Vinte Um

Oden tenta reprisar em Miami o final de carreira de pivô legendário da NBA

Giancarlo Giampietro

Bill Walton, capitão Blazer por pouco tempo

Desde os tempos de colegial, ele já era anunciado como mais um da linhagem dos superpivôs norte-americanos, inevitavelmente comparado a Kareem Abdul-Jabbar. Foi o número um do Draft da NBA via Trail Blazers. Sua imagem ficou abalada precocemente por uma série de lesões e, depois de celebrado em Portland, acabou descartado. Até que um time com tradição de títulos resolveu apostar nele. O cara se juntou ao ''Big Three'', sem muita pressão – o que pudesse entregar em quadra já seria lucro, ao lado de tantos craques.

É, foi assim, em 1985-86, pelo Boston Celtics de Bird, McHale e Parish, que o legendário Bill Walton conseguiu um último suspiro em uma carreira que estava prometida, destinada a ser uma das maiores, mais dominantes da liga, mas cujos sonhos, a despeito do título em 1977, foram frustrados pouco a pouco, à medida em que seu corpo foi se quebrando, num sofrimento que parecia não ter fim.

Walton, glórias tardias pelo Boston

Walton e Oden: agonia Blazer

Mais de 20 anos depois, com um Sam Bowie no meio do caminho, os fiéis torcedores de Portland agora repetem esse processo e veem Greg Oden tentando reprisar a trajetória de Walton com o Miami Heat.

Troféu e queda
O ruivo, esguio e multitalentoso Walton se tornou jogador do Blazers em 1974. Excelente defensor, era daqueles que dava o toco não só no momento certo, mas como na direção precisa para se iniciar o contra-ataque, ágil na cobertura e no fechamento de espaços. No ataque, um passador de inteligência incrível, com domínio de qualquer fundamento que você possa imaginar. Com esse repertório, chegou ao clube, que nunca havia disputado os playoffs, como uma espécie de Messias.

Na universidade, jogando pela mítica UCLA de John Wooden, o pivô havia capitaneado duas temporadas regulares com resultados perfeitos: 30 vitórias e nenhuma derrota, participando da maior série invicta do campeonato: 88 partidas. Um time bicampeão e eternizado. Não havia como, então: era uma aposta certeira para transformar o Blazers de saco de pancadas a um time dominante.

Não fossem seus problemas médicos que começaram já aos 22 anos. Já nas duas primeiras temporadas ele sofreu com fraturas múltiplas (do pé ao nariz), limitado a apenas 86 partidas de 164 possíveis, pouco mais da metade. Sua equipe, claro, seguiu fora dos mata-matas, mesmo num período de declínio técnico da NBA, com o talento norte-americano dissipado entre a liga e a ABA.

Até que, em 1976-77, mesmo perdendo mais 17 jogos, trabalhando com mais um treinador histórico, Jack Ramsay, Walton conseguiu se recuperar fisicamente. Liderou o campeonato em rebotes (14,4) e tocos (3,2), somando ainda 18,6 pontos, 3,8 assistências em 34,8 minutos, para ganhar um dos títulos mais especiais da história, varrendo o Lakers de Abdul-Jabbar na final do Oeste e batendo na grande decisão o Philadelphia 76ers de Julius Erving, Darryl Dawkins e George McGinnis – e de Doug Collins (!) Mike Dunleavy (!!), Joe ''Pai do Kobe'' Bryant (!!!), além do inesquecível World B. Free, o precursor do #mettaworldpeace em nomes forjadamente utópicos.

Este time simbolizaria o que de melhor o basquete poder oferecer, com jogadores repartindo a bola feito socialistas, o talento de um complementando o do outro, fazendo com o que o conjunto fosse maior que a soma das partes – habilidade por habilidade, o Sixers era, disparado, o favorito ao título. Com Walton, a equipe parecia a caminho de dominar a liga. Mas os problemas físicos do pivô não cessaram, os egos cresceram a partir da conquista, a diretoria se viu pressionada a buscar outras alternativas e, rapidamente, o sonho se deteriorou. O ponto positivo dessa triste história é que ela nos proporcionou um relato imperdível no livro ''The Breaks of the Game'', do jornalista David Halberstam. Aqui, o Sports Guy discorre com o brilho de sempre tanto sobre a obra como o falecido autor. Não houve tradução para o português, infelizmente, mas é possível ao menos ler Halberstam em uma definitiva biografia de Michael Jordan, relançada pela Editora 34.

Walton, NBA e contracultura

Walton, em tempos de angústia

Em 1977-78, o time chegou a vencer 50 de seus primeiros 60 jogos. Até que Walton sofreu uma fratura no pé. Sua produção era tão impressionante que, mesmo tendo disputado apenas 58 partidas, foi eleito o MVP da temporada. Retornando nos playoffs, o pivô voltou a se lesionar e, a partir daí, mergulhou em um período infernal, com seguidas decepções, até que entrou em conflito com os médicos e diretores do Blazers, crente de que estariam mentindo sobre seus diagnósticos, forçando que ele jogasse em condições distantes das ideais.

