Vinte Um

Arquivo : Mantzaris

Liderado por Spanoulis, mas renovado, Olympiacos desafia Pinheiros
Comentários Comente

Giancarlo Giampietro

Pinheiros x Olympiakos

Depois de 26 anos, o basquete volta a ter sua Copa Intercontinental de clubes nesta sexta-feira, em Barueri. O bicampeão europeu Olympiacos já veio curtir uma garoa e céu nublado em terras paulistas, num clima que, nem de longe, idealizavam encontrar no Brasil, claro. Mas não que tenham vindo a passeio.

Os gregos não sabem exatamente ainda o que terão pela frente, mas um time dessa tradição só pode entrar em quadra para vencer. É o que espera sua torcida fanática – aproximadamente 150 deles vêm para o jogo, e o desafio dos brasileiros é cantar mais alto que eles… Mesmo.

“Não sei o que esperar no Brasil”, afirmou o técnico Georgios Bartzokas antes do embarque. “Sei que cada jogo é como uma religião e também uma festa para os brasileiros. Sabemos que ambos os jogos devem ser em casa cheia. Os brasileiros têm uma grande tradição em todos os esportes coletivos, e isso inclui o basquete. Eles estão atualmente no meio de sua liga doméstica, e o Pinheiros tem uma campanha de 10-8. Foi difícil encontrar informações sobre os nossos adversários, mas vamos ter uma imagem clara após o primeiro jogo.”

Difícil fazer uma abordagem mais generalizado que isso. Mas, ao menos, Bartzokas foi sincero. Não saiu com frases como “vamos enfrentar um time de qua-li-da-de”, “obviamente eles são muito perigosos e vão jogar em casa” e afins. Ele pode estar correto, ou não, em suas observações sobre o público brasileiro, mas disse o que pensa, o que imagina sobre nossos torcedores, e está bom.

O fato de o técnico dos campeões da Euroliga conhecer pouco sobre o atual time número um da América só mostra o quanto a Fiba de cá e, principalmente, os clubes precisam trabalhar para criar algo que chegue perto do que as instituições europeias da modalidade têm hoje: um produto sólido, que consegue se vender bem, a despeito dos índices econômicos preocupantes de grande parte do continente.

Shamell who?

Shamell, um nome já fixado no mercado americano, mas que só foi apresentado a Spanoulis em coletiva nesta quinta-feira. Nesse jogo do desconhecido, quem vai levar a melhor? O ala, surpreendendo? Ou os defensores gregos e um jogo com o qual o ala não está habituado?

Por mais que os serviços de scout hoje estejam bastante desenvolvidos, ainda é muito difícil para os europeus acompanharem o que se passa nas ligas inferiores deste lado do Atlântico. Quem acaba fazendo a ponte entre os dois mundos são os escritórios de agentes, mas só para vender este ou aquele jogador, ou para importar treinadores de lá, de preferência espanhóis, que estão espalhados da Patagônia a Tijuana.

Já o técnico Claudio Mortari – ou qualquer outro basqueteiro brasileiro interessado – teve, no mínimo, acesso a dezenas de jogos do Olympiacos na TV durante as últimas temporadas, a última delas transmitida pelo Sports+, pelo qual terei novamente o prazer de fazer parte das transmissões para o campeonato 2013-2014.

De qualquer forma, os times vão se conhecer, de verdade, em quadra, a partir das 20h desta sexta. E o choque de culturas não poderia ser mais intrigante neste sentido. Ainda que o Olympiacos tenha sido a equipe com o quinto ataque mais veloz de seu torneio continental, a diferença de seu ritmo para o dos concorrentes não é tão grande assim. De modo que está acostumado a embates mais lentos e físicos, sem se distinguir na abordagem do jogo.

Aqui por estas bandas sabemos muito bem a velocidade com que o Pinheiros costuma jogar algumas vezes beira o imponderável. A ideia aqui era levantar uma série de números sobre a participação do time no Campeonato Paulista, mas o site da federação está absolutamente intratável desde quinta-feira, com uma lentidão que faria a seleção ucraniana parecer o Miami Heat. Consegui computar estatísticas das últimas duas partidas do clube, com vitórias sobre Bauru, com virada no quarto período, mas um excelente resultado no contexto do campeonato, e Rio Claro.

