Quebra de establishment e muita torcida no NBB
Giancarlo Giampietro
Não vou sentar aqui e escrever mil maravilhas sobre as classificações de Paulistano e Mogi para as semifinais do NBB. Não que eles não mereçam, mas pelo simples fato de não ter acompanhado tão a fundo o campeonato, à devida maneira – as razões são muitas, mas podemos dizer que tudo se resume a tempo e, de qualquer forma, o texto não é sobre lamúrias de um só residente da Vila Guarani paulistana… Paremos por aqui. Vocês podem até não acreditar, mas nunca me atraí muito pelo charlatanismo. Não adianta inventar onda, usar argumentos abstratos e incensar aquilo sobre o qual não se tem muitas certezas. Ninguém merece. O que posso dizer, então, é especificamente sobre os acontecimentos da sexta-feira de basquete nacional que se passou. Um dia que terminou, fazendo os descontos obrigatórios, com saldo bastante positivo para a liga.
A começar pela quebra do establishment. São dois semifinalistas inéditos, que não constavam realmente em nenhuma bolsa de apostas no início da jornada, assumindo os lugares de Brasília (presença cativa entre os quatro melhores nas primeiras cinco edições da competição), Pinheiros (terceiro em 2011 e 2012) ou Uberlândia (vice do ano passado, e dono de um dos maiores orçamentos do país até esta temporada, algo que vai acontecer na próxima).
Para se definir os finalistas, o jogo nem sempre vai ser disputado em alto nível, algumas limitações técnico e táticas ainda são estridentes, mas também não dá para pegar tudo num punhado só, amassar com cara de asco e atirar na lata de lixo, achando que fez uma baita cesta. Tivemos dois ginásios lotados, tomados inicialmente pela euforia, para depois fazer a inevitável concessão à tensão. Em meio a esse cenário, algo muito relevante: os torcedores visitantes também presentes e fazendo barulho. Um envolvimento, um apego muito bem-vindo.
Dos francanos, não esperamos outra coisa, mesmo que obrigados a percorrer o uma distância maior e encarar o rush de São Paulo para chegar em tempo ao Paulistano. Já a galera de Mogi acaba sendo uma positiva novidade. Obviamente que a cidade tem lastro com o basquete, mas esse vínculo andava dormente. A recente guinada do clube, subindo degrau por degrau, alcançando os holofotes dos playoffs, deixando um gigante como o Pinheiros pelo caminho, serviu para acender a chama novamente. E eles têm feito uma baderna daquelas.
Esse é o resultado de brincar com as emoções de gente que tenha o mínimo interesse pelo esporte em geral. Dois jogos de matar-ou-morrer em sequência? Drama puro, chama público. Ainda mais com o desenvolvimento de suas respectivas narrativas durante a fase decisiva. Para Mogi, essa história ganha até contornos de fábula, com o time terminando a temporada regular com mais derrotas (18) do que vitórias (14), superando o Macaé por apenas um triunfo para garantir a última vaga nos mata-matas, como o 12º colocado. (Explicando, para os que não acompanham a liga: as oitavas de final são uma espécie de playoff preliminar, com chaveamento envolvendo os times que terminaram entre os quinto e 12º lugares, enquanto os quatro demais aguardavam para a disputa das quartas de final.)
Cheio de confiança, Mogi bateu primeiro o Pinheiros, campeão e vice das últimas duas Liga das Américas, e, depois, Limeira, ambos de virada. Já o Paulistano estava posicionado entre os cabeças-de-chave, depois de conquistar uma surpreendente segunda colocação ao término de 32 partidas, com 23 vitórias e 9 derrotas, deixando para trás o poderoso Brasília (21-11), ficando abaixo apenas do Flamengo (26-6), intrometido entre os favoritos. Foi o time de Gustavo de Conti que assisti de perto nesta sexta, como um dos poucos que não xingava alguém no ginásio Antonio Prado Júnior.
(Aliás, aqui cabe outro parêntese: ninguém quer que o público pire na ópera ou entoe um coral creole caribenho, nem nada disso. Mas tudo tem um limite. A cena é recorrente, com o Melk já registrou em crônica lá atrás, mas não deixa de causar espanto: todos aqueles garotinhos com cachinhos angelicais de um clube de elite da maior metrópole do país sentadas na arquibancada, atacando o mundo todo, apoiados, claro, pelos berros dos pais. Do outro lado, a caravana francana não fazia por menos. Foram eles, na verdade, quem deram início aos trabalhos ofensivos, antes do tapinha inicial. E, claro, esse não é um problema exclusivo dos dois clubes envolvidos, nem do NBB e do basquete. Educação, a gente não se vê por aqui.)
Abstraindo as torrenciais indelicadezas, como Paulão, alvo predileto da gurizada, fez por muito tempo, até não aguentar mais, dava para falar em clima de frenesi total, especialmente com a arrancada francana a partir dos minutos finais do terceiro período. A torcida dos visitantes nunca parou de apoiar sua equipe e quase se viu recompensada com uma reação daquelas.
O Paulistano chegou a abrir uma vantagem de 15 pontos no terceiro período, mas viu os adversários empatarem o placar em 72 a 72, a 4min20s do fim. Nesse momento, porém, o ala Henrique Pilar, o grande nome do jogo, voltou a desequilibrar, com seis pontos em sequênca – primeiro numa cesta de três após dobra para cima de Desmond Holloway na zona morta, depois com uma infiltração que resultou em falta-e-cesta, restando 1min21s. A partir daí, Franca se perdeu em precipitações em quadra, buscando sempre o tiro de longa distância, inclusive na posse de bola seguinte ao grande lance de Pilar, saindo de um pedido de tempo, diga-se. Não teve água no chope dos locais.
Venceu o time que apresentou um basquete mais equilibrado durante a noite. De novo: falo especificamente sobre este jogo. Fossem infinitamente superiores, não haveria a necessidade de uma quinta partida e tanto sofrimento. Em linhas gerais, contudo, o time de Gustavo apresenta mais possibilidades. Tem um ataque potencialmente mais imprevisível, sobre o qual escreveremos mais durante a semana.
Ao final do confronto, pausa para falar com alguns atletas, sendo bastante inconveniente, é verdade, em meio a amigos e familiares. Conversa vai, conversa vém, tudo muito bom, mas, quando a turma da TV não para de passar pedir licença, penando para desarmar o aparato da transmissão, estava sinalizada que era mais do que hora de subir a Augusta (veja bem: su-bir a Augusta e, não, des-cer) e voltar para casa. Deu tempo para ignorar o finalzinho do jantar da família, ir direto para o sofá, cheio de maus modos, e pegar o quarto período de Limeira x Mogi. Deu tempo para ver o time do forasteiro Paco García se comportar muito bem emocionalmente nos minutos finais, resistindo à pressão de mais um desfecho dramático, celebrando seus novos heróis. Sobre esses heróis, também ampliar a discussão na sequência. O que vale, primeiro, é registrar o surgimento deles, nem que sejam efêmeros, para Mogi das Cruzes e, quiçá, para o público um tanto invocado e não necessariamente engajado do Paulistano. Para um NBB que ainda luta por espaço, por identidade, um ótimo passo.