia, não chega a ser uma surpresa.

“Já havia jogado com ele aqui no Pinheiros, quando ele era mais novo, de categoria de base. Ele já tinha essa raça quando treinava com a gente no adulto. Sempre botou disposição para caramba, e os técnicos acreditavam nele, vislumbraram o potencial”, disse Gustavinho, olhando para trás, em 2009, antes de o pivô ir para os Estados Unidos.

A vibração de Gerson se encaixou perfeitamente em Mogi

A vibração de Gerson se encaixou perfeitamente em Mogi

Na estrada
Foi com a mesma velocidade que tem em quadra que Gérson despontou no basquete brasileiro e saiu de cena, deixando as categorias de base do Pinheiros para tentar uma rota seguida por muitos brasileiros: entrar em um Junior College dos Estados Unidos para, depois, tentar voos mais altos. O fato de Rafael “Baby” Araújo e João Paulo Batista terem conseguido não quer dizer que seja algo fácil: sem dominar a língua, você se embrenha em pequenas cidades e vai se virar como pode. Por outro lado, o atleta já estava habituado a viver longe de casa.

O pivô começou a jogar quando garoto em sua cidade natal de Valença, no Rio. Não era federado, porém, disputando apenas competições no interior do estado. O próximo passo, então, foi se transferir para o América de Três Rios e, aí, sim, se registrar como jogador de basquete. Não demorou muito para que pegasse uma seleção fluminense e, num Campeonato Brasileiro em Santa Catarina, ganhasse os olhares de Zé Luiz Marcondes, da base do Pinheiros. Nem chegou a se apresentar direito pelo clube adulto quando se mandou para os Estados Unidos em 2010.

O que pesava mais nessa decisão? A vontade de estudar ou de se formar como jogador de basquete? “Eu fui para jogar, mesmo, e aproveitei para poder me formar (em artes liberais, pela Colorado State). Mas meu principal objetivo era tentar aprender o máximo sobre o jogo de basquete, sim. Foi o que me levou para lá”, diz Gerson ao VinteUm.

Em Colorado State, experiência de ter disputado o torneio nacional da NCAA em 2013: venceram Missouri na primeira rodada e foram eliminados pela eventual campeã Louisville na segunda etapa; o time teve a segunda melhor campanha da Mountain West Conference, atrás de New Mexico, acima da UNLV e de San Diego State

Em Colorado State, experiência de ter disputado o torneio nacional da NCAA em 2013: venceram Missouri na primeira rodada e foram eliminados pela eventual campeã Louisville na segunda etapa; o time teve a segunda melhor campanha da Mountain West Conference, atrás de New Mexico, acima da UNLV e de San Diego State

O sonho, claro, era a grande liga americana. “Com certeza que, para qualquer jogador, quando você é novo, a NBA é uma meta. Eu queria saber até onde conseguiria ir com o meu jogo”, diz. Mas o caminho até lá certamente não seria fácil, dando largada no College de Southern Idaho. Considerando o amplo universo de atletas que começam suas carreiras universitárias nos chamados JuCos, escolas de transição, que ajudam no desenvolvimento de estudantes que não tenham as notas necessárias para saltar do high school para a faculdade. Sonny Weems, Qyntel Woods e o próprio Baby são alguns exemplos que me ocorrem agora, de gente que tiveram sucesso nessa escalada.

Gerson ao menos conseguiu se mudar para a região das Montanhas Rochosas, ao sair de Southern Idaho para a Universidade de Colorado State. Os Rams não são necessariamente o conjunto mais tradicional para formar jogadores profissionais, mas ultimamente têm tido mais sucesso nessa empreitada. O pivô Jason Smith, do New York Knicks, saiu de lá, assim como o armador Milt Palacio, ex-um-monte-de-time, e o pivô Colton Iverson, draftado em 2013 pelo Boston Celtics e hoje jogador do Baskonia, vulgo Laboral Kutxa, clube de Euroliga.

“Meu jogo melhorou muito, mas acho que minha cabeça foi o que fez o diferencial para poder chegar até aqui. Maturidade, crescendo, aprendendo mais fora de quadra, tendo a cabeça de ir lá e trabalhar todos os dias foi a melhor coisa para mim. Sempre treinei da melhor maneira possível para tentar conseguir esse meu objetivo (de NBA)”, diz. “Mas sabia que qualquer coisa era possível e, se não desse, poderia voltar ao Brasil.”

Em casa
Gerson começaria, então, sua jornada de profissional num campeonato com outra sigla de três letras, o NBB, embora não soubesse exatamente o que o aguardava. “Acompanhei muito pouco. Comecei a seguir mais quando cheguei ao meu último ano na universidade, pois sabia que provavelmente voltaria para cá”, afirma, com franqueza.

Por outro lado, o Mogi das Cruzes estava mais atento ao que o jogador vinha fazendo nos Estados Unidos. “É um jogador que no ano passado já estávamos seguindo, vendo toda a sua trajetória por lá”, diz o técnico Paco Garcia ao VinteUm. “Seus agentes buscavam um lugar em que ele não perdesse nada daquilo que havia aprendido nos Estados Unidos. A intensidade, a seriedade do trabalho, a disciplina. Aí acharam que Mogi era um bom lugar para que ele retornasse.”