Contra um dos líderes da competição, a equipe de Mortari somou 15/32 de três pontos (47%), 16/30 de dois (53%) e ainda bateu 20 lances livres, convertendo 18 deles (90%). Além disso, cometeram apenas noveturnovers.Foi um estouro. Apesar deste excelente rendimento ofensivo, os pinheirenses tiveram dificuldade para vencer por terem sido espancados na disputa por rebotes. Os visitantes apanharam 16 a mais no jogo – foram 17 só na tabela ofensiva, sendo cinco deles de Larry Taylor (!?).

Diante de Rio Claro, foi uma sacolada, com 24 pontos de diferença. Os números ofensivos: 12/31 de três (39%), 18/31 de dois (58%), 18/29 nos lances livres (62%) e 12 desperdícios de posse de bola. Não tem muito como usar como parâmetro, dada a a disparidade entre os elencos, mas ao menos se repete o alto volume nos chutes de fora e de lances livres cobrados. Analistas das métricas avançadas da NBA e o gerente geral Daryl Morey, do Houston Rockets, chorariam de alegria vendo esse tipo de rendimento. Resta saber apenas se a defesa do Olympiacos vai permitir.

Mas quer saber do que mais? Contra os gregos, a correria talvez seja realmente um trunfo a ser explorado, desde que com o mínimo de organização. Os caras estão enferrujados ainda, em pré-temporada, enquanto a equipe brasileira já fez 18 partidas pelo Paulista (ainda que nas primeiras seus principais jogadores tenham sido poupados).

Em termos de entrosamento, a vantagem, na teoria, também fica por conta dos anfitriões. O Olympiacos não só acabou de se reunir, como está numa fase de integração de diversas peças novas. Do grupo campeão em maio, saíram quatro jogadores muito importantes da rotação: o ala Kostas Papanikolau (que foi receber uma bolada no Barcelona, ótimo arremessador de fora e muito forte no rebote), o ala-pivô Kyle Hines (reforço do CSKA Moscou de Messina; leia aqui mais sobre seu impacto pelo time) e os pivôs Pero Antic (macedônio que fechou com o Atlanta Hawks) e Josh Powell (aquele ex-Lakers, mesmo, que hoje tenta uma vaga no New York Knicks). Isso sem falar do pirulão geórgio Giorgi Shermadini, que jogou apenas seis minutos na final contra o Real Madrid, mas ganhou minutos consideráveis durante a competição.

Como vocês podem reparar, o gigante europeu trocou seu garrafão inteiro. Só sobrou o versátil Georgios Printezis para contar história. O técnico Bartzokas obviamente vai ter trabalho para rearranjar a química do time, especialmente a defesa interior, que perdeu jogadores que se entendiam muito bem.

Spanoulis em Barueri, é isso aí

Spanoulis vai estar acompanhado de novos parceiros nesta Copa Intercontinental

Para a Copa, o armador Acie Law, ex-Hawks e Warriors, lesionado, é outra baixa. Quer dizer, menos um da equipe que venceu o Real Madrid na final. Dos jogadores que se apresentarão em Barueri, algumas informações, comentários:

Vassilis Spanoulis: o jogador mais gabaritado do evento, um dos melhores da Europa, como o título de atual MVP da Euroliga comprova – está numa lista em que Andrei Kirilenko, Juan Carlos Navarro e Dimitris Diamantidis o acompanham. Dizer que “tudo” no ataque da equipe grega se passa em torno de suas diversas habilidades pode soar como exagero, mas, acreditem, até vale como força de expressão. Um armador com drible sem muita frescura, mas que pode ser mortal, ainda mais usando corta-luzes sem parar (não por acaso, esteve entre os líderes em faltas recebidas e lances livres cobrados durante todo o campeonato continental). Arremesso de longa distância precisa ser respeitado. Também sabe matar em flutuação. E aí que fica difícil de equacionar: se você apertar muito, provavelmente vai tomar o corte. Se folgar, ele vai mandar bala, sem hesitar.

