Por essa ninguém esperava: a ressurreição de Rashard Lewis
Giancarlo Giampietro
Uma coisa é ser paciente, outra é ser teimoso pacas.
Se você for olhar todos os jogos de Rashard Lewis pelo Miami Heat, não daria para entender muito bem aonde Erik Spoelstra estava com a cabeça quando decidiu escalar o ala como titular no Jogo 5 contra o Indiana Pacers, tendo a oportunidade de eliminar de vez seu arquirrival na Conferência Leste. Arrisque, então:
a) Estaria o treinador de sacanagem?
b) Ousaria Spo a encarar um jogo de playoffs como um mero treinamento, para não deixar seus rapazes muito tempo parado, sabendo que a final do Oeste poderia se arrastar?
c) Ou ele simplesmente não tinha mais a quem recorrer?
Vamos de alternativa c), né? Mais plausível.
Udonis Haslem dessa vez foi pouco efetivo contra Indy, ao contrário do ano passado. Chris Andersen estava fora de combate. Shane Battier chegou aos mata-matas em frangalhos. Para Greg Oden ou Michael Beasley, simplesmente… Não rolou, por ora. As formações mais baixas, com Norris Cole e Ray Allen, se provaram muito mais lucrativas e seriam guardadas para mais tarde, especialmente contra um Pacers que estivesse enfraquecido pela entrada de qualquer reserva. Aí não tem por que mexer com isso. Logo, não restava muito o que fazer.
Vai de Rashard Lewis, então, que tristeza.
O mesmo jogador que esteve bem abaixo da média de eficiência da liga nos últimos dois campeonatos. Não acertou nem 41,6% dos seus arremessos. De três pontos, caiu de 38,9% no ano passado para 34,3%. Cujas médias foram de 5,2 e 4,5 pontos. Numa projeção por 36 minutos de ação, não melhorou nada sua situação: 13 e 9,9 pontos. Poucos rebotes.
Depois de anotar 10 e 16 pontos em suas duas primeiras partidas pelo time, só voltou a encestar com alguma eficiência na reta final da campanha 2012-13, sendo praticamente uma nulidade de dezembro a março. Apenas em 13 rodadas ele teve duplos dígitos de pontuação. Na atual temporada, essa contagem despencou para oito. Sim, oito. Entre 15 de janeiro e 26 de março, o máximo que ele ficou em quadra foram os 15min26s contra o Charlotte Ainda-Bobcats. Até que passou a jogar um pouco mais nas últimas 15 jogos. Na primeira rodada dos playoffs, somou oito pontos no geral em quatro compromissos contra o mesmo Bobcats. Depois, contra o Brooklyn Nets, foram 13 pontos em cinco capítulos. Na final do Leste, nem entrou em quadra nas duas primeiras partidas. Quando foi escalado para as duas posteriores ,saiu zerado, errando sete arremessos, seis deles de três pontos.
Ainda assim, foi promovido ao time titular.
A ideia, acho: Rashard tem boa envergadura para ameaçar a linha de passe e estava disposto a combater David West. E, do outro lado, supostamente poderia contribuir com um arremesso de longa distância que incomodaria a defesa, abrindo espaços para LeBron e Wade… Pelo menos a fama ele tem, certo?
O engraçado foi que o Indiana respeitou seu chute por quatro partidas, e o ala não parava de acertar, na verdade, o aro, ou a tabela. Quando acharam por bem desencanar de persegui-lo no perímetro, com a certeza de que a bola não cairia de jeito maneira… E pumba! Lewis desembestou a pontuar, fazendo de uma torrente a última gota de confiança que tinha. Aproveitamento de 9 em 16 bolas de três pontos? Inacreditável. Que tal os 31 pontos acumulados, com 18 no Jogo 5, no qual superou o mequetrefe do LeBron? “A primeira eu errei, mas senti que ela saiu bem. Os caras me disseram apenas para seguir arremessando. Quando finalmente acertei uma, estava apenas esperando pela próxima”, afirmou Lewis.
