Vinte Um

Derrocada do Clippers começou muito antes da virada do Rockets

Giancarlo Giampietro

Howard segue em frente. Blake parou pelo caminho

Howard segue em frente. Blake parou pelo caminho

O Houston Rockets foi o primeiro time desde 2006 a sair vencedor de uma série depois de ficar em desvantagem por 3 a 1, tomando duas surras em Los Angeles e perdendo o primeiro jogo sem um tal de Chris Paul em quadra. O que a gente tira desse resultado?

Que foi um colapso homérico do Clippers, claro.

Mas como entender uma façanha, para os texanos, ou um vexame desses, para os californianos? Resumir a um termo até meio chulo como ''amarelão'' não cola. Afinal, dá para questionar a seriedade, a determinação ou força mental de um time que venceu agora há pouco o Spurs em San Antonio. Duas vezes. Por mais que tenham relaxado demais no Jogo 6, com a vitória praticamente garantida, fato é que perderam três partidas consecutivas para um rival aparentemente dominado, tendo imposto um saldo de 68 pontos nas primeiras quatro partidas.

O técnico David Thorpe, analista da ESPN e mentor de uma extensa lista de atletas da liga, entre eles o ala Corey Brewer e Kevin Martin (um atual jogador do Houston e outro ex-integrante), mandou a seguinte mensagem no Twitter após a virada improvável: ''Pessoal, se vocês algum dia questionaram o quanto os executivos causam impacto em grandes times, agora já sabem. O Rockets venceu esta série na sala da diretoria''. Parece a melhor resposta, mesmo.

Banco? Qual banco?

Banco? Qual banco?

Não vamos perder tempo aqui discutindo quem é melhor em quadra: Harden, Howard, Paul, Griffin, Jordan… São todos talentos de ponta. Ambos os times fizeram campanhas excepcionais, empatados com 56 vitórias e 26 derrotas. Tudo podia acontecer na série. Em termos de técnico, o Clippers tinha uma presumida a vantagem, contando com Doc Rivers, um dos poucos campeões da liga ainda em atividade. Um excelente treinador, que comandou o ataque mais eficiente da temporada. Mas que foi sabotado pelas decisões do presidente o clube. No caso, ele próprio.

O Clippers tem a segunda folha salarial mais cara da liga e um dos quintetos iniciais mais fortes da liga, se não o mais forte. Concorre lá em cima com o time titular de Spurs, Warriors e Cavs em termos de rendimento. Mas essa galera não teve quase nenhuma ajuda durante uma maratona de temporada, que culminou com as duas séries mais desgastantes destes playoffs. O que fica mais claro, mesmo, é a diferença no projeto de ambos os clubes, prevalecendo a estrutura dos texanos, mais inquietos, ativos na liga, em detrimento de um oponente que se exauriu em quadra devido aos recursos escassos que tinha em quadra.

estatisticas-banco-clippers-doc-rivers-2015No total, durante 14 jogos da fase decisiva, ou 3.360 minutos disponíveis, os reservas do Clippers receberam apenas 926 (27,5%). E aqui estamos contando toda a carga de Austin Rivers, o jovem ala-armador que começou duas partidas como titular no lugar de um Chris Paul lesionado. Confira nas tabelas ao lado a diferença de produção dos reservas entre os quatro semifinalistas do Oeste. A segunda unidade do Clippers não lidera nenhuma categoria, mesmo com os minutos a mais abertos pela lesão muscular de seu principal armador. Se nos números totais, o time aparece com destaque, isso se deve apenas pelo fato de terem feito duas séries de sete jogos. Em médias absolutas de quatro estatísticas básicas, os substitutos não aparecem não lideram nenhuma coluna. (Os asteriscos aqui: Memphis também perdeu Mike Conley Jr. por três partidas, dando mais minutos a Beno Udrih e, principalmente, Nick Calathes, enquanto, no Rockets, estou contando Terrence Jones como o reserva, por ter encerrado o duelo passado desta maneira).