A briga incessante pela bola

Vejam só: de novo a tal da “intensidade”.  Justamente aquilo que o pivô aprendeu nos Estados Unidos. “A intensidade do jogo, o jeito que se corre pela quadra, como as coisas são bem rápidas, a intensidade da defesa. A gente fala muito em quadra, tanto na defesa como no ataque. Isso é uma das características do jogo americano que tento trazer para o Brasil”, conta.

Desta forma, o trabalho com Paco Garcia não lhe parece estranho. O técnico já construiu uma reputação de exigente e detalhista ao extremo em suas cobranças, muitas vezes em rompantes que podem ferir o ego de jogadores. Aqui, não é o caso. “Olha, eu gosto muito, porque no universitário eu tinha um treinador (Larry Eustachy) que era tão exigente e detalhista quanto o Paco. Acho que isso até ajudou o meu jogo na hora de voltar ao Brasil. Se conseguisse mostrar meu trabalho e o tanto que tento entregar aquilo que me pedem para colocar em quadra, ia me destacar.”

O espanhol conferiu isso rapidamente. “Ele buscou seu espaço. No Paulista, já ganhou muitos minutos e passou a jogar também na Sul-Americana. Acho que ele pode ser um jogador importante no Brasil em muito pouco tempo. Ele salta muito, vai bem nos rebotes, tem muita intensidade para marcar. Tinha certeza de que seria um jogador valioso para nós”, afirma o treinador. “O Gerson sempre teve esse potencial”, destaca Gustavinho. A gente o chamava de mini Garnett. Agora ele está com muito mais base, mais força e mais atlético.”

Jogando de frente para a cesta: sua preferência no ataque

Jogando de frente para a cesta: sua preferência no ataque

Subindo
Esse tipo de postura somada a seus atributos físicos e atléticos o tornaram um sucesso imediato em Mogi, formado com o americano Tyrone Curnell uma dupla que aterroriza os adversários pelo fuzuê que podem armar em quadra. Foram duas contratações que, se não tão badaladas como as de Shamell e Paulão, acabaram se tornando tão ou mais fundamental para que o clube elevasse seu jogo. O time passou de grande surpresa dos mata-matas da sexta edição do NBB para candidato ao título, ocupando hoje a quarta posição na classificação geral, a uma vitória de se igualar ao atual bicampeão Flamengo. Nos últimos dez jogos, foram nove triunfos.

Na Liga Sul-Americana, mesmo que ainda buscasse melhor entrosamento e lidasse com algumas distrações no vestiário, a equipe conseguiu alcançar uma inédita decisão. Acabou levando uma surra de Bauru, é verdade. Mas estariam prontos, agora, para tentar dar o troco e desafiar o poderoso elenco de Guerrinha?

“Nosso time foi reunido há seis, sete meses. Vieram muitos jogadores novos. Só agora que a gente está conseguindo ter a melhor química, como gosto de falar. Está todo mundo unido, com o mesmo foco, independentemente de quem vai bem em um jogo ou outro, de quem vai chutar a última bola, de quem vai fazer o quê. Todo mundo sabe mais ou menos a sua função dentro da quadra. Todo mundo quer colocar seu companheiro para a frente, e acho que estamos na melhor fase por causa disso”, diz Gerson.

Esse ambiente foi muito benéfico e acolhedor para suas próprias características.  “Na posição dele, temos o Paulão, que foi o melhor pivô do NBB passado”, diz Gustavinho. “E o Gerson não se importa se vai jogar 15, 20 ou 30 minutos. Quando sai de quadra, vai sempre dar a mão para os caras, parabenizar. Ter um cara desses no time… Pelo amor de Deus, sem palavras. É a mesma alegria de sempre.”

O jovem atleta tem médias de 8,5 pontos e 7,0 rebotes em 23 minutos, com aproveitamento de 56,6% nos arremessos de quadra e mais que saudáveis 74,2% nos lances livres. É o quarto principal reboteiro do NBB, atrás de Shilton, do Minas Tênis, Caio Torres, do São José, e Steven Toyloy, do Palmeiras – todos jogadores muito mais experientes. Também aparece entre os 30 melhores da competição em índice de eficiência, sendo o terceiro mais jovem nesse grupo, depois de Léo Meindl, do Franca, e Ricardo Fischer, do Bauru.

Não causa espanto. Basta ver o modo como Gerson se movimenta em quadra e a voracidade com a qual ataca as tábuas defensiva e ofensiva, além de sua excelente técnica para finalizar as jogadas no pick and roll, cortando para a cesta. E tem isso: como Gustavinho já nos contou, a relevância deste fluminense em quadra vai muito além dos números. Um desempenho que, para mim, valeria uma convocação para o Jogo das Estrelas da competição, algo que não aconteceu.

Num ano em que a seleção tem duas competições para disputar – Copa América e Pan-Americano –, é de esperar que um certo argentino esteja tomando nota. “Olha, acabei de voltar ao Brasil e esse é meu primeiro ano de profissionOal. Penso em trabalhar forte, a cada dia melhorar meu jogo, aprender mais com os jogadores que tenho aqui no time, como o Shamell e o Paulão.  O que acontecer fora do que faço dentro do Mogi vai ser por mérito. Claro que seria bacana, mas tento não pensar na frente, e só pensar um dia de cada vez, trabalhando”, diz.

E trabalhando como?

“Tendo cada vez mais intensidade em quadra”, diz, naturalmente.


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