Na Euroliga, as defesas que tiveram mais sucesso contra o astro conseguiram incomodá-lo com um garrafão congestionado. Sim, esse tipo de jogador você não vai parar no um-contra-um. Tem de pensar no coletivo. A ideia seria cercá-lo com até dois homens na sobra, quando estiver rondando o garrafão, de modo a desencorajar suas infiltrações e, ao mesmo tempo, tentando limitar suas linhas de passe (seu jogo de “kick-out” também é perigoso). “Anular” Spanoulis raramente ocorre. O jeito é atrapalhá-lo.

Georgios Printezis: um jogador experimentado, com muitos movimentos atípicos. Não seria recomendável ensinar suas mecânicas em nenhuma escolinha. Mas não se deixem enganar por isso: de um jeito ou do outro, o ala-pivô da seleção grega consegue fazer o serviço – nas quartas de final contra o Anadolu Efes, por exemplo, foi fundamental para fechar um duríssimo confronto em 3-2, quando Spanoulis estava com a mão fria. Movimenta-se bastante de um lado para o outro no ataque, esperando alguma brecha para atacar, dando trabalho fora da bola. Não é dos reboteiros mais ferozes. Embora tente bastante, não chega a ser uma ameaça no chute de longa distância. Autor da cesta do título de 2012, com um sangue gélido que só. Veja de diversos ângulos:

Evangelos (ou Vangelis) Mantzaris: tem apenas 23 anos, mas se comporta em quadra como um trintão, de tantas medalhas que já ganhou nas seleções gregas de base. Não é dos mais agressivos no ataque – pouco faz em termos de infiltração, mas tem aproveitamento de 40,7% de fora na carreira na Euroliga. Acaba guardando toda a sua pegada para a defesa, mesmo, em que usa seu 1,96 m de altura e envergadura incomuns para a posição para colocar pressão nos adversários. Teve sua campanha 2012-2013 interrompida por uma grave lesão no joelho, então sua forma física é questionável. Se estiver inteiro, será no mínimo curioso seu duelo com Paulinho.

Kostas Sloukas: mais um da seleção nacional e outro que, com 23 anos, se comporta como um veterano andarilho. Companheiro de Mantizaris na base. Um grande arremessador que não pode ficar livre na linha de três de modo algum (média de 45,7% na Euroliga) – é um dos principais alvos das assistências de Spanoulis. Lento, porém, não representa muita ameaça com suas infiltrações e também pode ser bem explorado do outro lado da quadra, na defesa.

Stratos Perperoglou: determinado, centrado e forte, é um belo marcador na ala, ainda que esteja perdendo velocidade e muitos já o vejam como alguém mais propenso a lidar com alas-pivôs do que alas que joguem mais afastados do garrafão. É possível que vá cobrir Shamell por algum tempo. Sabe de suas limitações e não vai além delas. Não espere aventuras individuais do ala de 29 anos rumo à cesta. O tipo de operário que se dedica aos pequenos detalhes, não vai ganhar nenhum troféu individual, mas que ajuda qualquer time.

Mirza Begic: um gigante de 2,16 m de altura, o pivô esloveno é um dos reforços da equipe, depois de passar três anos com o Real Madrid. Honra sua estatura como um bom defensor próximo do aro, tanto na cobertura como, principalmente, no mano-a-mano. Mas é bastante vulnerável em combinações de pick-and-roll, devido a sua mobilidade de tartaruga – algo que deve ser explorado ao máximo por pivôs leves como Mineiro e Morro. No ataque, seria prudente tentar marcá-lo pela frente quando próximo do garrafão e não se descuidar do bloqueio na hora do rebote, se levarmos em conta que nunca em sua carreira na Euroliga, desde 2007, ele chutou abaixo de 52,5% na zona de dois pontos.

