Jukebox NBA 2015-16: Utah Jazz, “coloca o Raul”
Giancarlo Giampietro
Em frente: a temporada da NBA caminha para o fim, e o blog passa da malfadada tentativa de fazer uma série de prévias para uma de panorama sobre as 30 franquias da liga, ainda apelando a músicas, fingindo que está tudo bem. A gente se esbalda com o YouTube para botar em prática uma ideia pouco original, mas que pode ser divertida: misturar música e esporte, com uma canção servindo de trilha para cada clube. Tem hora em que apenas o título pode dizer algo. Há casos em que os assuntos parecem casar perfeitamente. A ver (e ouvir) no que dá. Não vai ter música de uma banda indie da Letônia, por mais que Kristaps Porzingis já mereça, mas também dificilmente vai rolar algo das paradas de sucesso atuais. Se é que essa parada existe ainda, com o perdão do linguajar e do trocadilho. Para mim, escrever escutando alguma coisa ao fundo costuma render um bocado. É o efeito completamente oposto ao da TV ligada. Então que essas diferentes vozes nos ajudem na empreitada, dando contribuição completamente inesperada ao contexto de uma equipe profissional de basquete:
A trilha: ''Tente Outra Vez'', por Raul Seixas
''Coloca o Raul!''
Se algum brasileiro estiver presente na plateia de um jogo do Utah Jazz, duvido muito que, depois de um copão de cerveja (porque lá é tudo gigante, mesmo), não tenha feito o trocadilho, sem que ninguém ao seu lado entendesse, muito menos o técnico Quin Snyder. Então aqui temos a única música brasileira na trilha sonora da temporada, por motivos óbvios. E, desculpem, piada era muito infame para ser evitada. : )
Por três, quatro meses, os pedidos foram atendidos: Raulzinho não só estava jogando em seu ano de novato, como havia sido eleito o titular. Quando foi selecionado para participar do jogo da garotada no fim de semana do All-Star, teve suas melhores atuações, a confiança visivelmente reforçada. Acontece que, logo quando voltou das festividades em Toronto, recebeu uma notícia que servia como pulga atrás da orelha: o clube contratou um armador. Fosse uma estrela, um jogador de ponta, talvez fosse fácil de compreender. Mas, não, quem chegou foi Shelvin Mack, um cara que, até o momento, praticamente passou batido desde que foi selecionado pelo Wizards em 2011.
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Tom Thibodeau costuma dizer que, se o cara já está na NBA, é por ser um grande jogador. E está certo. Mas, entre esses grandes jogadores, há uma separação de castas, claro. E não dá para dizer que Mack faça parte da elite. Mesmo assim, bastou uma boa partida em sua estreia, para o armador de 25 anos assumir o posto de titular. Ele nem sabia as jogadas, muito menos seus nomes.
Então vem daí a escolha de ''Tente Outra Vez'', então? Poderia ser, para que Raul mantenha a cabeça erguida e brigue por seus minutos. Mas a canção (separada antes de o campeonato começar, juro), tem mais a ver com o fato de o Utah tentar, enfim, voltar aos playoffs com seu segundo núcleo desde a era Stockton-to-Malone. O grupo com Deron, Boozer, Kirilenko e Okur (mais uma participação especial do Baby, por meia temporada!) até chegou a uma final de conferência, mas não teve chance nenhuma contra o Lakers. Agora, num processo bastante paciente de reformulação, depois de alguns anos de draga geral, a família Miller espera que sua diretoria tenha reunido peças em torno das quais possa se construir uma equipe vencedora.
As coisas estão caminhando bem nesse sentido, com o chefão de longa data, Kevin O'Connor, delegando poderes a Dennis Lindsey, mais um aluno do Instituto Gregg Popovich & R.C. Buford Spursiano de Basquete. Tal como o Philadelphia 76ers, mas sem fazer tanto estardalhaço, o clube vem bancando uma folha salarial barata para os padrões da liga, dando espaço a jovens apostas do Draft e buscando um ou outro talento na D-League. No ano passado, com a contratação de um verdadeiro professor, Quin Snyder, a equipe passou a ser mais competitiva. Depois do excelente rendimento que o time teve nos últimos meses da temporada passada, muitos esperavam que os garotos já pudessem se meter na briga com os grandes do Oeste, ou pelo menos incomodá-los mais. Que tivessem pelo menos um aproveitamento entre 55 e 60%, que o colocasse na briga pela quinta posição da conferência, ficando abaixo do quarteto Warriors/Spurs/Thunder/Clippers.
Não foi possível, por ora. A campanha na primeira metade da temporada foi gravemente atrapalhada por lesões e longo período de afastamento para Derrick Favors e Rudy Gobert. Quando o francês retornou, o americano saiu de cena. Agora estão reunidos, e fica a expectativa de que o time como um todo possa apertar o passo, no mesmo ritmo de 2015, e superar Mavs, Blazers e Rockets para se meter entre os oito melhores. Vamos ver.
