Com Érika bloqueada, Brasil perde para tchecas na estreia
Giancarlo Giampietro
O Brasil escala uma das melhores pivôs do mundo, uma comodidade daquelas que toda equipe sonha em ter. Claro que estamos falando de Érika. O problema é que, ao mesmo tempo que possui um luxo desses, a equipe, independentemente do técnico e do elenco de apoio ao redor da jogadora, segue sem usá-la de modo apropriado ou eficiente. Neste sábado, na rodada de abertura da Copa do Mundo feminina, a República Tcheca praticamente tirou a estrela do Atlanta Dream de jogo e caminhou para uma vitória segura por 68 a 55, pelo Grupo A, em Ankara.
Essa coisa de acionar a pivô é uma questão crônica da seleção nos últimos torneios, independentemente de quem a está acompanhando e orientando. É verdade que as adversárias da estreia marcaram muito bem a linha de passe, diversas vezes posicionando suas pivôs frontalmente, conseguindo a proeza de ''esconder'' a gigante brasileira. Mas aí é o caso de procurar alternativas e não se conformar com a contestação inicial. Poderia se tentar fazer passes rápidos para o lado contrário, colocando a pivô, após um giro, de frente para a cesta. Ou um corta-luz entre as próprias pivôs para liberá-la por instantes preciosos para a recepção do passe. Qualquer truque que possa dar uma folga para a excelente jogadora que foi limitada a apenas oito arremessos em 29 minutos, convertendo três deles. Ela terminou com 8 pontos e 10 rebotes (cinco ofensivos e cinco defensivos. Impensável uma coisa dessas.
Falta chute de longa distância também ao redor de Érika, que acaba ficando muito visada. Nas ocasiões em que a seleção conseguiu ativá-la – seja em descidas mais rápidas para o ataque ou em situações que a grandalhona conseguiu estabelecer posição, as tchecas não titubeavam em mandar uma dupla ou até mesmo tripla marcação. É algo a que a jogadora está habituada, em torneios de Fiba, já que é uma verdadeira força no garrafão, internacionalmente reconhecida. Os oponentes vão fazer de tudo para segurá-la, e o Brasil ainda não encontrou formas de ajudá-la. Angustia.
Nesse ponto, também chama a atenção o modo como Damiris vagou pela quadra, sem muito propósito no jogo. Para um talento desses, alguém que pode realmente efetivamente atacar de dentro para fora, ou de fora para dentro, é um desperdício enorme. O quanto isso tem a ver com alienação tática ou de passividade da jogadora? Uma combinação das duas? Fato é que a ala-pivô poderia interagir muito mais com sua companheira de WNBA – e não necessária ou obrigatoriamente com o high-low que Barbosa tanto adorava, com a famosa conexão Tuiu-Alessandra. Damiris jogou por praticamente 25 minutos e estava zerada até o finalzinho, quando anotou seus dois únicos pontos num tiro de média distância na cabeça do garrafão.
Sem que as duas pivôs, suas jogadoras mais renomadas e qualificadas, produzissem, o ataque basicamente entrou em colapso, convertendo baixíssimos 26% nos arremessos de quadra (18-69), com 13-53 nas bolas de dois pontos. Coletivamente, o time realmente não rendeu, e até mesmo a transição foi inexistente, com apenas sete pontos de contra-ataque, contra dez das adversárias. Pode falar de nervosismo, juventude etc., mas isso não explica tantas falhas. O plano de jogo também deixou a desejar.
Em termos individuais, Tatiane Pacheco chamou a atenção. Embora não tenha terminado com números excepcionais (3-10, 8 pontos e 2 assistências), talvez também pudesse ser mais explorada. A ala de 23 anos foi das poucas em que se mostrou confortável em atacar a partir do drible, com boa envergadura, controle de bola. Depois de substituída no primeiro quarto, demorou para voltar para a quadra. Dá para entender por um lado, já que as alas Jaqueline e a caçula Isabela Ramona foram muito bem na defesa, colocando mais pressão em cima da bola, ajudando a desestabilizar a articulação de jogadas das tchecas, forçando turnovers, que estavam muito tranquilas no primeiro quarto. Mas a ideia seria combinar, equilibrar essa energia com a técnica de Tatiane.