Walton não jogou em 1978-79 e, desiludido, se transferiu para o Clippers, que ainda tinha base em San Diego, aonde ironicamente iria encontrar Joe Bryant e World B. Free e mais alguns elementos que em nada lembravam seus ex-companheiros de Blazers – destaque para Sidney Wicks, um pretenso astro que viu sua média de pontos regredir temporada após temporada desde os 24,5 que fez como novato. Após participar de 14 jogos em 1979-1980, ele perdeu as duas temporadas seguintes também em razão de fraturas nos pés. Somou, enfim, 155 jogos entre 1982 e 1985 (de 246 possíveis), já de volta a Los Angeles com a franquia, mas sem conseguir elevar o time, que terminou os três anos na 11ª posição da conferência. Nesse período, chegou a cogitar o suicídio.

Um outro time perfeito
Sair do Clippers para o Boston Celtics, em 1985, era como trocar hoje o Charlotte Bobcats pelo San Antonio Spurs ou Miami Heat. Algo desse nível. Foi o que aconteceu com Bill Walton. Não deveria, então, haver sujeito mais sorridente naquele campeonato, depois de ele ser trocado por Cedric Maxwell e uma escolha de Draft que resultaria em Arvydas Sabonis. Ironicamente, essa escolha seria repassada ao… Portland Trail Blazers, claro.

Na Beantown, o ruivão se juntou a Bird, McHale, Parish, Dennis Johnson, Danny Ainge, Scott Wedman (e, ok, Greg Kite) para formar aquele que seria um dos maiores times da história. Para grande parte dos orgulhosos torcedores do Celtics, essa é considerada ao menos a melhor equipe que tiveram, superando os esquadrões de Bill Russell nos anos 60. Eles tiveram o terceiro ataque mais produtivo, a defesa menos vazada e conseguiram 63 vitórias, contra 19 derrotas – a melhor campanha da temporada regular. Mas estes números talvez não façam justiça ao que jogaram.

Nos playoffs do Leste, sofreram só uma derrota na semifinal para o Atlanta Hawks de Dominique Wilkins, tendo varrido o Chicago Bulls do jovem Michael Jordan, apenas em sua segunda temporada na liga, com média de, glup!, 43,6 pontos no confronto. Na final, tiveram a sorte (ou o azar, no ponto de vista de alguns fãs, que juram que eles esmigalhariam os arquirrivais) de enfrentar o Houston Rockets, que havia surpreendido o Lakers no Oeste. Com Hakeem Olajuwon também como um segundanista e o pirulão Ralph Sampson (outro que se lesionaria constantemente e não realizaria seu potencial), os texanos tinham um time muito promissor (e que naufragou mais adiante, servindo como exemplo numa caçada antidrogas da liga…), mas que não foram páreo para uma supermáquina como a de Boston. Vejam este massacre, no terceiro quarto do Jogo 5 da decisão:

Contra as ''Torres Gêmeas'', Walton foi uma presença tranquilizadora para o Boston, dando bom descanso a McHale e Parish. Aliás, foi o seu papel durante toda a temporada, para ganhar o prêmio de melhor sexto homem. Foi um encaixe perfeito: Walton já não tinha mais condições atléticas para carregar uma equipe, ao passo que o Celtics poderia muito bem contar com uma ajudinha extra para um combate que nunca chegou a acontecer nos playoffs contra Jabbar. Feliz em quadra, cabeça em dia, milagre médico: Walton só ficou fora de duas partidas naquela temporada, estabelecendo um recorde pessoal. ''Ele só joga quando quer, algumas vezes precisamos implorar para ele jogar'', brincaria Bird anos mais tarde.

Este acabou sendo seu campeonato informal de despedida. Na temporada seguinte, voltou a se lesionar. Ainda voltou para os playoffs, mas impossibilitado de causar qualquer impacto. E aí, sim, o Celtics voltaria a enfrentar o Lakers, perdendo por 4 a 2.

Remake
Obviamente, os paralelos entre Oden e Walton ficam limitados a coincidências: 1) era uma grande promessa colegial, comparado a Jabbar; 2) foi selecionado pelo Blazers como número um do Draft; 3) passou mais tempo na enfermaria, vivendo anos completamente conturbados; 4) tenta um recomeço com um time de ponta, liderado por outro big 3, de LeBron, Wade e Bosh. Em quadra, ele nunca chegou nem perto de produzir como o legendário pivô, nem mesmo esteve num time candidato a título. Também é bem mais jovem.

De qualquer forma, embora o ruivo tenha sido privado do auge, sem conseguir, estatisticamente, competir com os grandes pivôs da história, a história de Oden pode ser ainda mais triste, considerando que nem mesmo pôde desfrutar do início de sua carreira, perdendo toda a temporada de novato e sendo escalado, desde que ingressou na liga, em apenas 82 partidas no total, entre 2008 e 2009.

Qualquer contribuição que o pivô possa fazer o Miami neste próximo campeonato já será vista como enorme lucro para Pat Riley (técnico do Lakers em 1986 e 1987, aliás) – e, sem dúvida, virá como alívio, consolação e, quiçá, uma recompensa para alguém que teve de superar uma profunda depressão,  como se estivesse proibido a jogar basquete. Bill Walton certamente estará na torcida.