Cedric Simmons: um dos quatro norte-americanos contratados para esta temporada, o pivô já foi companheiro de Marquinhos no New Orleans Hornets, vejam só. Jogaram juntos na temporada em que a franquia também carregou o nome de Oklahoma City. Escolhido em 15º num Draft desastroso do clube que havia apanhado Hilton Armstrong na 12ª posição. Dois grandalhões, nenhum acerto. Mas, bem, voltando ao ponto: Simmons teve uma grave lesão na perna que contribuiu para sua breve trajetória na NBA e lhe roubou um pouco de sua formidável capacidade atlética, de impulsão e velocidade. Mas deu um jeito de estender sua carreira na Europa, fechando com o Olympiacos, aos 27 anos, após defender o Enel Brindisi, da Itália. Ah, nesse meio tempo, descolou um passaporte búlgaro, jogando pela seleção do país. Claro.

Quanto a seus compatriotas – nascidos nos Estados Unidos, especificando –, nunca os vi em ação, para ser sincero. Vamos pelos números, então. Matthew Lojeski é um ala-armador que se formou na universidade do Havaí e, desde 2008 até este ano, esteve em ação na Bélgica. Foi bicampeão nacional pelo Oostende e, no ano passado, teve média de 16 pontos por partida na Euroliga, com aproveitamento impressionante nos arremessos – 51,2% de dois pontos, 57,1% de três (!!!) e 96,6% nos lances livres. Bryant Dunston seria um candidato a substituir Kyle Hines, pois, com 2,03 m de altura, sempre teve média de pelo menos um toco por jogo (ou bem mais que isso) por onde passou.

*  *  *

Perperoglou pode ser dos mais discretos em quadra, mas tem um blog no site da Euroliga. Em seu último post, já em” Sao Paolo”, o ala se arriscou um pouco mais que Bartzokas, e… Bem, vamos  lá: “Não posso dizer que sei muito sobre os nossos adversários, mas estou confiante de que eles vão ser uma equipe forte. Posso dizer isso com base no fato de que o Brasil foi um dos finalistas da mais recente Copa América neste verão e porque sempre fiquei impressionado com os jogadores brasileiros que passaram pela Euroliga. Talvez o próximo Marcelinho Huertas ou Tiago Splitter estejam nos esperando nesta equipe do Pinheiros. E, além disso, se foram os melhores da América do Sul na última temporada, devem ser muito bons”.

Por “finalista da Copa América”, imagino que ele esteja se referindo aos países que se classificaram para o torneio, num paralelo com o que acontece na Europa, em que algumas seleções ficam fora e são relegadas ao segundo escalão. Mas que bom, né? Ao menos o Brasil conseguiu ficar acima de Chile, Colômbia, Equador e Bolívia. Por “melhores da América do Sul”, não foi o caso: times do México e Porto Rico também foram derrotados.

A ideia aqui não é zombar da simpatia do ala. Mas só constatar que seus comentários só reforçam o quão desconhecidos seus oponentes são para eles. De modo que esta primeira partida se torna mais importante para o time brasileiro.

*  *  *

O Pinheiros tentou, mas não conseguiu fechar a contratação de um reforço de aluguel direcionado especificamente para a Copa Intercontinental. Leandrinho ajudaria tanto assim? Talvez. Mas não sei se é justo/ético/necessário esse tipo de operação. No futebol, por exemplo, o Cruzeiro executou algo nessa linha em 1997 para encarar o Borussia Dortmund, e seu esforço foi em vão.  Que o Pinheiros enfrente o Olympiacos com as armas tradicionais que tem, com as quais foi campeão de um torneio que poucos brasileiros venceram.

*  *  *

Por que jogar em Barueri? Sem datas no Ibirapuera. Como a Copa Intercontinental surgiu? O Daniel Neves, da casa maior, o UOL Esporte, já havia contado tudo aqui depois de um papo com João Fernando Rossi, o dirigente que transformou o Pinheiros numa potência nacional também no basquete.


< Anterior | Voltar à página inicial | Próximo>