E não só isso. O ala ainda quebrou um galho daqueles marcando David West como poucos fazem – ou tentam fazer: saltar à frente de seu oponente e cortar o ângulo primário de passe para esse trator de ala-pivô. Algo não só inteligente taticamente, para tentar desencorajar a assistência, como também serve como uma medida preventiva para viver uma aposentadoria saudável. Pode doer bastante deixar suas costas para West acertá-la com o cotovelo, mas, se Lewis guardasse a posição básica, recuada, e esperasse o adversário receber a bola, ele iria apanhar de qualquer jeito no garrafão e por um período mais longo.
Em suma: era um cara transformado. Foi uma situação inusitada para Frank Vogel resolver.
Por um lado, temos em quadra um dos maiores arremessadores de três pontos da história da liga (na categoria de sujeitos com mais de 2,05 m de altura, é verdade), que foi eleito um All-Star como escudeiro de Ray Allen em Seattle e o ala-pivô aberto ao lado de Dwight Howard e dirigido por Stan Van Gundy. Na lista da NBA de cestas de três feitas, ele já aparece em oitavo, com 1.787 no total. “Se você dá uma olhada nessa lista e vê os caras que estão nela, você meio que não acredita. De estar na frente desse ou bem atrás daquele”, afirmou. “É um feito e tanto e mostra que deixei minha marca na NBA.”
Por outro, o objeto de análise aqui também é um veterano que já havia trocado até mesmo por um Gilbert Arenas ultrapassado e quebrado – na troca de salários mais absurdos e inúteis que a liga já viu – e que também estrelou um dos raros casos de doping oficializados da liga – ao lado de Hedo Turkoglu, seu ex-companheiro de Orlando, por exemplo.
Mal jogou em Washington e foi repassado para New Orleans, que só tinha a intenção de se livrar dos contratos de Emeka Okafor e Trevor Ariza (que estava encostado por lá e acabou se tornando uma peça bastante valiosa para o jovem time do Wizards, diga-se). Oficialmente, o valor de Lewis era de US$ 23,7 milhões (!?!?!?!, numa cortesia de Otis Smith). Mas o então-Hornets-hoje-Pelicans poderia dispensá-lo e economizar entre US$ 9 e 10 milhões. Demitiram sem pestanejar, abrindo caminho para que o ala ou se aposentasse, ou se juntasse a um time verdadeiramente candidato ao título. Aí Pat Riley entrou na jogada. No ano passado, para quem não lembra, ele foi anunciado no mesmo pacote com Ray Allen, seu ex-companheiro de Seattle, numa combinação promissora para o banco do time da Flórida.
Acontece que Lewis não jogou absolutamente nada e acabou salvo justamente Ray-Ray – essa, sim, uma contratação decisiva, de modo que não havia como os críticos se lembrarem do fiasco que representava a outra metade do negócio.
Mas, depois de dezenas de jogos apagados, aqui está Lewis sendo relevante, como um substituto improvável para Shane Battier no criativo sistema do Miami Heat. O veterano está todo empolgado. Já fala em jogar por mais dois ou três anos. Desde que no time certo. No caso, o Miami, em que suas responsabilidades são bem reduzidas. “Ser um jogador complementar, abrir a quadra para um time que está competindo pelo título é bem menos desgastante do que sair jogando 40 minutos e tendo de trombar e ralar”, afirmou o ala que foi a escolha 32 do Draft de 1998, saindo do high school. “Seu papel fica muito mais fácil, e então fica muito mais fácil também de cuidar do corpo.”
Os dilemas que Frank Vogel teve com Lewis agora ficam para Gregg Popovich. Que Rashard que vai jogar as finais? O moribundo de praticamente duas temporadas, ou aquele renascido por meros dois jogos? É uma pequena peça no grande jogo das finais da NBA, mas que pode ter uma grande repercussão. Não é exagero dizer que 99% da NBA davam o jogador por sumido, ou morto, mesmo, nas últimas temporadas. Menos Spoelstra, aparentemente, que fez valer sua teimosia.