Tá certo: o Clippers, mesmo com esse plantel limitado, ficou muito perto de eliminar o Houston. Tinha uma vantagem de 19 pontos no terceiro quarto do Jogo 6, em casa. Depois de ter batido o San Antonio Spurs, os atuais campeões, a equipe que é exemplo quando o assunto é explorar todas as peças disponíveis. Justamente, não? Isso só reforça o problema. A série contra os compadres de Tim Duncan já foi muito exigente. Mas era apenas a primeira etapa.

O que levou o mesmo David Thorpe a trocar mensagens de texto com Corey Brewer durante o sétimo jogo no Staples Center, cujo conteúdo agora foi revelado. ''Nós dois pensávamos que acabaria o gás do Clippers. O importante era não deixar que abrissem 3 a 0'', escreveu. Quer dizer: está aqui um técnico muito bem conectado, que já trabalhou com dezenas de atletas profissionais de alto nível e recebeu/recusou diversas propostas da liga, falando com um de seus pupilos, e os dois meio que admitindo que, tivesse a equipe californiana um banco melhor, muito provavelmente o Rockets não teria a mínima chance de evitar uma varrida. Mas não era o caso, e o Rockets conseguiu um triunfo apertado no Jogo 2 por 115 a 109 para estender um pouco mais o confronto. Deu no que deu. Na verdade, não foi um colapso, não foi súbito – e, sim, um desmoronamento gradativo.

Uma sucessão de erros
E aí vale dissecar a formação de ambos os elencos. É aqui que se escancara a diferença no projeto de ambos os clubes, prevalecendo a estrutura de Houston – tido nos bastidores da liga como ''um clube grande'' –, com lideranças irrequietas, em detrimento de um oponente que se exauriu em quadra devido aos recursos escassos que tinha em quadra. Algo difícil de entender considerando que a parte mais difícil já havia sido feita: quando Doc herdou o Clippers de Neil Olshey, já tinha um timaço, com as estrelas garantidas, com Paul, Griffin e Jordan sob contrato.

Dos atuais titulares, o único que chegou sob a chancela do novo manda-chuva foi JJ Redick. Um belo reforço, mas cujos desdobramentos já foram um tanto suspeitos. Para ter o ala, foi orquestrada uma troca tripla com Bucks e Suns, que custou ao clube um prodígio como Eric Bledsoe e mais uma escolha de segunda rodada do Draft. Bledsoe já não aguentava mais ser reserva de CP3 e estava prestes a virar agente livre. Precisava sair, mesmo. Mas ainda era uma excelente moeda de troca. Então não é que Redick tenha vindo de graça, numa barganha. Além disso, nessa mesma transação, o clube recebeu Jared Dudley. O ala fez uma péssima campanha inaugural em Los Angeles, é verdade, mas foi dispensado rapidamente por questão de economia, para escapar de multas pesadas em cima da folha salarial. Daí que, neste campeonato, foi um dos líderes do surpreendente Milwaukee Bucks. Para se desfazer dele, Doc pagou mais uma escolha de Draft, dessa vez de primeira rodada. Um desastre, fruto de impaciência e de um conflito de interesses quando você é o técnico e o dirigente. O treinador quer peças para agora. O dirigente precisa cuidar do que vem pela frente.

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É aí que entram as escolhas de Draft. Mercadorias importantíssimas na NBA de hoje devido ao baixo salário que os calouros recebem. É a grande chance de se contratar jogadores bons, para compor a rotação, pagando pouco. Ainda mais no caso de um Clippers que já paga US$ 48 milhões para seus três principais atletas – e espera pagar ainda mais, na hora de renovar com Jordan. Acontece que não só o técnico-presidente saiu gastando picks por aí, como também não soube aproveitar as que tinha. Em 2013, optou pelo ala Reggie Bullock – um cara vindo de North Carolina, com fama de bom chutador e defensor, o tipo de operário que se encaixaria perfeitamente no atual sistema. Depois de 658 minutos em uma temporada e meia, aos 23 anos, Bullock foi repassado para o Phoenix Suns na transação por Austin Rivers. Neste ano, foi a vez do ala CJ Wilcox, de Washington. Um senior, supostamente pronto para contribuir. Pois o cara terminou a temporada regular com 24 anos (é cinco anos mais velho que Bruno Caboclo, para se ter uma ideia) e apenas 101 minutos de tempo de quadra, em 21 jogos. Inexplicável – a não ser que a diretoria já esteja pronta para considerá-lo um fracasso, o que pegaria muito mal.

