E o professor Scola deu uma aula na molecada canadense da NBA
Giancarlo Giampietro
O professor Luis Alberto Scola, 35 anos, resolveu ensinar a molecada canadense que, no mundo Fiba, as coisas podem ser mais complicadas do que se espera. Nesta terça-feira, essa verdadeira lenda argentina marcou 35 pontos e pegou 13 rebotes, em 34 minutos, e liderou uma estrondosa vitória por 94 a 87 sobre a geração NBA de uma potência emergente.
>> Brasil vence a República Dominicana, com 8 minutos de ótimo basquete
Só no terceiro período, quando os jovens adversários começavam a se empolgar, foram 18 pontos, para deixá-los perturbados. Dá para dizer que, diante do volume de jogo impressionante do veterano, a seleção norte-americana se desestabilizou um pouco e teve de correr atrás do placar no quarto período. Simplesmente não sabiam o que fazer contra o craque.
Foi um pouco de mais do mesmo do ponto de vista brasileiro, um tanto castigado por tantas surras que Scola nos aplicou. Um terror por toda a zona interior, atacando de frente e de costas para a cesta, com fintas para todos os lados, a munheca infalível e muita inteligência. É algo que sempre me maravilha e não consigo responder: o que é mais sensacional em seu jogo? A habilidade ou o instinto? São os fundamentos que permitem ele tomar decisões inesperadas pelos defensores, ou é a tomada de decisão que facilita a execução? Não importa. Os dois andam juntos e, com isso, temos uma figura legendária para acompanhar. Agora contratado pelo Raptors, é de se imaginar o quão calorosa será sua recepção em Toronto, né? ; )
Para os jovens canadenses, como Anthony Bennett, Kelly Olynyk, Andrew Nicholson e Dwight Powell, todos eles concorrentes na grande liga, era algo novo. Pelo Rockets, pelo Suns ou pelo Pacers, o argentino que eles conheciam era outro jogador, mais comedido. Daí que era até engraçado quando o veterano errava um arremesso e, segundos antes de a bola bater no bico, já estava de prontidão para coletar o rebote e encestar, num mesmo movimento, deixando atletas mais altos e/ou mais ágeis para trás, sem entenderem o que acontecia direito. E quando Scola puxava contra-ataque sem que ninguém se aproximasse deles, com os oponentes demorarem para persegui-lo, já apressados.
Correr, aliás, foi algo que o Canadá tentou fazer, para se aproveitar de sua condição atlética e tentar, quem sabe, cansar o pivô rival. Mesmo depois de cestas argentinas, o time de Jay Triano tentou acelerar em transição. Acontece que nossos vizinhos ao Sul estavam preparados para conter essa correria, por mais que os armadores Cory Joseph e Phil Scrubb rompessem, vez ou outra, a defesa para atacar o aro. Foram 12 pontos em contragolpes para eles.
>> Não sai do Facebook? Curta a página do 21 lá
>> Bombardeio no Twitter? Também tou nessa
No geral, porém, a Argentina refreou como podia o arranque e o vigor físico deles, somando inclusive 14 pontos em sua transição e ainda vencendo a batalha dos rebotes por 45 a 39. Também soube cuidar da bola, limitando seu ataque a apenas nove turnovers. Mesmo com um conjunto também bastante renovado, a Argentina jogou com intensidade e maturidade.
Ajuda ter líderes como Scola e Andrés Nocioni (15 pontos e 5 rebotes) ao lado, obviamente. Os dois causam um impacto imenso, cuidando de pequenas coisas em quadra com atenção e esmero. Também é preciso dizer que o time de Sérgio Hernández não é só Scola+Chapu contra a rapa. A começar pelo técnico, que vai fazendo um trabalho bem mais interessante que o de Julio Lamas. Pode parecer bobagem, mas o “Ovelha” foi influente até mesmo ao saber esfriar os canadenses com pedidos de tempo providenciais quando as enterradas e bolas de três sucediam. O mais importante, porém, é seu trabalho para captação de talentos e saber como usá-los. Contra os canadenses, o treinador armou um ataque todo espaçado para dar centímetros e segundos preciosos para seu grande jogador atacar.
