Série constante de graves lesões ameaça ‘Eldorado’ de armadores na NBA
Giancarlo Giampietro
Se o cara é um armador sensacional, um craque de bola ganhando milhões na NBA, alguma coisa pode estar errada ou algo de errado está prestes a acontecer?
Eu, hein?!
Que toda a galera bata na mesa da escrivaninha agora ou, se estiver com o computador no colo, que se corra até a madeira mais próxima: toc, toc, toc.
(Vocês vão me desculpar o começo de texto absurdo, mas é que, quando se dá conta de um apanhado como este que vem por aqui, é de se ficar meio atônito, mesmo, escrevendo qualquer coisa. Explicando…)
Porque Rajon Rondo é a vítima mais recente de uma profissão mágica, fundamental para deixar nosso passatempo predileto mais divertido: a de bom armador. Uma profissão que, por exemplo, vai deixando cada vez mais conhecida a a famigerada sigla LCA. Significado: ligamento cruzado anterior e sua ruptura. A mesma lesão que tirou Ricky Rubio e Derrick Rose de quadra ao final da temporada passada, sendo que o astro do Bulls ainda nem voltou a jogar e Rubio ainda tem dificuldades para recuperar o basquete que encantou a NBA em sua primeira campanha.
Os problemas físicos de uma talentosa fornada de armadores não param por aí, porém. John Wall perdeu quase meia temporada por conta de uma lesão por estresse na rótula – aliás, não me perguntem nada além disso, por favor, porque taí algo bem estranho de se escrever. Stephen Curry já tem o tornozelo direito castigado por tantas torções. Kyrie Irving, o prodígio do Cavs, mal conseguiu jogar por Duke na NCAA, devido a uma lesão no pé, fazendo apenas 11 partidas. Em seu ano de novato, sofreu com concussões e uma lesão no ombro. Mais velho que essa turma toda, Chris Paul também já teve de lidar com a ruptura de um menisco no joelho em 2010.
Nessa lista estão sete dos talvez dez mais da posição. Vamos evitar a brincadeira de elencar um top 10, mas dá para fazer de outro modo. Veja abaixo.
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Russell Westbrook, aquele dínamo do Oklahoma City Thunder, nunca perdeu um jogo em sua carreira devido a contusão ou lesão.
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Em termos de armador (sem pensar exclusivamente em jogadores puramente passadores como Andre Miller), a NBA vive hoje uma espécie de eldorado.
Checando o titular da posição em cada equipe, e a grande maioria vai apresentar um jogador de destaque. Nem todos são incontestáveis, mas tem muita gente no auge e outros de muito potencial, além de Steve Nash e Jason Kidd, no ocaso de suas carreiras históricas. Alguns podem ser considerados apenas regulares, mas é difícil de encontrar alguém que ruim de chorar.
Vamos lá.
Na Divisão do Pacífico, temos Stephen Curry, Steve Nash, Chris Paul (para não falar de Eric Bledsoe), Isiah Thomas e Goran Dragic.
Na região do Noroeste: Russell Westbrook, Damian Lillard, Ricky Rubio, Ty Lawson e Mo Williams.
No Sudoeste: Tony Parker, Mike Conley Jr., Darren Collison, Jeremy Lin e Greivis Vasquez.
Na Divisão Central: Derrick Rose, George Hill, Brandon Jennings, Brandon Knight e Kyrie Irving.
No Sudeste: Mario Chalmers, Jameer Nelson, Jeff Teague, Kemba Walker e John Wall.
Por fim, nos lados do Atlântico: Raymond Felton/Jason Kidd, Deron Williams, Jrue Holiday, Rajon Rondo e José Calderón.
Levando a brincadeira adiante, talvez dê para dividi-los assim:
– A elite: Paul, Westbrook, Parker, Rose, Deron Williams, Rondo.
Wess pode não ter o maior fã-clube lá fora, mas é uma força da natureza como Rose, que atacam de uma outra forma na posição, mas com sucesso inegável. Williams ainda se segura por aqui pelo conjunto da obra, mas ainda tem muito o que jogar pelo Nets para justificar seu salário. Os demais? Nem precisa discutir, né?
– Chegando lá: Irving, Curry, Holiday, Wall, Lawson.
Irving só não está um degrau acima ainda pela brevidade de sua carreira e por sua defesa pífia. Curry é o melhor arremessador da turma, herdeiro de Nash nesse sentido, Holiday combina bem doses de Wess/Rose com ótima defesa, Lawson perdeu rendimento nesta temporada, mas, quando está em plena forma, com confiança, ninguém segura. Wall: quando os chutes de média distância, ao menos, vão começar a cair?
– No meio do caminho: Felton, Conley Jr, Calderón, Hill.