A equipe europeia tem muito mais rodagem, mas não era só isso. Sua linha de frente titular, com Vesela, Burgrova e Viteckova, é muito homogênea, com atletas espichadas e leves, que jogam flutuando com naturalidade. Um simples corta-luz fora da bola era o suficiente para liberar uma dessas atletas para o chute. Já seria um pouco difícil marcar essa bola devido à maior estatura de duas delas comparada com as brasileiras, e a retaguarda ainda falhou em algumas situações de troca, permitindo o arremesso de média distância livre. O jeito foi atacar quem estivesse driblando, mesmo, com as duas alas reservas fazendo bom papel nesse quesito.
Por falar em reservas, o técnico Lubor Blazek pouco usou seu banco. Quatro atletas não ganharam nem um segundinho sequer de ação, enquanto, das oito utilizadas, apenas seis ganharam mais de 10 minutos de jogo – a armadora Sedlakova ficou em 9min54s, enquanto Hejdova recebeu apenas 5min40s. A rotação dificilmente poderia ser mais enxuta que essa. Do outroo lado, Zanon colocou todas as suas 12 jogadoras em quadra, e apenas três delas ficaram abaixo dos dez minutos, numa situação reversa.
Esses números levam a crer que um ritmo mais intenso das brasileiras, com mais pressão quadra inteira, com uma defesa mais adiantada, mesmo, pudesse ter surtido mais efeito, para tentar cansar as oponentes. Claro que o jogo corrido não favorece o basquete de Érika. Mas, se em situações de meia quadra, a seleção não sabia explorá-la, o que fazer?
No jogo cadenciado, a República Tcheca sobrou. Não que seu time fosse lento, arrastado. Pelo contrário. Considerando a estatura de seu núcleo forte, elas eram bem ágeis, e isso surtiu todo o efeito para sua produção ofensiva, com 50% nos tiros de dois (23/46) e 45% de três (5/11). Isto é, quando não desperdiçavam a posse de bola (foram 19 no jogo), concluíam com categoria. Percebe-se um melhor preparo técnico das adversárias e a resultante coesão que se ganha com isso. O ataque sai com muito mais fluidez devido à maior versatilidade.
Nem mesmo uma torção de tornozelo que Burgrova atrapalhou essa movimentação, já que a ala-pivô Alena Hanusova, de apenas 23 anos, executou ainda melhor fazendo um belo terceiro período em seu lugar. Com 15 pontos, 6/8 nos arremessos em 26 minutos. Viteckova marcou 13 pontos, sendo nove deles em disparos de fora, num grande diferencial. Burgrova terminou com 12, enquanto Vesela teve 11. Quer dizer, foram 41 pontos distribuídos para esse quarteto.
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Sei que existe uma espécie de celeuma a respeito da pivô Clarissa, se ela só serve para o basquete nacional Etc. Sinceramente, não vejo razão para discussão. Claro que, pela baixa estatura, ela acaba tendo dificuldade para pontuar próxima do aro, especialmente contra um time tão espichado como o da República Tcheca. Mas sua dedicação e energia em quadra são qualidades indispensáveis. Nesta estreia, ela conseguiu simplesmente oito rebotes ofensivos. Além disso, quando pôde atacar a cesta de frente no segundo tempo, teve sucesso, usando sua velocidade em investidas de dribles curtos, com trilhas bem pensadas. Somou 10 pontos e 10 rebotes em 21 minutos.
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Próximos jogos: Espanha, neste domingo (15h15 de Brasília), e Japão, na segunda-feira (8h). Se derrubar as espanholas é mais complicado, a missão é derrotar as japonesas para conseguir uma vaga nos mata-matas. Com menor número de participantes que a masculina, a Copa feminina tem um formato diferente. Os primeiros colocados de cada grupo se classificam diretamente para as quartas de final, enquanto os segundo e terceiro lugares dão vaga em uma fase que vamos chamar de oitavas de final, mas não é necessariamente isso.