Para isso, precisam que seu núcleo central, com os dois grandões acima e Gordon Hayward e o emergente Rondey Hood, se mantenha saudável. Pois, como pudemos ver, ainda há limitações no elenco para lidar com desfalques do tamanho de seus excelentes pivôs, em todos os sentidos. Jeff Withey e o habilidoso novato Treyl Lyles tiveram seus momentos, mas estão num nível abaixo, e a defesa icou comprometida.
(PS: As produtivas atuações de Withey, todavia, depõem contra o gerente geral do Pelicans, Dell Demps, que tem de se explicar por permitir que o espigão fosse embora de graça, enquanto Omer Asik e Alexis Ajinça não conseguem dar cobertura a Anthony Davis. Já Lyles teve lampejos que mostram que Phil Jackson não estava tão maluco assim ao namorar o ala-pivô canadense antes do Draft.)
De qualquer forma, a maior carência, admitamos, estava na armação, como a contratação de Shelvin Mack não deixa negar. Lindsey falou com seu ex-companheiro Mike Bundeholzer para sondar a disponibilidade de Jeff Teague, não gostou do preço alto estipulado e, com o aval de Snyder e Hayward, se contentou com o terceiro armador da rotação do Hawks. Ao justificar a negociação, Snyder atentou para o fato de ter usado até seis jogadores diferentes na condução da equipe em minutos finais durante a temporada, com direito a improvisos. Quer dizer: em sua cabeça, repete-se um mantra que não podemos esquecer e que Manu Ginóbili sabe de cor: ''Não importa quem começa o jogo, mas, sim, quem termina''.
Não é um demérito para o brasileiro, que, muito jovem, fez boas campanhas numa concorrida Liga ACB por anos e anos. A NBA é outra história, porém, e ainda estamos falando de um calouro se ajustando a este nível elevado de basquete. Como ponderação, basta observar o que se passa com Burke, oras. O rapaz foi uma estrela de high school em Ohio e teve uma carreira bastante badalada pela Universidade de Michigan. Agora está prestes a ser descartado.
Além disso, também não podemos nos esquecer que o plano de Snyder e Lindsey era por o exuberante Dante Exum como dono da posição. Uma infeliz lesão em amistoso pela seleção australiana, porém, o tirou do campeonato, abrindo espaço para Raulzinho. Ele aproveitou do jeito que dava, ganhou elogios de seu treinador por seu empenho defensivo e por sua estabilidade, mesmo sendo um novato. Mas não convenceu o bastante.
''Tivemos, não vou dizer uma porta giratória, mas tivemos de encontrar opções internamente, essencialmente usando nossos caras fora de posição. Se tivesse três armadores no início do ano, você veria algum tipo de separação entre eles. Mas não aconteceu isso. O resultado é que esse processo acontece agora. Vou ter de tomar algumas decisões em relação a quem vai jogar'', afirmou Snyder.
''Será muito fácil questionar algumas dessas decisões num período tão curto. Mas tomara que, com o tempo, vamos ganhar mais continuidade nessas escalações. Para chegarmos a conclusões, é importante que usemos Shelvin. Ele não teve chance de jogar muito neste ano. E por isso conseguimos a contratação. Ele é um armador de porte físico maior. Vale cada centímetro de seu 1,91m de altura e cada grama de seus 94kg. Em algumas ocasiões, essa fisicalidade em um jogo desta natureza é importante. Tivemos algumas ocasiões recentemente em que fomos superados fisicamente. Ele é diferente dos outros dois. Eles são muito diferentes , na verdade.''
O que dá para entender da fala do técnico: o plano era ter Exum no time titular, e Raulzinho desafiando Burke por minutos vindo do banco, com o americano levando vantagem por ter mais poder de fogo, sendo utilizado mais como pontuador do que organizador vindo da segunda unidade. É algo que se encaixa melhor na rotação, e aqui precisamos ressaltar que tipo de jogador está ao lado dos armadores no perímetro.
Hayward tem muita habilidade e vai ser o criador primário em muitas ocasiões. Nas últimas semanas, Hood também entrou nessa discussão, ganhando mais e mais admiradores entre os scouts. Nenhum deles chega a ser um James Harden, retendo tanto a bola assim. Mas é fato que o armador do Utah, qualquer que seja, tem de dividir a bola de um jeito diferente do que um ataque mais tradicional sugeriria. ''Espero apenas que esses caras sejam agressivos'', diz Snyder. ''E aí vamos continuar observando e ver o que acontece.''
Seguindo o raciocínio do treinador, é provável, então, que, assim como nos botecos por aí, o grito de mais ''Raul'' não adiante muito. Nem mesmo vindo de Magnano.
A pedida: playoffs, dãr.
A gestão: conforme dito acima, Dennis Lindsey vem tendo todo o cuidado na construção de seu elenco, numa transição lenta e, ao seu ver, segura. A diferença, em relação ao que o agressivo Sam Hinkie apronta em Philadelphia, é que, sitiado no alto das Montanhas Rochosas, seu ritmo como negociador é bem mais pacato.