Farmar e Hawes: pareciam nomes certos, até que...

Farmar e Hawes: pareciam nomes certos, até que…

Por estar acima do teto salarial, restava a Rivers outras duas alternativas além do Draft para reforçar seu time: as exceções (midlevel e biannual) que cada franquia recebe para efetuar contratações, desde que tenha flexibilidade econômica para tal – que não tenham extrapolado qualquer limite do bom senso de acordo com as regras da liga, basicamente. Os alvos foram Spencer Hawes e Jordan Farmar. Bons nomes. Hawes foi cobiçado por muita gente no mercado, enquanto Famar tinha experiência de playoff e vinha de excelente jornada pelo vizinho Lakers. Acontece que, aí, quem falhou foi o treinador. Em nenhum momento a dupla de agentes livres se sentiu confortável, com dificuldade para mesclar suas habilidades com as do núcleo já pré-estabelecido. Com o quinto maior salário do elenco (mais de US$ 5 milhões), Hawes participou de apenas oito das 14 partidas nos mata-matas e recebeu 57 minutos. Só entrava em caso de extrema emergência, ou com o placar resolvido. Uma bomba. Farmar? Foi dispensado no meio do campeonato após desavenças com o comandante. O que não vai impedi-lo de embolsar boa parte dos US$ 4,2 milhões de seu contrato, mesmo que já esteja em ação na Turquia.

Sem muito mais dinheiro ou alternativas para investir e sem confiar nos atletas mais jovens, restou a Rivers apelar a veteranos para compor seu elenco de apoio. Caras de salário mínimo, que estivessem sobrando no mercado. Acontece que, neste campeonato especificamente, não pintou nenhum PJ Brown ou Sam Cassell no mercado. Vieram nessa, então, Glen Davis, Hedo Turkoglu, Epke Udoh, Chris Douglas-Roberts, Nate Robinson, Lester Hudson, Jordan Hamilton e Danthay Jones. Só Big Bagy e o truco (pasme! já é um ex-jogador em atividade) foram aproveitados na rotação – o que é surreal da par. CDR saiu junto de Bullock. Robinson estava contundido e deu lugar a Hudson. Jones carregou o Gatorade, enquanto Hamilton, que vinha bem na D-League, teve o azar de sofrer uma lesão. Em suma: nada deu certo.

Do outro lado, o Rockets
Vocês sabiam que o finalista do este custa US$ 13 milhões a menos que o time que acabou de eliminar, mesmo contando com dois superastros e com um elenco capaz de suprir as lesões de seu armador titular e de um pivô lituano em franca evolução? Pois então. Para montar este grande time, o gerente geral Daryl Morey precisou mover mundos e fundos. Não foi uma herança.

Padrinho da comunidade nerd da NBA, Morey manipulou sua folha salarial com visão de longo prazo, sabendo também dosar agressividade e paciência, números e scout. Ao mesmo tempo. Cansado de ver um time medíocre morrer na praia, seja numa primeira rodada de playoff, ou mesmo já na temporada regular devido a uma forte concorrência no Oeste, o dirigente se envolveu em uma série de negociações disposto a acumular jogadores de potencial e relativamente baratos, além de ter acertado a mão na maioria de suas escolhas de Draft. O elenco seguia competitivo – para não desagradar ao departamento financeiro e torcedores –, ao mesmo tempo que se posicionava para uma eventual troca de impacto. Foi quando Sam Presti topou uma oferta hoje risível por James Harden (Kevin Martin, Steven Adams, Jeremy Lamb e Mitch McGary, mais os direitos sobre o ala Alejandro Abrines, do Barcelona).