O camisa 4 usou todo o seu repertório, mas não viu, surpreendentemente, muitas dobras defensivas, pois havia ameaça no tiro exterior — a despeito do aproveitamento de 5-29, 26%. Além disso, temos na Cidade do México uma equipe em que cada um conhece seu papel e vai executando suas obrigações de modo competente. O universitário Patricio Garino se encaixou perfeitamente ao lado dos campeões olímpicos com sua aplicação tática. Ótimo marcador, atacante oportunista e que não tenta fazer o que está além de suas capacidades. Depois de campanhas muito ruins, Leo Mainoldi acertou a munheca. Tayavek Gallizzi soube peitar os canadenses para dar alguns minutos de descanso aos veteranos.
A maior ajuda, mesmo, veio dos armadores. Nícolas Laprovíttola teve uma atuação que já deixa o torcedor flamenguista saudosista — e os dirigentes do Lietuvos Rytas, para onde está indo, bastante animados. Foram 20 pontos, 4 assistências e 4 rebotes em 21 minutos para o barbudo, que foi realmente dominante quando esteve em quadra. Já Facundo Campazzo, que pouco jogou pelo Real Madrid durante a temporada, anotou 10 pontos, seis assistências em 18 minutos. Juntos, eles acertaram 12 de 17 arremessos de quadra, agredindo e sem forçar a barra. Talvez os canadenses pudessem ter tentado uma pressão maior para cima dos armadores. Mas talvez isso não fizesse a menor diferença. Foi uma grande exibição da dupla.
O espevitado Brady Heslip, que, guardadas as devidas proporções, seria um jovem Juan Carlos Navarro canadense, bem que tentou fazer frente a eles do outro lado da quadra. Com uma mentalidade agressiva e sua mecânica perigosíssima, não deixou a coisa desandar para valer e conseguiu tirar seu time do sufoco em situações de meia quadra. Ele que é justamente um dos três atletas do grupo de Jay Triano que hoje não têm contrato com a NBA.
Andrew Wiggins teve seus lampejos, com direito a uma enterrada para cima de Nocioni, com direito a uma audaciosa encarada na sequência. Imagino o desespero de Flip Saunders ao ver a provocação de seu jogador, que é muito jovem e talvez não soubesse exatamente com quem estava mexendo. O rapaz tinha apenas 9 anos de idade quando Chapu estava recebendo sua medalha olímpica. Wiggins também ainda não é um ala que possa criar situações por conta própria e carregar uma equipe nesse tipo de jogo.
Dos mais experientes da equipe, Kelly Olynyk foi engolido por Scola na defesa — neste ponto, o técnico Jay Triano de um caldeirão de sopa para o azar ao confiar no ala-pivô para segurar a lenda argentina no mano a mano. No ataque, voltando de lesão, o cabeleira do Celtics se não teve a melhor leitura de jogo, chutando quando tinha espaço para atacar e cortando para a cesta quando o garrafão estava congestionado. Brigou lá embaixo, é verdade, terminando com 11 pontos, 10 rebotes e mais 4 assistências para os companheiros. Mas errou 0 de seus 13 arremessos, em 23 minutos, falhando em todas as suas quatro tentativas do perímetro.
O Canadá não fez uma partida ruim, para assustar. Mas acabou acusando o golpe desferido por Scola e seus amigos baixinhos. Agora vai ter se recuperar rapidamente. Eles ainda têm Porto Rico, Venezuela e Cuba pela frente, após uma derrota que não é nenhum absurdo, mas não estava nos planos de uma seleção considerada a grande favorita ao título e a uma das vagas olímpicas. Por sorte, o próximo jogo é contra os cubanos, o que tende a ser um treino. Esse, sim, o tipo de jogo que não tende a passar nenhuma lição.