Lembremos que, para chegar ao estágio atual, o clube abriu mão, de uma só vez, da dupla Al Jefferson e Paul Millsap. Assim como Philly fez com Thaddeus Young, Evan Turner & Cia. Desde então, porém, basicamente adicionou a sua base os escolhidos via Draft e algumas especulações pontuais da D-League. Mal investiu em agentes livres, mas também não participou de muitas trocas assim. De novo: precisando de alguma ajuda para se estabelecer no Oeste, eles se contentaram com Shelvin Mack.
Só fica uma dúvida: será que não era a hora de investir mais? Tudo bem evitar Teague se o Atlanta estivesse pedindo, realmente, uma escolha de primeira rodada mais um jogador jovem (de repente Alec Burks…). Aí não adianta se precipitar e pagar muito caro. Mais:n um elenco jovem, Favors e Hayward já ganharam um bom aumento, e se aproxima a hora de que Rudy Gobert vai receber uma inevitável proposta de salário máximo. Num mercado pequeno, que não atraiu tanta gente assim nos últimos anos, você tem de ser cauteloso e guardar uma grana para tentar manter suas revelações. O outro lado é que, num ano mais fraco do Oeste, há uma clara oportunidade subir na tabela. Chegar aos playoffs, mesmo com uma queda na primeira rodada, já rende um bom troco em bilheteria e TV. O desenvolvimento interno de Hood, Lyles, Raul e outros será o suficiente para compensar a inércia? É nisso que Snyder aposta, na certa.
De todo modo, em julho, chega a hora a de usar o largo espaço salarial em busca de um ou outro agente livre qualificado e mais experiente, dependendo especialmente da saúde de Dante Exum e Burks, caras talentosos, mas que agora são cercados por algumas questões físicas.
Olho nele: Rodney Hood.
Quanto mais alta sua escolha no Draft, a matemática histórica nos diz que você tem maior probabilidade de conseguir um jogador relevante. É uma loteria, então? Do ponto de vista do Utah Jazz, talvez não. Para um clube que selecionou Rudy Gobert em 27º e Hood em 23º, talvez essa lógica não cole. O pivô francês já tem uma baita moral na liga. Hood, mês a mês, vai chegando lá.
Que Hood tenha deslizado tanto assim no recrutamento de 2015 é difícil de entender. Talvez os olheiros estivessem muito mais atentos em Jabari Parker, ignorando seu arremesso suave de canhota, com uma boa elevação devido a sua estatura, e visão de quadra. Ele era um assessor em Duke, mas vai mostrando rapidamente em Salt Lake que tem muito mais recursos, funcionando até mesmo como arma na chamada de pick-and-rolls. Em 25 partidas desde a virada do ano, vem com médias de 18,3 pontos, 2,8 assistências (contra 1,7 turnover e 43,8% nos arremessos de fora e 88,6% nos lances livres. Numa divisão por shooting guards (algo que, na NBA de hoje, não diz muito), ofensivamente, o ala aparece como o sétimo no ranking de Real Plus-Minus do ESPN.com, atrás de Harden, Butler, DeRozan, Middleton, Klay e Redick, acima de Ginóbili, McCollum e J.R. Nada mal.
A defesa, porém, é outra história. Ele é facilmente batido em sua movimentação lateral e, em geral, precisa ser muito mais combativo. Ainda assim, já vale como um fator positivo para o time nessa reconstrução.
Um card do passado: Raúl López. Vocês se lembram? Raulzinho já teve, há 14 anos, um xará vindo do basquete espanhol que era aguardado por ansiedade por sua fanática torcida. Com algumas diferenças, claro: López tinha a missão de substituir ninguém menos que John Stockton e chegava a Salt Lake City mais bem cotado, como o 24º do Draft de 2001, quatro posições acima de outro jovem armador europeu, Tony Parker.
Acontece que o jogador que estreou pela franquia em 2003 não era o mesmo de dois ano antes, e não é que tivesse evoluído. Foi o contrário. No meio do caminho, a serviço pelo Real Madrid em 2001, o catalão sofreu uma grave lesão no joelho direito (ligamento cruzado anterior). Quando assinou com o Utah em 2002, teve a mesmíssima lesão em um amistoso pela seleção espanhola. Sem confiança, com menos velocidade e arranque (algo fundamental para um jogador de 1,82m (se tanto) fazendo a transição para os Estados Unidos, não teve sucesso.
Em sua temporada de novato, conseguiu disputar todas as 82 partidas, com médias de 7,0 pontos e 3,7 assistências em 19,7 minutos, acertando apenas 29,4% dos arremessos de três e 43,1% no geral. Em 2004-05, voltou a sentir o joelho, e foi limitado a 31 partidas. Na hora de renovar seu contrato, o Utah preferiu trocá-lo com o Memphis Grizzlies, que já contava com Pau Gasol. López, porém, nunca mais jogaria pela NBA, sem repetir a parceria com seu compatriota e velho amigo das divisões de base. Chegou a ganhar a prata olímpica em Pequim 2008, foi campeão europeu pela seleção, mas num nível bem abaixo do que se esperava. Hoje, aos 35, ainda joga pelo Bilbao, com 17 minutos em média.