Morey batalhou os telefones para ter Harden em Houston

Morey batalhou os telefones para ter Harden em Houston

Com o Sr. Barba no elenco, ficou mais fácil de convencer Dwight Howard a virar as costas para o Lakers no mercado de agentes livres. Não dá para subestimar um movimento desses – qual foi o último craque a largar Hollywood desta maneira? Kobe pode ter dado uma boa força ao empurrar o pivô para fora de sua franquia, mas o fato é que o clube texano estava muito bem posicionado, técnica e financeiramente, para fechar o negócio.

E o que mais? Trevor Ariza veio praticamente pela metade do preço de Chandler Parsons, num negócio da China, de deixar Yao Ming todo pimpão. O ala campeão pelo Lakers em 2009 não só marca muito mais, como tem um estilo de jogo que casa melhor com Harden e Howard, dois jogadores que controlam a bola no ataque. Jason Terry e Pablo Prigioni chegaram em trocas periféricas, pouco discutidas, mas que hoje se mostram importantíssimas depois da lesão de Patrick Beverley (que veio, lembrem-se, do basquete russo, para vaga que um dia pertenceu a Scott Machado). Corey Brewer custou uns rocados, Troy Daniels e duas escolhas de segunda rodada de Draft, com restrições. Terrence Jones foi draftado, assim como o caçula Clint Capela, de apenas 20 anos e jogando minutos importantes contra o Mavs na primeira rodada. O suíço, o ala-armador Nick Johnson e o ala KJ McDaniels podem render para o futuro, ou serem envolvidos em futuras trocas. De negócios por ora mal-sucedidos, temos Kostas Papanikolau, ala da seleção grega e titular do Barça que não rendeu o esperado, e Joey Dorsey, alguém até decente para ter como o quinto na rotação de grandalhões – mas cujo contrato custou ao time o novato Tarik Black, outro achado no mercado do departamento de scouts. Ah, claro, e o Josh Smith: de graça e compadre de Dwight Howard. Valeu, Stan.

Não quer dizer que Houston também não erre feio. Pagou US$ 9,2 milhões em salários de jogadores que nem foram utilizados durante a temporada: Luis Scola (ainda!), Francisco Garcia, Jeff Adrien e Francisco Garcia. A maior bolada pertence a Scola, superior a US$ 6 milhões, no último ano de um contrato anistiado por Morey em 2012. Agora, se o dono Les Alexander libera sua diretoria para assinar cheques sem pestanejar, esse prejuízo deve ser relativizado. Além disso, o simples fato de o cartola ter se desfeito dessa para montar um elenco que julgava melhor já dispensa o uso de um eletroencefalograma. Se há algo que não se pode reclamar em relação ao gerente geral, é de esmorecimento ou passividade. Morey ouviu um não de Chris Bosh, contratou e trocou Jeremy Lin. Cedeu Kyle Lowry ao Toronto. Não fechou com Goran Dragic quando o preço era mais baixo. Mas fechou tantos, mas tantos negócios bons que chegou uma hora em que o zum-zum-zum nos corredores da liga era o de que seus pares se sentiam intimidados na hora de negociar com ele. Temiam tomar uma rasteira, sem nem perceber o que estava acontecendo.

Em Los Angeles, Doc já não tem nem muito o que discutir com a concorrência.  A não ser que esteja disposto a falar sobre Chris Paul e Blake Griffin. Ou isso, ou está de mãos atadas, num momento em que o que deveria predominar seria a tensão, suplantando a decepção por essa derrota histórica. DeAndre Jordan vai para o mercado de agentes livres em alta, despertando o interesse de muitos clubes. Se perder o pivô, vai fazer o quê? Sua folha salarial já está estourada. Aí teria de resgatar Spencer Hawes. Um jogador com o qual falharam ambos: técnico e dirigente.