Com Felton, o Knicks é uma coisa. Sem ele, outra. O que não quer dizer também que ele esteja entre os melhores de sua posição: isso apenas reflete o modo como o elenco do Knicks foi construído, e a dupla armação em sintonia com Kidd se tornou vital. Conley começou o ano barbarizando, mas deu uma boa desacelerada depois. Ótimo defensor, veloz, mas ainda longe de ser decisivo. Calderón é um dos poucos puros passadores nesse amontoado todo, um ótimo organizador, mas que sofre muito na hora de parar os adversários. George Hill é o contrário: marcador implacável, bom finalizador próximo da cesta, mas que não está na mesma categoria de Rose e Westbrook e não faz o jogo ficar mais fácil para seus companheiros.
– Em franca evolução: Lillard, Walker, Dragic, Teague, Jennings, Bledsoe.
Grupo de potencial, mas que ainda não sabemos exatamente onde vão parar. Ninguém poderia imaginar o impacto que Lillard vem causando em Portland. Mais um ano desse jeito e já vai para o andar superior. Walker enfim parece aquele terror da NCAA. Dragic é vítima das circunstâncias em Phoenix. Teague e Jennings ainda alternam bastante, mas contribuem de modo mais positivo com suas equipes no momento do que complicam seus treinadores. Bledsoe jajá vai ganhar uma bolada de alguém.
– Enigmas: Rubio, Lin, Knight, Vasquez.
Ainda está cedo para avaliar o físico do espanhol depois da lesão – a defesa e o arranque para a cesta especialmente –, mas seu arremesso está ainda pior. Lin: ainda não acho que dê para dizer que a Linsanidade foi uma mentira, vide suas principais atuações neste campeonato quando Harden está de molho. Knight é dos mais jovens da lista, com apenas 20 anos, mas, comparando, está beeeeem abaixo de Irving em termos de produção estatística e personalidade em quadra, sendo que o rapaz do Cavs é de sua mesma geração. Mas todos em Detroit dizem que é um cara sério, que trabalha duro e que tem muito a crescer. A ver. Já os números do venezuelano são ótimos neste ano, mas fica a dúvida ainda se ele consegue manter esse rendimento com consistência e se consegue fazer valer seu tamanho na defesa, se tornando mais combativo.
– Já deu o que tinha de dar: Nelson, Mo Williams, Darren Collison.
Nelson é o líder emocional do Orlando Magic, corajoso, habilidoso mas… seu tamanho hoje impede que ele compita de um modo justo contra aberrações atléticas que vêm dominando a posição. Williams sempre foi mais moldado como um ótimo sexto homem do que como alguém que vá fazer a diferença para um bom time de titular. Collison ainda é bastante jovem, mas rende mais quando é a estrela da companhia – vide seu ano surpreendente como substituto de Paul no Hornets. E quem vai querer dar a Collison um time para liderar, levando em conta o nível dos outros jogadores aqui listados?
Sobram Mario Chalmers e Isiah Thomas, dois casos bem particulares. Jogando ao lado de Wade e LeBron, Chalmers tem um papel bem reduzido em Miami: abrir a quadra com chutes de três pontos e colocar muita pressão na linha de passe do oponente, duas coisas que faz muito bem. É um jogador que se encaixa perfeitamente num esquema e ainda não foi testado para valer de outra forma. Isaiah Thomas, com 1,75 m, é o jogador mais baixo desta página, enfrentando todas as dúvidas de sempre. Pelo Kings, se mostra um jogador, de qualquer forma, bastante útil, com números sólidos, boa velocidade, mas não chega a ter a eficiência de um Lawson que o torne irresistível no ataque para compensar sua fragilidade na retaguarda.
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Como o Knicks vem mostrando com Felton e Kidd, finalizadores e facilitadores, o Heat com a obrigação de condução do time dissipada entre seus principais nomes, a ascensão de cestinhas impossíveis como Irving, Rose e Westbrook, é cada vez mais raro pensar no armador da NBA como um Bob Cousy ou John Stockton, e isso não quer dizer que estejamos diante do fim do mundo. O jogo vai mudando, seguindo diversos caminhos, e os técnicos e jogadores mais antenados vão se adaptando junto.
Só esperamos que as lesões gravem não acabem com essa evolução natural da modalidade. Não quer dizer que os astros estejam ou tendam a ficar baleados. Muitas vezes uma cirurgia pode acontecer apenas em decorrência de um lance de azar. Que essas ocorrências fiquem mais raras. Um armador com velocidade e mobilidade avariadas se complica em uma liga que valoriza cada vez mais o jogo atlético espalhado por toda a quadra.
E outra: enfermaria não tem graça nenhuma.